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Efeito do hipotireoidismo no tumor de Ehrlich sólido em camundongos fêmeas castradas e não castradas

Effect of hypothyroidism on the solid form of the Ehrlich tumor in intact or castrated adult female mice

Resumos

Foi estudado o efeito do hipotireoidismo, induzido pelo propiltiouracil (PTU), no tumor de Ehrlich sólido, implantado em camundongos fêmeas adultas castradas ou não. Foram utilizados 40 animais distribuídos em quatro grupos: hipotireóideo castrado, hipotireóideo não castrado, eutireóideo castrado e eutireóideo não castrado. Os animais receberam uma injeção de células neoplásicas no coxim plantar esquerdo. A curva de crescimento tumoral foi determinada por mensurações da pata inoculada durante 12 dias quando os animais foram necropsiados. A hipofunção tireoidiana reduziu o tamanho do tumor de Ehrlich nos animais castrados. Embora o crescimento neoplásico tenha sido menor, o diâmetro nuclear médio e o número de regiões organizadoras de nucléolos (NORs) e de mitoses/campo foram maiores. Conclui-se que o hipotireoidismo retarda o crescimento do tumor de Ehrlich sólido, sem alterar as características celulares de malignidade, que o efeito isolado da castração causa alterações discretas e que a associação hipotireoidismo-castração potencializa o retardo do crescimento do tumor de Ehrlich sólido.

Camundongo; Tumor de Ehrlich; Hipotireoidismo; Castração


The effect of hypothyroidism on the solid form of the Ehrlich tumor in intact or castrated adult female mice was studied. Hypothyroidism was induced by treatment with propylthiouracil (PTU). Forty mice were divided into four groups: castrated hypothyroid, intact hypothyroid, castrated euthyroid, and intact euthyroid. The mice were inoculated with suspension cells into the left footpad. The tumor growth curve was determined by measuring the inoculated footpad during 12 days. At the end of the experimental period the mice were sacrificed. Hypothyroidism was associated with a reduction in size of the tumor only in the castrated animals. Although the neoplastic growth was lower, mean nuclear diameter, number of nucleolar organizer regions (NORs), and area of mitosis were higher. In conclusion, hypothyroidism resulted in a delayed growth of the tumor, but it did not affect the malignant features of the neoplastic cells. In addition, the isolated effect of castration caused only mild alterations, whereas hypothyroidism associated with castration resulted in a more prominent delay in the growth rate of the Ehrlich tumor.

Mice; Ehrlich tumor; Hypothyroidism; Castration


ARTIGO ORIGINAL

Efeito do hipotireoidismo no tumor de Ehrlich sólido em camundongos fêmeas castradas e não castradas

Effect of hypothyroidism on the solid form of the Ehrlich tumor in intact or castrated adult female mice

Alessandra Estrêla da Silva; Rogéria Serakides; Enio Ferreira; Jáder R. Cappi Moraes; Natália de Melo Ocarino; Geovanni Dantas Cassali

Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinárias, Setor de Patologia da Escola de Veterinária, da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

Laboratório de Patologia Comparada, Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rogéria Serakides Setor de Patologia Depto. de Clínica e Cirurgia Veterinárias da UFMG Av. Antônio Carlos 6627 Caixa Postal 567 31270-901 Belo Horizonte, MGFax: (31) 3499-2230 E-mail: serakide@dedalus.lcc.ufmg.br

RESUMO

Foi estudado o efeito do hipotireoidismo, induzido pelo propiltiouracil (PTU), no tumor de Ehrlich sólido, implantado em camundongos fêmeas adultas castradas ou não. Foram utilizados 40 animais distribuídos em quatro grupos: hipotireóideo castrado, hipotireóideo não castrado, eutireóideo castrado e eutireóideo não castrado. Os animais receberam uma injeção de células neoplásicas no coxim plantar esquerdo. A curva de crescimento tumoral foi determinada por mensurações da pata inoculada durante 12 dias quando os animais foram necropsiados. A hipofunção tireoidiana reduziu o tamanho do tumor de Ehrlich nos animais castrados. Embora o crescimento neoplásico tenha sido menor, o diâmetro nuclear médio e o número de regiões organizadoras de nucléolos (NORs) e de mitoses/campo foram maiores. Conclui-se que o hipotireoidismo retarda o crescimento do tumor de Ehrlich sólido, sem alterar as características celulares de malignidade, que o efeito isolado da castração causa alterações discretas e que a associação hipotireoidismo-castração potencializa o retardo do crescimento do tumor de Ehrlich sólido.

Descritores: Camundongo; Tumor de Ehrlich; Hipotireoidismo; Castração

ABSTRACT

The effect of hypothyroidism on the solid form of the Ehrlich tumor in intact or castrated adult female mice was studied. Hypothyroidism was induced by treatment with propylthiouracil (PTU). Forty mice were divided into four groups: castrated hypothyroid, intact hypothyroid, castrated euthyroid, and intact euthyroid. The mice were inoculated with suspension cells into the left footpad. The tumor growth curve was determined by measuring the inoculated footpad during 12 days. At the end of the experimental period the mice were sacrificed. Hypothyroidism was associated with a reduction in size of the tumor only in the castrated animals. Although the neoplastic growth was lower, mean nuclear diameter, number of nucleolar organizer regions (NORs), and area of mitosis were higher. In conclusion, hypothyroidism resulted in a delayed growth of the tumor, but it did not affect the malignant features of the neoplastic cells. In addition, the isolated effect of castration caused only mild alterations, whereas hypothyroidism associated with castration resulted in a more prominent delay in the growth rate of the Ehrlich tumor.

Keywords: Mice; Ehrlich tumor; Hypothyroidism; Castration

DENTRE AS NEOPLASIAS, o câncer de mama é a mais freqüente em mulheres (1-4). Apesar de ser exaustivamente estudado, ainda é a principal causa de mortalidade por câncer em todo o mundo (5).

A etiologia do câncer de mama é multifatorial, com a participação de fatores genéticos (predisposição hereditária), ambientais (carcinógenos químicos), infecciosos (vírus), nutricionais (obesidade) e principalmente de fatores hormonais (2,3,6,7).

Atualmente, sabe-se que o estrógeno (8,9), a prolactina (10,11), a progesterona (7,12), os andrógenos (13,14) e até mesmo os hormônios tireoidianos (9,15,16) estão envolvidos na carcinogênese mamária por mecanismos ainda não totalmente elucidados (3).

A hipótese de que as disfunções tireoidianas participam da gênese do câncer de mama não é recente (17), mas ainda é controversa. Algumas evidências sugerem que o hipotireoidismo aumenta o risco de desenvolvimento do câncer de mama (1). Entretanto, há também relatos de que a indução de hipotireoidismo pelo propiltiouracil retarda o crescimento neoplásico e melhora o prognóstico do tratamento quimioterápico em modelos de câncer de próstata em camundongos (18).

A fim de elucidar os fatores envolvidos na gênese do câncer, vários pesquisadores estão utilizando os tumores experimentais transplantáveis no estudo da carcinogênese física, química, viral e hormonal. A vantagem do uso dessas neoplasias, em comparação às demais, recai sobre o conhecimento prévio da quantidade e das características iniciais das células tumorais a serem inoculadas e o desenvolvimento rápido da neoplasia que restringe o tempo de estudo (19-24).

O tumor de Ehrlich é primariamente um adenocarcinoma mamário do camundongo fêmea e, mesmo que seja indiferenciado, é possível que sofra as influências dos hormônios incriminados na gênese do câncer de mama, como estrógeno, prolactina, andrógenos e até mesmo dos hormônios tireoidianos. Tem sido utilizado como modelo no estudo da ação de componentes físicos, químicos e biológicos sobre o crescimento, patogênese, cinética, imunologia, bioquímica e terapêutica dos tumores (19-24). Apesar de existirem alguns trabalhos que sinalizam a ação dos esteróides sexuais no desenvolvimento desse tumor, não há relatos da ação dos hormônios tireoidianos ou de sua associação com os hormônios sexuais no tumor de Ehrlich.

O objetivo principal deste trabalho foi estudar o efeito do hipotireoidismo, induzido pelo propiltiouracil (PTU) no tumor de Ehrlich sólido originário do adenocarcinoma mamário, implantado em camundongos fêmeas adultas castradas ou não.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 40 camundongos fêmeas da linhagem Swiss com três meses de idade, alojadas em caixas plásticas (10 animais/caixa), recebendo a mesma ração comercial e água ad libitum. Os camundongos foram submetidos a um regime de 12 horas de luz e 12 horas sem luz. Os animais foram distribuídos em quatro grupos de 10, onde dois grupos foram submetidos a ovariectomia bilateral e dois mantidos não castrados.

Dez dias após a ovariectomia, um grupo de animais castrados e outro de animais não castrados foram induzidos ao hipotireoidismo, compondo-se quatro tratamentos de acordo com o seguinte esquema: (1) hipotireóideo castrado, (2) hipotireóideo não castrado, (3) eutireóideo castrado e (4) eutireóideo não castrado.

Os animais foram induzidos ao hipotireoidismo mediante administração diária de propiltiouracil (PTU) na água de beber, na concentração de 1mg/ml. A indução do hipo-tireoidismo iniciou-se 30 dias antes da inoculação das células tumorais e foi mantida até o final do experimento. Os animais dos grupos eutireóideos receberam água destilada como placebo. A quantidade de PTU ingerida diariamente por cada animal dos grupos hipotireóideos foi estimada deduzindo-se a quantidade diária de água consumida da quantidade de água administrada, dividindo-se o valor encontrado pelo número de animais da caixa.

O preparo das células tumorais incluiu a lavagem, a contagem das células e o teste de viabilidade das mesmas. Foram retirados 3,0ml de fluido ascítico de um camundongo pré-inoculado a 8 dias com o tumor de Ehrlich na cavidade peritonial. Esse fluido foi centrifugado até a obtenção de um líquido denso e claro, correspondente a uma suspensão celular com o mínimo de fibrina e hemácias. Seguiu-se, então, a contagem e o teste de viabilidade das células tumorais, sendo a viabilidade de 95%. A fórmula para determinação do número de células viáveis foi deduzida segundo Guerra (25).

Todos os animais receberam uma injeção subcutânea de 0,05ml da suspensão celular, contendo 2,5¥106 células tumorais, entre os coxins plantares do membro posterior esquerdo, para obtenção do tumor na forma sólida, permanecendo 12 dias com esse tumor.

Para a avaliação da curva de crescimento tumoral, foram feitas mensurações mediante o uso de um micrômetro (Mitutoyo, mensuração 0,01mm, nº de série 7301) imediatamente antes e a cada dois dias após a inoculação do tumor, totalizando sete mensurações. Os animais foram pesados no início e no final da fase experimental.

Ao final do experimento, os animais foram sacrificados. Foram colhidos o coxim plantar para análise histomorfométrica do tumor, os linfonodos inguinais e poplíteos, baço, fígado, rins, pulmões e coração para estudo de metástases, e a tireóide para atestar o efeito do PTU sobre a morfologia da glândula. Em balança de precisão, foi determinado o peso da pata inoculada com o tumor e da pata contra-lateral, obtendo-se a diferença de peso entre as duas patas para cálculo do peso do tumor. O sucesso da ovariectomia foi confirmado à necropsia pela hipotrofia uterina e não detecção dos ovários ou fragmento deles.

Os tecidos foram fixados em formol neutro e tamponado com fosfato a 10% e processados pela técnica rotineira de inclusão em parafina. Cortes histológicos de 4mm foram corados pelas técnicas da hematoxilina-eosina (26) para avaliação morfológica e morfométrica.

Em um corte histológico da pata inoculada, foram determinados a porcentagem das áreas de necrose, tecido neoplásico viável, inflamação, hemorragia, vasos, tecido normal e edema com auxílio de uma ocular micrométrica, contendo uma gratícula com 25 pontos. O índice mitótico foi determinado em 15 campos representativos, e o diâmetro longitudinal e transversal de 30 núcleos das células neoplásicas, escolhidos aleatoriamente, foram mensurados. Ao final, foi aplicado às médias um fator de correção obtido pela escala de uma lâmina micrométrica.

Com o objetivo de verificar o metabolismo das células neoplásicas, foi realizada a caracterização e a contagem do número de regiões organizadoras de nucléolo coradas pela prata (AgNORs), segundo a técnica descrita por Ploton e cols. (27), com modificações propostas por Aubele e cols. (28). Foram contadas as NORs presentes em 30 núcleos de células neoplásicas escolhidos aleatoriamente.

O delineamento experimental foi inteiramente ao acaso com quatro tratamentos e 10 repetições por tratamento, sendo cada animal uma repetição. As médias foram comparadas pelo teste Student-Newman-Kewls (SNK) (29).

RESULTADOS

Consumo de Propiltiouracil (PTU) e Morfologia da Tireóide

De acordo com o consumo de PTU estimado, os animais hipotireóideos castrados e não castrados consumiram, em média, 2,05mg e 2,20mg de PTU/dia respectivamente, não havendo diferença significativa entre os grupos. A morfologia da tireóide dos animais hipotireóideos, independente do estado funcional das gônadas, atestou o efeito do PTU, apresentando bócio adenomatoso.

Peso dos Animais e Peso e Crescimento do Tumor de Ehrlich Sólido

No início do experimento não foi observada diferença entre as médias de peso corporal dos animais, mas ao final, embora os grupos hipotireóideos tenham apresentado redução de peso corporal, essa diminuição somente foi significativa no grupo hipotireóideo castrado, provavelmente como conseqüência do hipotireoidismo. Os resultados do peso das patas e do peso do tumor estão sumariados na tabela 1.

Antes da inoculação das células tumorais, não havia diferença significativa no tamanho das patas entre os grupos estudados. No entanto, a partir do segundo dia após a inoculação, já era possível observar diferenças significativas entre os grupos, que foram tornando-se cada vez mais nítidas, principalmente na associação hipotireoidismo-castração. O crescimento tumoral no grupo hipotireóideo castrado foi significativamente menor já no segundo dia, repetindo-se no quarto dia. No sexto dia, o grupo hipotireóideo castrado ainda manteve o menor crescimento em relação aos demais, e o grupo hipotireóideo não castrado apresentou diminuição significativa do crescimento tumoral, mas curiosamente essa redução não se manteve nos dias subseqüentes da análise, quando somente o grupo hipotireóideo castrado continuou apresentando redução significativa do crescimento do tumor (tabela 2 e figura 1).


Morfologia e Histomorfometria do Tumor de Ehrlich Sólido

Independente do grupo, a neoplasia localizava-se na derme e invadia a musculatura, o tecido ósseo e a medula óssea. Extensas áreas de necrose e hemorragia foram observadas no grupo eutireóideo não castrado e em menor extensão nos demais grupos, como confirmado pela morfometria (tabela 3). As células neoplásicas, com exceção do grupo hipotireóideo não castrado, apresentavam-se arranjadas predominantemente em padrão sólido, às vezes formando cordões, intensamente pleomórficas, grandes, com citoplasma abundante, fracamente basofílico, em sua maioria vacuolizado e sem bordas definidas. Os núcleos apresentavam-se hipocromáticos, grandes, variando de ovais a alongados, alguns apresentando reentrância do envelope nuclear, com nucléolos evidentes e múltiplos, variando de um a quatro nucléolos, sendo vários deles macronucléolos (figuras 2a, 2c e 2d). O índice mitótico foi maior no grupo hipotireóideo castrado, com muitas figuras de mitose, várias atípicas. O grupo hipotireóideo não castrado apresentou dois padrões celulares distintos, o primeiro semelhante aos demais grupos, e o segundo caracterizado por células menores, fusiformes, pleomórficas, com citoplasma fortemente basofílico, variando de moderado a escasso sem bordas definidas, núcleos hipercromáticos e sem evidenciação de nucléolos (figura 2b).



O processo inflamatório era constituído predominantemente por linfócitos e macrófagos e em menor número por eosinófilos e basófilos situados adjacentes à epiderme. A intensidade da inflamação variou de discreta a moderada, com maior intensidade nos grupos castrados, independente do estado funcional da tireóide (tabela 3).

Os resultados obtidos pela análise morfométrica reafirmaram os achados da morfologia. As áreas de necrose e hemorragia estavam presentes numa extensão significativamente maior nos grupos eutireóideos (tabela 3), independente do estado funcional das gônadas. Apesar do menor crescimento neoplásico na associação hipotireoidismo-castração, as características celulares, como diâmetro nuclear médio, número de NORs e de mitoses/campo, foram significativamente maiores em relação aos demais grupos (tabela 4) (figuras 3a, 3b, 3c e 3d). Em relação à morfologia das regiões organizadoras de nucléolo, não havia diferenças aparentes entre grupos. As NORs variavam de pequenas a médias e não estavam arranjadas em um padrão único, apresentando distribuição difusa, algumas poucas isoladas, outras com distribuição em cordão, formando arranjo ao redor do núcleo e nucléolo ou com pequenas e médias NORs no centro do nucléolo.



Metástases do Tumor de Ehrlich Sólido

Não foram observadas metástases em nenhum dos órgãos torácicos e abdominais analisados. Entretanto, os linfonodos poplíteo e inguinal, em todos os grupos, apresentavam células neoplásicas organizadas em cordões ou em pequenos ninhos e situadas, principalmente, no seio subcapsular. O linfonodo poplíteo esquerdo apresentou maior freqüência de metástases em comparação aos linfonodos inguinais, mas não houve diferença na freqüência de metástase entre os grupos estudados. Além disso, aparentemente as metástases no linfonodo poplíteo esquerdo, do lado da pata inoculada, foram mais extensas em comparação ao linfonodo poplíteo direito.

DISCUSSÃO

O estado hipotireóideo dos animais tratados com PTU foi confirmado pelo estudo da morfologia da tireóide, uma vez que essa tem sido descrita por vários autores como bom indicador do uso de drogas antitireoidianas (30). O aspecto de bócio adenomatoso da glândula confirmou a ação da droga na indução do hipotireoidismo. A dosagem de tiroxina não foi possível, já que o volume sangüíneo e plasmático obtido foi pequeno e insuficiente em função da anemia presente nos animais decorrente do hipotireoidismo (dados não demonstrados).

A redução do peso corporal dos animais hipotireóideos era esperada, tendo em vista que os hormônios tireoidianos são necessários para a manutenção do metabolismo geral do organismo, havendo, na hipofunção tireoidiana, aumento do catabolismo protéico com conseqüente redução da massa muscular, da síntese de proteínas, vitaminas e dos fatores de crescimento e diminuição da absorção intestinal dos carboidratos. A obesidade, um dos sinais clínicos de hipotireoidismo no homem e nos animais, deve-se ao acúmulo de mucopolissacarídeos hidrofílicos no subcutâneo, associado à diminuição do metabolismo lipidíco e principalmente ao estado letárgico que induz ao sedentarismo (31,32), sendo observada mais freqüentemente no hipotireoidismo crônico (33).

Pela análise do peso da pata direita (não inoculada com o tumor), foi observada redução significativa nos grupos hipotireóideos, reafirmando o efeito do hipotireoidismo na redução das massas musculares. Essa mesma redução seria esperada na pata esquerda, o que implica numa segunda variável que coloca em dúvida os resultados do peso do tumor e compromete a avaliação do crescimento tumoral com base nesse parâmetro. Isso é confirmado pelos resultados, que não demonstraram redução significativa do peso do tumor entre os grupos estudados, apesar da nítida redução do crescimento tumoral no grupo hipotireóideo castrado já visualizada à inspeção e confirmada pela mensuração. Vários trabalhos utilizaram o peso como parâmetro para avaliação do crescimento tumoral (13,34), a partir da mesma técnica utilizada aqui. Entretanto, neste experimento em especial, devido aos efeitos sistêmicos do hipo-tireoidismo, a mensuração demonstrou ser o parâmetro mais adequado e confiável, tendo em vista que o peso do tumor não apresentou diferença entre os grupos, apesar da nítida redução do crescimento tumoral no grupo hipotireóideo castrado visualizada à inspeção e confirmada pela mensuração.

Ao contrário da análise do crescimento tumoral, a análise histológica e morfométrica permitiram evidenciar alterações não somente na associação hipotireoidismo-castração, mas também nos demais grupos, embora fossem menos significativas. Os grupos hipotireóideos apresentaram maior porcentagem de tecido neoplásico viável. Isso quer dizer que, apesar do grupo hipotireóideo intacto apresentar menor crescimento, a extensão do tecido neoplásico viável era maior em comparação às áreas de necrose, ao contrário dos grupos eutireóideos que apresentavam maior crescimento e supremacia das áreas de necrose frente ao tecido neoplásico viável.

A quantificação das regiões organizadoras de nucléolos (NORs) tem sido amplamente utilizada como indicadora da proliferação celular, apresentando valor diagnóstico e prognóstico em patologia tumoral (35), uma vez que sua freqüência no núcleo tem sido significativamente maior em células neoplásicas malignas do que em células normais, reativas, ou neoplásicas benignas (36). Intrigante é que, exatamente no grupo hipotireóideo castrado, que apresentou menor crescimento tumoral, as características celulares eram de elevado potencial maligno, reafirmadas pela correlação negativa e significativa do tamanho do tumor com o número de NORs, de mitose e com o diâmetro nuclear.

O processo inflamatório foi mais intenso nas neoplasias dos grupos castrados, particularmente do grupo eutireóideo castrado, o que não surpreende, tendo em vista que a linfopoese normal é regulada pelos hormônios sexuais (37,38). O estrógeno age como supressor da diferenciação e proliferação das células linfoblásticas, impedindo a passagem dessas células da fase G0 para a fase G1 e também da fase G1 para a fase S, além de inibir a atividade da timidina, necessária na replicação do DNA (37). Na castração, ocorre aumento da linfopoese provavelmente pela liberação da interleucina-7, que induz a proliferação e diferenciação dos precursores das células hematopóeticas, inclusive de linfócitos (37,38).

Os três mecanismos geralmente envolvidos na supressão da carcinogênese são a parada do ciclo celular com conseqüente diminuição da taxa de proliferação e a indução de necrose e de apoptose. No grupo eutireóideo castrado, seria esperado que a redução da porcentagem das áreas de necrose aumentasse a porcentagem de tecido neoplásico viável, o que não ocorreu. Haveria, então, aumento da taxa de apoptose das células neoplásicas induzido pela resposta inflamatória estimulada pela castração? Essa é uma questão levantada com os resultados apresentados. Sabe-se que os linfócitos T citotóxicos induzem apoptose por dois mecanismos: indiretamente pela interação receptor-ligante (Fas-Fas ligante) na membrana plasmática que desencadeia sinais intracelulares para ativação da morte celular programada, e diretamente pela produção da serina-protease granzina B, enzima capaz de ativar uma variedade de caspases. Os linfócitos T citotóxicos reconhecem antígenos estranhos apresentados na superfície das células neoplásicas. Ao reconhecimento, expressam ligante de Fas nas suas superfícies e destroem as células alvo por ligação aos receptores Fas presentes na membrana plasmáticas dessas células (33).

A associação hipotireoidismo-castração potencializou o retardo do crescimento neoplásico, mas manteve as características celulares que indicam elevado potencial proliferativo e de malignidade, o que permitiu concluir que o hipotireoidismo retarda o crescimento tumoral sem reduzir a malignidade das células. É provável que o aumento da resposta inflamatória, induzido pela castração também no estado hipotireóideo, tenha contribuído para potencializar a redução da velocidade do crescimento tumoral.

A semelhança do que foi observado neste estudo, metástases do tumor de Ehrlich são raras (39), com exceção dos linfonodos regionais, pois, nesses órgãos, ocorre disseminação linfática espontânea das células do tumor de Ehrlich sólido ou ascítico, por mecanismos ainda pouco elucidados (40).

Em síntese, o hipotireoidismo, independente do estado funcional das gônadas, retarda o crescimento do tumor de Ehrlich sólido sem alterar as características celulares de malignidade. A castração aumenta a resposta inflamatória e reduz a porcentagem das áreas de necrose do tumor de Ehrlich sólido no estado eutireóideo. A associação hipotireoidismo-castração potencializa o retardo do crescimento do tumor de Ehrlich sólido. O tumor de Ehrlich demonstrou ser um bom modelo para o estudo do efeito do hipotireoidismo e da castração no câncer, podendo também ser cogitada a sua utilização futura como modelo para o estudo do câncer de mama humano, partindo da premissa de que se trata de um adenocarcinoma de mama. Para tanto, são necessários mais estudos testando a ação de outros hormônios envolvidos na carcinogênese mamária e comparando os resultados com os do câncer de mama da mulher, particularmente daqueles indiferenciados e semelhantes ao tumor de Ehrlich.

Recebido em 21/01/04

Revisado em 10/03/04 e 09/06/04

Aceito em 21/06/0

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  • Endereço para correspondência
    Rogéria Serakides
    Setor de Patologia
    Depto. de Clínica e Cirurgia Veterinárias da UFMG
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      21 Jun 2004
    • Revisado
      09 Jun 2004
    • Recebido
      21 Jan 2004
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