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Disgenesias gonadais e tumores: aspectos genéticos e clínicos

Gonadal dysgenesis and tumors: genetic and clinical features

Resumos

As Disgenesias Gonadais compõem um espectro clínico de anomalias com fenótipo variável, de feminino a ambíguo ou masculino, em pacientes com desenvolvimento puberal comprometido ou ausente e cariótipo contendo ou não um cromossomo Y e/ou cromossomos marcadores. Embora as seqüências Y-específicas nem sempre sejam evidentes citogeneticamente, as gônadas disgenéticas de pacientes com estas seqüências do cromossomo Y apresentam potencialidade para o desenvolvimento de tumores gonadais. O gonadoblastoma, neoplasia de células germinativas misturadas com células de cordões sexuais, geralmente com calcificações focais, é o mais temido pela sua freqüência. Outras neoplasias de comportamento maligno ou não ocorrem nas disgenesias, sendo também relacionadas à presença de seqüências do cromossomo Y. A detecção destas seqüências por técnicas citogenéticas ou moleculares tem sido estimulada para nortear a indicação profilática de cirurgia para retirada das gônadas neste grupo de pacientes, uma vez que não são, em geral, tumores metastáticos e pela possibilidade de cura com a sua rescisão.

Diferenciação sexual; Disgenesia gonadal; Gonadoblastoma; Tumor gonadal


Gonadal dysgenesis comprises a clinical spectrum of anomalies in patients with female, ambiguous or male phenotype, absent or impaired puberty and karyotype with or without Y chromosome and/or chromosome markers. Although Y-specific sequences are seldom cytogenetically evident, dysgenetic gonads are potentially prone to developing tumors. Gonadoblastoma, a mixed germ cell and sex-cord cells tumor with variable degree of focal calcification, is the most harmful due to its frequency. Other gonadal tumor, maligns or not, also occur in gonadal dysgenesis. As they are not metastatic tumors and may be eradicated by selective excisions, the importance of detecting Y-sequences by molecular sensitized techniques is stressed in order to indicate prophylactic gonadectomy.

Gonadoblastoma; Gonadal dysgenesis; Gonadal tumor; Sexual differentiation


REVISÃO

Disgenesias gonadais e tumores: aspectos genéticos e clínicos

Gonadal dysgenesis and tumors: genetic and clinical features

Mônica V. Nunes LipayI; Bianca BiancoII; Ieda T.N. VerreschiII

IDisciplina de Genética, Departamento de Morfologia, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), São Paulo, SP

IIDisciplina de Endocrinologia, Departamento de Medicina , Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ieda T. N. Verreschi Laboratório de Esteróides Disciplina de Endocrinologia Rua Pedro de Toledo 781, 13° andar 04039-032 São Paulo, SP

RESUMO

As Disgenesias Gonadais compõem um espectro clínico de anomalias com fenótipo variável, de feminino a ambíguo ou masculino, em pacientes com desenvolvimento puberal comprometido ou ausente e cariótipo contendo ou não um cromossomo Y e/ou cromossomos marcadores. Embora as seqüências Y-específicas nem sempre sejam evidentes citogeneticamente, as gônadas disgenéticas de pacientes com estas seqüências do cromossomo Y apresentam potencialidade para o desenvolvimento de tumores gonadais. O gonadoblastoma, neoplasia de células germinativas misturadas com células de cordões sexuais, geralmente com calcificações focais, é o mais temido pela sua freqüência. Outras neoplasias de comportamento maligno ou não ocorrem nas disgenesias, sendo também relacionadas à presença de seqüências do cromossomo Y. A detecção destas seqüências por técnicas citogenéticas ou moleculares tem sido estimulada para nortear a indicação profilática de cirurgia para retirada das gônadas neste grupo de pacientes, uma vez que não são, em geral, tumores metastáticos e pela possibilidade de cura com a sua rescisão.

Descritores: Diferenciação sexual; Disgenesia gonadal; Gonadoblastoma; Tumor gonadal

ABSTRACT

Gonadal dysgenesis comprises a clinical spectrum of anomalies in patients with female, ambiguous or male phenotype, absent or impaired puberty and karyotype with or without Y chromosome and/or chromosome markers. Although Y-specific sequences are seldom cytogenetically evident, dysgenetic gonads are potentially prone to developing tumors. Gonadoblastoma, a mixed germ cell and sex-cord cells tumor with variable degree of focal calcification, is the most harmful due to its frequency. Other gonadal tumor, maligns or not, also occur in gonadal dysgenesis. As they are not metastatic tumors and may be eradicated by selective excisions, the importance of detecting Y-sequences by molecular sensitized techniques is stressed in order to indicate prophylactic gonadectomy.

Keywords: Gonadoblastoma; Gonadal dysgenesis; Gonadal tumor; Sexual differentiation

O GRUPO DE ANOMALIAS ASSOCIADAS à disgenesia gonadal (tabela 1) vem crescendo nos últimos anos com a inclusão de quadros sindrômicos decorrentes de mutações em genes autossômicos recentemente identificados, participantes da diferenciação gonadal (1,2).

Algumas das anomalias relacionadas na tabela 1, em geral, não apresentam ambigüidade genital. São elas a disgenesia gonadal pura e a síndrome de Turner, em que há gônadas disgenéticas bilateralmente, e a síndrome de Klinefelter, na qual a microrquidia é decorrente da disgenesia tubular e torna-se evidente a partir da adolescência. Nos três casos, a manifestação clínica do distúrbio gonadal é o hipogonadismo primário (hipergonadotrófico). A síndrome de Klinefelter não será abordada neste artigo.

Os termos gônada disgenética e testículo disgenético serão citados freqüentemente neste artigo. Entende-se por gônada disgenética (ou em fita ou streak) aquela constituída somente de tecido fibroso, sem função hormonal nem capacidade de produção de gametas, e sem estruturas que permitam caracterizá-la como ovário ou como testículo. O testículo disgenético, por sua vez, é caracterizado histologicamente por anomalias tubulares e intersticiais em graus variáveis, associadas a fibrose e hialinização, e clinicamente por anomalias na diferenciação dos dutos de Wolff, na virilização dos genitais externos e na regressão dos dutos de Müller, denotando função deficiente das células de Leydig e/ou de Sertoli durante o período embrionário; essa deficiência funcional manifesta-se, no período pós-natal, por produção diminuída de andrógenos, sem acúmulo de precursores, e baixa produção de hormônio anti-mülleriano (1,3).

DISGENESIA GONADAL PURA

O termo disgenesia gonadal pura (DGP) é aplicado a indivíduos fenotipicamente femininos, sem ambigüidade genital, presença de derivados müllerianos, gônadas disgenéticas e cariótipo normal, 46,XX ou 46,XY; daí a classificação em DGP XX e DGP XY. São atribuídas a mutações gênicas, sendo mais comum a transmissão recessiva autossômica ou ligada ao cromossomo X (1).

A DGP XX é uma condição autossômica recessiva, sendo que a maioria dos afetados tem estatura normal e não apresenta as anomalias somáticas descritas na síndrome de Turner. É comum a ocorrência de surdez, sendo a presença ou ausência dessa alteração responsável pela diferenciação de duas formas de DGP XX (1,4).

A forma com surdez foi descrita por Perrault e col. em 1951, daí a denominação de síndrome de Perrault (OMIM:233400), entidade que se distingue pela presença de disgenesia gonadal e surdez neurossensorial nas mulheres homozigotas, enquanto os homens podem apresentar surdez (5). Desde os primeiros relatos, várias manifestações neurológicas também têm sido descritas, dentre as quais ataxia, diplegia espástica, epilepsia e nistagmo, além de retardo mental, porém com distribuição bastante variável, sendo discutido se nessa categoria diagnóstica estariam sendo incluídas condições clínicas diferentes ou se corresponderiam a variações no espectro da própria síndrome de Perrault (6,7).

A DGP XX em geral é diagnosticada por amenorréia primária e atraso no desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, em indivíduos com cariótipo 46,XX, fenótipo feminino normal, presença de dutos genitais internos femininos (útero, trompas e porção superior da vagina), que podem ser um pouco hipoplásicos ou infantis pela falta de estímulo hormonal, além de mamas pouco desenvolvidas. Como as gônadas são disgenéticas, elas não respondem ao estímulo com FSH e LH, havendo redução na concentração de estrógeno e conseqüente aumento das gonadotrofinas, caracterizando um hipogonadismo hipergonadotrófico (1,5).

A DGP XY, descrita por Swyer em 1955, é uma entidade geneticamente heterogênea, caracterizada pelo fenótipo feminino com estatura normal em indivíduos com cariótipo 46,XY e gônadas disgenéticas, com risco elevado para o desenvolvimento de tumores gonadais. Estima-se que 20 a 30% dos casos de DGP XY desenvolvem gonadoblastoma e/ou disgerminoma (1,8-11).

Quanto à etiologia, existem relatos indicando herança recessiva ligada ao cromossomo X, ou ainda sugestivos da participação de genes autossômicos, tanto de transmissão dominante quanto recessiva, com expressão limitada ao sexo masculino. Entretanto, atualmente considera-se que a síndrome de Swyer com disgenesia gonadal completa pode ser determinada por mutação do SRY em 10% a 15% dos pacientes analisados, outros 10% a 15% associam-se a deleções do SRY como resultado de rearranjos X/Y desequilibrados, mas 70% a 80% dos casos permanecem de etiologia indeterminada (1,10,12-14).

O diagnóstico é usualmente feito por ocasião da puberdade, devido à amenorréia primária, em indivíduos com sexo genital externo feminino sem ambigüidade, dutos genitais internos femininos (útero, trompas e porção superior da vagina), os quais podem ter as dimensões um pouco reduzidas ou infantis, além de gônadas disgenéticas. A estatura é normal ou elevada, porém com proporções eunucóides e desenvolvimento mamário escasso ou ausente; as pilificações axilar e pubiana em geral estão presentes e em quantidade normal, não sendo observados dismorfismos como os da síndrome de Turner. As gonadotrofinas encontram-se elevadas, enquanto os níveis de estrógeno e testosterona estão reduzidos (1,10).

DISGENESIA GONADAL PARCIAL XY

Também chamada de disgenesia gonadal incompleta, atípica ou pseudo-hermafroditismo masculino disgenético, a disgenesia gonadal parcial XY é caracterizada pela presença de cariótipo 46,XY, sem mosaicismo, em indivíduos com diferenciação testicular parcial, evidência de derivados dos dutos de Müller e ambigüidade genital sem sinais clínicos da síndrome de Turner. A histologia gonadal é variável, porém freqüentemente observam-se túbulos seminíferos hipoplásicos associados a áreas semelhantes ao estroma ovariano. A genitália interna consiste de combinação de derivados de Wolff e Müller (1,3,15-16). Existe risco de transformação neoplásica de ambas as gônadas para, particularmente, gonadoblastoma, ou até seminomas e disgerminomas (1,3,15-17). Freqüentemente não se observam mutações no gene SRY destes pacientes, mas já foram descritos casos com mutações no SRY, em geral, com associação de casos desta anomalia com a DGP XY na mesma família (12-18). Essa patologia é considerada uma variante da disgenesia gonadal pura XY de herança recessiva ligada ao cromossomo X ou autossômica dominante com expressão limitada ao sexo masculino (1,12,17,18).

DISGENESIA GONADAL MISTA

Sob a designação de disgenesia gonadal mista (DGM), encontra-se um grupo heterogêneo de anomalias gonadais, cromossômicas e outras anormalidades fenotípicas, comumente caracterizadas pela presença de testículo disgenético de um lado e gônada disgenética ou ausente de outro, persistência de derivados müllerianos e graus variados de ambigüidade genital (1,19-21).

Também denominada de assimétrica, atípica, em mosaico, ou ainda disgenesia gonadal-Y, a DGM foi reconhecida como uma entidade clínica distinta por Sohval em 1964 (22). Entretanto, em 1955, antes mesmo que as técnicas para análise do cariótipo humano estivessem disponíveis, Grumbach e cols. descreveram um grupo de pacientes que tinha cromatina X negativa e quadro clínico intermediário entre o pseudo-hermafroditismo masculino e a síndrome de Turner, que corresponderia à atual DGM (1).

Em geral, a DGM associa-se ao cariótipo 45,X/ 46,XY, com um espectro fenotípico que varia de genitais externos femininos a masculinos praticamente normais, passando por diferentes graus de ambigüidade genital, sempre com algum desenvolvimento de derivados müllerianos e a presença de uma gônada disgenética e um testículo disgenético contra-lateral, ou ainda de testículos disgenéticos bilateralmente (1,19-21), com risco elevado para o desenvolvimento de neoplasia gonadal (1,11,19-21).

A DGM é de ocorrência rara, mas sempre deve ser considerada entre as etiologias de ambigüidade genital, e podendo ser por este motivo diagnosticada logo no período neonatal, ou ainda na puberdade devido à falta de desenvolvimento de caracteres sexuais secundários (20).

DISPLASIA CAMPTOMÉLICA

A Displasia Camptomélica é um quadro sindrômico raro no qual predominam manifestações esqueléticas, incluindo encurvamento de ossos longos (em particular fêmur e tíbia), hipoplasia escapular, mineralização deficiente dos pedículos torácicos, onze pares de costelas e anomalias dos ossos da pelve. São observados, ainda, macrocefalia, micrognatia, palato fendido, ponte nasal achatada, orelhas de implantação baixa, pé torto eqüinovaro e depressões cutâneas em região pré-tibial. Na grande maioria dos casos, o óbito ocorre no período neonatal, em decorrência de grave insuficiência respiratória (1,23,24).

A maioria (cerca de 75%) dos pacientes com Displasia Camptomélica e cariótipo 46,XY é fenotipicamente do sexo feminino ou apresenta ambigüidade genital. A histologia gonadal é variável, sendo encontrado desde testículos com vários graus de diferenciação até gônadas disgenéticas (1,23,24).

O mecanismo de herança da Displasia Camptomélica foi, durante muito tempo, objeto de controvérsia. A descrição de vários casos com rearranjos cromossômicos envolvendo o braço longo do cromossomo 17 permitiu o mapeamento do locus CMPD1 em 17q24.3-q25.1. Chegou-se, posteriormente, à conclusão de que mutações no gene SOX9, localizado nessa mesma região, eram responsáveis pela Displasia Camptomélica. Uma vez que essas mutações, encontradas em apenas um dos alelos, levam, na prática, à inativação do gene, conclui-se que a Displasia Camptomélica seja resultante de haploinsuficiência do gene SOX9 (25-27).

O gene SOX9, descrito pela primeira vez em murinos, pertence a uma família de fatores de transcrição que codificam proteínas com, pelo menos, 60% de similaridade com o HMG box do gene SRY. Durante a embriogênese, esse gene se expressa no cérebro, nos testículos e em condrócitos dos ossos longos e costelas. Kwok e cols. em 1996, investigando um grupo de pacientes com cariótipo 46,XY e ambigüidade genital, não detectaram mutações no gene SOX9; sugeriram, assim, que mutações nesse gene não sejam causa de anomalias da diferenciação sexual na ausência de defeitos esqueléticos (28). Não há relato de tumor gonadal em casos desta anomalia.

SÍNDROME DE DENYS-DRASH

A associação de ambigüidade genital a tumor de Wilms e nefropatia com insuficiência renal progressiva em indivíduos de sexo genético 46,XY foi descrita, de modo independente, por Denys e cols. em 1967 (29) e Drash e cols. em 1970 (30). Mais de 150 casos foram publicados até o momento, o que permitiu a Müller, em 1994, delinear a síndrome que leva o nome desses dois autores (31).

Clinicamente, os pacientes apresentam-se com genitais externos femininos ou ambíguos; em cerca de 13% dos casos, porém, os genitais externos podem ser tipicamente masculinos. Independente do aspecto da genitália externa, podem ser observados dutos genitais internos derivados de Wolff, de Müller, ou de ambas essas estruturas simultaneamente. No que se refere às gônadas, estas são mais freqüentemente disgenéticas, ou ainda testículos imaturos ou rudimentares. Em 4% dos casos há o desenvolvimento de gonadoblastoma uni ou bilateral (1,31).

A nefropatia costuma estar presente já no primeiro ano de vida e é progressiva. Há esclerose mesangial, geralmente difusa, espessamento da cápsula de Bowman e atrofia tubular generalizada. A insuficiência renal é a principal causa de óbito, que ocorre, em média, aos dois anos de idade. O tumor de Wilms, presente em 74% dos casos da síndrome de Denys-Drash, apresenta-se freqüentemente como uma massa abdominal, sendo, em geral, unilateral (80%). Pode manifestar-se desde o período neonatal até os treze anos, mas é comum que seja detectado juntamente com a nefropatia, no primeiro ou segundo ano de vida. Em cerca de 10% dos casos, há ainda outras anomalias congênitas associadas, particularmente malformações renais (1,31).

Trata-se, na quase totalidade, de casos esporádicos. Esses pacientes apresentam mutações constitucionais quase sempre não herdadas (mutações novas) no gene WT-1, localizado no braço curto do cromossomo 11 (região 11p13) (32,33).

O gene WT-1 foi inicialmente identificado como um oncogene envolvido na etiologia do tumor de Wilms, tumor renal que ocorre quase exclusivamente na infância, resultante de proliferação anômala do blastema metanéfrico. Contém dez exons, é de localização nuclear, e tem características que indicam que atue como fator de transcrição; é expresso nos rins e nas gônadas bissexuais, ambos originários da crista urogenital. Nos indivíduos com a síndrome de Denys-Drash encontram-se mutações em heterozigose, predominantemente no sítio de ligação da proteína WT-1 ao DNA. O efeito dominante da proteína mutante parece ser decorrente de interferência na função da proteína normal expressa pelo alelo sem mutação (32,33).

O diagnóstico diferencial deve ser feito com a síndrome de genes contíguos WAGR (tumor de Wilms, Aniridia, anomalias Genito-urinárias e Retardamento mental), decorrente de deleção no braço curto do cromossomo 11 (1,32,33). Pacientes com a síndrome de Frasier, caracterizada por cariótipo 46,XY, genitais externos femininos, gônadas disgenéticas com alto risco de desenvolvimento de gonadoblastoma e glomerulopatia progressiva, também apresentam mutações no gene WT-1. Nesses pacientes, porém, não se observa tumor de Wilms e a nefropatia é de aparecimento mais tardio (34,35). Discute-se, atualmente, se as síndromes de Denys-Drash e de Frasier seriam entidades distintas ou se fariam parte de um mesmo espectro de anomalias (36).

SÍNDROME DE TURNER

A síndrome de Turner (ST) deve seu nome a Henry H. Turner, que, em 1938, publicou a descrição da tríade infantilismo sexual – pescoço alado – cúbito valgo em sete pacientes do sexo feminino com baixa estatura. Posteriormente, demonstrou-se que, nessas pacientes, as gônadas são vestigiais e ocorre aumento da excreção de gonadotrofinas hipofisárias (1,37). A incidência da ST é estimada em torno de 0,47 por 1.000 ou 1 em cada 2.130 nativivas (38). O número de recém-nascidas corresponde, porém, a uma pequena fração do total de conceptos com ST, uma vez que, embora 1 a 2% de todas as concepções humanas tenha a constituição cromossômica 45,X, cerca de 99% dos conceptos 45,X são abortados espontaneamente (39).

A ST é caracterizada citogeneticamente pela presença de um cromossomo X e perda total ou parcial do segundo cromossomo sexual, levando, assim, à monossomia de um ou mais genes comuns aos cromossomos X e Y. É geralmente um evento esporádico dentro de uma família e seu risco de recorrência na irmandade é muito baixo. Em cerca de 80% dos casos, as pacientes com ST herdaram seu cromossomo X normal da mãe, ou seja, houve falha na meiose paterna ou o cromossomo sexual paterno era estruturalmente anômalo (40).

Além do cariótipo clássico 45,X, podem ser encontradas, entre as pacientes com ST, as seguintes aberrações cromossômicas (1,37):

- mosaicos com uma linhagem 45,X associada a uma ou mais linhagens com dois ou mais cromossomos X íntegros, como 45,X/46,XX e 45,X/47,XXX;

- aberrações estruturais do cromossomo X em cariótipos homogêneos ou em mosaico com linhagens 45,X e (ou) 46,XX – como os isocromossomos de braço longo ou de braço curto desse cromossomo [46,X,i(Xq ou Xp); os cromossomos X em anel (46,X,r(X)]; e as deficiências de braço curto ou longo [46,X,del(Xp) ou del(Xq)];

- linhagens contendo um ou mais cromossomos , íntegros ou não – mosaicos 45,X/46,XY, 45,X/47,XYY, ou aberrações estruturais do cromossomo Y, como 45,X/46,X,i(Yp) e 45,X/46,X,Yq-;

- translocações X;X, X;autossomo e Y;autossomo, que podem ser herdadas ou de novo;

- cromossomos marcadores (estruturalmente anômalos e de origem indefinida), geralmente em mosaico com linhagem 45,X.

A baixa estatura é o sinal mais constantemente encontrado na ST, presente em cerca de 95% dos casos. A altura final é, em média, de 142 a 146,8cm e correlaciona-se positivamente com a estatura dos pais (37). Em 1997, Rao e cols. isolaram um gene denominado SHOX (Short stature HOmeobox gene, no cromossomo X), localizado em Xp22 e Yp11.3, na região pseudoautossômica dos cromossomos sexuais, que seria responsável pela baixa estatura e por várias das anomalias esqueléticas apresentadas pelas portadoras da ST (41).

Os diversos sinais dismórficos e malformações que podem ser encontrados nas portadoras da ST são basicamente decorrentes de um pequeno número de mecanismos fisiopatológicos (37):

Distúrbio do crescimento esquelético – baixa estatura com distúrbio do crescimento dos ossos longos e da base do crânio, fácies característica com micrognatia, cubitus valgus, pescoço curto, peito escavado, tórax em escudo, encurtamento de metacarpianos e metatarsianos, particularmente do IV metacarpiano, palato ogival, genu valgum, escoliose e deformidade de Madelung.

Anomalias das células germinativas – hipogonadismo primário, esterilidade e ocorrência de gonadoblastoma, disgerminoma e outras lesões andrógeno-produtoras não tumorais (42).

Seqüência da obstrução linfática jugular (decorrente de falha na conexão das estruturas linfáticas e venosas em nível jugular, levando à distensão linfática nucal (higroma cístico) e aumento da pressão no sistema linfático) – em geral, hidropisia fetal e óbito intra-útero; no entanto, caso o edema regrida, leva a diversas manifestações clínicas, como: pavilhões auriculares inclinados para trás; unhas hiperconvexas; implantação baixa dos cabelos na nuca; predominância de padrão dermatoglífico em verticilo nas polpas digitais; pescoço alado ou, na recém-nascida, redundância de pele no pescoço, resultantes da redução do higroma cístico; linfedema em dorso de mãos e/ou pés; e displasia ungueal grave.

Observam-se, ainda, outras anomalias, como: mamilos hipoplásicos, invertidos ou com aumento da distância intermamilar; pregas epicânticas; ptose palpebral; estrabismo; e múltiplos nevos pigmentados.

As portadoras da ST podem apresentar, ainda, anomalias decorrentes de distúrbio da embriogênese de mecanismo fisiopatológico ainda indefinido (37), como:

Anomalias cardiovasculares – tipicamente encontradas no lado esquerdo do coração, estão presentes em cerca de 55% dos casos e são a principal causa de óbito entre as portadoras dessa síndrome.

Anomalias renais e renovasculares – presentes em cerca de 24 a 33% dos casos, incluem duplicação do sistema coletor, obstrução da junção ureteropélvica, obstrução da junção uretrovesical, rim pélvico, ectopia cruzada, rim em ferradura, agenesia renal, anomalias de rotação e anomalias vasculares como artérias renais múltiplas.

Hipertensão essencial, não associada à coarctação da aorta ou a lesões renais estruturais evidentes, é observada em 7% dos casos.

Deficiência auditiva – pode ser condutiva (conseqüente à otite média recorrente), neurossensorial ou mista, e sua freqüência aumenta com a idade.

Dentre as pacientes com ST, há um aparente aumento, ainda inexplicado, na freqüência de doenças auto-imunes, como tireoidite linfocítica crônica (tireoidite de Hashimoto), hipertireoidismo (doença de Graves), vitiligo e alopecia, além de obesidade, intolerância a glicose e diabetes mellitus, hiperlipemia e osteoporose (37,43).

A falência gonadal é observada na grande maioria das mulheres com ST. A elevação das gonadotrofinas, particularmente o FSH, pode já ser observada no período neonatal e até os primeiros dois a quatro anos de vida, em grande parte dos casos, seguindo-se uma diminuição dos níveis séricos até cerca de dez a onze anos, quando há uma nova elevação, bastante rápida e acentuada (37).

As gônadas da maior parte das portadoras da ST mostram, caracteristicamente, ausência das células germinativas e daquelas responsáveis pela produção dos esteróides sexuais; encontram-se apenas estroma ovariano e tecido conjuntivo cicatricial, caracterizando, assim, uma gônada disgenética (37).

Estudos histopatológicos demonstraram que, na ST, as células germinativas migram normalmente para as saliências gonadais e os ovários de embriões 45,X parecem normais macro e microscopicamente até o terceiro mês após a concepção. A partir de então, no decorrer da vida fetal ou até os primeiros meses ou anos de vida, há uma aceleração no processo natural de degeneração dos ovócitos, que é concomitante a uma aceleração da fibrose do estroma na maior parte dos casos (1,37).

Em algumas pacientes com ST, há evidências de função ovariana na puberdade. Segundo Lippe e cols., 21% das pacientes apresenta desenvolvimento mamário espontâneo e, dentre elas, 50% chega a apresentar ciclos menstruais até o início da vida adulta. A evolução da puberdade espontânea na ST é bastante variável e, em geral, lenta ou incompleta; embora a menarca ocorra na idade cronológica normal, os ciclos costumam ser irregulares e com fases de amenorréia secundária (44).

Desse modo, embora a esterilidade seja a regra na ST, pode haver fertilidade espontânea em 1 a 2% dos casos. Kawagoe e cols. revisaram o resultado de 167 gestações em 75 pacientes com ST, sendo 18% com cariótipo 45,X aparentemente sem mosaicismo e 82% mosaicos. Em 30% dos casos a gestação terminou em abortamento, em 6% o concepto foi natimorto, e em 16% dos casos havia anomalias congênitas, incluindo a síndrome de Down e a própria ST. Portanto, houve apenas 48% de nascimentos de crianças normais, o que justifica a indicação de diagnóstico pré-natal citogenético (38).

Em 2002, Hanson e cols. analisaram 20 pacientes por FISH para seqüências do cromossomo Y em linfócitos de sangue periférico, células da mucosa oral e tecido ovariano. Em cinco pacientes (25%) foram encontradas diferenças significantes entre a freqüência de células Y-positivas em linfócitos e mucosa oral. Em todas as cinco mulheres foram encontradas células Y-positivas no tecido ovariano, indicando que os linfócitos e as células de mucosa oral podem ser usados como bons preditores da presença de material de Y nos ovários, o que é importante para a identificação de mulheres sob risco de desenvolvimento de gonadoblastoma (45).

Além disso, há relatos de gonadoblastoma em portadoras da ST na ausência citogenética do cromossomo Y em sangue periférico. Isso ocorre, provavelmente, em virtude da maior freqüência de mosaicismo do cromossomo Y nas gônadas quando comparado com linfócitos de sangue periférico (46). Em 2003, Alvarez-Nava e cols. detectaram seqüências Y-específicas em uma paciente 45,X por PCR. A análise do tecido ovariano por citogenética convencional revelou o cariótipo 45,X[85]/46,X,+mar[15], o cromossomo marcador foi identificado como sendo Y-derivado após análise por PCR e FISH. A biópsia gonadal mostrou gonadoblastoma bilateral. Eles sugerem que todas as portadoras da ST sejam selecionadas para pesquisa de mosaicismo oculto de Y por PCR se o cariótopo prévio não revelar a presença do cromossomo Y (47).

Em 2004, Canto e cols. estudaram por PCR 107 portadoras da ST com cariótipo 45,X. Foram identificados material do cromossomo Y em 10 (9,3%) das pacientes. A gonadectomia profilática foi indicada e, das seis pacientes que concordaram em realizar a cirurgia, duas apresentaram gonadoblastoma, revelando uma incidência de 33% (48).

Tumores gonadais nas Disgenesias gonadais

Gonadoblastoma e Disgerminoma

Os estudos de Rutgers e Scully (49-52) e Verp e Simpson (10) mostram que, entre os pacientes com disgenesia gonadal e cromossomo Y, o tumor gonadal mais freqüente é o gonadoblastoma, variando de 9 a 30% dos casos. Essa neoplasia é composta de células germinativas intimamente misturadas a cordões de células sexuais em grupos ou ninhos circunscritos, geralmente com uma membrana basal hialina, e com calcificações difusas ou focais (1,51).

Aproximadamente 80% dos pacientes com gonadoblastoma são fenotipicamente femininos (49). Apesar dos gonadoblastomas não serem tumores metastáticos, outros tipos de tumores de células germinativas associados a eles podem ser. De fato, em aproximadamente 50% dos casos as células tumorais invadem o estroma e formam um disgerminoma, termo sinônimo ao seminoma. Cerca de 17% dos germinomas que surgem de gonadoblastomas são bilaterais (10,49-52).

Em um estudo de 15 pacientes com disgenesia gonadal e fenótipo feminino, Wallace e Levin (53) observaram tumores gonadais em sete. Dentre as gônadas que apresentavam malignidade, foram encontrados cinco gonadoblastomas, quatro disgerminomas e uma neoplasia maligna intratubular de células germinativas. Uma das pacientes apresentou, ainda, um tumor de estroma gonadal.

Gonadoblastomas são encontrados quase que exclusivamente (96%) em gônadas disgenéticas de indivíduos 46,XY, mas também têm sido observados raramente em indivíduos com ausência do cromossomo Y (três casos com cariótipo 46,XX, um 45,X, dois 45,X/46,XX, quatro com anomalias estruturais do X, um 46,XX,del(11p) e dois hermafroditas verdadeiros (10,54).

Em uma série de 13 portadores de gonadoblastoma localizados a partir do diagnóstico anatomopatológico, 5 eram do sexo masculino; destes, 3 (46,XY) eram irmãos que tinham criptorquia bilateral e presença de derivados müllerianos; 1 [46,X,+mar(Y+)] tinha criptorquia bilateral e 1 (cariótipo não informado) tinha seminoma e calcificação focal, além de útero e tubas. Das 8 pacientes do sexo feminino, 1 era portadora de DGP XX e 2 eram portadoras de ST (55).

Os gonadoblastomas são mais freqüentemente observados na segunda década de vida, a menos que a neoplasia ocorra em testículos criptorquídicos. Em um caso, um disgerminoma foi diagnosticado logo após o nascimento. Cerca de 20% surgem de gônadas disgenéticas e 18% de testículos disgenéticos criptorquídicos; em 60% dos casos, a estrutura original da gônada é oculta pelo tumor e, portanto, de tipo indeterminado (51).

Um gonadoblastoma pode sintetizar estrógeno ou testosterona, respondendo pela feminização ou masculinização às vezes presente na disgenesia gonadal XY (51).

Os gonadoblastomas podem estar associados a disgerminomas (50%) e a outros elementos malignos de células germinativas (10%) (10,54), e o prognóstico clínico está relacionado à presença ou não desses elementos. Gonadoblastomas puros não produzem metástases, ao contrário dos disgerminomas, que, apesar disso, respondem bem à radioterapia, sendo as recorrências pouco freqüentes e tardias. Por outro lado, os carcinomas embrionários, tumores endodérmicos do sino, coriocarcinoma e teratomas imaturos são extremamente malignos e geralmente letais se não tratados com quimioterapia múltipla (10).

A ocorrência de tumores gonadais (gonadoblastoma ou disgerminoma) em pacientes com DGP XY é de aproximadamente 30%, com base em análises retrospectivas. A prevalência em casos familiais parece ser maior. Em 62 casos familiais, 38 indivíduos (58%) apresentaram tumores gonadais, primariamente gonadoblastomas ou disgerminomas. Verp e Simpson (10) verificaram onze casos de tumores gonadais em 45 casos não familiais (24%).

Os disgerminomas são os únicos tumores de células germinativas com uma incidência substancial de bilateralidade, que ocorre em 15% dos casos (54).

A maior incidência de tumores em pacientes com disgenesia gonadal e presença de cromossomo Y pode estar relacionada a dois fatores:

(1) o tecido gonadal indiferenciado seria, pela sua própria natureza, mais propenso à transformação neoplásica, independente do mecanismo genético de origem da disgenesia da gônada;

(2) o gene que produz a disgenesia gonadal não apenas provocaria a ausência de células germinativas, mas também conferiria propriedades malignas, ou seja, a hipoplasia e a neoplasia gonadal seriam fenômenos relacionados.

A prevalência aumentada de neoplasias pode resultar da presença de tecido gonadal XY indiferenciado em um ambiente anormal (intra-abdominal). Essa hipótese é reforçada por observações de que a prevalência das neoplasias gonadais está aumentada também nas gônadas disgenéticas 45,X/46,XY intra-abdominais, e ainda pelo achado de tumores em testículos criptorquídicos.

Também pode ser destacado que durante o desenvolvimento embrionário as células germinativas XY dividem-se mais rapidamente do que as XX. Desse modo, as células germinativas XY, programadas originalmente para um local de temperatura mais amena (no escroto) e sob uma taxa metabólica mais baixa, devem responder a essa posição intra-abdominal anormal com um aumento na taxa metabólica e, conseqüentemente, com propensão à transformação neoplásica. Os níveis elevados de gonadotrofinas per se provavelmente não são oncogênicos, considerando-se as baixas taxas de neoplasia em indivíduos 45,X (10).

O gene mutante que determina a DGP XY, por exemplo no SRY, poderia conferir diretamente a propensão para transformação neoplásica. Essa hipótese baseia-se na idade precoce de manifestação da neoplasia e na freqüência relativamente alta de bilateralidade, características de tumores associados a mutações gênicas. Observou-se que os fibroblastos de pacientes com DGP XY, mas não daqueles com mosaicismo contendo linhagem 45,X, apresentam maior susceptibilidade à transformação após exposição ao SV40 (simian papoma virus) (10). Apesar do mecanismo ser desconhecido, há ao menos três hipóteses vigentes:

(1) A mutação que determina a DGP XY pode levar também ao surgimento de linhagens celulares aneuplóides nas células germinativas;

(2) O gene mutante poderia alterar os antígenos de superfície celular nas células embrionárias. Bennett e cols. fizeram diversas observações relevantes a esse respeito em camundongos (56);

(3) O gene mutado pode ser um supressor tumoral, seguindo o modelo proposto por Knudson e cols. (57). Essa hipótese pode ser sustentada pelo fato de que praticamente todos os gonadoblastomas ocorrem em pacientes 45,X/46,XY ou com disgenesia gonadal XY, sendo raramente observados em indivíduos 46,XX e uma única vez em um paciente com ataxia telangiectasia, uma anomalia caracterizada por instabilidade cromossômica. Esses casos raros podem ser resultado de duas mutações seqüenciais casuais, enquanto os demais casos seriam devidos a uma mutação somática precedida de uma deleção ou mutação pré-existente.

O risco aumentado de desenvolvimento de gonadoblastoma em pacientes com gônadas disgenéticas e presença de material derivado do cromossomo Y na sua constituição cromossômica está bem estabelecido (10), e fez com que Page em 1987 (58) postulasse a existência de um gene (GBY) no cromossomo Y com esta função. Page sugeriu que a localização do GBY fosse próxima ao centrômero ou no braço longo do cromossomo Y, portanto distinta da localização do SRY. Petrovic e cols. (59), em 1992, descreveram o caso de uma menina com 12 anos de idade cujo cariótipo foi realizado devido à baixa estatura, sendo encontrado o mosaicismo 45,X/46,X,+mar. Esse marcador estava presente em 58% dos linfócitos periféricos analisados. A análise molecular com sondas Y-específicas mostrou a ausência do SRY e a presença de material correspondente ao restante do braço curto e ao centrômero, e o estudo com FISH também demonstrou que o cromossomo marcador era derivado do cromossomo Y. Na laparotomia foram encontradas gônadas disgenéticas e disgerminoma na gônada esquerda. Esse caso demonstrou que até mesmo um pequeno marcador derivado do cromossomo Y com material pericêntrico pode predispor a transformação neoplásica da gônada disgenética.

Em 1995, Tsuchiya e cols. (60) usaram várias sondas específicas do cromossomo Y para estudar casos de sexo reverso, gonadoblastoma e presença de cromossomo Y no cariótipo. Segundo os autores, o gene GBY gene estaria localizado em uma pequena região próxima ao centrômero, estimada em aproximadamente 1-2Mb. A análise indicou que tanto o TSPY (Ypter-p11.2) como o YRRM (¡-chromosome RNA Recognition Motif – Yq11) estavam presentes em todos os casos. Apesar destes resultados, TSPY ou YRRM não foram implicados diretamente na etiologia do gonadoblastoma; acredita-se, ainda, que o GBY possa ser uma região crítica ou estar em múltiplos loci no cromossomo Y.

Ainda em 1995, Salo e cols. (61), usando vários sequence tagged sites (STSs) do cromossomo Y, avaliaram 2 pacientes com gonadoblastoma e pequeno cromossomo derivado de Y no cariótipo, identificando uma pequena região entre o centrômero (pDP97 em um intervalo de 4B) e um intervalo 5E proximal do braço longo do cromossomo Y (sY182), em uma região compreendendo 4Mb de DNA. Essa região coincide com a região do GC, gene determinante de crescimento.

Outras neoplasias

O germinoma não associado ao gonadoblastoma é a segunda neoplasia mais freqüente observada na gônada disgenética. São descritos também casos de neoplasia de células germinativas intratubulares em pacientes com disgenesia gonadal mista, que pode ser uma lesão precursora para o desenvolvimento de neoplasias germinativas invasivas. Os germinomas em pacientes com disgenesia gonadal costumam ocorrer na primeira década de vida, enquanto outros tumores germinativos mais agressivos ocorrem na segunda década (1,10).

Os tumores juvenis de células granulosas (JGCT) têm sido descritos em pacientes com cariótipo anormal e genitália ambígua, incluindo casos de disgenesia gonadal mista. Esses tumores estão associados a mosaicismo 45,X/46,XY e 45,X/46,X,i(Yq) ou outros. São detectados em testículos tópicos, criptorquídicos ou sob torção, e não apresentam relação com precocidade sexual. Os testículos que originam esses tumores estão geralmente aumentados, endurecidos ou contêm cistos, e esses tumores não recidivam após a orquiectomia (62).

O diagnóstico diferencial dos JGCT do testículo inclui os tumores que se desenvolvem no período neonatal. A maioria dos tumores testiculares congênitos e dos tumores detectados nos primeiros quatro meses de vida são JGCT, em detrimento dos tumores de saco vitelino (62).

CONCLUSÕES

Embora o gonadoblastoma seja o tumor gonadal mais freqüentemente observado nas gônadas disgenéticas de pacientes com material cromossômico derivado do Y, o tumor mais temido é o disgerminoma, por sua potencial malignidade e bilateralidade. Outras neoplasias, malignas ou não, também podem ocorrer neste grupo de pacientes. Por não serem tumores metastáticos e pela possibilidade de cura com a retirada cirúrgica do mesmo, a detecção de cromossomo Y íntegro ou não por técnicas citogenéticas convencionais ou por estudo com FISH ou PCR tem sido estimulada para nortear a indicação profilática de gonadectomia.

Recebido em 27/10/04

Aceito em 24/11/04

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  • Endereço para correspondência
    Ieda T. N. Verreschi
    Laboratório de Esteróides
    Disciplina de Endocrinologia
    Rua Pedro de Toledo 781, 13° andar
    04039-032 São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Aceito
      04 Nov 2004
    • Recebido
      27 Out 2004
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