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Acromegalia e doença tiroideana: prevalência de câncer de tireóide

Acromegaly and thyroid disease: prevalence of thyroid cancer

Resumos

A relação entre câncer e acromegalia tem sido objeto de estudo há muitos anos. A partir de um caso de carcinoma diferenciado de tireóide em um de nossos pacientes acromegálicos, estudamos uma série de 100 outros acromegálicos e encontramos dois outros casos de câncer de tireóide, descritos neste trabalho. A partir daí, levantamos os dados da literatura sobre esta última associação e sua possível patogênese. A prevalência de patologias tireoidianas é aumentada dentre os acromegálicos, às custas, principalmente, do bócio nodular. Esta associação será abordada, assim como a relação entre o fator de crescimento insulina símile I (IGF-I) e câncer, numa tentativa de entender melhor seu significado frente aos nossos casos. Nós concluímos que seria prudente realizar exame ultrassonográfico periódico em acromegálicos, seguido de Punção Aspirativa com Agulha Fina (PAAF) dos nódulos suspeitos.

Acromegalia; Prevalência; Câncer de tireóide; Doença tireoidiana; IGF-I; Câncer


The relationship between cancer and acromegaly has been subject of study for many years. From a case of differentiated thyroid carcinoma in one of our acromegalic patients, we reviewed a series of 100 acromegalics and found two others cases of thyroid cancer, which are described in this work. From that point, we have got data from the literature about this last association and its possible pathogenesis. The prevalence of thyroid disease is increased among acromegalic patients, mainly due to nodular goiter. This association will be discussed, as well as the relation between insulin-like growth factor-I and cancer, in an effort to have a better understanding of its meaning for our cases. We concluded that it would be prudent to do periodic ultrasonografic evaluation of acromegalic patients, follow by fine needle aspiration biopsies of suspect nodules.

Acromegaly; Prevalence; Thyroid cancer; Thyroid disease; IGF-I; Cancer


ARTIGO ORIGINAL

Acromegalia e doença tiroideana: prevalência de câncer de tireóide

Acromegaly and thyroid disease: prevalence of thyroid cancer

Frederico G. Marchisotti; Luciana Mela Umeda; Patrícia Lins Zach; Michelle D. D. Saldanha; Olga Simoni Nobel First; Bernardo Liberman

Serviços de Endocrinologia do Hospital Brigadeiro e Hospital Ipiranga

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Frederico G. Marchisotti Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 155, 2º– andar, Bloco 6 (PAMB) 05403-900 São Paulo, SP Fax: (11) 3069-7519 E-mail: marchisotti@aol.com

RESUMO

A relação entre câncer e acromegalia tem sido objeto de estudo há muitos anos. A partir de um caso de carcinoma diferenciado de tireóide em um de nossos pacientes acromegálicos, estudamos uma série de 100 outros acromegálicos e encontramos dois outros casos de câncer de tireóide, descritos neste trabalho. A partir daí, levantamos os dados da literatura sobre esta última associação e sua possível patogênese. A prevalência de patologias tireoidianas é aumentada dentre os acromegálicos, às custas, principalmente, do bócio nodular. Esta associação será abordada, assim como a relação entre o fator de crescimento insulina símile I (IGF-I) e câncer, numa tentativa de entender melhor seu significado frente aos nossos casos. Nós concluímos que seria prudente realizar exame ultrassonográfico periódico em acromegálicos, seguido de Punção Aspirativa com Agulha Fina (PAAF) dos nódulos suspeitos.

Descritores: Acromegalia; Prevalência; Câncer de tireóide; Doença tireoidiana; IGF-I; Câncer

ABSTRACT

The relationship between cancer and acromegaly has been subject of study for many years. From a case of differentiated thyroid carcinoma in one of our acromegalic patients, we reviewed a series of 100 acromegalics and found two others cases of thyroid cancer, which are described in this work. From that point, we have got data from the literature about this last association and its possible pathogenesis. The prevalence of thyroid disease is increased among acromegalic patients, mainly due to nodular goiter. This association will be discussed, as well as the relation between insulin-like growth factor-I and cancer, in an effort to have a better understanding of its meaning for our cases. We concluded that it would be prudent to do periodic ultrasonografic evaluation of acromegalic patients, follow by fine needle aspiration biopsies of suspect nodules.

Keywords: Acromegaly; Prevalence; Thyroid cancer; Thyroid disease; IGF-I; Cancer

UM LARGO ESPECTRO DE MANIFESTAÇÕES clínicas sistêmicas caracteriza a acromegalia. Bócio, pólipos colônicos, número aumentado de papilomas cutâneos (skin tags) e hiperidrose são geralmente descritas ao diagnóstico, juntamente com crescimento exagerado das mãos e pés, e características faciais grosseiras.

Neoplasias malignas são consideradas, em conjunto com doenças respiratórias e anormalidades cardiovasculares, as principais causas de mortalidade em acromegálicos. Aproximadamente 15% dos acromegálicos morrem de neoplasias malignas, e as taxas de mortalidade por câncer podem ser estratificadas de acordo com os níveis de GH após o tratamento (1).

A associação entre hormônio de crescimento e câncer foi inicialmente sugerida em 1950 por Moon e cols. (2) através da observação da incidência de neoplasias de pulmão, adrenal e mamas em ratas cronicamente tratadas com altas doses de hormônio do crescimento (GH) hipofisário.

Tornell e cols. (3) descreveram nove camundongos transgênicos com expressão aumentada de GH humano, que desenvolveram tumores mamários. O GH estimula a proliferação de células cancerosas in vitro, havendo evidências de que pode exercer ações parácrina/autócrina independentemente ou em adição aos efeitos endócrinos mediados pelo IGF-I (4).

Em um dos primeiros estudos clínicos, realizado em 1957, em que se verificou a causa de mortalidade dos pacientes acromegálicos, Mustacchi e cols. (5) não encontraram uma relação estatisticamente significativa entre hormônio do crescimento e neoplasias. Desde então, vários autores vêm descrevendo maior incidência de neoplasias em acromegálicos, principalmente nas últimas décadas. A dificuldade em se verificar essa associação deve-se à raridade da acromegalia — prevalência de 38 a 69 casos por milhão; incidência de três a quatro casos por milhão (6-8) — e também pelo aumento da expectativa de vida com o tratamento da doença de base. Os acromegálicos têm, atualmente, sobrevida maior (9) e o desenvolvimento de malignidades, nesta população, pode estar relacionado intrinsecamente à idade. Apesar de tendência à aceitação da literatura da maior incidência de câncer de cólon, próstata e mama nestes pacientes, existem ainda dúvidas sobre o assunto (10).

A prevalência de câncer de tireóide em acromegálicos, embora pequena, pode ser maior que na população em geral, e pouco tem sido estudada em particular. No presente trabalho, estudamos três casos de câncer diferenciado de tireóide em acromegálicos seguidos nos Serviços de Endocrinologia do Hospital Brigadeiro e Hospital Ipiranga, e revimos sua prevalência em acromegálicos. São apresentados os possíveis mecanismos responsáveis por esta maior prevalência, assim como comentários relacionando patologias tireoidianas e acromegalia, e IGF-I e câncer de tireóide.

RELATO DE CASOS

Caso 1. Paciente de 50 anos, sexo masculino, com diagnóstico de acromegalia em agosto de 1995 e diagnóstico de carcinoma de tireóide em fevereiro de 1996.

Avaliação hormonal ao diagnóstico (08/95): Hormônio de crescimento (GH)= 15ng/ml; Fator de crescimento insulina símile (IGF-I)= 1339,5ng/ml.

A ressonância magnética de hipófise (08/95) revelava a presença de adenoma hipofisário à direita, medindo 10 x 12mm, com extensão supra-selar, produtor de GH à imunoperoxidase após exame anátomo-patológico.

Paciente foi submetido a cirurgia transfenoidal em setembro de 1995. Apresentou níveis elevados de IGF-I (1.827ng/ml) já no primeiro ano do pós-operatório. Houve necessidade do uso de Octreotide e Radioterapia, posteriormente, devido à recorrência tumoral.

Ultrassonografia (US) de tireóide (08/95) evidenciava um nódulo hipoecogênico, sólido, contornos irregulares, sem halo, sem calcificações, de 0,6cm, com reforço acústico posterior; localizado no terço superior do lobo direito.

Punção aspirativa com agulha fina (02/96) apresentou padrão papilífero.

O paciente foi submetido a tiroidectomia total com anátomo-patológico compatível com carcinoma papilífero de tireóide, bem diferenciado, medindo 0,6cm, não-encapsulado, localizado em pólo superior do lobo direito.

Caso 2. Paciente de 46 anos, sexo feminino, com diagnóstico de acromegalia em abril de 1994 e diagnóstico de carcinoma de tireóide em julho de 1995.

Avaliação hormonal ao diagnóstico (04/94): GH= 79ng/ml; IGF-I= 449ng/ml.

Ressonância magnética de hipófise (05/94) evidenciando macroadenoma hipofisário.

A paciente foi submetida a cirurgia transfenoidal em julho de 1994. Observada persistência de níveis elevados de GH e IGF-I no acompanhamento, sendo necessário Radioterapia entre setembro de 1994 a fevereiro de 1995.

US de tireóide (04/94): Tireóide aumentada difusamente, forma heterogênea com padrão multinodular, calcificações e áreas de liquefação. LD: 5,6 x 3,1 x 4,4cm; LE: 12,0 x 3,6 x 6,0.

Houve aumento visível do bócio, principalmente à esquerda. US de tireóide (05/95): Tireóide de dimensões aumentadas, mergulhante principalmente no lobo esquerdo que se encontra no arco aórtico. Ecotextura grosseiramente heterogênea com múltiplos nódulos hiperecogênicos, alguns com calcificações. Em pólo inferior do lobo esquerdo, observa-se nódulo de maiores dimensões (5,3 x 3,1cm), hipoecogênico com calcificações. LD: 8,6 x 4,2 x 2,4; LE: 13,6 x 5,7 x 3,6cm. Ausência de linfadenomegalias.

Paciente foi submetida a tiroidectomia total com anátomo-patológico compatível com carcinoma papilífero bem diferenciado de istmo, medindo 2,3cm no maior eixo, infiltrativo até a cápsula tiroideana.

Caso 3. Paciente de 37 anos, sexo masculino, com diagnóstico de acromegalia em março de 1998 e diagnóstico de carcinoma de tireóide em fevereiro de 1999.

Avaliação hormonal ao diagnóstico (03/98): GH= 9,6ng/ml; IGF-I= 844,8ng/ml.

Ressonância magnética de hipófise (07/98): Sela túrcica de dimensões aumentadas com infradesnivelamento do seu assoalho à direita, notando-se zonas de descontinuidade no assoalho selar. Lesão expansiva selar e supra-selar, na porção anterior da sela túrcica, sinal heterogêneo, medindo cerca de 18mm no eixo crânio caudal, com realce menos intenso que o parênquima hipofisário normal, que se encontra posteriormente à lesão supra-citada.

Paciente foi submetido a cirurgia transfenoidal em junho de 1999, com retirada parcial do adenoma, devido a invasão dos seios esfenoidal e cavernoso, além do lobo frontal. Introduzido Octreotide 100mcg SC 3x/dia no pós-operatório.

Ultrassonografia de tireóide (10/98) evidenciando lobos tireoidianos de morfologia, contornos e dimensões normais. Ecotextura do parênquima tireoidiano homogênea. Presença de nódulo sólido na intimidade do lobo tireoidiano, à esquerda, com cerca de 19mm de diâmetro. Punção aspirativa com agulha fina (02/99) apresentou padrão papilífero. Submetido a tiroidectomia total com anátomo-patológico confirmando carcinoma papilífero.

DISCUSSÃO

Acromegalia e patologia tireoidiana

A prevalência de distúrbios tireoidianos dentre acromegálicos é aumentada, de 18% a 92% (11-15), dependendo dos métodos de avaliação clínica (palpação tireoidiana ou ultrassonográfica) e da presença de deficiência de iodo. Com o uso da ultrassonografia, nota-se que a prevalência de bócio na acromegalia é alta, em torno de 80% (16), sendo que até 66,7% destes bócios são nodulares.

No trabalho de Gasperi e cols. (12), as alterações tireoidianas em acromegálicos foram representadas por bócio nodular atóxico em 39,9% dos pacientes, bócio difuso não-tóxico em 17,8%, bócio nodular tóxico em 14,3%, bócio difuso tóxico em 0,4%, tireoidite de Hashimoto em 4,6% e carcinoma tireoidiano em 1,2%. Já no grupo controle, essas alterações foram respectivamente 13,3%, 4,0%, 1,3%, 0,7%, 7,3% e 0,3%, com P< 0,05 nos três primeiros grupos (figura 1).


Cheung e cols. (11) sugerem que inicialmente, no curso da doença, ocorre o bócio difuso. O estímulo pela tireotrofina (TSH) teria um papel nesta fase, juntamente com a ação da IGF-I. Subseqüentemente, autonomia da glândula e formação de nódulos ocorreria pelo estímulo de IGF-I, sendo o TSH dispensável neste momento. Ao contrário do bócio endêmico, em que o TSH elevado é considerado o fator causal, na acromegalia este não tem um papel central, mas apenas coadjuvante ao fator de crescimento insulina-símile (IGF-I). O TSH seria apenas um fator permissivo, pois a sua ausência não permite o crescimento da glândula (17).

A função tireoidiana não é diretamente afetada pela acromegalia. O hipertireoidismo pode ser visto em 6-10% dos pacientes, estando relacionado ao bócio multinodular principalmente, porém, mais raramente pode estar associado à co-secreção de TSH pelo tumor pituitário (18). Doenças auto-imunes aparentemente não têm relação com a acromegalia.

A literatura descreve uma relação positiva entre a duração da acromegalia e o tamanho do bócio, sem relação entre os níveis de TSH e o volume tireoidiano (11,13-15,19). Já os níveis aumentados de IGF-I e GH parecem estar relacionados ao volume da glândula (11,13,14), embora isso não tenha sido confirmado em outros trabalhos (12,15).

IGF-I E CÂNCER

Recentemente, vários estudos epidemiológicos retrospectivos têm sugerido que o nível elevado de IGF-I aumenta o risco de câncer na população em geral, enquanto que altos níveis de IGFBP-3 estão associados à redução do risco, sugerindo um papel protetor da IGFBP-3 (20-22). IGFBP3 atuaria, ao contrário da IGF-I, como um fator apoptótico. Quanto maior a relação IGF-I/IGFBP3, maior o risco de malignidade (23).

Em relação ao câncer de mama e ao câncer de próstata, que estão mais relacionados à acromegalia especificamente, outro mecanismo provável da atuação do IGF-I como indutor do crescimento tumoral seria através da já conhecida amplificação da atividade da gonadotrofina, aumentando a produção de esteróides gonadais (24,25). Esta idéia é apoiada por dois estudos prospectivos que demonstraram forte associação entre os níveis de IGF-I e risco de câncer de mama (26) e próstata (27).

A replicação de células normais in vitro é dependente da presença, no soro, de múltiplos fatores de crescimento. Células transformadas, contudo, podem ser estimuladas a proliferar na presença de fatores polipeptídicos únicos, incluindo IGF-I. Além disso, fatores de crescimento podem induzir a transcrição de proto-oncogenes (ex: fos e myc). As proteínas destes oncogenes podem ativar outros genes promotores de crescimento (28).

O processo de carcinogênese envolve etapas de iniciação, promoção e progressão. IGF-I parece participar de uma forma permissiva em conjunto com oncoproteínas nas duas últimas fases do processo de tumorigênese.

IGF-I provavelmente funciona como um sinal de crescimento tardio em G1 para células mesenquimais, assim como um indutor da proliferação e diferenciação celular (28).

Estes dados apóiam a idéia que IGF-I participa por via autócrina, parácrina e endócrina para regular não apenas a função hormonal, mas também a proliferação celular.

No processo de apoptose, mutações gênicas que ocorrem constantemente são reconhecidas por mecanismos de defesa celular que dirigem a célula ao auto-extermínio. Estes sinais apoptóticos podem ser superados pelo estímulo proliferativo mediado pelo IGF-I. A célula danificada acumularia mutações e, assim, se desenvolveria em uma neoplasia. Nesse sentido, o IGF-I atuaria como um fator anti-apoptótico (29,30).

ACROMEGALIA X CARCINOMA DE TIREÓIDE

Os efeitos autócrinos do GH produzido em tecidos neoplásicos, como carcinoma de mama e carcinoma de próstata, parecem ser mediados pelo receptor de GH (GH-R). O sistema IGF, por sua vez, modula o processo tumoral em diferentes níveis. O sistema IGF-I/IGF-IR influencia a progressão de células cancerosas pela presença de adesão e migração das células, e da angiogênese nos tecidos tumorais e nos tecidos ao redor (31).

Em adição a suas funções endócrinas, IGF-I é também sintetizado localmente em vários tecidos; exercendo ação autócrina/parácrina em células e tecidos. In vitro, IGF-I não promove transformação, mas estimula proliferação de clones de células transformadas e o crescimento de tecidos tumorais preexistentes.

As IGFBPs, independentemente de sua ligação a IGF-I/IGF-II, têm atividade biológica importante; IGFBP-3 promove apoptose e interrompe a proliferação de células tumorais.

Balkany e Cushing (32) sugeriram que tumores da tireóide poderiam ser estimulados pelo aumento dos níveis circulantes de IGF-I. Sua suposição é favorecida pelo fato de existirem três vezes mais receptores de IGF-I em tecido neoplásico tireoideano do que em tecido normal (33). Além disso, IGF-I promoveu a replicação do DNA de células tireoidianas cancerosas (34).

A produção de IGF-I, na glândula tireóide, por fibroblastos, é efetuada de uma maneira GH-dependente; IGF-I seria um importante fator de promoção de crescimento e diferenciação da tireóide. A ação do IGF-I promove a proliferação das células tireoidianas normais pela potenciação do efeito mitogênico do TSH, sendo, portanto, dependente deste último; células neoplásicas, porém, podem ser estimuladas por um único fator de crescimento (28), como já dito anteriormente.

Betchner e cols. (35) mostraram que a proliferação de células tireoidianas, em cultura, é estimulada pelo fator de crescimento epidermal (EGF), pelo IGF-I e TSH. A estimulação pelo IGF-I foi dose-dependente, ao contrário do TSH. Houve sinergismo entre EGF e IGF-I, provavelmente causado pelo aumento do número de receptores para EGF pelo IGF-I. Os mesmos autores mostraram também que IGF-I regula a diferenciação e crescimento das células FRTL-5 (uma linhagem de células de tireóide de rato), estimulando a incorporação de timidina ao DNA e a replicação celular. Houve sinergismo entre TSH e IGF-I na estimulação da síntese de DNA em células FRTL-5 (36).

Willians e cols. (37) mostraram que células foliculares de tumores benignos da tireóide passam a não necessitar do IGF-I circulante e proliferam em resposta à produção autócrina de IGF-I pelo tumor. Onoda e cols. (38) estenderam estes achados para células de tumores malignos de tireóide.

Ozgen e cols. (39) sugeriram que a associação da acromegalia e carcinoma diferenciado de tireóide seria explicada por uma neoplasia endócrina múltipla (MEN 1b). Villar e cols. (40) sugerem que seria uma mutação na sub-unidade alfa da proteína G a responsável pela associação das doenças. Apóia esta idéia o fato que, dos tumores produtores de GH, 30 a 40% têm uma mutação somática nos códons 201 e 227 das sub-unidades alfa da proteína reguladora (41). Essa proteína mutada, denominada oncogene gso, produziria uma atividade adenilato-ciclase constante e conseqüente incremento intracelular do AMP cíclico, mimetizando de forma contínua a ação da GHRH e, portanto, provocando proliferação celular somatotrófica e hipersecreção de GH. Essas mutações da sub-unidade alfa já foram encontradas em câncer microfolicular e carcinoma papilífero de tireóide, além de outros tumores (42).

Pensava-se que os efeitos do GH seriam mediados pela indução de fatores tumorigênicos, que poderiam acelerar o crescimento de tumores espontâneos. Mais recentemente, foi proposto que o GH tem papel direto mitogênico em células de mamíferos, através da observação da indução da expressão do protoncogene c-myc em ratos hipofisectomizados, após aplicação de GH (43). O c-myc é envolvido na tumorigênese regulando a transcrição de numerosos genes intimamente envolvidos na proliferação, apoptose, angiogênese e desenvolvimento de metástases. Um efeito direto do GH em tecido tireoidiano passa, então, a ser questionado.

Barzilay e cols. (44) sugerem que IGF-I teria apenas um papel bociogênico e que a maior incidência de carcinoma de tireóide em acromegálicos seria fruto de uma maior prevalência de nódulos neste grupo de pacientes, com conseqüente maior chance de transformação maligna de um deles; esta transformação seria provocada por um segundo evento.

Na tabela 1 estão os estudos da literatura em que foram descritos casos da associação de acromegalia e câncer de tireóide. Nestes estudos, exceto pelo trabalho de Nabarro e cols. (45), observa-se que a prevalência do carcinoma de tireóide foi maior que na população, em geral observada bem menor que 1% se desconsiderarmos os microcarcinomas ocultos (46). A incidência de câncer de tireóide na população varia de 0,5 a 10 casos por 100.000 pessoas (47,48).

Dentre as neoplasias descritas como associadas com acromegalia estão incluídos o adenoma e o carcinoma papilífero da tireóide. Não encontramos, na literatura, relato de associação entre câncer medular ou anaplásico de tireóide e acromegalia.

Geralmente o carcinoma de tireóide se desenvolve após tempo prolongado de exposição (até 28 anos) ao aumento de GH e IGF-I; vários casos são multifocais, sugerindo uma promoção generalizada de neoplasia na glândula tireóide de pacientes com acromegalia.

A presença de câncer de tireóide em nossos pacientes com acromegalia foi diagnosticada através de US de tireóide feito rotineiramente ou após crescimento de um nódulo suspeito. Nossos achados nos fazem concluir que seria prudente realizar o US de tireóide periodicamente, seguido pela PAAF dos nódulos suspeitos, em todos os pacientes acromegálicos, até que a relação entre câncer e acromegalia seja melhor esclarecida. O tratamento segue os mesmos princípios do câncer de tireóide isoladamente.

AGRADECIMENTO

A Dra. Ana Paula Teni.

Recebido em 11/10/04

Revisado em 05/07/05

Aceito em 26/08/05

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2005
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