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Doença de Cushing por macroadenoma hipofisário

Cushing's disease due to a pituitary macroadenoma

Resumos

A Síndrome de Cushing compreende os sinais e sintomas associados com uma exposição prolongada a níveis impropriamente elevados de glicocorticóide livre no plasma. Excluídas as causas iatrogênicas, a causa mais comum da Síndrome de Cushing é a Doença de Cushing, acometendo cerca de 70% dos casos. Apresentamos o caso de um paciente de 20 anos, masculino, com obesidade centrípeta, face de "lua-cheia" e estrias púrpuricas, cuja investigação diagnóstica demostrou tratar-se de macroadenoma hipofisário. O paciente foi submetido à hipofisectomia transesfenoidal, entretanto evoluiu com recidiva precoce do quadro clínico, sendo submetido a novo procedimento cirúrgico seguido de radioterapia. O paciente encontra-se atualmente em remissão clínico-laboratorial.

Síndrome de Cushing; Macroadenoma hipofisário; Hipofisectomia transesfenoidal; Masculino


Cushing's syndrome comprises the symptoms and signs associated with prolonged exposure to inappropriately elevated levels of free plasma glucocorticoids. When iatrogenic causes are excluded, the commonest cause of Cushing's syndrome is Cushing's disease, accounting for approximately 70% of cases. We present the case of a 20-year-old male patient with central obesity, moon face and purple-red striae, whose diagnostic investigation shows a pituitary macroadenoma. The patient was submitted to transsphenoidal hypophysectomy, but developed early recurrence. He was submitted to a second transsphenoidal intervention followed by pituitary radiation. Presently, the patient is in clinical and laboratory remission.

Cushing's syndrome; Pituitary macroadenoma; Transsphenoidal hypophysectomy; Male


APRESENTAÇÃO DE CASOS

Doença de Cushing por macroadenoma hipofisário

Cushing's disease due to a pituitary macroadenoma

Antônio C. Rubatino Jr; Rodrigo Ferreira Pereira; Isaac Benchimol; Ingeborg Christa Laun

Divisão de Endocrinologia, Departamento de Clínica Médica do Hospital dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antônio Carmo Rubatino Júnior Rua Sacadura Cabral 178, Anexo 4, 3º andar 20221-161 Rio de Janeiro, RJ E-mail: rubatino@medico.zzn.com

RESUMO

A Síndrome de Cushing compreende os sinais e sintomas associados com uma exposição prolongada a níveis impropriamente elevados de glicocorticóide livre no plasma. Excluídas as causas iatrogênicas, a causa mais comum da Síndrome de Cushing é a Doença de Cushing, acometendo cerca de 70% dos casos. Apresentamos o caso de um paciente de 20 anos, masculino, com obesidade centrípeta, face de "lua-cheia" e estrias púrpuricas, cuja investigação diagnóstica demostrou tratar-se de macroadenoma hipofisário. O paciente foi submetido à hipofisectomia transesfenoidal, entretanto evoluiu com recidiva precoce do quadro clínico, sendo submetido a novo procedimento cirúrgico seguido de radioterapia. O paciente encontra-se atualmente em remissão clínico-laboratorial.

Descritores: Síndrome de Cushing; Macroadenoma hipofisário; Hipofisectomia transesfenoidal; Masculino

ABSTRACT

Cushing's syndrome comprises the symptoms and signs associated with prolonged exposure to inappropriately elevated levels of free plasma glucocorticoids. When iatrogenic causes are excluded, the commonest cause of Cushing's syndrome is Cushing's disease, accounting for approximately 70% of cases. We present the case of a 20-year-old male patient with central obesity, moon face and purple-red striae, whose diagnostic investigation shows a pituitary macroadenoma. The patient was submitted to transsphenoidal hypophysectomy, but developed early recurrence. He was submitted to a second transsphenoidal intervention followed by pituitary radiation. Presently, the patient is in clinical and laboratory remission.

Keywords: Cushing's syndrome; Pituitary macroadenoma; Transsphenoidal hypophysectomy; Male

SÍNDROME DE CUSHING é um termo aplicado ao estado clínico que resulta de exposição prolongada e inapropriada a quantidades excessivas de glicocorticóides livres circulantes (1). A etiologia mais freqüente é o resultado da administração terapêutica prolongada de glicocorticóides. A hiperprodução crônica de cortisol, por sua vez, é chamada síndrome de Cushing endógena e apresenta uma incidência anual estimada em 30 casos novos por milhão de habitantes.

A síndrome de Cushing pode ser dividida em 2 categorias: ACTH-dependente, na qual níveis inapropriados de corticotrofina estimulam o córtex adrenal a produzir quantidades excessivas de cortisol; e síndrome de Cushing ACTH-independente, na qual uma produção excessiva de cortisol por tecido adrenocortical anormal causa a síndrome e suprime a secreção tanto de CRH quanto de corticotrofina. O termo Doença de Cushing é reservado para síndrome de Cushing causada por tumores hipofisários de corticotrofos. É a causa mais comum da síndrome. Os tumores geralmente são microadenomas (<1cm em diâmetro). Macroadenomas são raros e hiperplasia corticotrófica e carcinomas são extremamente raros. Os adenomas surgem de uma única célula progenitora. A hipersecreção de ACTH leva à hiperplasia bilateral das adrenais, mas pode causar hiperplasia nodular, que pode ser uni ou bilateral (1). A hipercortisolemia suprime a secreção de CRH e os corticotrofos normais. Estes pacientes geralmente têm uma resposta exagerada do ACTH e cortisol ao CRH e uma secreção de cortisol e ACTH incompletamente suprimida por glicocorticóides (ex.: dexametasona) (2). A Doença de Cushing tem predomínio em mulheres, na proporção de 8:1, e geralmente ocorre entre 20 e 40 anos (1).

O primeiro passo para o diagnóstico consiste em documentar o hipercortisolismo, através do cortisol urinário livre (3), supressão com baixas doses de dexametasona (3) ou dosagem do cortisol à meia-noite (4); o próximo passo consiste em exames para o diagnóstico diferencial da síndrome de Cushing, como dosagem do ACTH, teste de supressão com altas doses de dexametasona, teste do CRH e cateterismo bilateral dos seios petrosos inferiores para os casos eqüívocos (5). O diagnóstico etiológico final é estabelecido pelos exames radiológicos (RNM, TC e cintilografia com octreotide).

Acompanhamos um paciente com síndrome de Cushing por macroadenoma hipofisário, que apresentou recidiva precoce após a cirurgia transesfenoidal e foi submetido a nova cirurgia, também por esta via, e a radioterapia hipofisária complementar.

RELATO DO CASO

JPPD, 20 anos, masculino, branco, procedente de Santo Antônio de Pádua, RJ, foi internado no Hospital dos Servidores do Estado, RJ, em 09/08/2002 com história de aumento de peso há 6 meses (10kg no período), evoluindo com obesidade predominantemente central (tórax e abdome). Há 4 meses surgiram estrias volumosas e violáceas no tronco, especialmente em região inferior do abdome, axilar e região lombar, além de acne em face e tórax anterior. Surgiram também lesões eritemato-descamativas generalizadas que melhoravam com uso de antimicótico tópico. Há 1 mês com astenia e fraqueza muscular importantes, tendo também surgido edema de membros inferiores. Procurou atendimento médico na cidade de origem e foi internado com quadro de hipertensão arterial, mas recebeu alta sem uso de anti-hipertensivos. Com a persistência do quadro, foi encaminhado ao Serviço de Endocrinologia do HSE, sendo internado para propedêutica e tratamento. Não apresentava história pregressa significativa de doenças ou uso de medicamentos. Desconhecia, em sua família, doenças de caráter herodofamiliar.

Ao exame físico, apresentava-se com bom estado geral, com edema de MMII (+/4+), pletora facial, acne importante em face e tórax anterior, estrias largas e purpúricas com mais de 5cm em região abdominal, lombar e axilas, obesidade central, gibosidade cervical, lesões generalizadas de "tinea corporis". Encontrava-se normotenso (PA 135x80mmHg) e Fc= 98bpm; Peso= 78,8kg.

Exames laboratoriais à admissão evidenciaram hipocalemia (K= 2,17mEq/l) e Na= 142mEq/l. O hemograma evidenciou anemia leve (Hb= 13,2, HT= 38%) e leucometria normal; glicemia e enzimas hepáticas normais. O exame parasitológico de fezes foi positivo para Estrongyloides stercoralis.

As dosagens hormonais realizadas estão resumidas na tabela 1.

A ressonância nuclear magnética da sela túrcica evidenciou formação globosa arredondada, com hipossinal em T1, e realce homogêneo após injeção de gadolíneo, medindo cerca de 1,8cm e ocupando a cavidade selar, associada a discreto desnivelamento do seu assoalho e deslocamento da haste hipofisária para a direita (figura 1).


A tomografia computadorizada do abdome evidenciou pequeno nódulo regular medindo 1,0x0,5cm em adrenal esquerda. Adrenal direita normal (figura 2).


Durante a internação, foi tratada a estrongiloidíase com tiabendazol. Surgiram hiperpigmentação na face dorsal das mãos, cotovelos e joelhos e estrias em coxas e panturrilhas. As lesões de tinea corporis foram tratadas com antimicótico tópico (micolamina), inicialmente, e a seguir com cetoconazol via oral (após o término da investigação clínica).

O hipercortisolismo foi controlado com uso de cetoconazol oral. O paciente foi submetido à hipofisectomia via transesfenoidal em 04/11/2002. Após a cirurgia, em controle ambulatorial, manteve queixas de fraqueza muscular, aumento de peso (chegando a 91,7kg), surgimento de novas estrias e ressurgimento de lesões de "tinea corporis". Evoluiu com hipertensão arterial, sendo necessária a introdução de Captopril. Os exames evidenciaram cortisol elevado (36,1mcg/dl – VR= 5 a 25) e ACTH normal (21,2pg/ml – VR= 12 a 70). Repetida ressonância da sela túrcica, que evidenciou a presença de macroadenoma hipofisário medindo 1,5x1,5cm. Foi, então, submetido a nova hipofisectomia via transesfenoidal em 30/06/2003, seguida por radioterapia convencional na dose total de 50Gy (5000 rads), fracionada em 25 sessões, a partir de 30/07/2003.

O paciente foi encaminhado ao ambulatório em uso de prednisona em dose de reposição e captopril para controle de hipertensão arterial. As evoluções seguintes demonstraram melhora progressiva dos sinais e sintomas clínicos do hipercortisolismo. Em junho/2004 encontrava-se sem evidências clínicas, laboratoriais ou de imagem de recidivas.

DISCUSSÃO DO CASO

O paciente relatado neste trabalho apresentava doença de Cushing, que é a causa mais comum da síndrome de Cushing, representando 68% do total dos casos, aproximadamente (2). Esta forma é mais comum em mulheres na proporção de 8:1, e a faixa etária mais comum de aparecimento se situa entre os 20 e 40 anos, estando o paciente na faixa inferior desta casuística (1). Do ponto de vista clínico, apresentou quase todos os sinais e sintomas clínicos da síndrome de Cushing, como ganho de peso, fraqueza muscular, hipertensão, adelgaçamento da pele, estrias, cefaléia etc., sendo particular a rápida evolução do quadro clínico. A maioria dos adenomas hipofisários na doença de Cushing são menores que 1cm de diâmetro (microadenomas). Macroadenomas como o do paciente em questão ocorrem em cerca de 10% dos casos e são facilmente identificados por exames radiológicos. Adenomas hipofisários podem gerar hiperplasia das adrenais por estímulo com ACTH. Tal hiperplasia pode ser nodular, como a do paciente estudado, que apresentava nódulo de 1cm em adrenal esquerda. Laboratorialmente, o hipercortisolismo foi comprovado por ausência de supressão do cortisol após 1mg de dexametasona às 23:00h, por cortisol elevado à meia-noite (sensibilidade de 100%) (4), e por elevação do Cortisol Urinário Livre (UFC). O ACTH elevado tornou evidente a forma ACTH-dependente da síndrome de Cushing do referido paciente, sendo esta a melhor forma de separar os casos ACTH-independentes. Ao teste de supressão com altas doses de dexametasona, o paciente não apresentou supressão consistente do cortisol, o que geralmente ocorre quando a causa da síndrome de Cushing é um macroadenoma hipofisário (3).

O paciente foi tratado com cetoconazol no pré-operatório, com o objetivo de diminuir o hipercortisolismo, o que reduz a morbimortalidade decorrente de suas complicações (6). A cirurgia transesfenoidal é a mais recomendada pela literatura (7) e foi utilizada neste caso. Entretanto, a taxa de cura cirúrgica é inferior a 60% para macroadenoma, e o paciente não foi curado com a primeira cirurgia. A reposição de glicocorticóides pré, peri e pós-operatória é feita quando o paciente faz uso de inibidores de enzimas adrenais (7), o que foi realizado no manuseio do paciente. Após a primeira cirurgia, no seguimento pós-operatório, verificamos novamente a presença de macroadenoma hipofisário. O paciente foi reoperado e, devido à agressividade da doença, optamos por tratamento radioterápico complementar no pós-operatório. A dose empregada de 50Gy é a freqüentemente descrita na literatura (8), e a sua eficácia aumenta com o tempo de seguimento, chegando a 91% após 5 anos.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à equipe de neurocirurgia do HSE-RJ, pela atenção dispensada na condução deste caso.

Recebido em 05/04/04

Revisado em 23/07/04

Aceito em 02/08/04

  • 1. Vilar L, Coelho CE. Diagnóstico e diagnóstico diferencial da Síndrome de Cushing. In: Vilar L, Castelar E, Moura E, Leal E, et al, eds. Endocrinologia clínica Rio de Janeiro: Medsi, 1999 p. 363-83.
  • 2. Orth D. Cushing's syndrome. N Engl J Med 1995;332:791-803.
  • 3. Meier CA, Biller BMK. Clinical and biochemical evaluation of Cushing's syndrome. Endocrinol Metab Clin North Am 1997;26:741-62.
  • 4. Newell-Price J, Trainer P, Perry L, et al. A single sleeping midnight cortisol has 100% sensitivity for the diagnosis of Cushing's syndrome. Clin Endocrinol (Oxf) 1995;43:545-50.
  • 5. Orth D. Establishing the cause of Cushing's syndrome II. Up To Date 2002
  • 6. Vilar L, Naves L, Freitas MC, et al. Tratamento medicamentoso dos tumores hipofisários Parte II: Adenomas secretores de ACTH, TSH e clinicamente não funcionantes. Arq Bras Endocrinol Metab 2000;44:455-70.
  • 7. Orth D. Primary therapy of Cushing's disease: transsphenoidal surgery and pituitary irradiation. Up To Date 2002
  • 8. Estrada J, Boronat M, Mielgo M, et al. The long-term outcome of pituitary irradiation after unsuccessful transsphenoidal surgery in Cushing's disease. N Engl J Med 1997;336:172-7.
  • Endereço para correspondência
    Antônio Carmo Rubatino Júnior
    Rua Sacadura Cabral 178, Anexo 4, 3º andar
    20221-161 Rio de Janeiro, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      02 Ago 2004
    • Revisado
      23 Jul 2004
    • Recebido
      05 Abr 2004
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