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É tempo de atualizar o nome do diabetes mellitus tipo 2?

CARTAS AO EDITOR

É tempo de atualizar o nome do diabetes mellitus tipo 2?

Sandra R.G. Ferreira

Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Sandra Roberta Gouvea Ferreira Professora Livre-Docente, Departamento de Medicina Preventiva Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Rua Botucatu, 740 04023-062 São Paulo, SP Fax: (11) 5549-5159 E-mail: ferreira@medprev.epm.br

A IDENTIFICAÇÃO DE UMA CONDIÇÃO patológica na qual a "carne dos membros se derretia em urina" ocorreu há mais de 1.700 anos (Aretaeus, 300 DC) (1). A evolução do conhecimento científico sobre esta condição levou à denominação de diabetes mellitus há centenas de anos atrás (Willis, 1674) (1). À semelhança de outras ciências, a progressão do conhecimento sobre diabetes tem ocorrido em progressão geométrica. Com toda razão, a Associação Americana de Diabetes, em 1997 (2), preferiu definir o diabetes mellitus como um grupo de doenças nas quais a hiperglicemia – decorrente da falta de produção e/ou da ação insulínica – pode ter etiopatogenia distinta. E mais, um mesmo indivíduo pode ter "dois diabetes" se tiver o infortúnio de apresentar condições genético-ambientais para o tipo 2 e sofrer um processo de agressão auto-imune das suas células beta.

Os experts em diabetologia têm progressivamente reduzido os valores diagnósticos do diabetes e, por precaução, também criaram a condição "pré-diabética", consciente de que a atual verdade sobre os valores de corte poderá mudar a curto prazo. A mesma conduta também tem sido adotada pelos especialistas em hipertensão arterial e dislipidemia. Será coincidência?

A associação entre os três distúrbios – dos níveis glicêmicos, pressóricos e lipídicos – "incomoda" a sociedade médica há muito tempo e Reaven, em 1988 (3), estabeleceu tal elo, que é a resistência de tecidos à ação da insulina. Este hormônio definitivamente deixou de ser popular apenas entre os endocrinologistas. Por outro lado, estes passaram a se interessar por células e processos biológicos antes aparentemente desconectados da prática endocrinológica, como por exemplo, o endotélio e a inflamação subclínica. Muito foi aprendido sobre os mecanismos que relacionam a célula adiposa visceral, as adipocitocinas, a resistência à insulina, inflamação e a disfunção endotelial.

Identificar o paciente como de risco, quando da elevação da glicemia, não seria muito tarde? Não raramente o paciente que sofre um evento cardiovascular já apresentava tal seqüência de anormalidades, mas ainda com uma glicemia abaixo de 100mg/dl.

Por meio desta análise, superficial embora verdadeira, é razoável questionar se é tempo de se modificar o nome da doença diabetes mellitus tipo 2, uma vez que, muitos anos antes de "adocicar" o sangue, o organismo deste paciente já vem sofrendo uma demonstrável cascata de eventos patológicos.

Endoteliopatia metabólica seria mais apropriado?

REFERÊNCIAS

1. Williams G, Pickup JC. História do diabetes. In: Manual de Diabetes, 2a edição. Williams G, Pickup JC, editors. Oxford:Blackwell Science; 2001.

2. The Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus (ECDCDM). Report of the ECDCDM. Diabetes Care 1997;20:1183-97.

3. Reaven GM. Role of insulin resistance in human disease. Diabetes 1988;37:1595-607.

Recebido em 21/06/04

Revisado em 31/08/04

Aceito em 04/10/04

  • Endereço para correspondência
    Sandra Roberta Gouvea Ferreira
    Professora Livre-Docente,
    Departamento de Medicina Preventiva
    Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
    Rua Botucatu, 740
    04023-062 São Paulo, SP
    Fax: (11) 5549-5159
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005
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