Resumos
As UCPs constituem um subgrupo das proteínas carreadoras mitocondriais que estão localizadas na membrana mitocondrial interna. Por meio da dissipação do gradiente de próton, elas desacoplam a fosforilação oxidativa e convertem combustível em calor. Foram identificadas quatro isoformas da UCP. A UCP-1 foi a primeira a ser descoberta, sendo encontrada exclusivamente no tecido adiposo marrom, a UCP-2 é encontrada em vários tecidos, a UCP-3 encontra-se no músculo esquelético em humanos e tecido adiposo marrom e músculo esquelético em roedores, enquanto a UCP-4 é expressa no cérebro. A expressão da UCP-3 no músculo esquelético e no tecido adiposo marrom pode fazer destes tecidos importantes mediadores da termogênese adaptativa. No entanto, o papel da UCP-3 quanto ao gasto de energia e como causa da obesidade ainda não passa de uma hipótese. Há evidências de que a UCP-3 seja regulada pelos substratos energéticos, tais como ácidos graxos e glicose que, ao entrarem no músculo, provocam aumento da UCP-3 e aumento no gasto de energia. Nosso objetivo nesta revisão foi descrever e discutir as informações disponíveis sobre a regulação da UCP-3, e sua possível relação com o controle do peso corporal.
Proteína desacopladora; Tecido muscular; Exercício físico; Substratos energéticos
Uncoupling proteins constitute a subgroup of mitochondrial carrier proteins that are located in the inner mitochondrial membrane. By dissipating proton gradients, they act to uncouple respiration from oxidative phosphorylation and convert fuel to heat. Four homologous UCP isoforms have been identified. UCP-1, the first UCP to be described, is found exclusively in brown adipose tissue, UCP-2 in several tissues, UCP-3 in human skeletal muscle and rat brown adipose tissue and skeletal muscle, whereas UCP-4 is expressed in the brain. Expression of UCP-3 in the skeletal muscle and the brown adipose tissue may place these tissues as important mediators for adaptative thermogenesis. However, the role of UCP-3 in energy expenditure and as a cause of obesity has been controversial. There are evidences that UCP-3 can be regulated by energy substrates as fatty acids and glucose, by entering the muscle and stimulating UCP-3 to increase energy expenditure. Our aim in this review was to describe and discuss the available information on UCP-3 regulation and its possible relation with body weight control.
Uncoupling protein; Muscle tissue; Physical exercise; Energy substrates
REVISÃO
UCP-3: regulação da expressão gênica no músculo esquelético e possível relação com o controle do peso corporal
UCP-3: regulation of genic expression on skeletal muscle and possible role on body weight control
Tatiane Z. DepieriI, II; Roberta R. PintoI; Juliana K. CatarinI; Magda C.L. de CarliI, II ; Jair R. Garcia JúniorI
IPró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UNOESTE, Presidente Prudente, SP
IIUniversidade Paranaense UNIPAR, Curitiba, PR
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Jair Rodrigues Garcia Júnior Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, UNOESTE Rod. Raposo Tavares, Km 572 - Limoeiro 19067-175 Presidente Prudente, SP Fax: (18) 229-2080 E-mail: jgjunior@posgrad.unoeste.br Recebido em 31/01/03 Revisado em 04/08/03 e 16/02/04 Aceito em 24/02/04
RESUMO
As UCPs constituem um subgrupo das proteínas carreadoras mitocondriais que estão localizadas na membrana mitocondrial interna. Por meio da dissipação do gradiente de próton, elas desacoplam a fosforilação oxidativa e convertem combustível em calor. Foram identificadas quatro isoformas da UCP. A UCP1 foi a primeira a ser descoberta, sendo encontrada exclusivamente no tecido adiposo marrom, a UCP2 é encontrada em vários tecidos, a UCP3 encontra-se no músculo esquelético em humanos e tecido adiposo marrom e músculo esquelético em roedores, enquanto a UCP4 é expressa no cérebro. A expressão da UCP3 no músculo esquelético e no tecido adiposo marrom pode fazer destes tecidos importantes mediadores da termogênese adaptativa. No entanto, o papel da UCP3 quanto ao gasto de energia e como causa da obesidade ainda não passa de uma hipótese. Há evidências de que a UCP3 seja regulada pelos substratos energéticos, tais como ácidos graxos e glicose que, ao entrarem no músculo, provocam aumento da UCP3 e aumento no gasto de energia. Nosso objetivo nesta revisão foi descrever e discutir as informações disponíveis sobre a regulação da UCP3, e sua possível relação com o controle do peso corporal.
Descritores: Proteína desacopladora; Tecido muscular; Exercício físico; Substratos energéticos
ABSTRACT
Uncoupling proteins constitute a subgroup of mitochondrial carrier proteins that are located in the inner mitochondrial membrane. By dissipating proton gradients, they act to uncouple respiration from oxidative phosphorylation and convert fuel to heat. Four homologous UCP isoforms have been identified. UCP1, the first UCP to be described, is found exclusively in brown adipose tissue, UCP2 in several tissues, UCP3 in human skeletal muscle and rat brown adipose tissue and skeletal muscle, whereas UCP4 is expressed in the brain. Expression of UCP3 in the skeletal muscle and the brown adipose tissue may place these tissues as important mediators for adaptative thermogenesis. However, the role of UCP3 in energy expenditure and as a cause of obesity has been controversial. There are evidences that UCP3 can be regulated by energy substrates as fatty acids and glucose, by entering the muscle and stimulating UCP3 to increase energy expenditure. Our aim in this review was to describe and discuss the available information on UCP3 regulation and its possible relation with body weight control.
Keywords: Uncoupling protein; Muscle tissue; Physical exercise; Energy substrates
AS PROTEÍNAS DESACOPLADAS (uncoupling proteins UCP) são membros da família de proteínas carreadoras mitocondriais, que incluem a UCP1, UCP2, UCP3 e UCP4 (1). A primeira proteína desacopladora foi descoberta por Ricquier e Kader (2). Esta proteína está localizada na membrana mitocondrial interna e, pela dissipação do gradiente de próton da membrana interna da mitocôndria, desacopla a fosforilação oxidativa da síntese de ATP, produzindo apenas calor (3) (figura 1). A UCP1 está associada com a termogênese do tecido adiposo marrom (TAM) (4) e foi encontrada exclusivamente neste tecido. O TAM está presente em todos os mamíferos pequenos e nos recém-nascidos de mamíferos maiores, inclusive humanos (5). O TAM consiste de células adiposas marrons que são morfologicamente e funcionalmente distintas das células adiposas brancas. As células adiposas marrons contêm gotículas de triglicerídeos e numerosas mitocôndrias caracterizadas por maior desenvolvimento da membrana interna. A termogênese no TAM é ativada em recém-nascidos, em roedores expostos ao frio e em animais que saem da hibernação. Por ser menos abundante em grandes mamíferos adultos, seu papel é menos relevante. A UCP1 é altamente regulada, sendo sua atividade diminuída por nucleotídeos de purina, difosfato ou trifosfato e aumentada por ácidos graxos (6). (figura 1)
Em 1997, duas novas proteínas desacopladoras foram descobertas: UCP2 e UCP3. De natureza similar à UCP1, a UCP2 e UCP3 parecem funcionar como desacopladoras da fosforilação oxidativa, mas com distribuição em tecidos diferentes da UCP1 (7-9). A UCP2 é expressada no músculo esquelético de humanos, coração, placenta, pulmão, fígado, rins, pâncreas e tecido adiposo branco (10). A UCP3, principalmente no músculo esquelético em humanos e no tecido adiposo marrom e músculo esquelético em roedores (4). Desde que o músculo esquelético e o TAM são considerados importantes locais para o gasto de energia em humanos e roedores, respectivamente, a UCP3 pode ser um importante mediador da termogênese adaptativa (11).
A UCP2 e a UCP3 têm seqüências de aminoácidos altamente homólogas à UCP1 em comparação com outros membros da família das proteínas carreadoras mitocondriais. Suas identidades são de 55% e 56%, respectivamente, enquanto a outra proteína carreadora mitocondrial que mais se relaciona com a UCP é a carreadora de 2-oxoglutarato/malato que tem 32% de identidade. Dois outros carreadores expressados predominantemente no cérebro e mostrando alguma atividade desacopladora foram recentemente identificados e referidos como proteína carreadora mitocondrial cerebral 1 (BCMP1) ou UCP4, que é menos similar à UCP1 (6).
Consideradas descobertas importantes, a clonagem da UCP2 e UCP3 tem produzido entusiasmo, devido à hipótese de que, semelhantemente à UCP1 no TAM, estas UCPs homólogas podem ser mediadoras da termogênese adaptativa em outros tecidos e responsáveis pela oxidação do excesso de energia consumido (12,13). Numa direção um pouco diferente, há estudos demonstrando a importância das UCPs no controle da geração de radicais livres, principalmente quando há aumento dos processos oxidativos mitocondriais (13,14). Desse modo, serão revisadas e discutidas as funções e a regulação da UCP3, enfocando seu papel termogênico sob a perspectiva de atuar no controle do peso corporal.
Expressão da UCP3
A UCP3 é expressa preferencial e significantemente no músculo esquelético humano, sendo transcrita nas formas longa e curta, a UCP3L e a UCP3S, respectivamente (15). A UCP3L é uma proteína de 312 aminoácidos e a UCP3S é uma proteína de 275 aminoácidos, com ausência do último domínio transmembrana (16).
O gene da UCP3S é programado para codificar uma proteína com falha nos últimos 37 resíduos C-terminais da UCP3L, sendo gerada quando uma divisão e um sinal de poliadenilação (AATAAA) localizado no último intron terminam prematuramente o alongamento da mensagem (15).
Alguns autores relatam que ambas as transcrições de UCP3S e UCP3L são igualmente expressas nos músculos e são coordenadamente reguladas pelo jejum. Mutação genética que impede a síntese da UCP3L e permite apenas da UCP3S determina marcante redução da oxidação de gordura e um quociente respiratório elevado, sugerindo que a mudança na proporção UCP3L/UCP3S pode ter efeito no metabolismo dos lipídeos (9).
UCP3 e sua relação com a obesidade
Devido ao fato de a UCP funcionar como dissipadora da energia (sob a forma de calor) que seria utilizada para ressíntese do ATP, indiretamente ela provoca maior consumo de substratos energéticos. A descoberta de sua presença em uma grande variedade de tecidos, além do tecido adiposo marrom, trouxe grandes perspectivas em relação ao seu possível papel na etiologia da obesidade. Alguns pesquisadores propõem que a UCP funcione como um ciclo fútil de prótons, pois como há diminuição da eficiência da síntese de ATP, ocorre aumento do catabolismo dos nutrientes como forma de manter a repleção do ATP. Mesmo quando só se conhecia a UCP1, já havia evidências de que a termogênese era deficiente em alguns casos de obesidade em pequenos roedores. Mais recentemente, com o conhecimento das outras duas isoformas dessa proteína, já se estabeleceram relações delas com a obesidade, como, por exemplo, a diminuição da expressão gênica da UCP2 em músculos abdominais de obesos (12) e a correlação inversa entre expressão gênica da UCP3 e o índice de massa corporal (17).
O tecido adiposo branco e o muscular esquelético são os dois mais abundantes tecidos corporais, porém apenas o tecido muscular desempenha papel significativo na termogênese nos mamíferos adultos. Deste modo, a identificação da UCP3 produziu um grande interesse, associado com pesquisas sobre obesidade, pois a UCP3 é constitutivamente expressada no tecido muscular. A idéia de que disfunções na UCP3 relacionem-se com a obesidade suscitou do mapeamento do gene da UCP3 no cromossomo 11 de humanos e cromossomo 7 de camundongos, regiões relacionadas com a obesidade e hiperinsulinemia. Ao mesmo tempo, foi demonstrado que a expressão gênica da UCP3 está diminuída na obesidade, em camundongos obesos com deficiência de leptina e em ratos Wistar obesos com resistência à leptina (10,18).
Alterações extremas na expressão da UCP2 e/ou UCP3 têm sido documentadas na obesidade, caquexia e inflamações, sugerindo que a desregulação dessas duas proteínas pode contribuir para estas condições (18).
Em ratos Zucker obesos, foi observada diminuição de 42% na expressão do RNAm da UCP3 no TAM e diminuição de 41% no músculo sóleo, quando comparados com ratos magros (9).
Papel da UCP3 no músculo esquelético e tecido adiposo marrom
O papel do TAM na termogênese adaptativa em humanos adultos e a relação de sua função com a etiologia da obesidade humana são inexistentes devido à pequena quantidade desse tecido em humanos. Esta situação está servindo para desviar maior atenção para o músculo esquelético, o qual, pela sua massa (cerca de 40% do peso corporal), tem sido entendido como o principal local da termogênese adaptativa em grandes mamíferos.
Diferentemente do TAM, os mecanismos básicos da termogênese no músculo esquelético são ainda pobremente compreendidos. No entanto, relatos dos anos 90 de que o fenômeno de escoamento dos prótons pelas mitocôndrias também existe em outros tecidos além do TAM, e que poderia contribuir com pelo menos 50% da produção de calor, induziram a busca pelas UCPs no músculo esquelético (19). Isto conduziu à descoberta de vários novos membros da família das UCPs (UCP2 e UCP3) e a UCP do TAM foi renomeada de UCP1 (5).
No TAM, a exposição ao frio por 48 horas provoca aumento de 1,5 vezes na expressão do RNAm da UCP3, sendo este efeito menos pronunciado do que na UCP1 (aproximadamente 5 vezes). Portanto, a UCP3 do TAM do rato, que é expressa abaixo de condições basais para aproximadamente o mesmo nível da UCP1, deve contribuir para termogênese, porém menos que a UCP1 na adaptação ao frio. No músculo esquelético, a exposição por 48 horas ao frio não mudou a expressão do RNAm da UCP3 no músculo tibial anterior do rato (20). De qualquer modo, um estudo mostrou que a expressão do RNAm da UCP3 é maior entre 6 e 24 horas de exposição ao frio e diminui depois de 6 dias de adaptação à baixa temperatura; portanto, a UCP3 pode contribuir para a termogênese sem tremores apenas na resposta aguda à exposição ao frio. No entanto, aumento significativo da UCP3 foi observado em esquilos durante a hibernação (9). Em humanos expostos ao frio, ocorrem tremores e calafrios para aumentar a produção de calor, estando ainda indefinido o quanto a regulação positiva da UCP3 no tecido muscular poderia contribuir para a adaptação à baixa temperatura a curto e a longo prazo.
De forma semelhante, o consumo excessivo de alimento provoca, em roedores, aumento da atividade metabólica do TAM por estimulação da UCP1, para maior dispêndio de energia (21,22), enquanto em humanos há aumento do gasto de energia por termogênese com atividade, mas sem exercício (remexer, manter postura, movimentar espontaneamente), que corresponde ao gasto de aproximadamente 33% da energia consumida em excesso (23). Infelizmente, ainda não há resposta para o quanto o aumento da expressão gênica e da atividade da UCP3 pode contribuir para o dispêndio do excesso de energia nestas situações. No estudo de Levile e cols. (23), foi observado gasto de aproximadamente 8% devido à alteração do gasto energético de repouso, talvez um indicativo do aumento da atividade de proteínas celulares como as UCPs ou Ca2+ATPase (SERCA), que libera calor da hidrólise do ATP durante o seqüestro de Ca2+ para o retículo sarcoplasmático (24). O treinamento com exercício físico é uma situação que estimula a expressão gênica das proteínas SERCA na musculatura esquelética (25), tornando mais eficiente o seqüestro de Ca2+ para o retículo sarcoplasmático e, conseqüentemente, o relaxamento muscular. Fica a dúvida se estas proteínas mantêm atividade aumentada também durante o repouso ou apenas durante o exercício, quando são mais requisitadas.
Por outro lado, o jejum por um período de 48 horas diminui a expressão do RNAm da UCP3 no TAM em 74%. Portanto, no TAM, a UCP3 age principalmente em resposta ao frio como uma proteína termogênica (19).
Se, por um lado, o efeito do frio na expressão da UCP3 parece ser lógico, o efeito do jejum pode ser considerado surpreendente. Um período de 48 horas de jejum aumentou a expressão do RNAm da UCP3 no músculo sóleo e tibial anterior de ratos, 2 e 6 vezes, respectivamente (19). Em humanos, o mesmo tipo de observação foi relatado (26). No músculo esquelético, a restrição alimentar diminui a expressão gênica da UCP3 e não altera (13) ou aumenta a expressão gênica da UCP2 (16). Em sujeitos magros e obesos mantidos com uma dieta hipocalórica (248Kcal/d), observa-se grande aumento na expressão da UCP3 no músculo vasto lateral (27). A razão para o aumento da expressão da UCP3 nos músculos durante o jejum é difícil explicar. Há uma hipótese de que, durante o jejum, a atividade do TAM é moderada e a atividade da UCP3 no músculo esquelético aumenta para prevenir uma perigosa diminuição na temperatura corporal (9,16), assim como ocorre em resposta à exposição aguda ao frio e hibernação, quando a UCP3 age como uma verdadeira proteína termogênica.
Ácidos graxos livres e regulação da UCP3
A redução dos triglicerídeos contidos nos músculos esqueléticos pode prevenir o desenvolvimento da diabete mellitus. Para prevenção do acúmulo excessivo do triglicerídeo nos músculos esqueléticos e da obesidade, o papel fisiológico e a regulação da expressão da UCP3 no músculo esquelético estão sendo extensamente estudados. Estudos têm revelado que a circulação de ácidos graxos livres (AGL) regula a expressão do RNAm da UCP3 (28). Visto que há uma forte e positiva relação entre a concentração de AGL no sangue e a concentração da UCP3 nos músculos esqueléticos, o AGL pode ser o mais importante regulador da UCP3 no músculo esquelético.
O jejum é um estado que causa aumento na concentração e oxidação dos ácidos graxos. No músculo, o jejum causa aumento marcante na expressão do RNAm da UCP3 em camundongos, ratos e humanos, provavelmente por estímulo da concentração elevada de AGL (26). Observa-se, no jejum, o aumento da expressão do RNAm da UCP3 no músculo esquelético, o que persiste até a alimentação, quando diminui a concentração de AGL no sangue (13). Em ratos em jejum por 46 horas, a administração de um agente antilipolítico, o ácido nicotínico, que previne completamente o aumento de AGL, há diminuição da expressão do RNAm da UCP3 no músculo sóleo, enquanto a infusão de heparina provoca aumento da expressão gênica da UCP3 (26). A expressão do RNAm da UCP3 no músculo gastrocnêmio foi elevada em ratos que se tornaram diabéticos pelo uso de streptozotocina e tiveram a concentração de AGL no plasma significantemente aumentada. Em humanos, a expressão do RNAm da UCP3 é positivamente correlacionada com a circulação de AGL (28).
Vários estudos mostram que a região 5' do gene da UCP1 contém um receptor ativado pelo proliferador de peroxisoma (PPAR), que está envolvido na expressão da UCP1 (26). O músculo esquelético também expressa o PPAR, e a possível existência do elemento resposta PPAR no gene da UCP3 poderia produzir um mecanismo pelo qual os AGL, que ligam-se ao PPAR, aumentam a expressão da UCP3 no músculo. Nas células musculares, nas células C2C12 e nos miotúbulos L6, o AGL e o tratamento com lipídios regularam positivamente a expressão do RNAm da UCP3 (29). O BRL49653, um ligante para o receptor nuclear de hormônios e para o PPAR, induz a expressão do RNAm da UCP3 nas células C2C12, sugerindo que o PPAR pode regular a transcrição do gene da UCP3 (28).
Além disso, para examinar se a indução do AGL na regulação da UCP3 foi mediada pela razão AGL/acetilCoA intracelular ou pelo aumento da boxidação mitocondrial de ácidos graxos, dois estudos foram realizados. A adição do ácido bromopalmítico, um análogo do ácido graxo não metabolizado, regulou positivamente a UCP3 em miotubos L6. Já a alimentação junto com a administração de metil-palmoxirato (um inibidor da carnitina que impede a entrada do AGL na mitocôndria e, conseqüentemente, aumenta o AGL no sangue) preveniu a regulação negativa do RNAm da UCP3 (29). Essas descobertas levam os autores a sugerirem que o acúmulo de ácidos graxos ou acetilCoA intracelular pode ativar os PPAR, que regulam positivamente a expressão da UCP3 (28).
Em resumo, o aumento da expressão da UCP3 no músculo esquelético induzido pelo jejum leva a incerteza quanto ao papel desta proteína como um mediador da termogênese e, para mensurar o impacto da UCP3 no gasto de energia, futuros estudos deveriam verificar a possibilidade da UCP3 ter um papel direto no metabolismo de AGL pelos músculos durante o jejum.
Metabolismo da glicose, exercício físico e UCP3
Assim como acontece com os ácidos graxos, é possível que o aumento na entrada de glicose no músculo esquelético resulte num aumento da UCP3. O exercício físico consome grande quantidade de ATP dos músculos esqueléticos, e os ácidos graxos e a glicose são utilizados para fornecer esta energia. Alguns pesquisadores relatam que ratos exercitados por duas semanas ou em um único turno de natação apresentaram aumento de 14-18 vezes do RNAm da UCP3 em músculos esqueléticos 3 horas após a última natação (28). Entretanto, 22 horas após o exercício, quando a glicose retornou à sua concentração normal, a concentração do RNAm da UCP3 no músculo esquelético voltou a ficar semelhante à da condição sedentária (28).
O aumento da expressão do transportador de glicose (GLUT4) no músculo esquelético e no tecido adiposo resulta em um aumento do fluxo de glicose intracelular nestes tecidos e melhora a tolerância da glicose em todo o corpo. De acordo com alguns autores, o RNAm da UCP3 e GLUT4 no músculo esquelético de ratos aumentou duas a três vezes entre 6 e 24 horas de exposição ao frio e diminuiu 50% do valor controle depois de seis dias no frio. Além disso, relataram que a concentração do RNAm da UCP3 no músculo esquelético de pacientes diabéticos não dependentes de insulina (NIDDM) foi menor do que em sujeitos controle. Eles também observaram correlação positiva entre a expressão da UCP3 em músculos esqueléticos e a utilização da glicose mediada pela insulina em indivíduos NIDDM. Estas observações levam a sugerir que o aumento da entrada de glicose no músculo resulta em aumento da expressão da UCP3, que leva ao aumento no gasto de energia (30). Em conclusão, a superexpressão do GLUT4 leva à regulação positiva do RNAm da UCP3 no músculo esquelético, indicando que, em adição aos ácidos graxos, aumento no influxo de glicose pode regular o RNAm da UCP3, e sugerindo que as mudanças na utilização dos dois substratos, no fluxo através do ciclo do ácido tricarboxílico e na produção de ATP podem estar relacionados com a regulação positiva do RNAm da UCP3.
Em 1998, alguns pesquisadores mediram a concentração do RNAm da UCP3 nos músculos tibial anterior e sóleo de ratos treinados por oito semanas, depois que estes se recuperaram da última sessão de exercícios. Os resultados mostraram que o treinamento de resistência reduz consideravelmente a concentração do RNAm da UCP2 e UCP3 em ambos os músculos (tibial anterior e sóleo). Diminuição na expressão da UCP no músculo esquelético favorece o armazenamento de energia durante a fase de recuperação e permite maior capacidade para executar trabalho mecânico durante exercícios subseqüentes. O efeito do treinamento na expressão do RNAm da UCP2 e UCP3 foi mais significativo no músculo tibial anterior (fibras de contração rápida, tipo IIa e IIb) em comparação ao músculo sóleo (fibras de contração lenta, tipo I), o que leva a sugerir que os músculos que dependem mais de glicose do que da oxidação de ácidos graxos para seu fornecimento de ATP ganham maior eficiência energética com o treinamento (31).
Outros moduladores da UCP3
Agonistas badrenérgicos
O adrenoceptor b3 não é expresso em concentrações significantes no músculo esquelético e TAM de roedores. Contudo, a administração de agonistas adrenérgicos in vivo tem demonstrado afetar a expressão do RNAm da UCP3 nesses tecidos (9). Trinta horas após administração do agonista badrenérgico RO 16-8714, verificou-se aumento da expressão do RNAm da UCP3 no TAM em ratos Zucker obesos, e o tratamento crônico com o agonista b3 BRL 35135 também aumentou a expressão do RNAm no TAM de ratos Zucker obesos (9). Resultados similares foram obtidos com CL 316,243 usando camundongos hiperglicêmicos. No entanto, outros pesquisadores não observaram nenhum efeito agudo no tratamento com CL 316,243 na expressão do RNAm da UCP3 no TAM (32).
Os efeitos observados com a administração de BRL 35135 consistiram em aumento da expressão do RNAm da UCP3 no músculo sóleo de ratos Zucker magros e nenhuma mudança significativa em obesos. O fato do BRL 35135 não estimular a expressão da UCP3 no músculo de ratos Zucker obesos e estimular em ratos magros pode indicar que a obesidade leva à resistência do atípico adrenoceptor b muscular para agonistas específicos (9).
Insulina e leptina
Pedersen e cols. (33) realizaram estudo in vitro com o músculo extensor digitório longo (EDL) sob estímulo da insulina, e observaram aumento de 2 vezes da expressão gênica do RNAm da UCP3. Encontraram, ainda, resultados semelhantes com a estimulação elétrica e com o uso da droga 5-aminoimidazole-4-carboximida-ribosídeo (AICAR), um ativador da proteína quinase ativada por AMP (AMPK), e observaram que o aumento do RNAm da UCP3 não dependia da captação de glicose, concluindo que a ativação da AMPK é a via comum para ação da insulina e contração muscular sobre a expressão da UCP3.
Em ratos diabéticos, observou-se diminuição e aumento na expressão do RNAm da UCP3 no TAM e no músculo gastrocnêmio, respectivamente (34). O tratamento com insulina, por outro lado, restabeleceu a expressão normal da UCP3 em ambos os tecidos. Não está completamente claro se a insulina exerce ou não um efeito inibitório direto na expressão da UCP3 no músculo esquelético. Em ratos diabéticos, o efeito da falta de insulina pode ser uma via indireta para aumentar os ácidos graxos livres na circulação, sendo estes os reguladores da UCP3.
Em pacientes humanos, os resultados que poderiam ajudar a compreender os efeitos da insulina na expressão da UCP3 do músculo esquelético são contraditórios. Em NIDDM, existem relatos de diminuição (35) e aumento na expressão da UCP3 no músculo vasto lateral (10). Portanto, outros estudos são definitivamente necessários para responder a questão da direção dos efeitos da insulina na expressão da UCP3 no músculo esquelético.
A leptina está relacionada ao controle do peso corporal por meio da regulação da homestase energética (36). Com a administração da leptina, observa-se aumento de 62% na expressão da UCP3 no TAM de ratos (37) e também prevenção de sua diminuição induzida pela restrição alimentar em ambos TAM e músculo esquelético (13).
Triiodotironina (T3)
O hormônio da tireóide (T3) tem como principal função aumentar a taxa metabólica e o dispêndio de energia. Estudo sobre sua ação nas células de roedores demonstrou aumento da respiração mitocondrial e promoção do desacoplamento entre o consumo de oxigênio e a síntese de ATP (38). Os efeitos do T3 que podem contribuir para termogênese são a ativação da bomba de Na+/K+, ativação de ciclos de substratos, biogênese mitocondrial e estimulação da expressão gênica e ativação das UCP1 e UCP3 (39). Estudos com camundongos, ratos e humanos demonstram haver correlação positiva entre a concentração de T3 e a expressão gênica do RNAm da UCP3 em músculo esquelético (38,40,41).
A administração de dose única do T3 em ratos hipotireóideos provocou aumento progressivo na UCP3 no músculo gastrocnêmio (até 12 vezes) e na taxa metabólica de repouso (até 45%) 65 horas após a injeção. Paralelamente, observou-se diminuição da taxa de fosforilação (40%) e do potencial de membrana (8%) mitocondrial (42). A administração do hormônio da tireóide (T3) durante três dias em roedores provoca aumento da expressão de ambas as UCP2 e UCP3 no músculo esquelético, e isto poderia representar, em parte, um mecanismo pelo qual o T3 aumenta a taxa metabólica. Certamente, o efeito de aumento da taxa metabólica pelo T3 não é totalmente dependente da estimulação das UCPs, já que camundongos transgênicos com deleção do gene que codifica a UCP3 continuam respondendo normalmente ao hormônio (43).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideradas descobertas relevantes, a clonagem da UCP2 e UCP3 nos tecidos adiposo e muscular esquelético tem produzido entusiasmo considerável devido à proporção destes em relação ao peso corporal e à possibilidade de que possam atuar como a UCP1 do TAM, mediando a termogênese adaptativa e controlando o peso corporal. A regulação da expressão gênica e ativação da UCP2 e UCP3, bem como a real relevância delas entre os mecanismos de controle do peso corporal, ainda carecem de melhor definição, porém, a compreensão de sua regulação pode levar a novas e mais eficientes terapias, inclusive com o desenvolvimento de drogas destinadas a facilitar a oxidação de gorduras e o gasto de energia.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Ago 2004 -
Data do Fascículo
Jun 2004
Histórico
-
Revisado
16 Fev 2004 -
Recebido
31 Jan 2003 -
Aceito
04 Fev 2004