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Valores de paratormônio obtidos com ensaios imunométricos dependem da especificidade do anticorpo amino terminal empregado

Parathyroid hormone values obtained with immunometric assays depend on the amino-terminal antibody specificity

Resumos

A introdução de ensaios imunométricos (EIM) de 2ª geração, tornaram a medida de paratormônio (PTH) sérico mais disponível, simples e rápida, aumentando sua utilização. Esses métodos, baseados em dupla identificação da molécula de PTH, mediriam supostamente a molécula intacta, bioativa, de seqüência 1-84. Recentes trabalhos mostraram que eles também medem formas com deleções amino-terminais, como a forma 7-84, que não ativam o receptor tradicional de PTH (PTH1R). Em função disto, um aspecto prático importante é a definição das formas de PTH medidas pelos EIM, sendo que estas dependem da especificidade dos anticorpos empregados. Neste trabalho, comparamos um ensaio imunofluorométrico por nós desenvolvido, que apresenta reatividade cruzada de 50% com a seqüência 7-84 do PTH, com dois ensaios comerciais de 2ª geração, que reagem 100%. Numa 1ª. comparação, 135 amostras de soro foram dosadas com o nosso ensaio e com um ensaio eletroquimioluminescente, obtendo-se uma correlação de 0,961 (P<0,0001) e medianas de 35,0 e 51,0ng/L (P<0,001). Numa 2ª. comparação, 252 amostras foram dosadas com nosso ensaio e com um ensaio imunoquimioluminométrico, obtendo-se uma correlação de 0,883 (P<0,0001) e medianas de 36,0 e 45,5ng/L (P<0,0001). Em ambos os casos, os dados obtidos com nosso ensaio foram significativamente mais baixos, dados condizentes com a especificidade do anticorpo amino-terminal empregado. Nossos dados reiteram a necessidade de descrição precisa da especificidade dos anticorpos amino-terminais empregados em ensaios de PTH de 2ª geração, de maneira a melhor comparar resultados e definir faixas de normalidade.

PTH sérico; Anticorpos amino-terminal específicos; Formas circulantes de PTH; Valores normais


Introduction of 2nd generation immunometric assays for the measurement of serum parathyroid hormone (PTH), turned them more available, simple and rapid. These methods, based on double identification of the PTH molecule, supposedly measure the intact, bioactive molecule, with the sequence 1-84. Recent works showed that they also measure forms with amino-terminal deletions, like the 7-84 form, which are not able to activate the traditional PTH receptor (PTH1R). Thus, an important practical aspect is the definition of the PTH forms measured by the immunometric assays, a fact that depends on the specificity of the antibodies employed. In this report we compare the results obtained with an in-house immunofluorometric assay that presents a cross-reactivity of 50% with the 7-84 PTH sequence, and two commercial 2nd generation assays, that react 100%. In a first study, 135 samples were measured using our assay and an electrochemiluminescent assay, resulting in a correlation coefficient of 0.961 (P<0.0001) and medians of 35.0 and 51.0ng/L (P<0.0001). In a second study, 252 samples were analyzed using our assay and an immunochemiluminometric assay, resulting in a correlation of 0.883 (P<0.0001) and medians of 36.0 and 45.5ng/L (P<0.0001). In both studies results obtained with the in-house assay were significantly lower, as expected by the specificity of the anti-amino-terminal antibody employed. Our data support the need of a precise description of the specificity of the amino-terminal antibodies employed in 2nd generation PTH assays in order to better compare results and define normal ranges.

Serum PTH; Amino-terminal specific antibodies; PTH circulating forms; Normal values


ARTIGO ORIGINAL

Valores de paratormônio obtidos com ensaios imunométricos dependem da especificidade do anticorpo amino terminal empregado

Parathyroid hormone values obtained with immunometric assays depend on the amino-terminal antibody specificity

José Gilberto H. VieiraI, II; Sônia K. NishidaI; Maria Tereza CamargoI; Leda H. ObaraI; Ilda S. KuniiII; Monique N. OheII; Omar M. HauacheI

IInstituto Fleury

IIDisciplina de Endocrinologia, Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência José Gilberto H. Vieira Setor de Imunoensaios, Laboratório Fleury Av. General Waldomiro de Lima 508 04344-070 São Paulo, SP E-mail: jose.vieira@fleury.com.br

RESUMO

A introdução de ensaios imunométricos (EIM) de 2ª geração, tornaram a medida de paratormônio (PTH) sérico mais disponível, simples e rápida, aumentando sua utilização. Esses métodos, baseados em dupla identificação da molécula de PTH, mediriam supostamente a molécula intacta, bioativa, de seqüência 1-84. Recentes trabalhos mostraram que eles também medem formas com deleções amino-terminais, como a forma 7-84, que não ativam o receptor tradicional de PTH (PTH1R). Em função disto, um aspecto prático importante é a definição das formas de PTH medidas pelos EIM, sendo que estas dependem da especificidade dos anticorpos empregados. Neste trabalho, comparamos um ensaio imunofluorométrico por nós desenvolvido, que apresenta reatividade cruzada de 50% com a seqüência 7-84 do PTH, com dois ensaios comerciais de 2ª geração, que reagem 100%. Numa 1ª. comparação, 135 amostras de soro foram dosadas com o nosso ensaio e com um ensaio eletroquimioluminescente, obtendo-se uma correlação de 0,961 (P<0,0001) e medianas de 35,0 e 51,0ng/L (P<0,001). Numa 2ª. comparação, 252 amostras foram dosadas com nosso ensaio e com um ensaio imunoquimioluminométrico, obtendo-se uma correlação de 0,883 (P<0,0001) e medianas de 36,0 e 45,5ng/L (P<0,0001). Em ambos os casos, os dados obtidos com nosso ensaio foram significativamente mais baixos, dados condizentes com a especificidade do anticorpo amino-terminal empregado. Nossos dados reiteram a necessidade de descrição precisa da especificidade dos anticorpos amino-terminais empregados em ensaios de PTH de 2ª geração, de maneira a melhor comparar resultados e definir faixas de normalidade.

Descritores: PTH sérico; Anticorpos amino-terminal específicos; Formas circulantes de PTH; Valores normais

ABSTRACT

Introduction of 2nd generation immunometric assays for the measurement of serum parathyroid hormone (PTH), turned them more available, simple and rapid. These methods, based on double identification of the PTH molecule, supposedly measure the intact, bioactive molecule, with the sequence 1-84. Recent works showed that they also measure forms with amino-terminal deletions, like the 7-84 form, which are not able to activate the traditional PTH receptor (PTH1R). Thus, an important practical aspect is the definition of the PTH forms measured by the immunometric assays, a fact that depends on the specificity of the antibodies employed. In this report we compare the results obtained with an in-house immunofluorometric assay that presents a cross-reactivity of 50% with the 7-84 PTH sequence, and two commercial 2nd generation assays, that react 100%. In a first study, 135 samples were measured using our assay and an electrochemiluminescent assay, resulting in a correlation coefficient of 0.961 (P<0.0001) and medians of 35.0 and 51.0ng/L (P<0.0001). In a second study, 252 samples were analyzed using our assay and an immunochemiluminometric assay, resulting in a correlation of 0.883 (P<0.0001) and medians of 36.0 and 45.5ng/L (P<0.0001). In both studies results obtained with the in-house assay were significantly lower, as expected by the specificity of the anti-amino-terminal antibody employed. Our data support the need of a precise description of the specificity of the amino-terminal antibodies employed in 2nd generation PTH assays in order to better compare results and define normal ranges.

Keywords: Serum PTH; Amino-terminal specific antibodies; PTH circulating forms; Normal values

A MEDIDA DE PARATORMÔNIO SÉRICO (PTH) tornou-se metodologia de rotina em muitos laboratórios clínicos. Isto de deve, principalmente, a dois fatores: em primeiro lugar, à importância prática cada vez maior da dosagem, de alto interesse no diagnóstico de várias situações clínicas comuns; em segundo lugar, à disponibilidade de metodologias relativamente simples e adaptadas a diversos analizadores automáticos. Tal disseminação na disponibilidade do ensaio se consolidou com a descrição dos ensaios imunométricos para PTH (1) que foram sendo validados e adaptados aos diferentes sistemas analíticos. Em princípio, os ensaios imunométricos utilizam um anticorpo contra a porção amino-terminal do hormônio e outro contra a porção carboxi-terminal, de maneira a ocorrer dupla identificação. Um dos anticorpos é ligado a uma fase sólida e outro a um gerador de sinal, sendo que as variações nestes aspectos técnicos são dependentes dos equipamentos empregados. A sensibilidade diagnóstica obtida com o uso dos novos ensaios imunométricos foi amplamente reconhecida e é da ordem de 90% no caso de pacientes com hiperparatiroidismo primário (2).

O uso extenso deste tipo de ensaio, que chamaremos de ensaio de 2ª geração (em contraposição aos radioimunoensaios de 1ª geração), mostrou, além de suas qualidades, algumas limitações. Estas últimas ficam mais evidentes em pacientes com hiperparatiroidismo secundário à insuficiência renal crônica, onde uma dissociação entre os níveis de PTH e o quadro ósteo-metabólico foi constatada (3). Nestes pacientes, os níveis de PTH são sempre superiores aos esperados em função da condição ósteo-metabólica presente e a intervenção terapêutica no sentido de normalizar os níveis do hormônio leva, via de regra, a um quadro de doença óssea adinâmica.

A descrição, pelo grupo de D'Amour (4,5), da existência de formas circulantes de PTH, reconhecidas pelos ensaios de 2ª geração, mas que não apresentam atividade biológica, trouxe nova luz sobre o assunto. Tal achado, que de início se pensava restrito aos pacientes com hiperparatiroidismo secundário à insuficiência renal crônica, se mostrou presente também em pacientes com hiperparatiroidismo primário (6), bem como em indivíduos normais. A razão técnica para o fato de que os ensaios de segunda geração, teoricamente específicos para a forma "intacta" de PTH, reconhecem formas moleculares menores, tem a ver com a especificidade dos anticorpos amino-terminais empregados e com o complexo metabolismo intra e extra-celular do PTH. Todos os ensaios de segunda geração empregam anticorpos amino-terminal específicos que reconhecem o sítio antigênico mais importante desta parte da molécula, que se encontra entre os amino ácidos 15 e 26 (7,9). Na eventualidade de existirem em circulação formas com pequenas deleções amino-terminais como, por exemplo, a seqüência 7-84 proposta pelo grupo de D'Amour (4,5), estas seriam também reconhecidas pelos ensaios de 2ª geração e incorporadas ao valor total de PTH "intacto". Um fator complicador adicional na interpretação dos resultados é que estas formas, com pequenas deleções amino-terminais, não ativam o receptor de PTH (PTH1-R).

Com a descrição dos ensaios de 3ª geração, cujo anticorpo amino-terminal reconhece um sítio antigênico que inclui os primeiros amino ácidos, sendo específicos para a forma realmente intacta de PTH (1-84) (10), uma série de trabalhos foram publicados visando à validação deste ensaio, bem como o estudo de sua potencial vantagem em relação aos ensaios de 2ª geração (11,12). Apesar dos resultados iniciais promissores e do princípio lógico por trás da idéia, outros trabalhos mostraram a ausência de vantagens objetivas com o uso da nova geração de ensaios (13,14), a ponto de ser colocada em dúvida essa potencial vantagem (15). O assunto ainda é recente e com certeza novos dados deverão ser publicados até que um consenso seja atingido no que concerne à real utilidade dos ensaios de 3ª geração. Um dos pontos que necessitam mais estudos é a definição de faixas de normalidade para os diferentes ensaios.

É intuitivo deduzir que as formas circulantes reconhecidas dependem da especificidade dos anticorpos empregados, em especial o amino-terminal. É também lógico se procurar ensaios onde a definição das formas reconhecidas seja a mais estrita possível, inclusive visando-se uma melhor possibilidade de comparação entre métodos. Neste trabalho, apresentamos os resultados que obtivemos com o emprego de um ensaio imunométrico baseado em um anticorpo monoclonal amino-terminal específico por nós desenvolvido e que apresenta reatividade cruzada de 50% com a seqüência PTH (7-84). Os resultados obtidos com esta nova metodologia foram comparados aos obtidos com dois ensaios comerciais de 2ª geração, que apresentam reatividade cruzada de 100% com a seqüência 7-84 do PTH.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras de soro: para a comparação entre os métodos, utilizamos dois lotes distintos de soros de nossa rotina diagnóstica. O primeiro lote foi de 121 amostras, utilizado para a comparação com um ensaio comercial (Roche), e o outro de 252 amostras, utilizado para a comparação com o outro ensaio comercial (Nichols). As amostras de soro foram coletadas sempre pela manhã e após jejum de pelo menos 8 horas, sendo mantidas em banho de gelo por até uma hora antes da centrifugação em centrífuga refrigerada. As alíquotas de soro foram mantidas a 4ºC se o ensaio fosse realizado no mesmo dia, caso contrário eram congeladas a -70ºC e descongeladas imediatamente antes da dosagem. Os ensaios foram sempre realizados em paralelo. Estudamos adicionalmente 14 amostras de soros coletadas pré-operatoriamente, sendo 4 de pacientes com hiperparatiroidismo primário e 10 de pacientes com hiperparatiroidismo secundário à insuficiência renal crônica submetidos à retirada de adenoma ou paratiroidectomia total seguida de implante. Os achados cirúrgicos e o seguimento pós-operatório comprovaram as hipóteses diagnósticas. Estas amostras foram estudadas comparativamente com nosso ensaio e com o ensaio da Roche.

Ensaios de PTH: Foram comparados três ensaios imunométricos para a medida de PTH sérico, dois comerciais, sendo um fornecido pela Roche do Brasil (São Paulo), e outro proveniente do Laboratório Nichols (San Juan Capistrano, CA, EUA) e um ensaio desenvolvido em nossos laboratórios.

Ensaios comerciais: o conjunto diagnóstico fornecido pela Roche é um ensaio eletroquimioluminescente (ECLIA) baseado no equipamento automatizado Elecsys 2010. Emprega como anticorpo de captura um monoclonal amino-terminal específico biotinilado, e o anticorpo de revelação é outro monoclonal marcado com rutênio. O processo de separação emprega partículas magnéticas recobertas com estreptavidina. O tempo de incubação é de 18 minutos, a sensibilidade analítica é de 1,2ng/L e os valores de referência aceitos são entre 15 e 65ng/L. A especificidade do anticorpo amino-terminal específico é dirigida contra o segmento 26-32 da molécula, e sua reatividade cruzada com a seqüência de PTH (7-84) é de 100%. As dosagens foram feitas em uniplicata, e os coeficientes de variação inter-ensaio foram de 10% para um soro de valor médio de 57,9ng/L, de 9% para uma soro de valor médio de 203ng/L e de 10% para uma soro de valor médio de 867ng/L (n= 44).

O conjunto diagnóstico fornecido pelo Laboratório Nichols é um ensaio imunoquimioluminométrico (ILMA) baseado em dois anticorpos policlonais produzidos em caprinos e purificados por cromatografia de afinidade. Um deles apresenta especificidade para a porção carboxi-terminal da molécula do PTH e é ligado a uma fase sólida, o segundo é específico contra a seqüência amino-terminal (amino ácidos 15 a 25) e é marcado com acridínio. O ensaio pode ser completado em 4 horas, sendo a sensibilidade analítica referida de 2ng/L e os valores de referência entre 10 e 65ng/L. A reatividade cruzada contra a seqüência 7-84 é de 100%. As dosagens foram feitas em duplicata, e os coeficientes de variação interensaio foram de 10,1% para um soro de valor médio de 42,7ng/L e de 9,9% para um soro de valor médio de 292ng/L (n= 22).

Ensaio próprio: trata-se de ensaio imunofluorométrico (IFMA) baseado em um anticorpo monoclonal produzido em nossos laboratórios a partir de camundongo imunizado com PTH (1-34) (Bachem, King of Prussia, PA, EUA) acoplado a hemocianina (KLH) (Pierce Biotechnology Inc., Rockford, IL, EUA). O anticorpo é adsorvido em poços de placas de microtitulação (Fluoronunc, Nunc, Roskield, Dinamarca), e o anticorpo de revelação é um monoclonal carboxi-terminal específico, também produzido em nossos laboratórios (9), e marcado com európio utilizando kit de marcação fornecido por PerkinElmer (Turku, Finlândia). O ensaio emprega 150mL de soro e inclui uma pré-incubação (16 a 24h), seguida de lavagem e adição do anticorpo revelador, seguida de outra incubação de 16 a 24h, nova lavagem e leitura da fluorescência em aparelho de leitura de fluorescência tempo-sincronizada (PerkinElmer). A sensibilidade analítica do ensaio é de 2,7ng/L e a reatividade cruzada com a seqüência 7-84 é de 50% (figura 1), utilizando peptídeo sintético obtido comercialmente (Bachem). As dosagens foram feitas em duplicata e os coeficientes de variação inter-ensaio de 7,7% para um soro de valor médio de 36,8ng/L e de 6,0% para um soro de valor médio de 287,0ng/L (n= 16).


Métodos Estatísticos: para as análises estatísticas gerais foi empregado o programa GraphPad Prism, fornecido por GraphPad Software, Inc., San Diego, CA, EUA. A comparação entre métodos e a extrapolação de faixas de normalidade foi feita empregando o programa EP Evaluator fornecido por David G. Rhoads Associates, Inc., Tewksbury, MD, EUA, empregando a análise de regressão de Deming (16).

RESULTADOS

O estudo dos resultados obtidos nas 135 (121 + 14) amostras onde o nível de PTH foi medido empregando o nosso ensaio (IFMA) e o ensaio Roche (ECLIA) mostrou alta correlação, com coeficiente (Spearman) de 0,961 (P<0,0001) (figura 2). Os resultados obtidos com o IFMA apresentaram mediana de 35,0ng/L, com variação de 4,0 a 1.579ng/L, e os obtidos com o ECLIA mediana de 51,0ng/L, com variação de 6,0 a 1.900ng/L (tabela 1). A diferença entre os valores obtidos com os dois métodos foi estatisticamente significativa, com os valores obtidos com o ECLIA significativamente mais elevados (P<0,0001, Wilcoxon). A análise de regressão calculada com os dados (Deming) resultou na equação PTH (IFMA)= PTH (ECLIA) x 0,737 – 1,4. A aplicação desta equação resulta num valor superior da normalidade para o IFMA de 46,5ng/L, tendo como base o valor de 65ng/L aceito para o ECLIA. Se analisarmos separadamente as 14 amostras obtidas no pré-operatório imediato de pacientes submetidos a paratiroidectomia, a correlação é do mesmo grau (r= 0,937, P<0,0001), sendo os valores obtidos com o ECLIA significativamente mais elevados que os obtidos com o IFMA (P= 0,012). Todos os pacientes apresentavam valores superiores à faixa da normalidade, sendo os valores mais baixos de 113ng/L para o ECLIA e 85ng/L para o IFMA; os valores médios foram, nos quatro casos de hiperparatiroidismo primário, 179,5±70,9ng/L com o ECLIA, e 142,2± 66,3ng/L com o IFMA, e 1.044,5± 711,5ng/L e 711,8±495,1ng/L nos 10 pacientes com hiperparatiroidismo secundário à insuficiência renal crônica, respectivamente.


As 252 amostras analisadas empregando o ensaio Nichols (ILMA) e o nosso (IFMA) também mostraram alta correlação, com coeficiente (Spearman) de 0,883 (figura 3). A mediana dos resultados obtidos com o ILMA foi 45,5ng/L, com variação de 5,0ng/L a 1.795ng/L, e a dos obtidos com o IFMA 36,0ng/L, com variação de 3,0 a 1.524ng/L (tabela 2). A diferença entre os valores obtidos com os dois métodos também foi estatisticamente significante, com os valores obtidos pelo ILMA mais elevados (P<0,0001, Wilcoxon). A análise de regressão (Deming) resultou na equação PTH (IFMA)= PTH (ILMA) x 0,963 – 7,3. A aplicação desta equação resulta num valor superior da normalidade de 55,3ng/L, tendo como base o valor de 65,0ng/L aceito para o ILMA.


DISCUSSÃO

A recente descrição dos chamados ensaios de PTH de 3ª geração (10) teve o condão de trazer um olhar crítico em relação aos ensaios de 2ª geração utilizados na rotina diagnóstica nos últimos dez anos. As vantagens potenciais dos ensaios específicos para a forma realmente intacta de PTH (1-84) são, à priori, óbvias, porém, como já relatado na introdução deste trabalho, vêm sendo bastante discutidas (13-15,17).

Dois importantes aspectos da fisiologia da produção e metabolização do PTH interferem diretamente nesta avaliação. O primeiro deles é o controle direto que o nível de cálcio sérico exerce sobre a metabolização de PTH intracélula produtora (18). Este fenômeno implica que, em condições de hipercalcemia, a concentração relativa de formas íntegras seria menor do que em condições de hipocalcemia. O outro aspecto se refere à ação biológica de fragmentos ditos "carboxi-terminal longos", ou seja, fragmentos de PTH onde os primeiros amino ácidos da porção amino-terminal foram deletados. Estes fragmentos sabidamente não agem sobre o receptor de PTH (PTH1R), no entanto, trabalhos recentes demonstraram que apresentam ação biológica via receptores carboxi-terminais, sendo essa ação em muitos aspectos antagônica àquela induzida pela ativação do PTH1R (19,20). Estes achados têm importantes implicações práticas, porque a definição da forma molecular do hormônio reconhecido pelo ensaio pode levar a interpretações diferentes dependendo das circunstâncias clínicas, desde que podemos estar reconhecendo uma mistura variável de peptídeos de ação biológica diferente.

Uma condição freqüente onde este fenômeno é observado mais dramaticamente é nos pacientes em insuficiência renal. É nestes pacientes onde as maiores esperanças de melhor sensibilidade diagnóstica dos ensaios específicos para a molécula realmente intacta do PTH (1-84), ou ensaios de 3ª geração, foram dirigidas (10,12-14,21). No entanto, apesar de inúmeros estudos já realizados, o assunto permanece controverso (22,23). Também na discriminação de pacientes com hiperparatiroidismo primário, um ensaio com melhor definição sobre a forma molecular reconhecida seria potencialmente melhor (12). E este aspecto poderia ser ainda mais marcante nos casos de hiperparatiroidismo com dosagens de cálcio e PTH no limite da normalidade (24). Este aspecto, no entanto, também necessita de maiores estudos.

Nossos dados mostram claramente que, com o emprego de um anticorpo amino-terminal de especificidade mais restrita com relação aos fragmentos "carboxi-terminal longos", resultados mais baixos devem ser esperados. A comparação entre os métodos estudados revelou excelente grau de correlação entre as medidas pareadas, sendo mais elevados os resultados obtidos pelos métodos comerciais. Esta observação é condizente com a maior reatividade cruzada (100%) dos ensaios comerciais em relação ao ensaio por nós desenvolvido (50%), quando estudados em relação ao peptídeo (7-84) do PTH. A diferença maior entre o ECLIA e o IFMA, do que entre este último e o ILMA estudado, é compatível com a discreta diferença de especificidade entre os anticorpos amino-terminais específicos. Quanto mais distante da porção amino-terminal se situa o sítio antigênico reconhecido, maior número de formas circulantes poderiam ser reconhecidas. Evidentemente, a diferença entre os métodos pode também ser imputada, pelo menos em parte, a diferenças na calibração dos ensaios.

A definição da faixa da normalidade deve, pois, ser específica para cada tipo de ensaio, sendo nítido em nosso estudo que os valores obtidos são diferentes dependendo do método empregado. Não podemos afirmar que os resultados dos ensaios comerciais sejam diferentes entre si, pois não fizemos estudo direto entre os dois métodos, mas os dados comparativos assim o sugerem. Os resultados obtidos nas duas populações com hiperparatiroidismo comprovado por cirurgia reiteram os dados gerais comparativos. Um fator complicador adicional na definição de valores normais é a importância dos níveis de vitamina D na fisiologia da secreção de PTH, e supõe-se sempre que a faixa da normalidade é definida em populações sem deficiência, mesmo que discreta, de vitamina D (25-27). Apesar da caracterização dos ensaios de terceira geração estar cada vez mais bem estudada (28-30), os dados são ainda imprecisos quanto à sua real vantagem prática. Novos dados demonstram que mesmo os ensaios de terceira geração reconhecem formas modificadas de PTH intacto, formas estas de atividade biológica e de importância prática a ser definida (31,32).

Em conclusão, a exata definição das formas de PTH medidas por um determinado ensaio é fundamental para sua melhor aplicação clínica. A faixa da normalidade varia de acordo com a especificidade do ensaio e deve ser considerada quando da análise dos resultados obtidos nas diferentes patologias.

Recebido em 12/02/04

Revisado em 05/05/04

Aceito em 30/05/04

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  • Endereço para correspondência

    José Gilberto H. Vieira
    Setor de Imunoensaios, Laboratório Fleury
    Av. General Waldomiro de Lima 508
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      30 Maio 2004
    • Recebido
      12 Fev 2004
    • Revisado
      05 Maio 2004
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