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Vias dopaminérgicas e somatostatinérgicas diminuem o TSH sérico em ratos portadores de carcinoma mamário walker-256

Dopaminergic and somatostatinergic pathways decrease serum thyrotropin in rats bearing the 256-walker mammary carcinoma

Resumos

A função do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide em animais portadores da "síndrome do T3 baixo", foi estudada em ratos implantados com o tumor de Walker-256. Ratos machos adultos foram injetados com 1 x 106 células tumorais viáveis, por via SC, e sacrificados após 10 dias. A intensidade da síndrome guardou relação positiva com o tamanho do tumor desenvolvido. Houve diminuição da atividade tireoideana documentada pela diminuição da área nuclear das células foliculares, das concentrações plasmáticas do T4, da rTg e da captação do 131I. Mesmo o implante SC de um pellet de TSH de liberação lenta causou menor estimulação tireoideana, avaliada após 2 e 24h nos ratos com tumor. A secreção do rTSH avaliada através da administração IV de TRH mostrou-se significativamente diminuída nestas condições, indicando aumento do tônus inibidor hipotalâmico sobre a secreção deste hormônio. A participação de outros neuro-mediadores hipotalâmicos foi verificada através da administração prévia de metoclopramida e/ou fisostigmina, com ou sem estímulo subseqüente pelo TRH. Nos animais tratados com metoclopramida, os valores do rTSH aumentaram significativamente, assim como a resposta ao estímulo de secreção pelo TRH. A fisostigmina mostrou-se mais eficiente na mediação da resposta de secreção do rTSH, bem como na resposta ao estímulo de secreção pelo TRH. A administração concomitante dos dois fármacos, seguida do estímulo pelo TRH, normalizou a secreção do rTSH. Conclui-se que, além das alterações conhecidas do metabolismo das iodotironinas, a secreção de TSH encontra-se diminuída nos animais portadores de tumor de Walker-256, sugerindo diminuição global do tônus tireoideano.

Desiodase; Tiroxina; Triiodotironina; Tireóide; TSH; TRH; Dopamina; Somatostatina


The hypothalamus-pituitary-thyroid axis was studied in rats with the "low T3 syndrome" caused by the implantation of the Walker-256 mammary carcinoma. Male adult rats were injected s.c. with 1 x 106 viable tumoral cells and killed 10 days later. The tumor development was associated with decreased thyroid activity characterized by a ~15% reduction in the nuclear area of the thyrocytes and 131I-thyroid uptake (down by ~50%), as well as about 70% lower serum levels of T4 and rTg. The functional thyroidal response to exogenous TSH was decreased in the tumor-bearing rats, as well as the rTSH secretion in response to TRH (50ug/kg). To investigate the role of other hypothalamic neuromediators in this process, tumor-bearing rats received an i.v. injection of metoclopramide (5mg/kg) and/or physostigmine (12.5ug/kg), with or without concomitant stimulus with TRH. Each drug improved the rTSH response to TRH, which in the case of physostigmine, almost normalized. When both drugs were injected simultaneously the rTSH response to TRH returned to normal. Thus, in addition to the well known alterations in the extrathyroidal metabolism of thyroid hormones, TSH secretion is decreased in rats with the Walker-256 tumor, indicating a generalized reduction in the thyroid function.

Desiodase; Thyroxine; Triiodothyronine; Thyroid; TSH; TRH; Somatostatine


ARTIGO ORIGINAL

Vias dopaminérgicas e somatostatinérgicas diminuem o TSH sérico em ratos portadores de carcinoma mamário walker-256

Dopaminergic and somatostatinergic pathways decrease serum thyrotropin in rats bearing the 256-walker mammary carcinoma

Osmar MonteI; Szulin ZyngierII; Edna T. KimuraIII; Antonio C. BiancoIV

IDepartamento de Ciências Fisiológicas, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

IIDepartamentos de Farmacologia

IIIHistologia e Embriologia

IVFisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antonio C. Bianco Brigham and Women's Hospital 77 Avenue Louis Pasteur #643 Boston MA 02115 Fax: (617) 731-4718 E-mail: abianco@partners.org

RESUMO

A função do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide em animais portadores da "síndrome do T3 baixo", foi estudada em ratos implantados com o tumor de Walker-256. Ratos machos adultos foram injetados com 1 x 106 células tumorais viáveis, por via SC, e sacrificados após 10 dias. A intensidade da síndrome guardou relação positiva com o tamanho do tumor desenvolvido. Houve diminuição da atividade tireoideana documentada pela diminuição da área nuclear das células foliculares, das concentrações plasmáticas do T4, da rTg e da captação do 131I. Mesmo o implante SC de um pellet de TSH de liberação lenta causou menor estimulação tireoideana, avaliada após 2 e 24h nos ratos com tumor. A secreção do rTSH avaliada através da administração IV de TRH mostrou-se significativamente diminuída nestas condições, indicando aumento do tônus inibidor hipotalâmico sobre a secreção deste hormônio. A participação de outros neuro-mediadores hipotalâmicos foi verificada através da administração prévia de metoclopramida e/ou fisostigmina, com ou sem estímulo subseqüente pelo TRH. Nos animais tratados com metoclopramida, os valores do rTSH aumentaram significativamente, assim como a resposta ao estímulo de secreção pelo TRH. A fisostigmina mostrou-se mais eficiente na mediação da resposta de secreção do rTSH, bem como na resposta ao estímulo de secreção pelo TRH. A administração concomitante dos dois fármacos, seguida do estímulo pelo TRH, normalizou a secreção do rTSH. Conclui-se que, além das alterações conhecidas do metabolismo das iodotironinas, a secreção de TSH encontra-se diminuída nos animais portadores de tumor de Walker-256, sugerindo diminuição global do tônus tireoideano.

Descritores: Desiodase; Tiroxina; Triiodotironina; Tireóide; TSH; TRH; Dopamina; Somatostatina

ABSTRACT

The hypothalamus-pituitary-thyroid axis was studied in rats with the "low T3 syndrome" caused by the implantation of the Walker-256 mammary carcinoma. Male adult rats were injected s.c. with 1 x 106 viable tumoral cells and killed 10 days later. The tumor development was associated with decreased thyroid activity characterized by a ~15% reduction in the nuclear area of the thyrocytes and 131I-thyroid uptake (down by ~50%), as well as about 70% lower serum levels of T4 and rTg. The functional thyroidal response to exogenous TSH was decreased in the tumor-bearing rats, as well as the rTSH secretion in response to TRH (50ug/kg). To investigate the role of other hypothalamic neuromediators in this process, tumor-bearing rats received an i.v. injection of metoclopramide (5mg/kg) and/or physostigmine (12.5ug/kg), with or without concomitant stimulus with TRH. Each drug improved the rTSH response to TRH, which in the case of physostigmine, almost normalized. When both drugs were injected simultaneously the rTSH response to TRH returned to normal. Thus, in addition to the well known alterations in the extrathyroidal metabolism of thyroid hormones, TSH secretion is decreased in rats with the Walker-256 tumor, indicating a generalized reduction in the thyroid function.

Keywords: Desiodase; Thyroxine; Triiodothyronine; Thyroid; TSH; TRH; Dopamine; Somatostatine

A IMPORTÂNCIA FISIOLÓGICA DO HORMÔNIO tireoideano foi reconhecida, pela primeira vez, há cerca de 100 anos. Hoje sabemos que ele regula vários processos metabólicos, participa da termorregulação, particularmente estimulando a produção de calor, e tem ação importante no crescimento e diferenciação de órgãos e tecidos, incluindo o sistema nervoso central. O principal produto da secreção tireoideana é a tiroxina (T4), que, nos tecidos periféricos, é ativada através da sua transformação a 3,3',5-triiodotironina (T3) ou inativada a 3',3,5'-triiodotironina [T3 reverso (rT3)] (1).

A interação do T3, hormônio biologicamente ativo, com seus receptores nucleares influencia a expressão de genes alvo do T3, o que, em última análise, controla o conjunto de proteínas expressas na célula alvo. Uma vez que os tipos e a quantidade de receptores nucleares de T3 variam de célula para célula, de tecido para tecido, os efeitos dos hormônios tireoideanos em diferentes órgãos/tecidos são distintos, o que explica as alterações metabólicas encontradas em pacientes portadores de distúrbios funcionais da glândula tireóide (2).

No curso de diversas situações clínicas e/ou experimentais, como, por exemplo, no estresse e no jejum, observam-se alterações nas concentrações plasmáticas das diversas iodotironinas, basicamente a diminuição da concentração plasmática do T3 (3-5). No início da década de 70, com o desenvolvimento dos primeiros radioimunoensaios para a medida da concentração plasmática dos hormônios tireoideanos, verificou-se que essas alterações também podiam ser detectadas em pacientes eutireoideanos, portadores de doenças sistêmicas não-tireoideanas, abrindo, assim, amplo horizonte para as possíveis implicações clínicas desses achados. Admite-se, hoje, que as alterações encontradas possam ser decorrentes de modificações do metabolismo extratireoideano das iodotironinas, mas não se pode descartar papel significativo do próprio eixo hipotálamo-hipófise-tireóide na gênese dessa síndrome. Embora o significado fisiológico dessas alterações seja incerto (6), elas têm grande importância no diagnóstico de doença tireoideana em pacientes portadores de enfermidade sistêmica moderada ou grave.

Os dados laboratoriais nesses pacientes mostram diminuição da concentração plasmática do T3 total e livre, freqüentemente acompanhada por elevação da concentração do rT3. A concentração do T4 total pode ser normal, baixa ou elevada, a do T4 livre normal ou elevada e o valor do TSH, normal ou baixo. Este quadro recebeu o nome de "síndrome do T3 baixo" e está relacionado primariamente à anormalidade no metabolismo periférico dos hormônios tireoideanos. Admite-se que a diminuição da concentração plasmática do T3 e o aumento do rT3 em humanos sejam decorrentes da queda da taxa de produção do T3 e diminuição do clearance metabólico do rT3, devido principalmente à diminuição da atividade da desiodase do tipo 1 (D1) e aumento da atividade da D3 (3,7). Mesmo sendo um metabólito inativo, o aumento do rT3 previne o aumento compensatório da atividade da D2 frente à redução do T4 circulante, agravando ainda mais a queda do T3 plasmático.

O valor do TSH plasmático geralmente é normal, o que pode ser considerado paradoxal, devido à diminuição da concentração do T3, o que deveria acarretar aumento da secreção do TSH pelas células tireotróficas. A utilização de métodos mais sensíveis de determinação do TSH tem demonstrado que, durante a fase precoce da instalação da "síndrome do T3 baixo", o TSH pode estar transitoriamente suprimido a valores similares aos encontrados no hipertireoidismo (8). Em roedores, esse fenômeno está associado à diminuição dos valores séricos de leptina (9), mas em seres humanos o papel da leptina não é tão significativo (10).

À medida que a doença, a agressão ou a alteração metabólica tornam-se mais graves, a concentração plasmática do T4 total diminui, atingindo valores similares aos observados no hipotireoidismo (11). Esta síndrome é denominada "estado de T3-T4 baixos" e parece resultar do aparecimento de um defeito da capacidade do T4 em se unir à globulina transportadora da tiroxina (TBG), como conseqüência secundária da doença sistêmica grave. A causa desse defeito pode ser o resultado da presença na circulação de um fator inibidor de ligação, de alteração estrutural do local de ligação do T4 na TBG ou de ambos (12).

O desenvolvimento desse "estado de T3-T4 baixos" está associado a condições graves que ameaçam a sobrevida. Existe uma correlação inversa entre a magnitude da queda do T4 e a taxa de mortalidade (13). Então, parece haver uma seqüência pela qual o paciente passa da "síndrome do T3 baixo" para o "estado de T3-T4 baixos", à medida que a doença se torna mais grave. O reverso desta seqüência é encontrado durante o período de recuperação, no qual há normalização do nível plasmático do T4, seguido pela queda do rT3 e, por último, do aumento do T3.

As patologias que desencadeiam o desenvolvimento dessas alterações são muito diversas, incluindo uma variedade de doenças sistêmicas agudas e crônicas, assim como de diferentes condições de stress, ferimentos, traumas e cirurgias. Além disso, a "síndrome do T3 baixo" também pode ser observada em várias condições catabólicas, como no jejum, na diabetes mellitus, dietas cetogênicas, doenças hepáticas e renais e na administração de doses farmacológicas de glicocorticóide e outras drogas.

Entre os inúmeros fatores relatados na gênese da "síndrome do T3 baixo", podemos citar a diminuição da ingestão calórica (14), o aumento dos glicocorticóides (15) e a secreção das citocinas (16,17). Tendo-se em vista a importância clínica e experimental da compreensão dos mecanismos envolvidos na gênese da "síndrome do T3 baixo", este estudo se propôs a verificar o comportamento da função do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide. Para isso, utilizou-se como modelo experimental, ratos portadores de tumor de Walker, os quais desenvolvem a síndrome já a partir do sétimo dia do implante tumoral (18).

MATERIAIS E MÉTODOS

Fármacos e Reagentes

Os reagentes gerais foram obtidos da Sigma Chemical Co. (St. Louis, MO, EUA), exceto quando de outra fonte mencionada. O Na131I (6-12Ci/mg) foi gentilmente cedido pela Dra. Marília M.S. Marone do Serviço de Medicina Nuclear do Hospital Samaritano, São Paulo. O Na125I foi comprado da Du Pont New England Research Products (17Ci/mg; Boston, MA, EUA). A radiometria das amostras foi realizada em contador gama automático (Nuclear-Chicago Corp., Des Plains, IL, EUA), cuja eficiência (cpm/dpm) determinada com uma fonte de 129I 0,1µCi é superior a 95%. O TRH foi adquirido na Disciplina de Biofísica da Escola Paulista de Medicina e foi administrado na dose de 50µg/kg. A fisostigmina (E-8500) foi adquirida da Sigma Chemical Co. (St. Louis, MO, EUA) e foi administrada na dose de 12,5µg/kg. A metoclopramida foi obtida do Laboratório Merrell Lepetit, em sua forma comercial (Plasil®), e foi administrada a dose de 5mg/kg. Todas os fármacos foram diluídos em solução salina antes de serem injetadas nos animais. Os pellets de liberação lenta de TSH (10µg/pellet; liberação de aproximadamente 1,5µg/dia) foram obtidos da Innovative Research of America, Sarasota FL, EUA. Esses pellets liberam uma quantidade constante de TSH ao longo de um período de 7 dias, tendo sido usados em nosso laboratório em diferentes experimentos, sempre apresentando resultados bastante confiáveis.

Animais

Em todos os experimentos foram utilizados ratos machos adultos da linhagem Sprague-Dawley, pesando entre 180 e 250g. Os animais foram mantidos em gaiolas plásticas com palha de madeira, à temperatura ambiente. Durante esse período, foram submetidos a um ciclo claro/escuro de 12/12h, sendo alimentados com dieta Purina e água ad libitum.

Implantes Tumorais

O tumor de Walker é originalmente uma neoplasia maligna de tecido mamário de ratos que, por se desenvolver num período de tempo relativamente curto (5 a 15 dias), acarreta o desencadeamento da "síndrome do T3 baixo" (18,19). Esse tumor, carcinoma Walker-256, foi desenvolvido em 1928 a partir do adenocarcinoma da mama de rato (20). No laboratório, o mesmo é mantido por implante intraperitonial em ratos, ou seja, o líquido ascítico obtido após 5-10 dias do implante é periodicamente reinjetado intra-peritonealmente em novos ratos receptores para a manutenção dessa linhagem celular.

Os implantes tumorais foram feitos no tecido subcutâneo da região dorsal dos animais, para evitar escoriações provocadas pelos mesmos. Além disso, os implantes foram realizados em lotes de animais, pois alguns não desenvolvem o tumor. O líquido ascítico de um animal portador de tumor peritoneal foi coletado através de punção e as células separadas por centrifugação. Em seguida, as células foram suspensas em solução salina e uma alíquota retirada para contagem na presença de azul de tripam. Cada animal recebeu a injeção de aproximadamente 1 x 106 células tumorais viáveis.

Planejamento Experimental

No dia do sacrifício, os animais foram selecionados de acordo com o tamanho do tumor, estimado pela visualização e palpação, com o objetivo de homogeneizar os resultados, pois a intensidade da "síndrome do T3 baixo" depende mais do tamanho do tumor do que do tempo de sua evolução (18).

Em um primeiro experimento, grupos de animais controle e portadores de tumor foram mortos por decapitação e o sangue coletado em tubos secos. Os tumores foram obtidos por dissecção cirúrgica, limpos de tecidos adjacentes e pesados, sendo que os animais foram, então, agrupados em 4 grupos (4 ratos por grupo) de acordo com o tamanho dos tumores. O grupo A foi constituído por animais sem tumor (controle), enquanto que os outros grupos foram constituídos por animais portadores de tumores progressivamente maiores, B (aproximadamente 5g), C (aproximadamente 12g) e D (aproximadamente 16g) (tabela 1). O soro obtido foi armazenado a -20oC por um período não superior a 90 dias, para os ensaios hormonais.

Em um segundo experimento, grupos de animais controle e portadores de tumor receberam o implante subcutâneo do pellet de liberação lenta de TSH, tendo sido sacrificados 2 ou 24h mais tarde. Neste caso, os animais não foram subdivididos em função do peso do tumor.

Em um terceiro experimento, grupos de animais controle e portadores de tumor receberam a injeção de salina, TRH, metoclopramida ou fisostigmina e, sob anestesia superficial com éter, aproximadamente 0,2mL de sangue foi coletado através da punção jugular a intervalos padronizados até 2h mais tarde. Este protocolo foi repetido em outros grupos de animais com pequenas modificações. Os animais receberam a injeção de metoclopramida ou fisostigmina e, 1h mais tarde, receberam injeção de TRH.

Radioimunoensaios

Para a determinação da concentração sérica das diversas iodotironinas estudadas, foram empregados, após pequenas modificações, diferentes RIE desenvolvidos especificamente para cada hormônio (15). A medida da concentração sérica do TSH de rato (rTSH) foi realizada com kit da Amersham (Piscataway, NJ). A medida da concentração sérica da tireoglobulina do rato (rTg) foi realizada utilizando-se reagentes diagnósticos disponíveis comercialmente, comprados da Cis Bio International, França, para medida da concentração plasmática da Tg humana, após modificações do método sugerido pelo fabricante. Validamos esse método para medida da rTg após construção de curva padrão constituída por rTg dissolvida em soro de rato hipotireóideo. O coeficiente de variação desses ensaios foi sempre menor que 10%, utilizando-se neste cálculo concentrações de rTg e rTSH de 5ng/mL.

Todas as soluções-padrão foram preparadas com soro de rato tireoidectomizados cirurgicamente, ingerindo na água Metimazol em solução a 0,03%, livre de hormônios, por adsorção a 4oC por 24h com carvão ativado, e seguida de centrifugação a 16000rpm. As amostras foram processadas sempre em duplicata e, em cada ensaio, foram incluídas duas amostras-referência, que apresentavam respectivamente valores alto e baixo de cada hormônio estudado. Os resultados foram calculados a partir da regressão não-linear das curvas padrão, utilizando-se a transformação logito-log (21). No ensaio da rTg, os resultados foram calculados através da regressão linear das cpm versus concentração da rTg de cada amostra.

Histologia da Tireóide

Um segmento de tecido da região cervical do rato, contendo toda a glândula tireóide e parte do esôfago e da traquéia, foi cuidadosamente dissecado após o sacrifício dos animais, e imerso em formol a 4%. Após a fixação, o material foi submetido à desidratação por imersão em diferentes soluções alcoólicas (50 a 100oGL) e diafanizado em xilol. Em seguida, o material foi emblocado em parafina. Para o estudo histológico, foram realizados cortes de aproximadamente 5µm corados com soluções de hematoxilina e eosina. A análise dos cortes foi realizada em microscópio óptico Olympus acoplado a sistema computadorizado de histomorfometria celular.

Captação Tireoideana do 131I

Os estudos envolvendo a medida da captação de 131I pela glândula tireóide foram realizados 2h após injeção intraperitoneal de aproximadamente 5µCi de Na131I free carrier. Imediatamente após o sacrifício, o sangue foi coletado para separação do soro e a glândula tireóide ressecada cirurgicamente. Uma amostra de 0,5mL de soro e toda a glândula tireóide foram colocadas em tubo de vidro (12 x 100mm) e submetidas à radiometria em contador gama. Os resultados foram calculados em termos percentuais da dose total administrada.

Análise Estatística

Todos os resultados, apresentados em tabelas e gráficos, representam a média mais ou menos o desvio padrão dos resultados obtidos em cada grupo para uma dada variável. Para comparação entre apenas dois grupos, utilizou-se o teste "t" de Student. A análise de variância (ANOVA) foi empregada para a análise dos resultados, quando mais de dois grupos de animais estavam envolvidos. Este teste era complementado pelo teste de Newman-Keuels para se identificar as diferenças entre os grupos. Nos experimentos em que o mesmo animal era estudado em tempos diferentes, empregou-se a ANOVA para medidas seriadas, seguida do teste de Dunnet para comparação entre os grupos. Correlações foram testadas pela análise de regressão linear. Para simplificar a análise dos resultados, os valores de p (probabilidade da aceitação da hipótese de nulidade) são mostrados sempre que pertinentes para um determinado argumento. Considerou-se o limite de 5% para rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS

Estudo Histológico da Glândula Tireóide

No estudo histológico da glândula tireóide procuramos identificar sinais que pudessem indicar alterações morfológicas das células foliculares tireoideanas. A análise do tecido à microscopia óptica não mostrou alterações significativas da estrutura geral do tecido tireoideano. Dessa forma, com o objetivo de se identificar pequenas modificações da estrutura folicular tireoideana, utilizamos um sistema computadorizado de análise digital de imagens para avaliar a área nuclear. Foram analisadas 5 glândulas tireóide do grupo controle e 5 do grupo de ratos portadores de tumor de Walker, totalizando a medida de 1000 células/glândula. Os resultados mostraram que a área nuclear das células foliculares do grupo de ratos com tumor (12,7 ± 2,1µm3) foi cerca de 15% menor que a do grupo controle (14,7 ± 2,7µm3) (p<0,0001).

Concentrações Séricas de T4, T3, rTSH, rTg, e Captação Tireoideana Basal de 131I

Não houve diferença significativa entre o peso corporal dos animais (tabela 1). Entretanto, o peso do tumor variou significativamente, o que fez com que os resultados fossem agrupados (grupos B, C e D) em função do peso do tumor, pois, como já relatado, a intensidade da síndrome guarda relação direta com o tamanho do tumor (tabela 1). A captação tireoideana de 131I nos animais controle (grupo A) foi cerca de 20% da dose de iodo injetada, o que indica um alto turnover de iodeto no rato em comparação ao ser humano (tabela 2). Nos animais portadores de tumor (grupos B, C e D), houve diminuição progressiva e significativa da captação tireoideana de 131I em função do tamanho do tumor (r= -0,99; p= 0,01), chegando a cerca de 50% do valor encontrado no grupo de ratos controle. A diminuição da captação tireoideana de 131I ocorreu, muito embora a disponibilidade de 131I circulante tenha permanecido semelhante nos 4 grupos estudados. Nesses mesmos animais, os valores do rTSH, T4, T3 e rTg diminuíram progressivamente em relação aos ratos controle (grupo A), à medida que foram comparados os animais com tumores menores (grupo B), médios (grupo C) e maiores (grupo D) (tabela 2). Em especial, o valor do T3 praticamente se tornou indetectável no grupo de ratos com tumor maior (grupo D). Observou-se correlação inversa entre o peso do tumor e os valores séricos de rTSH (r= -0,97; p= 0,03), valores séricos de T4 (r= -0,97; p= 0,04) e de rTg (r= -0,96; p= 0,04).

Estudo dos Valores Séricos de rTg e T4, e Captação Tireoideana de 131I em Ratos Portadores de Tumor de Walker, Submetidos a Implante Sub-Cutâneo de Pellet de Liberação Lenta de TSH

O peso dos animais nos quatro grupos não apresentou variação significativa, assim como o peso dos tumores (tabela 3). Nos ratos controle, o implante do pellet de TSH por 2h causou um aumento de 92% (p<0,01) na captação tireoideana de 131I e de 266% (p<0,001), quando implantado por 24h. Um perfil semelhante foi verificado para os valores circulantes de T4 e rTg nesses mesmos animais; os valores séricos de T4 aumentaram 31% (p<0,05) em 2h e 58% (p<0,001) após 24h, enquanto os valores séricos de rTg aumentaram 31% e 123% (p<0,001), respectivamente. A captação tireoideana basal de 131I nos ratos com tumor foi 40% menor que no grupo controle, porém não atingindo o limite de significância estatístico. Em condições basais, os valores circulantes do T4 (controle vs. tumor, p<0,001) e rTg (controle vs. tumor, p<0,05) encontram-se diminuídos nos ratos portadores de tumor. Nesses mesmos animais, o estímulo causado pelo TSH na captação do 131I pela glândula tireóide foi de 55% em 2h e 220% (p<0,001) após 24h do implante do pellet de TSH. As concentrações séricas de T4 aumentaram respectivamente 19% em 2h e 44% em 24h, e a da rTg em 31% e 54% em 2 e 24h, respectivamente, porém não atingiram o limite de significância estatística. Apesar de ter havido estímulo na captação do 131I pelo implante do pellet de TSH nos ratos com tumor, os valores atingidos após 24h são de apenas 48% dos valores observados nos animais controle, submetidos ao mesmo estímulo. Não ocorreu aumento significativo da secreção do T4, nem da rTg, sugerindo que a ação do TSH na tireóide esteja prejudicada (tabela 3).

Valores Séricos de rTSH Após Injeção Endovenosa de TRH

No grupo de animais controle, a concentração sérica do rTSH elevou-se logo aos 30min após a injeção de TRH (50µg/kg), para valor 419,2% (p<0,001) mais alto que o basal (figura 1A). Em seguida, houve diminuição progressiva desses valores. Como nos experimentos anteriores, os animais portadores de tumor de Walker foram divididos em dois grupos, em função do peso do tumor: tumor menor (8,7 ± 2,0g) e tumor maior (14,7 ± 2,5g). O valor basal do rTSH encontra-se diminuído (19,2% no grupo de tumor menor e 52,1% no grupo de tumor maior), em relação ao valor basal do grupo controle. Aos 30min após o estímulo com TRH, observou-se elevação do valor circulante de rTSH, que ficou muito aquém daquela observada no grupo de animais controle. No grupo de ratos com tumor menor, a elevação foi de 145,8% (p<0,001), e no grupo com tumor maior, de 128,6% (p<0,01). Como ocorreu no grupo controle, nos tempos seguintes observou-se queda da concentração sérica do rTSH (figura 1A).


Valores Séricos de rTSH Após Injeção Endovenosa de Metoclopramida

Nos ratos do grupo controle, a injeção de metoclopramida (5mg/kg) causou discreto aumento (12,7%) do rTSH sérico 60min após sua administração (figura 1B). Esse achado é compatível com o efeito dopaminérgico inibitório sobre a secreção do TSH. No grupo de animais portadores de tumor menor (8,1 ± 1,7g), o valor basal do rTSH foi 31,0% inferior ao do grupo controle. Nesse grupo de animais, a injeção de metoclopramida causou aumento de 24,5% no valor circulante do rTSH, embora este tenha ocorrido apenas aos 90min. No grupo de animais portadores de tumor maior (13,9 ± 2,3g), o valor basal de rTSH encontra-se ainda menor do que no grupo controle (50,7%). A injeção da metoclopramida, neste grupo, acarretou elevação significativa dos valores séricos de rTSH em 40% (p= 0,005) do valor basal aos 90min. Apesar de ter havido aumento significativo do rTSH após o estímulo pela metoclopramida, o valor obtido não atingiu aquele observado no grupo controle. Um aspecto interessante é que o pico da resposta à administração de metoclopramida é mais tardio nos animais portadores de tumor do que nos normais e guarda correlação com o tamanho do tumor: quanto maior o tumor, mais tardio o pico de secreção.

Valores Séricos de rTSH Após Injeção Endovenosa de Fisostigmina

Nos animais do grupo controle, notou-se que a injeção de fisostigmina (12,5µg/kg) aumentou a secreção do rTSH, originando pico de 17,3% em relação aos valores basais, 60min após a administração do fármaco (figura 1C). Do mesmo modo que no experimento anterior com a metoclopramida, os efeitos da fisostigmina nos animais do grupo-controle parecem demonstrar a existência de um tônus inibitório somatostatinérgico sobre a secreção do TSH. No grupo de animais portadores de tumor menor (5,3 ± 1,7g), o valor basal de rTSH foi 32% menor que no grupo controle (figura 1C). Nestes animais, observou-se resposta positiva à injeção de fisostigmina com aumento de 56,9% (p<0,01) em relação ao basal, aos 90min. No grupo de ratos portadores de tumor maior (13,8 ± 2,4g), o valor basal do rTSH foi 50,7% menor que nos ratos controle, o aumento foi de 51,3% (p<0,001) e ocorreu aos 120min. Esse desvio temporal na ocorrência do pico secretório de rTSH foi semelhante ao encontrado nos animais que receberam metoclopramida no experimento anterior. Deve ser ressaltado que, nos animais portadores de tumor menor, o aumento observado nos valores do rTSH, após a injeção da fisostigmina, atingiu valores semelhantes aos do grupo controle.

Valores Séricos de rTSH Após Injeção Endovenosa de TRH em Ratos Tratados Previamente com Metoclopramida, Fisostigmina ou Ambos os Fármacos

Neste experimento, medimos a concentração plasmática do rTSH após o estímulo pelo TRH, em ratos controle e portadores de tumor de Walker, previamente (1h antes) injetados com metoclopramida ou fisostigmina e/ou ambas as drogas. Nos animais do grupo controle, a concentração plasmática do rTSH elevou-se, logo aos 30min após a injeção do TRH, para valor 443% (p<0,05) mais alto que o basal (figura 2A). A seguir, houve diminuição progressiva desse valor. No grupo de ratos portadores de tumor de Walker (14,3 ± 2,9g), a injeção do TRH acarretou, aos 30min, aumento de 169% (p<0,05) em relação ao basal, valor esse bem menor quando comparado ao grupo controle (figura 2A).


No grupo de ratos com tumor (15,7 ± 2,2g), que receberam previamente injeção de metoclopramida, notou-se que o valor do rTSH obtido 1h após a injeção da droga foi semelhante ao valor pré-injeção. Porém, quando se injetou o TRH, houve aumento do rTSH de cerca de 277% (p<0,05) aos 30min (figura 2B). Esse valor é 63% maior do que aquele observado apenas com a injeção do TRH no grupo de ratos com tumor, porém ainda cerca de 110% menor que no grupo controle (ratos sem tumor). No grupo de ratos com tumor (13,5 ± 2,4g), que recebeu previamente injeção de fisostigmina, notou-se que o valor do rTSH obtido 1h após a injeção da droga foi semelhante ao valor pré-injeção. Porém, quando se injetou o TRH, houve aumento do rTSH de cerca de 356% (p<0,05) aos 30min (figura 2B). Esse valor é 142% maior do que aquele observado apenas com a injeção do TRH no grupo de ratos com tumor, porém ainda cerca de 42% menor que no grupo controle (ratos sem tumor). No grupo de ratos com tumor (14,6 ± 2,5g), que recebeu previamente injeção de metoclopramida e fisostigmina, notou-se que o valor do rTSH obtido 1h após a injeção da droga foi semelhante ao valor pré-injeção. Porém, quando se injetou o TRH, houve aumento do rTSH de cerca de 441% (p<0,05), aos 30min. Esse valor é semelhante àquele observado no grupo controle (ratos sem tumor).

DISCUSSÃO

Os animais portadores de tumor de Walker desenvolveram a "síndrome do T3 baixo", caracterizada por redução das iodotironinas circulantes (18,19). Além disso, observou-se diminuição das concentrações plasmáticas do rTSH e da sua resposta secretória ao estímulo pelo TRH, mostrando que o eixo hipotálamo-hipófise-tireóide também está envolvido no desencadeamento desta síndrome. Os estudos que se seguiram revelaram que não só a secreção do rTSH, mas também seu efeito na própria glândula tireóide, estão diminuídos de acordo com os resultados obtidos na cinética do 131I na glândula tireóide e da secreção da rTg e do T4. A diminuição da secreção de TSH aparentemente foi devida ao aumento do tônus dopaminérgico e somatostatinérgico hipotalâmico, uma vez que a administração de bloqueadores destas duas substâncias promoveu recuperação parcial/total da concentração plasmática de TSH.

O achado estrutural de que a área nuclear das células foliculares está diminuída e apresenta cromatina condensada nos animais com tumor indica diminuição do trofismo celular e da expressão gênica, possivelmente associada à menor atividade funcional dessas células. Isso é compatível com a diminuição progressiva e significativa da captação tireoideana de 131I nos animais com tumor. De fato, nos ratos com implante tumoral, a diminuição da captação tireoideana do 131I foi proporcional à queda dos valores circulantes do rTSH, e estes apresentaram relação inversa com o tamanho do tumor (tumor maior, rTSH menor). Dois outros dados confirmam a diminuição da ação do rTSH: a redução da concentração plasmática do T4 e de rTg. A queda da concentração plasmática do T4 no grupo de ratos com tumor provavelmente não foi decorrente da diminuição de sua meia-vida, já que o clearance plasmático do T4 é normal na "síndrome do T3 baixo" (3) e não é alterado pela administração de IL-1, apesar de ocorrer aumento do T4 livre, sugerindo que o metabolismo do T4 nos tecidos esteja diminuído (22).

O implante subcutâneo de pellet de TSH estimulou muito menos a tireóide de animais com tumor de Walker. O discreto aumento observado na captação do 131I só foi significante após 24h, mesmo assim permanecendo abaixo dos controles. Além disso, as concentrações plasmáticas do T4 e da rTg não se alteraram significativamente nesses animais, sugerindo que a tireóide dos ratos com tumor não responde normalmente ao estímulo do TSH exógeno. Portanto, deve haver um mecanismo intrínseco na glândula tireóide dos animais com tumor que diminui a ação do TSH na célula folicular. As citocinas, produzidas pelo rato com implante tumoral, podem ter participação importante nesse achado (23). Já foi demonstrado que o TNF-a, em concentrações similares às observadas nas doenças sistêmicas, quando adicionado à cultura de tireócitos humanos, bloqueia a secreção da Tg estimulada pelo TSH (24). Sabe-se, ainda, que o TNF-a acarreta diminuição da captação do iodeto e a liberação do T3 estimulada pelo TSH, quando adicionado à cultura de células de tireóide de rato da linhagem FRTL5 (25,26).

Na "síndrome do T3 baixo", o TSH plasmático está baixo ou inapropriadamente normal em face dos baixos valores do T3/ T4. Isso foi confirmado no presente estudo, uma vez que os animais com tumor apresentaram concentrações plasmáticas basais de rTSH menores que os controles, e essa diminuição foi inversamente proporcional ao tamanho do tumor. A secreção do rTSH, estimulada pelo TRH, também foi menor nos ratos com tumor. O estímulo pelo TRH provocou aumento significativo do rTSH em todos os animais em relação aos seus basais; porém, o incremento nos dois grupos com tumor foi menor que no grupo controle, e entre esses dois grupos, o incremento foi maior no grupo com tumor menor.

Também neste aspecto é possível que as citocinas estejam envolvidas, uma vez que já foi demonstrado que ratos inoculados com esse tumor apresentam aumento importante nos níveis séricos de TNF-a (23). Em estudos anteriores, verificou-se que a administração de TNF-a no rato normal suprime a função hipotalâmica-hipofisária-tireoideana (27), e que a infusão hipotalâmica de IL-1 e a IL-6 induzem diminuição aguda e significativa na concentração plasmática do TSH (17,28). A IL-6, administrada isoladamente ou estimulada pela infusão de IL-1, diminui a secreção do TSH por efeito direto sobre a célula tireotrófica, enquanto que um efeito adicional da IL-1 sobre a secreção do TSH pode envolver alteração na liberação hipotalâmica de TRH ou da somatostatina. Ratos que receberam infusão de IL-1 apresentam diminuição de 73% da concentração hipotalâmica do pro-TRH mRNA e de 38% no valor hipofisário do TSHb mRNA, enquanto que a infusão de IL-6 diminui significativamente o TSHb mRNA hipofisário e atuou diretamente na hipófise, diminuindo a secreção do TSH (17).

O uso da metoclopramida mostrou que a dopamina está envolvida na supressão do eixo hipotálamo-hipófise em ratos com tumor de Walker. No grupo de ratos-controle e com tumor menor, o aumento do rTSH foi discreto, e no grupo com tumor maior, o aumento foi importante, o que faz supor que quanto mais intensa a "síndrome do T3 baixo" (tumor maior), mais importante se torna o efeito inibitório da dopamina sobre a secreção do rTSH no nosso modelo experimental. É interessante que estudos anteriores mostraram que a infusão de IL-1 no hipotálamo do rato acarreta liberação de dopamina, assim como aumenta seu produto de metabolização, sugerindo que essa interleucina atue diretamente no hipotálamo, determinando aumento da dopamina (29,30). Este dado pode explicar em parte a resposta de secreção do rTSH induzida pelo estímulo da metoclopramida no rato com implante tumoral. Porém, apesar de ter havido aumento da secreção do rTSH, este não atingiu o valor encontrado no grupo controle, sugerindo que outros fatores que controlam a secreção do rTSH podem ser mais importantes neste modelo experimental. Resultados semelhantes foram relatados em outro modelo experimental, rato sob restrição alimentar, no qual a concentração plasmática do rTSH também é menor que no grupo controle (31).

O papel inibitório da somatostatina na supressão da secreção de rTSH foi evidenciado pela injeção de fisostigmina. A fisostigmina, fármaco inibidor da colinesterase, acarreta diminuição da liberação endógena da somatostatina (32), a qual inibe a secreção do TSH. De fato, o uso de fisostigmina elevou o TSH plasmático em ratos com tumor, sugerindo que a somatostatina tenha efeito importante no controle da secreção do rTSH no animal com tumor de Walker. Novamente, o papel das citocinas nesse efeito pode ser importante. A infusão de IL-1 no rato diminuiu a concentração basal do rTSH, assim como sua resposta ao estímulo pelo TRH através da liberação hipotalâmica de somatostatina, e não por diminuição da liberação de TRH (33). Em outro modelo experimental, rato sob restrição alimentar, a administração de soro anti-somatostatina induziu aumento significativo na concentração plasmática basal do rTSH e potencializou o efeito do TRH sobre sua secreção.

Existe grande número de terminações nervosas contendo somatostatina ao redor das células secretoras de TRH no núcleo paraventricular hipotalâmico. Essa interação pode explicar a base neuroanatômica do efeito inibitório sobre a secreção do TRH, acarretado por esse hormônio (34). Em adultos jovens normais, o pré-tratamento com piridostigmina, fármaco inibidor da acetil-colinesterase, mostrou aumento significativo da resposta de secreção do TSH estimulada pelo TRH (35). O uso de análogo da somatostatina (octreotide), empregado no tratamento da acromegalia, acarretou diminuição da concentração plasmática do TSH e da resposta de sua secreção ao estímulo pelo TRH (36,37). Na hipófise, demonstrou-se que o número e o tamanho das células tireotróficas aumentam quando hiper-estimuladas pelo TRH e diminuem no hipertireoidismo, assim como com o estímulo pela somatostatina e dopamina (38).

No grupo de ratos com tumor, houve aumento significativo da concentração plasmática do rTSH após injeção prévia de metoclopramida seguida do estímulo pelo TRH. Esse achado é compatível com o efeito dopaminérgico inibitório do hipotálamo sobre a secreção do rTSH. Porém, como o valor do rTSH ainda ficou muito aquém do valor observado no grupo controle, sem tumor, é provável que outros fatores possam ter ação inibitória mais importante sobre a secreção do rTSH. Nossos resultados apontam para um papel importante do tônus somatostatinérgico inibitório do hipotálamo sobre a secreção do rTSH, que, quando comparado ao efeito inibitório exercido pela dopamina, mostra-se relativamente mais importante. Isso é confirmado pela utilização concomitante de metoclopramida e fisostigmina. Nesse caso, o estímulo com TRH nos animais com tumor elevou o rTSH sérico a valores comparáveis aos animais controle, mostrando a importância do tônus inibitório dopaminérgico e principalmente somatostatinérgico sobre a secreção do rTSH no nosso modelo experimental. Devemos salientar, entretanto, que a secreção de TSH não está normalizada nessa situação, uma vez que os animais com tumor apresentam T4 abaixo da normalidade, o que normalmente deveria resultar numa hiper-resposta secretória de TSH.

Uma vez que os dados da literatura mostram: (a) que a secreção hipofisária do TSH é regulada principalmente pelo TRH e somatostatina (39); (b) que as interleucinas aumentam o conteúdo de somatostatina hipotalâmica (40); (c) que a secreção do TSH aumenta quando se usam fármacos que bloqueiam a somatostatina hipotalâmica (31); (d) que a resposta de secreção do TSH ao estímulo pelo TRH aumenta quando se usam previamente fármacos bloqueadores da somatostatina (35); (e) que os análogos da somatostatina diminuem a secreção do TSH e sua resposta de secreção pelo estímulo do TRH (36,37); podemos sugerir que, em nosso modelo experimental, ratos com implante do tumor de Walker, a participação da somatostatina, provavelmente induzida pelo aumento das interleucinas provocado pelo tumor, teve papel preponderante na regulação do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide, tendo-se em vista que a concentração plasmática do rTSH, nos ratos com tumor menor, praticamente atingiu os valores encontrados no grupo controle após administração de fisostigmina, e que esse fato não ocorreu quando se utilizou bloqueador de dopamina. Além disso, a resposta ao estímulo pelo TRH, que estava diminuída nos animais portadores de tumor, mostrou: (a) pequeno aumento quando se utilizou o bloqueador de dopamina; (b) aumento mais importante quando se utilizou o bloqueador da somatostatina; (c) praticamente normalização, quando foram utilizadas ambas as drogas.

AGRADECIMENTOS

Os autores são gratos ao Sr. José Luiz do Santos pela ajuda técnica durante a realização desses estudos.

Recebido em 06/05/04

Revisado em 28/06/04

Aceito em 15/09/04

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Aceito
      15 Set 2004
    • Revisado
      28 Jun 2004
    • Recebido
      06 Maio 2004
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