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Fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes mellitus pós-transplante renal

Risk factors for developing diabetes mellitus after renal transplantation

Resumos

Avaliamos retrospectivamente os prontuários de 34 pacientes com diabetes pós-transplante renal (DMPT) (grupo 1) e 68 transplantados sem DMPT (grupo 0) com objetivo de determinar a prevalência de fatores de risco conhecidos para desenvolvimento da doença em pacientes acompanhados no Hospital Universitário Pedro Ernesto. Observamos uma prevalência de DMPT de 7,4%. O grupo 1 apresentou maior idade no momento da coleta dos dados (p<0,005), maior idade no transplante (p<0,005), maior freqüência de doador cadáver de rim (p= 0,023) e de hipercolesterolemia (p=0,006) e menor freqüência de hipertensão arterial sistêmica (p<0,0001). Houve uma tendência à maior freqüência de sorologia positiva para hepatite C (p= 0,0573) e de uso de tacrolimus (p= 0,069). Pela regressão logística, os fatores de risco mais importantes para evolução para DMPT foram idade ao receber transplante [OR= 1,099, IC 95% (1,045-1,156), p= 0,0001] e sorologia positiva para hepatite C [OR= 3,338, IC 95% (1,205-9,248), p= 0,020]. Concluímos que a prevalência de DMPT em nosso hospital está nos parâmetros descritos na literatura convencional e que nossos pacientes com DMPT apresentaram maior prevalência dos fatores de risco tradicionais para DMPT, como idade avançada e sorologia positiva para hepatite C, em relação aos controles.

Diabetes pós-transplante; Prevalência; Fatores de risco; Transplante renal


We evaluated retrospectively 34 patients with post-kidney transplant diabetes (PTDM) (group 1) and 68 submitted to renal transplant without PTDM (group 0) to determine the prevalence and risk factors for developing PTDM in patients followed at the Hospital Universitário Pedro Ernesto. The prevalence of PTDM was 7.4%. Group 1 patients were older at data collection (p<0.005) and at transplantation (p<0.005). Among them there was a higher frequency of cadaver donors (p= 0.023) and hypercholesterolemia (p= 0.006), and a lower frequency of arterial hypertension (p<0.0001). We observed a trend to higher frequency of positive sorology for C hepatitis (p= 0.057) and use of tacrolimus (p= 0.069) in group 1 as compared to group 0. The most important risk factors for developing PTDM (by logistic regression) were the age at renal transplant [OR= 1.099, IC 95% (1.045-1.156), p= 0.0001] and positive sorology for C hepatitis [OR= 3.338, IC 95% (1.205-9.248), p= 0.020]. We conclude that the prevalence of PTDM in our hospital was similar to that found in the literature and that the patients who developed PTDM presented a higher prevalence of traditional risk factors for PTDM, like older age and positive C virus hepatitis sorology, comparing to controls.

Post-transplant diabetes; Prevalence; Risk factors; transplantation


ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes mellitus pós-transplante renal

Risk factors for developing diabetes mellitus after renal transplantation

Marco A.V. Bastos Jr.; Marcus M.S. Oliveira; Simone H. de Castro; Edna F. Cunha; Edison R.S. Moraes; Frederico Ruzzani; Marília B. Gomes

Disciplina de Diabetes e Metabologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto – Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marco Aurélio V. Bastos Jr Rua Presidente Backer 444 24220-041 Niterói, RJ Fax: (21) 2711-9814 E-mail: mabastosjr@terra.com.br

RESUMO

Avaliamos retrospectivamente os prontuários de 34 pacientes com diabetes pós-transplante renal (DMPT) (grupo 1) e 68 transplantados sem DMPT (grupo 0) com objetivo de determinar a prevalência de fatores de risco conhecidos para desenvolvimento da doença em pacientes acompanhados no Hospital Universitário Pedro Ernesto. Observamos uma prevalência de DMPT de 7,4%. O grupo 1 apresentou maior idade no momento da coleta dos dados (p<0,005), maior idade no transplante (p<0,005), maior freqüência de doador cadáver de rim (p= 0,023) e de hipercolesterolemia (p=0,006) e menor freqüência de hipertensão arterial sistêmica (p<0,0001). Houve uma tendência à maior freqüência de sorologia positiva para hepatite C (p= 0,0573) e de uso de tacrolimus (p= 0,069). Pela regressão logística, os fatores de risco mais importantes para evolução para DMPT foram idade ao receber transplante [OR= 1,099, IC 95% (1,045–1,156), p= 0,0001] e sorologia positiva para hepatite C [OR= 3,338, IC 95% (1,205–9,248), p= 0,020]. Concluímos que a prevalência de DMPT em nosso hospital está nos parâmetros descritos na literatura convencional e que nossos pacientes com DMPT apresentaram maior prevalência dos fatores de risco tradicionais para DMPT, como idade avançada e sorologia positiva para hepatite C, em relação aos controles.

Descritores: Diabetes pós-transplante; Prevalência; Fatores de risco; Transplante renal

ABSTRACT

We evaluated retrospectively 34 patients with post-kidney transplant diabetes (PTDM) (group 1) and 68 submitted to renal transplant without PTDM (group 0) to determine the prevalence and risk factors for developing PTDM in patients followed at the Hospital Universitário Pedro Ernesto. The prevalence of PTDM was 7.4%. Group 1 patients were older at data collection (p<0.005) and at transplantation (p<0.005). Among them there was a higher frequency of cadaver donors (p= 0.023) and hypercholesterolemia (p= 0.006), and a lower frequency of arterial hypertension (p<0.0001). We observed a trend to higher frequency of positive sorology for C hepatitis (p= 0.057) and use of tacrolimus (p= 0.069) in group 1 as compared to group 0. The most important risk factors for developing PTDM (by logistic regression) were the age at renal transplant [OR= 1.099, IC 95% (1.045–1.156), p= 0.0001] and positive sorology for C hepatitis [OR= 3.338, IC 95% (1.205–9.248), p= 0.020]. We conclude that the prevalence of PTDM in our hospital was similar to that found in the literature and that the patients who developed PTDM presented a higher prevalence of traditional risk factors for PTDM, like older age and positive C virus hepatitis sorology, comparing to controls.

Keywords: Post-transplant diabetes; Prevalence; Risk factors; Renal transplantation

O DIABETES MELLITUS (DM) é uma das doenças crônicas mais prevalentes na população mundial, e suas complicações micro e macrovasculares resultam em uma diminuição precoce da capacidade laborativa e da qualidade de vida, além de onerarem de maneira significativa o Sistema de Saúde. A incidência do DM pós-transplante renal (DMPT), um tipo secundário de DM, tem aumentado (1) e varia de 5 a 45%, sendo 2 a 9 vezes maior que em indivíduos normais da mesma faixa etária (2). Já foram definidos alguns fatores que aumentam o risco do desenvolvimento de DMPT, como a idade avançada, a história familiar de DM, o excesso de peso, a raça afro-americana, a infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) e o uso de certos imunossupressores (3-5).

Os pacientes com doença renal terminal apresentam maior risco de doença cardiovascular que a população em geral. Quando este quadro está associado ao DM, este risco é ainda mais elevado, determinando diminuição da sobrevida e da duração do enxerto (6,7). A maior incidência de infecções também é considerada importante fator determinante da menor sobrevida nos pacientes que evoluem com DMPT (3).

O uso de corticosteróides e dos inibidores de calcineurina (ciclosporina e tacrolimus) assumem relevante importância na fisiopatologia do DMPT, já que resultam em aumento da resistência à insulina e/ou diminuição da secreção insulínica por efeito tóxico direto sobre a célula beta (2,8-10).

Com as melhorias das técnicas cirúrgicas e o desenvolvimento de novos imunossupressores, tem havido diminuição da rejeição ao órgão transplantado e da mortalidade a curto prazo nos pacientes submetidos a transplante renal. Em função do aumento da sobrevida destes pacientes, tem sido dada maior ênfase às complicações que possam diminuir a qualidade de vida e aumentar a mortalidade no período pós-transplante (2).

O presente estudo tem como objetivos primários determinar a prevalência de DMPT em pacientes submetidos a transplante renal (TR) em acompanhamento nos Serviços de Diabetes e Nefrologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto e determinar os fatores de risco associados ao desenvolvimento de DMPT.

PACIENTES E MÉTODOS

Este é um estudo de caso-controle aninhado em uma coorte de 470 pacientes submetidos a transplante renal no Hospital Universitário Pedro Ernesto entre outubro de 1975 e novembro de 2003.

Os pacientes com diagnóstico de DM após a realização do transplante renal (n= 34) foram incluídos no grupo 1. O diagnóstico de DMPT foi definido como duas ou mais glicemias plasmáticas em jejum >126mg/dl ; glicemia plasmática de 2h no teste oral de tolerância à glicose (com 75g de dextrosol) >200mg/dl ou sintomas de DM associados à glicemia plasmática randômica >200mg/dl (3,11,14). Uma amostra de 68 pacientes submetidos a transplante renal que não evoluíram com DMPT foi aleatoriamente selecionada da coorte original e constituiu o grupo 0. Excluímos os pacientes que apresentaram hiperglicemia apenas durante pulsoterapia com metilprednisolona.

Foram coletados dados sobre a idade atual e ao receber transplante, o índice de massa corporal (IMC) atual e ao diagnóstico de DM, o status vital do doador do enxerto, as drogas imunossupressoras utilizadas, a presença de história familiar de DM e a sorologia para HCV. Foram coletadas também informações sobre a duração do DM e o tempo decorrido entre a realização do transplante e o diagnóstico de DMPT, o tratamento instituído para o DMPT, o tempo de evolução dos inicialmente tratados apenas com hipoglicemiantes orais até a introdução de insulina como terapêutica, a presença de co-morbidades e a doença renal de base.

Simultaneamente, foram coletados aleatoriamente, através de entrevistas e revisão de prontuários, os mesmos dados de 68 pacientes atendidos no ambulatório da Nefrologia, entre agosto e outubro de 2003, sem o diagnóstico de DM antes ou após o transplante renal.Os indivíduos com DMPT foram classificados quanto à abertura do quadro como diagnóstico precoce (até 6 meses pós-transplante) ou tardio (mais de 6 meses pós-transplante). Foram considerados apenas os imunossupressores utilizados até o desenvolvimento do DM, sendo avaliada freqüência do uso de imunossupressores diabetogênicos, como os corticosteróides e o tacrolimus. Quanto às co-morbidades, hipertensão arterial sistêmica (HAS) foi definida como níveis de pressão arterial sistólica >140 e/ou diastólica >90mmHg em pelo menos três ocasiões distintas (12). Dislipidemia foi definida de acordo com os critérios do NCEP – ATP III (13).

O índice de massa corporal (IMC) foi calculado dividindo-se o peso (Kg) pela altura ao quadrado (m2).

A análise estatística foi realizada através dos programas SPSS (versão 9.0) e Epi Info (versão 6.0). Para comparação entre grupos, utilizamos o teste de Mann-Whitney ou Kruskal-Wallis. Para avaliar a diferença de prevalência de HAS e dislipidemia entre os dois grupos de pacientes utilizamos o teste exato de Fisher. A avaliação dos fatores de risco para o desenvolvimento de DMPT foi realizada através de regressão logística múltipla. Os dados foram apresentados como média ± desvio padrão (DP) ou mediana (mínimo/máximo) e, quando indicado, por intervalo de confiança [IC (95%)]. Consideramos como significante um valor de p bicaudal <0,05.

RESULTADOS

Havia 470 pacientes transplantados renais em acompanhamento no Serviço de Nefrologia do HUPE/UERJ, com datas do transplante renal de outubro de 1975 a novembro de 2003. Em nosso estudo identificamos 34 casos de DMPT, sendo a prevalência de DMPT em nosso hospital de 7,43%.

As características demográficas e clínicas dos dois grupos avaliados estão na tabela 1.

A idade média ao diagnóstico de DMPT foi de 47,7 ± 9,8 anos. Observamos diferença entre os grupos 1 e 0 no que diz respeito à idade atual (50,4 ± 10,1 vs. 40,6 ± 9,9; p<0,0001, respectivamente) e no momento do transplante (44,8 ± 10,1 vs. 35,4 ± 10,1; p= 0,0001, respectivamente) (figura 1). Ao analisarmos a presença de idade superior a 40 anos no momento do transplante renal, encontramos uma maior freqüência no grupo 1 [61,7% (n= 21) vs. 29,4% (n= 20), p= 0,0025].


Em relação ao status vital do doador, houve maior freqüência de doador cadáver no grupo 1 [47,1% (n= 16) vs. 25,5% (n= 16), p= 0,0231]. No que diz respeito à sorologia para hepatite C, a análise mostrou tendência à maior presença de sorologia positiva também no grupo 1 [55,9% (n= 19) vs. 35,3% (n= 24), p= 0,0573] (figura 2).


A mediana da duração dos casos de DMPT foi de 24 meses (1–154), sendo a mediana do tempo decorrido entre o transplante renal e o diagnóstico de DM de 4,5 meses (0,23–255). Este intervalo foi menor que 6 meses (DMPT precoce) em 58,8% (n= 20) e maior que 6 meses (DMPT tardio) em 41,2% (n= 14). O subgrupo dos pacientes com DMPT precoce apresentava idade maior no momento do transplante do que os com DMPT tardio (47,6 ± 10,5 vs. 41,9 ± 9,2 anos respectivamente, p= 0,1069). Não houve diferença significativa entre os subgrupos de pacientes com DMPT precoce e tardio quanto à média de IMC (p= 0,4366) ou presença de sorologia positiva para hepatite C (p= 0,4953).

O tratamento inicial do DM foi com sulfoniluréia (SU) em 41,2% (n= 14), insulina em 29,4% (n= 10), dieta em 23,5% (n= 8), metformina em 2,9% (n= 1) e metformina + insulina em 2,9% (n= 1). Com relação ao uso de insulina como monoterapia ou terapia associada, não encontramos diferença entre os pacientes com abertura precoce ou tardia do DMPT [40% (n= 8) vs. 21,4% (n= 3) respectivamente, p= 0,2948]. Apesar de não haver diferença significativa, maior percentual dos pacientes que abriram precocemente o quadro de DMPT estão em uso de insulina [80% (n= 16) vs. 64,3% (n= 9); p= 0,4351].

Dentre os pacientes inicialmente tratados com drogas orais que tiveram seu tratamento substituído por insulina, a mediana do tempo decorrido até a introdução da insulinoterapia foi de 1 mês (0–67). Atualmente, 64,7% (n= 22) dos pacientes está em uso de insulina; destes, 61,7% (n= 21) utiliza insulina em monoterapia.

Com relação ao esquema imunossupressor utilizado, observamos que todos os pacientes faziam uso de corticosteróides, associados a outros imunomoduladores como a azatioprina 82,3% (n= 84), a ciclosporina 60,7% (n= 62), o micofenolato mofetil 38,2% (n= 39), o tacrolimus 26,4% (n= 27), a rapamicina 9,8% (n= 10), o ortoclone 8,8% (n= 9) e o basiliximab 2,9% (n= 3). O esquema de imunossupressores mais utilizado tanto pelos indivíduos que desenvolveram DMPT até o diagnóstico de DM como pelos que não abriram o quadro de DM foi a associação de ciclosporina, azatioprina e prednisona [29,4% (n= 10) e 27,9% (n= 19) respectivamente, p= 0,6351].

Observamos que o grupo de pacientes com DMPT utilizou mais esquemas imunossupressores contendo a droga tacrolimus do que o grupo que não abriu quadro de DMPT, mas sem significado estatístico [44,4% (n= 15) vs. 24,6% (n= 17) respectivamente, p= 0,0698). O maior percentual de uso de esquemas contendo tacrolimus no grupo de pacientes com DMPT precoce do que no dos DMPT tardio não alcançou significado estatístico [50,0% (n= 10) vs. 28,6% (n= 4) respectivamente, p= 0,2955].

Não houve diferença significativa entre os grupos quanto à realização de pulsoterapia com glicocorticóide (metilprednisolona) para rejeição aguda ao enxerto.

No que diz respeito às comorbidades, no total dos pacientes a hipercolesterolemia estava presente em 19,6% (n= 20) e HAS em 92,1% (n= 94), associadas ou não a outras patologias. Houve diferença significativa entre os grupos 1 e 0 quanto à prevalência de dislipidemia [36,3% (n= 12) vs. 11,7% (n= 8) respectivamente, p= 0,0067] e de HAS [90,9% (n= 30) vs. 94,1% (n= 64) respectivamente, p<0,0001] (figura 2).

Considerando o grupo total, a causa da doença renal terminal foi indeterminada em 48 casos (47%), sendo a HAS identificada como doença de base mais prevalente [27,4 (n= 28)], seguida pela doença policística renal em [3,9% (n= 4)].

No modelo de regressão logística ajustado por peso e IMC utilizamos como variável dependente a presença ou não de DMPT e como co-variáveis: idade ao receber o transplante renal, a presença de doador cadáver, a presença de sorologia positiva para HCV e a presença de história familiar positiva de DM. No primeiro passo, a variável significativa foi idade ao receber o transplante (OR= 1,099, IC 95% (1,045–1,156), coeficiente de Wald (CW)= 13.596, p= 0,0001) e seguida, no segundo passo, pela presença de sorologia positiva para HCV (OR= 3,338, IC 95% (1,205–9,248), CW= 5,373, p= 0,020) (tabela 2).

DISCUSSÃO

O presente trabalho teve como objetivo determinar a prevalência de DMPT em pacientes submetidos a transplante renal em um Hospital Universitário no município do Rio de Janeiro, avaliar retrospectivamente a prevalência dos fatores de risco conhecidos nos pacientes com DMPT em relação aos controles e o perfil antropométrico e clínico dos pacientes com DMPT.

Encontramos uma freqüência de DMPT de 7,4% que está de acordo com a literatura, na qual os diferentes estudos mostram uma prevalência de 5 a 45% (2). Essa grande variação na prevalência da doença decorre da falta de uma definição uniforme de DMPT, já que diferentes critérios diagnósticos são adotados nos estudos, e possivelmente pela diferença no tempo de acompanhamento destes pacientes após o transplante, o que resulta em incerteza sobre sua real prevalência (3,5). Em recente Consenso sobre diabetes pós-transplante, ficou definido que seu diagnóstico deve seguir os mesmos critérios utilizados para diagnosticar diabetes mellitus em geral (14).

Apesar do tamanho de nossa amostra, observamos uma maior prevalência da maioria dos fatores de risco conhecidos para o desenvolvimento de DMPT. O fator de maior importância foi a idade mais avançada ao receber o transplante, a qual se mostrou significativamente associada ao DMPT em todas as análises. Sabidamente, o risco de desenvolvimento de DM aumenta com a idade, estando o envelhecimento associado com resistência à insulina e redução da função da célula beta (15).

Em relação ao status vital do doador, encontramos maior prevalência de doador cadáver entre os DMPT, o que é explicado na prática clínica pela necessidade, em geral, de doses mais elevadas de imunossupressores nos receptores de enxerto de doadores cadáver em relação aos doadores vivos (16). O efeito diabetogênico dos imunossupressores, particularmente dos corticosteróides, é sabidamente dose-dependente (4,17). Os doadores vivos são geralmente relacionados e apresentam melhor perfil de histocompatibilidade com o receptor do que os doadores cadáver.

Pelo modelo de regressão logística, encontramos relação significativa entre a presença de sorologia positiva para HCV e DMPT. Esta infecção, de alta prevalência (até 50%) na população de pacientes portadores de doença renal em estágio terminal (DRET) e adquirida grande parte das vezes pelas sessões de hemodiálise, aparece associada ao DMPT na maioria dos estudos (3). Alguns estudos apontam para uma relação da gravidade da disfunção hepática causada pelo vírus com o DMPT, sendo que o HCV não parece estar associado à auto-imunidade contra a ilhota pancreática (18,19).

Diferentes estudos sobre a fisiopatologia do DMPT, que utilizam testes orais de tolerância à glicose antes ou logo após o transplante renal e os repetem após um ano, mostram claramente o mais alto papel preditor dos defeitos da liberação insulínica para o desenvolvimento de DMPT em relação aos defeitos na ação insulínica (resistência insulínica) (20,21). Encontramos mediana de tempo decorrido entre o transplante e a abertura do quadro de DMPT bastante curto (4,5 meses) e um alto percentual de uso de insulina como forma de tratamento final do DM (67,7%). Apesar de não termos realizado nenhum teste de função da célula beta, estes fatos corroboram que possivelmente a disfunção da célula beta apresentou maior importância na fisiopatologia da doença do que a resistência insulínica. Apesar de não ter significado estatístico, observamos também que os pacientes que evoluíram mais precocemente com DMPT apresentaram maior percentual de uso de insulina do que os demais.

Os corticosteróides, utilizados por 100% dos pacientes de nossa amostra, têm efeito diabetogênico direto, piorando a resistência insulínica, assim como indireto, aumentando o peso e diminuindo a massa muscular (2). Quanto aos outros imunossupressores, procuramos avaliar a relação do uso de esquemas contendo ciclosporina ou tacrolimus com o DMPT. Estes imunossupressores exercem seu efeito diabetogênico por provável efeito inibitório direto sobre a secreção protéica da célula beta, sendo o tacrolimus cinco vezes mais diabetogênico que a ciclosporina, em 1 ano (3,22). Encontramos maior percentual de uso de tacrolimus entre os DMPT e, particularmente, entre os DMPT de instalação precoce. Não houve significância estatística, possivelmente devido ao tamanho de nossa amostra.

Ressaltamos ainda a elevada prevalência de dislipidemia entre o grupo dos DMPT, o que contribui para o maior risco de doença macrovascular a que estão submetidos esses pacientes.

Concluímos, pelo presente estudo, que a prevalência de DMPT em nosso hospital está nos parâmetros descritos na literatura convencional. Na nossa amostra, os pacientes com DMPT apresentaram maior prevalência dos fatores de risco tradicionais para DMPT, como a idade avançada e sorologia positiva para hepatite C. São necessários, entretanto, estudos prospectivos acompanhando os pacientes desde o período pré-transplante para identificação precisa dos fatores de risco para o desenvolvimento de DMPT, o que poderia permitir escolhas diferenciadas de esquema imunossupressor de acordo com o perfil de risco de cada paciente. Esta conduta pode vir a diminuir o risco de desenvolvimento de DMPT, o que melhoraria a sobrevida, a duração do enxerto renal e a qualidade de vida dos pacientes transplantados.

Recebido em 21/05/04

Revisado em 20/08/04

Aceito em 20/10/04

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Recebido
      21 Maio 2004
    • Revisado
      20 Ago 2004
    • Aceito
      20 Out 2004
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