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Hipotireoidismo primário simulando volumoso macroadenoma hipofisário

Primary hypothyroidism mimicking pituitary macroadenoma

Resumos

Mulher de 21 anos apresenta história de 2 anos de irregularidade menstrual, com períodos de amenorréia de até 8 meses e ganho ponderal e há 1 ano galactorréia e cefaléia holocraniana. Exames da ocasião: TSH: 1192 mUI/ml (0,27-4,2); T4T:1,0 mg/dl (4,4-11,4) ; T3T: 0,41 ng/ml (0,7-2,1); prolactina: 69,2 ng/ml (3-20). Em serviço de endocrinologia foi confirmado quadro de mixedema acompanhado de galactorréia. Ressonância magnética (RM) de hipotálamo-hipófise mostrou lesão expansiva intra e supra selar com 1,9 x 1,4 x 1,9 cm nos seus maiores diâmetros, determinando compressão e desvio do quiasma óptico. Diante da possibilidade de hiperplasia das células produtoras de TSH, optamos por iniciar o tratamento do hipotireoidismo com levotiroxina. Após 2 meses de tratamento e normalização dos níveis séricos dos hormônios tireoidianos e do TSH, nova RM mostrou hipófise de tamanho normal. A regressão do volume hipofisário após terapia com levotiroxina confirmou a hipótese diagnóstica de hiperplasia hipofisária decorrente do hipotireoidismo primário. Nossos achados reforçam a importância da avaliação dos hormônios tireoideanos e TSH na investigação de aumento de volume hipofisário prevenindo uma cirurgia desnecessária.

Hipotireoisdimo primário; Mixedema; Galactorréia Hiperplasia hipofisária; Macroadenoma hipofisário


A 21-year-old woman complaining of 8-month amenorrhea associated to weight gain, galactorrhea and frequent headaches, presented for clinical evaluation; her laboratory tests were: TSH: 1192 mUI/ml (0.27-4.2); TT4: 1.0 mg/dl (4.4-11.4l); TT3: 0.41 ng/ml (0.7-2.1); prolactin: 69.2 ng/ml (3-20) and a diagnosis of myxedema associated to galactorrhea was made. A hypothalamic-pituitary magnetic resonance imaging (MRI) showed a suprasellar and intrasellar mass lesion of 1.9 x 1.4 x 1.9 cm, determining compression and deviation of the optic chiasm. Due to the possibility of hyperplasia of the TSH-producing cells, treatment of hypothyroidism was initiated with levothyroxine. Two months later, upon normalization of thyroid hormones and TSH levels, a second MRI showed an anatomically normal pituitary gland. Regression of the pituitary mass after treatment with levothyroxine confirmed the hypothesis of pituitary hyperplasia secondary to primary hypothyroidism. Our findings support the importance of determining thyroid function tests during the investigation of pituitary masses and thus avoiding an unnecessary surgery.

Primary hypothyroisdim; Myxedema; Galactorrhea; Pituitary hyperplasia; Pituitary macroadenoma


APRESENTAÇÃO DE CASO

Hipotireoidismo primário simulando volumoso macroadenoma hipofisário

Primary hypothyroidism mimicking pituitary macroadenoma

Carolina C. R. Betônico; Ricardo Rodrigues; Suzan C. L. Mendonça; Paulo Tannus Jorge

Departamento de Endocrinologia da Universidade Federal de Uberlândia, MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Carolina de Castro Rocha Betônico Rua Coriolano Gomes Palmeira 160 apto 92 19013-790 Presidente Prudente, SP

RESUMO

Mulher de 21 anos apresenta história de 2 anos de irregularidade menstrual, com períodos de amenorréia de até 8 meses e ganho ponderal e há 1 ano galactorréia e cefaléia holocraniana. Exames da ocasião: TSH: 1192 mUI/ml (0,27-4,2); T4T:1,0 mg/dl (4,4-11,4) ; T3T: 0,41 ng/ml (0,7-2,1); prolactina: 69,2 ng/ml (3-20). Em serviço de endocrinologia foi confirmado quadro de mixedema acompanhado de galactorréia. Ressonância magnética (RM) de hipotálamo-hipófise mostrou lesão expansiva intra e supra selar com 1,9 x 1,4 x 1,9 cm nos seus maiores diâmetros, determinando compressão e desvio do quiasma óptico. Diante da possibilidade de hiperplasia das células produtoras de TSH, optamos por iniciar o tratamento do hipotireoidismo com levotiroxina. Após 2 meses de tratamento e normalização dos níveis séricos dos hormônios tireoidianos e do TSH, nova RM mostrou hipófise de tamanho normal. A regressão do volume hipofisário após terapia com levotiroxina confirmou a hipótese diagnóstica de hiperplasia hipofisária decorrente do hipotireoidismo primário. Nossos achados reforçam a importância da avaliação dos hormônios tireoideanos e TSH na investigação de aumento de volume hipofisário prevenindo uma cirurgia desnecessária.

Descritores: Hipotireoisdimo primário; Mixedema; Galactorréia Hiperplasia hipofisária; Macroadenoma hipofisário

ABSTRACT

A 21-year-old woman complaining of 8-month amenorrhea associated to weight gain, galactorrhea and frequent headaches, presented for clinical evaluation; her laboratory tests were: TSH: 1192 mUI/ml (0.27-4.2); TT4: 1.0 mg/dl (4.4-11.4l); TT3: 0.41 ng/ml (0.7-2.1); prolactin: 69.2 ng/ml (3-20) and a diagnosis of myxedema associated to galactorrhea was made. A hypothalamic-pituitary magnetic resonance imaging (MRI) showed a suprasellar and intrasellar mass lesion of 1.9 x 1.4 x 1.9 cm, determining compression and deviation of the optic chiasm. Due to the possibility of hyperplasia of the TSH-producing cells, treatment of hypothyroidism was initiated with levothyroxine. Two months later, upon normalization of thyroid hormones and TSH levels, a second MRI showed an anatomically normal pituitary gland. Regression of the pituitary mass after treatment with levothyroxine confirmed the hypothesis of pituitary hyperplasia secondary to primary hypothyroidism. Our findings support the importance of determining thyroid function tests during the investigation of pituitary masses and thus avoiding an unnecessary surgery.

Keywords: Primary hypothyroisdim; Myxedema; Galactorrhea; Pituitary hyperplasia; Pituitary macroadenoma

O HIPOTIREOIDISMO PRIMÁRIO PODE freqüentemente estar associado com níveis elevados de prolactina, e menos comumente, com amenorréia e galactorréia (1, 2). O alargamento da sela túrcica pode ocorrer no hipotireoidismo primário, devido a diminuição crônica dos níveis circulantes de T3 e T4 com hipersecreção do TSH, e subsequente hiperplasia pituitária (2,3). Este aumento do volume hipofisário devido à hiperplasia dos tireotrofos pode ser de difícil diagnóstico, por acompanhar-se de hiperprolactinemia e galactorréia, simulando um adenoma hipofisário (4).

Relato de Caso

Trata-se de uma paciente de 21 anos, com história de 2 anos de quadro de irregularidade menstrual, com períodos de amenorréia de até 8 meses, acompanhada de ganho ponderal e há 1 ano galactorréia e cefaléia holocraniana freqüente. Procurou atendimento médico onde foram solicitados os seguintes exames: TSH: 1192 mUI/ml (0,27 a 4,2); T4T:1,0 mg/dl (4,4 a 11,4); T3T: 0,41 ng/ml (0,7 a 2,1); prolactina: 69,2 ng/ml (3 a 20). Tomografia computadorizada de hipotálamo-hipófise revelou lesão expansiva intra e supra selar, determinando compressão e desvio do quiasma óptico. Como não apresentava queixas visuais, a campimetria não foi realizada. A paciente foi então encaminhada para o serviço de endocrinologia e confirmado um quadro de mixedema acompanhado de galactorréia. Uma ressonância magnética (RM) de hipotálamo-hipófise confirmou importante aumento de volume hipofisário medindo 1,9 x 1,4 x 1,9 cm nos seus maiores diâmetros (figura 1). Diante da possibilidade de tratar-se de uma hiperplasia das células produtoras de TSH, optamos por iniciar o tratamento do hipotireoidismo com levotiroxina sódica. Após 2 meses do início do tratamento e normalização dos níveis séricos dos hormônios tiroidianos e TSH, nova RM mostrou hipófise de tamanho normal (figura 2).



DISCUSSÃO

O tamanho e a forma da hipófise variam de acordo com a idade, sexo e estado fisiológico do indivíduo (5). A variação de aparência e volume hipofisários também podem ser observados no hipotireoidismo e hipogonadismo primários (6). Portanto, diante de um quadro de massa hipofisária, devemos considerar todas as variantes fisiológicas e patológicas, a fim de evitar uma interpretação diagnóstica equivocada.

A forma mais comum de tumor pituitário é o prolactinoma, o qual apresenta-se com hiperprolactinemia, galactorréia e aumento pituitário (7). O aumento pituitário no contexto do hipotireoidismo primário tem sido descrito há mais de um século, apresentando aumento da sela túrcica à radiografia em mais de 80% dos pacientes (3,8). Volumoso pseudotumor pituitário causado pelo hipotireoidismo não tratado tem sido descrito como uma condição rara, ocorrendo principalmente em adultos (1,2,4,6,9,10-14). Há apenas alguns relatos desta condição em crianças (15-19). Shimono e cols. (20) descreveram um caso de aumento hipofisário após a suspensão de hormônio tiroideano por um período de apenas 3 semanas.

Este aumento é geralmente assintomático, entretanto sintomas de massa pituitária como compressão do quiasma óptico, cefaléia, amenorréia e galactorréia, decorrentes de hiperprolactinemia podem estar presentes (11,21). Há inclusive relato de hipertensão intracraniana (17). Sendo, portanto, sempre necessário o diagnóstico diferencial com prolactinoma. No hipotireoidismo primário, a diminuição dos níveis de hormônios tireoideanos circulantes estimula a produção do TRH e TSH, consequentemente levando a uma hiperplasia dos tireotrofos. A causa do aumento dos níveis de prolactina ainda é controversa, tendo o TRH um papel importante estimulando a secreção de prolactina e conseqüentemente hiperplasia dos lactotrofos. Acredita-se que o aumento do tamanho da glândula hipofisária seja decorrente da hiperplasia dos tireotrofos e menos importantemente dos lactotrofos (12).

No caso de nossa paciente, a regressão do volume hipofisário após 2 meses de terapia com levotiroxina confirmou a hipótese diagnóstica de hiperplasia pituitária decorrente do hipotireoidismo primário. O tempo de resposta do tratamento com hormônio tireoideano necessário para regressão da hiperplasia ainda não está bem definido (13,18,19). Há relatos de regressão da massa em 40 dias (19), e ainda há um relato de dramática regressão pituitária com apenas 6 dias de tratamento clínico (13).

Por outro lado, apesar de raro, hipotireoidismo primário e um adenoma hipofisário produtor de prolactina podem ocorrer simultaneamente. Se após a terapia de reposição do hormônio tireoideano, com o paciente eutireoideano, persistirem os sinais clínicos de hiperprolactinemia, podemos ter duas doenças distintas associadas (9).

Relatos de cirurgia transfenoidal para tratamento de massa pituitária confirmado posteriormente como decorrência de hipotireoidismo primário (14) reforçam a importância da avaliação dos hormônios tireoideanos e TSH na investigação de aumento de volume hipofisário prevenindo um tratamento clinico ou cirúrgico inadvertido.

Recebido em 15/12/03

Revisado em 04/05/04

Aceito em 09/05/04

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  • Endereço para correspondência

    Carolina de Castro Rocha Betônico
    Rua Coriolano Gomes Palmeira 160 apto 92
    19013-790 Presidente Prudente, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      09 Maio 2004
    • Revisado
      04 Maio 2004
    • Recebido
      15 Dez 2003
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