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Fratura osteoporótica de fêmur: um desafio para os sistemas de saúde e a sociedade em geral

EDITORIAL

Fratura osteoporótica de fêmur: um desafio para os sistemas de saúde e a sociedade em geral

Maria Lucia F. de Farias

Professora Adjunta da Disciplina de Endocrinologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ

A LONGEVIDADE TEM UM CUSTO, para o qual a fratura de fêmur contribui significativamente. Em 1990, as estimativas mundiais eram de 1,7 milhões de fraturas de fêmur por ano e acredita-se que essa taxa atinja a cifra de 6,3 milhões no ano 2050. Obviamente, isto acarretará um enorme encargo para o sistema de saúde, seja ele público ou privado. Como evitar que essa previsão catastrófica se torne realidade é um desafio.

A fratura de fêmur é a conseqüência mais temida da osteoporose, associando-se a elevada morbidade e mortalidade. No estudo de Jiang e cols. (1) a taxa de mortalidade durante a internação causada pela fratura foi de 6,3% em média (10,2% para os homens e 4,7% para as mulheres) enquanto a mortalidade no ano subseqüente à fratura atingiu 30,8% (37,5% homens e 28,2% mulheres). Os autores desenvolveram um escore clínico preditivo de mortalidade pós-fratura, onde as maiores influências foram idade, sexo e comorbidades (em ordem decrescente de risco: malnutrição, insuficiência renal, pneumonia, malignidade pré-existente e infarto do miocárdio prévio). Sugerem, portanto, maior atenção ao paciente com alto escore de fatores de risco, especialmente o tratamento anti-osteoporose. O médico que acompanha o paciente deve explicar a importância do tratamento para evitar novas fraturas e o paciente deve ser motivado a manter vigilância da doença.

Embora essa conduta pareça óbvia, constata-se que a maioria dos pacientes que sofreu fratura de fêmur não inicia tratamento específico, até porque apenas 6 a 10% dos pacientes são orientados para tal no momento da alta (2). Gardner e cols (3) surpreenderam-se ao constatar que 40% dos pacientes internados por fratura de fêmur não relacionavam a fratura à osteoporose. Os autores propõem mecanismo simples e eficiente: abordar o paciente ainda durante a internação para correção da fratura de fêmur e fazer explanação sobre o assunto; simultaneamente, entregar-lhe um questionário dirigido aos seus médicos visando que eles tomem a iniciativa de pedir densitometria e iniciar tratamento. Com essa abordagem, cerca de metade dos pacientes recebeu medicamentos para osteoporose e os manteve até o sexto mês, quando a pesquisa terminou, o que foi considerado um bom resultado.

Em nossa experiência, mesmo pacientes com direito a plano de saúde, que realizam densitometria óssea e freqüentam consultórios médicos precisam ser melhor instruídos sobre a necessidade de manter medicamentos por longo prazo para sua osteoporose ou não conseguiremos diminuir as taxas de fratura e, conseqüentemente, os gastos decorrentes.

Neste número dos Arquivos, Araújo e cols. (4) fazem interessante pesquisa sobre o custo da fratura osteoporótica de fêmur para o Sistema Suplementar de Saúde brasileiro. No período de um ano, foram registrados 129.611 casos de osteoporose, observando-se fratura de fêmur em 4,99% dessa população. Estimando o custo médio da hospitalização em R$ 24.000,00 por paciente, o montante assumido pelo sistema totalizou R$ 12 milhões, e as perspectivas de controle dessa despesa num futuro próximo são remotas.

Na rede pública, onde a maioria não tem acesso à densitometria nem aos medicamentos adequados, o problema é ainda mais difícil de contornar. Silva e cols. (5) estimam que o custo da fratura osteoporótica para o SUS é de apenas R$ 1.700,00 considerando a alternativa tradicional, ou seja, não intervenção terapêutica específica quanto à osteoporose; apenas gastos diretamente relacionados à correção cirúrgica da fratura, internações e fisioterapia. A autora questiona se é válido mudar a conduta, levantando questões básicas: a) quantas fraturas de fêmur (dentre outros danos) poderiam ser evitadas, ou quantos anos de vida com qualidade poderiam ser ganhos, por diferentes intervenções medicamentosas; b) a densitometria óssea (DMO) deveria ser incluída no diagnóstico? c) qual o custo de cada alternativa anti-osteoporose por fratura evitada? d) o que seria mais vantajoso para a sociedade/governo: adotar os procedimentos anti-osteoporose atuais ou apenas cuidar das fraturas osteoporóticas? Para isso, foi feita a análise do custo-efetividade de algumas intervenções visando prevenir / tratar osteoporose: DMO + terapia de reposição hormonal para menopausa (THRM), DMO + alendronato, somente TRHM ou somente cálcio + vitamina D. A autora conclui que o custo incremental de todas as alternativas para reduzir o número de fraturas, à exceção do cálcio + vitamina D, é excessivamente elevado e inaceitável como política de atendimento às grandes populações. Reconhece o valor do tratamento, pois que a prevenção das fraturas reduziria os gastos do SUS, mas o custo deve ser assumido pela paciente! Nesse contexto, as perspectivas são desanimadoras.

Cabe aos médicos interessados e comprometidos com o tratamento da osteoporose no Brasil tentar reverter esta situação. Ainda há espaço para campanhas educacionais da população e mesmo de divulgação, junto aos demais colegas, dos mecanismos de prevenção e alternativas de tratamento. Ainda há espaço para ações da sociedade junto ao Ministério da Saúde e Sistemas de Saúde para que mudem suas políticas, dando mais atenção e mais apoio ao combate desta grave doença crônico-degenerativa.

REFERÊNCIAS

1. Jiang HX, Majumdar SR, Dick DA, Moreau M, Raso J, Otto DD, et al. Development and initial validation of a risk score for predicting in-hospital and 1-year mortality in patients with hip fractures. J Bone Miner Res 2005;20:494-500.

2. Juby SG, De Geus-Wenceslau CM. Evaluation of osteoporosis treatment in seniors after hip fracture. Osteoporos Int 2002;13:205-10.

3. Gardner MJ, Brophy RH, Demetrakopoulos D, Koob J, Hong R, Rana A, et al. Interventions to improve osteoporosis treatment following hip fracture. J Bone Joint Surg 2005;87:3-7.

4. Araújo DV, Oliveira JHA, Bracco OL. Custo da fratura osteoporótica de fêmur no sistema suplementar de saúde brasileiro. Arq Bras Endocrinol Metab 2005;49/6:897-901.

5. Silva LK. Avaliação tecnológica em saúde: densitometria óssea e terapêuticas alternativas na osteoporose pós-menopausa. Cad Saúde Pública 2003;19:987-1003.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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