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Mario Philomeno Caleiro Lima: a trajetória na construção da endocrinologia na UNIFESP

MEMÓRIAS

Mario Philomeno Caleiro Lima: a trajetória na construção da endocrinologia na UNIFESP

Ieda T.N. Verreschi

Professora Adjunta da Disciplina de Endocrinologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ieda T.N. Verreschi Laboratório de Esteróides Disciplina de Endocrinologia, Departamento de Medicina Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM) Rua Pedro de Toledo 781, 13º andar Telefax: (11) 5574-6502 e-mail: ieda@endocrino.epm.br

EMBORA A DISTINTA FIGURA de Mario Caleiro Lima, com seu inseparável cachimbo, tenha sido a dominante dos anos setenta nos corredores do Edifício Jairo Ramos e pelas enfermarias do Hospital São Paulo, a sua trajetória pela Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina abrange mais de três décadas a partir de 1954.

Em 1954, durante o internato, Mario posicionou-se ao lado de Luciano Décourt - cavalheiro de vasta cultura humanística e grande construtor da especialidade trazida da seção de Fisiopatologia do Instituto Butantã (1) - com quem iniciou um ciclo de vida dedicado ao estudo de uma especialidade no seu apogeu, pois na opinião de Emilio Mattar "a Endocrinologia paulista atingiu, nos anos 50 e 60, níveis comparáveis aos internacionais" (1).

É desta época a formação de um grupo de estudos que se reunia inicialmente na casa de Luciano, e onde as páginas do último Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism ou de um Recent Progress in Hormone Research eram sorvidas até madrugada alta. "Apesar de Zaira (Décourt) e eu gostarmos muito de ler e discutir literatura, e o fazíamos na sala ao lado, muitas vezes nos víamos vencidas pelo sono nestas longas horas de tertúlias", relembra saudosa D. Haidée Caleiro Lima. A esta época, freqüentavam a casa de Décourt e/ou o serviço de Endocrinologia da EPM, o primo Arnaldo Caleiro Sandoval, José Manoel Fernandes e o recém-formado Luiz Carlos Reis. Na figura 1 vê-se o grupo em torno da D. Nair Slemer, secretária eficiente e organizadora do atendimento ambulatorial de Endocrinologia. À medida que Dr. Mario foi adquirindo experiência clínica e desenvolvendo o conhecimento da especialidade, aliado ao tirocínio clínico, fazia-se requisitado em outros grupos de estudo, como em casa de Domingos Delascio, o obstetra dos obstetras, possivelmente para opinar sobre o controle de um Diabetes gestacional ou de um hipertiroidismo no ciclo gravídico-puerperal e para informar sobre as últimas publicações na área de endocrinologia da reprodução.


Com o crescimento da sua clínica privada e a maior responsabilidade sobre a organização do curso de endocrinologia para a graduação em Medicina, onde assumia a suplência atuante da chefia da Disciplina de Endocrinologia, passa a reunir para estudos na sua própria casa, sucessivamente, na rua dos Bombeiros 195, com José Manoel Fernandes, Luis Carlos Reis e Eugênio Chiorboli, que iriam depois para a Manoel da Nóbrega 401, no Brooklin, onde a eles juntou-se o campineiro Roberto Leitão responsável pela implantação do curso de endocrinologia na UNICAMP e, algumas vezes, o poeta então endocrinologista Prado Veppo da UFSM-RS. O tempo vai passando e alguns anos a mais de experiência cristalizam a figura do Mario-professor-de-Medicina e o grupo que o rodeia na casa da rua Guaramomis, no Planalto Paulista, passa a ser de médicos mais jovens, que ansiavam por sua vasta e valiosa Biblioteca e pelos seus ensinamentos numa atmosfera de aromas de fumo "Half & Half", um tanto ressecado, e do café impecável e incansavelmente servido pela própria Haidée no bule de bico longo com tampa, à moda da família da "Franca do Imperador".

Aliás, Mario nasceu em Franca a 18 de agosto de 1924 e de lá era por tradição e por amor. Embora educado em Colégios paulistanos como o Elvira Brandão, a tradicional casa de sua família no interior esteve sempre presente na sua memória e também num quadro em sua própria casa, onde mostrava com visível orgulho a segunda janela que dava para o quarto onde nasceu (figura 2).


Mario Caleiro Lima assumiu de fato a chefia da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina somente em 1975, após a morte de Luciano Décourt. A este ele dedicou sempre todo o respeito e admiração. Muito deste tratamento poderia estar ligado à memória das aulas particulares de Biologia e Química recebidas do Professor Paulo Décourt, por ocasião do exame de ingresso na Paulista de Medicina. Com discrição e nobreza protegeu Luciano das tramas geradas no meio acadêmico, muitas vezes incompatíveis com a ética pertinente ao ambiente profissional. De obstáculo em obstáculo foi levando tijolo por tijolo e a argamassa para a construção em bases sólidas de um grupo que se destacou na consolidação da Endocrinologia no Brasil. Construiu a Residência Médica na especialidade oficialmente instituída em 1965 (1), da qual em 1967 Maria Aparecida Enes de Barros da Universidade Federal de Uberaba foi a primeira médica residente e em 1968 recebeu Antonio Roberto Chacra o primeiro aluno epemista a cursar esta especialidade.

Em 1971 arquitetou com Décourt o projeto da Pós-Graduação em Endocrinologia, que após intervenções e patrulhamentos foi finalmente obtido o registro definitivo pelo MEC no ano de 1977. A esta época já vinha sendo auxiliado pelos novos assistentes ingressados na carreira acadêmica, Antonio Roberto Chacra e Rui Monteiro de Barros Maciel, que se dedicaram com afinco à causa da Pós-Graduação.

Em 1982 Mario Philomeno voluntária e precocemente aposentou-se. Com sua retirada abriu concurso para Professor Titular, que foi conquistado por Antonio Roberto Chacra, seu dileto aluno e a quem confiou a direção que seria dada à sua construção, a Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina (figura 3).


Ao morrer, em 15 de março de 2003, há alguns anos Mario já não privava mais dos alunos que tanto amara e estimulara a crescer e a sair do país para obterem a indispensável repicagem do saber. A produção científica de hoje deste grupo que alcançou nota exemplar no julgamento CAPES dos cursos de Pós-Graduação, de qualquer forma representam uma homenagem ao Professor, que neste mês faria 81 anos e, se durante toda sua carreira poucos trabalhos publicou, soube prudente e persistentemente construir sobre rocha as bases de um grupo de pesquisa em Endocrinologia que engrandece o país.

REFERÊNCIAS

1. Verreschi ITN. A Endocrinologia em São Paulo. In Póvoa LC, editor. História da Endocrinologia no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro, DiaGraphic Editora: 2000. p.47-71.

2. SBEM-COPEM. Depoimentos históricos em vias de registro, São Paulo, 1994.

3. Vários. EPM: 60 anos de história. Cape/EPM, 1993.

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    Ieda T.N. Verreschi
    Laboratório de Esteróides
    Disciplina de Endocrinologia, Departamento de Medicina
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Ago 2005
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