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Resposta à carta: terapia hormonal da menopausa baseada em evidências

CARTAS AO EDITOR

Resposta à carta: terapia hormonal da menopausa baseada em evidências

Ruth Clapauch; Amanda Athayde; Ricardo M.R. Meirelles; Rita V. Weiss; Dolores P. Pardini; Lenora Maria C.S.M. Leão; Lizanka P.F. Marinheiro

Setor de Endocrinologia do Hospital da Lagoa, Ministério da Saúde, RJ; Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia, RJ; Disciplina de Endocrinologia da Universidade Federal de São Paulo, SP; Disciplina de Endocrinologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ; Setor de Endocrinologia, Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, Ministério da Saúde, RJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ruth Clapauch Av. das Américas 500, bloco 16, cj. 107 22631-000 Rio de Janeiro, RJ e-mail: rclapauch@uol.com.br

POSICIONAMENTOS SÃO REALIZADOS com o objetivo de sistematizar conceitos e orientar condutas, sendo particularmente úteis em temas polêmicos como a "Terapia Hormonal da Menopausa" (THM). Estes se fundamentam na revisão das evidências disponíveis, levando em consideração a experiência clínica na área.

A medicina baseada em evidências tem sido cada vez mais utilizada na estruturação do conhecimento médico, porém somente a experiência clínica permite avaliar se as conclusões dos estudos grau I são extrapoláveis para a prática na população-alvo. Recentemente, assistimos à generalização das conclusões de estudos prospectivos randomizados, quando, a nosso ver, estas deveriam permanecer restritas aos grupos estudados: mulheres americanas com sobrepeso, hipertensão, diabetes mellitus e hiperlipemia, que iniciaram um mesmo tipo de THM aos 63 anos de idade em média, ou seja, 13 anos após a instalação da menopausa (1,2). Esta não é a prática habitual da THM, que usualmente é instituída ao início da menopausa e individualizada, conforme recomendado em nosso posicionamento.

Por esses motivos optamos por não pautar nosso posicionamento em graus de evidência e sim descrever e apontar, na primeira parte do documento, algumas críticas aos principais estudos, fundamentais para a compreensão e discernimento de especialistas e não especialistas na área. As recomendações contidas na seqüência se apoiaram na análise detalhada da experiência clínica, dos estudos controlados e observacionais disponíveis na época (2004) e, certamente, poderão ser alteradas no caso do surgimento de novas evidências.

Em resposta às dúvidas levantadas vale ressaltar:

1. Não dispomos de trabalhos bem controlados para avaliar a prevenção primária de eventos cardiovasculares em mulheres que iniciam a THM na peri-menopausa. Portanto, até que estes demonstrem o contrário, é importante considerar os grandes estudos observacionais nos quais se verifica redução no risco para doença cardiovascular entre as usuárias de estrogênio isolado ou associado a progesterona, que iniciam a terapia na peri-menopausa e a utilizam por período superior a 10 anos (3-8).

Além disso, foram demonstrados em ensaios clínicos, múltiplos efeitos protetores do estrogênio no sistema vascular, tais como ativação da sintetase endotelial de óxido nítrico, que leva à vasodilatação arterial e modulação da resposta ao trauma e aterosclerose (9); diminuição dos níveis séricos de fibrinogênio e do inibidor de ativação do plasminogênio (PAI-1) (10); efeitos favoráveis em lipídios (11) e no metabolismo glicídico (12).

Lobo e col. (13) conduziram dois grandes estudos clínicos controlados avaliando 4.064 mulheres com tempo de menopausa inferior a 5 anos, peso inferior a 35% do peso corporal ideal, sem hipertensão arterial ou diabetes, nas quais não se constatou aumento de doença coronariana ou acidente vascular cerebral no primeiro ano de terapia hormonal da menopausa quando comparado ao grupo com placebo.

2. O estabelecimento de um vínculo temporal preciso entre THM e câncer de mama é dificultado pelo fato de muitas neoplasias levarem vários anos para se manifestar clinicamente. Em relação ao câncer da mama, importa registrar que tanto os grandes estudos observacionais (14) quanto os controlados (1) apontam para um aumento do risco relativo desta neoplasia, sugerindo papel de relevância para os progestógenos avaliados. Por isso, não recomendamos a utilização de THM em mulheres com história positiva para câncer de mama, sugerimos o uso cauteloso naquelas com mastopatia funcional e julgamos indispensável a realização de uma mamografia de alta resolução basal com reavaliações anuais (por vezes semestrais) visando a identificação precoce de qualquer alteração suspeita. Naturalmente, é recomendável informar sempre às pacientes sobre todos os riscos e benefícios da THM, antes mesmo de se iniciá-la.

3. No posicionamento, a associação de androgênios à THM não é recomendada rotineiramente. Além da possibilidade de efeitos adversos de masculinização, que dependem da dose, tempo de exposição, tipo de androgênio empregado, via de utilização e sensibilidade individual, ainda não foram estabelecidos sua participação na gênese da doença cardiovascular e seu efeito na homeostase da glândula mamária (15). No entanto, há cerca de 40 anos o Food and Drug Administration aprovou a adição de metiltestosterona a estrogênios conjugados (Estratest ou Estratest H.S. / Solvay) para tratamento de sintomas vasomotores resistentes à estrogenioterapia convencional, e os implantes de testosterona cristalina (British Pharmacopoeia) são aprovados no Reino Unido, há mais de dez anos, para reposição hormonal após a menopausa (16,17). Patches transdémicos com liberação diária de 150 µg de testosterona/dia, desenvolvidos para mulheres, estão em fase 3 de estudo (18,19). Considerando o diagnóstico de insuficiência androgênica, o Consenso de Princeton (20), realizado em 2001, recomendou que a reposição de androgênios na mulher seja realizada de forma criteriosa, individualizada, após consentimento informado por parte da paciente e com monitorização dos possíveis efeitos colaterais.

4. Hipercolesterolemia não consta em nosso posicionamento como indicação para THM, e sim como um dos fatores a considerar na individualização do esquema mais apropriado a cada mulher. O endocrinologista se encontra muitas vezes frente a um paciente com múltiplas alterações endócrino/ metabólicas para as quais se prioriza tratamento único. Na mulher menopausada, a hipercolesterolemia se associa muitas vezes à resistência à insulina, sintomas vasomotores, sintomas genito-urinários e aumento da reabsorção óssea, condições que podem responder no seu todo à THM. Embora as estatinas sejam, na atualidade, a melhor opção terapêutica para a hipercolesterolemia primária, reduções em torno de 15% nos níveis séricos de colesterol LDL e aumento de 16% do HDL podem ser obtidos com a estrogenioterapia por via oral (11). Além disso, deve-se recordar que as estatinas também têm efeitos adversos importantes tais como a elevação de enzimas hepáticas e a rabdomiólise. No que tange aos triglicerídeos, julgamos que o posicionamento foi claro ao não indicar a THM por via oral em pacientes portadoras de hipertrigliceridemia. Vale ressaltar, entretanto, que a utilização parenteral de estrogênios pode ser útil nesses casos (21).

Esperando tê-las atendido em nossas respostas, nos colocamos à disposição para qualquer esclarecimento.

REFERÊNCIAS

1. Rossouw JE, Anderson GL, Prentice RL, LaCroix AZ, Kooperberg C, Stefanick ML, et al. Writing Group for the Women's Health Initiative Investigators. Risks and benefits of estrogen plus progestin in healthy postmenopausal women: principal results from the Women's Health Initiative randomized controlled trial. JAMA 2002;288:321-33.

2. Anderson GL, Limacher M, Assaf AR, Bassford T, Beresford SA, Black H, et al. Women's Health Initiative Steering Committee. Effects of conjugated equine estrogen in postmenopausal women with hysterectomy: the Women's Health Initiative randomized controlled trial. JAMA 2004;291:1701-12.

3. Grady D, Rubin SM, Petitti DB, Fox CS, Black D, Ettinger B, et al. Hormone therapy to prevent disease and prolong life in postmenopausal women. Ann Intern Med 1992;117:1016-37.

4. Grodstein F, Stampfer M. The epidemiology of coronary heart disease and estrogen replacement in postmenopausal women. Prog Cardiovasc Dis 1995;38:199-210.

5. Nabulsi AA, Folsom AR, White A, Patsch W, Heiss G, Wu KK, et al. Association of hormone-replacement therapy with various cardiovascular risk factors in postmenopausal women. The Atherosclerosis Risk in Communities Study Investigators. N Engl J Med 1993;328:1069-75.

6. Bush TL, Barrett-Connor E, Cowan LD, Criqui MH, Wallace RB, Suchindran CM, et al. Cardiovascular mortality and noncontraceptive use of estrogen in women: results from the Lipid Research Clinics Program Follow-up Study. Circulation 1987;75:1102-9.

7. Grodstein F, Stampfer MJ, Colditz GA, Willett WC, Manson JE, Joffe M, et al. Postmenopausal hormone therapy and mortality. N Engl J Med 1997;336:1769-75.

8. Grodstein F, Manson JE, Stampfer MJ. Postmenopausal hormone use and secondary prevention of coronary events in the nurses' health study. A prospective, observational study. Ann Intern Med 2001;135:1-8.

9. Mendelsohn ME. Protective effects of estrogen on the cardiovascular system.Am J Cardiol 2002;89(12A):12E-17E; discussion 17E-18E.

10. Gebara OC, Mittleman MA, Sutherland P, Lipinska I, Matheney T, Xu P, et al. Association between increased estrogen status and increased fibrinolytic potential in the Framingham Offspring Study. Circulation 1995;91:1952-8.

11. Walsh BW, Schiff I, Rosner B, Greenberg L, Ravnikar V, Sacks FM. Effects of postmenopausal estrogen replacement on the concentrations and metabolism of plasma lipoproteins.N Engl J Med 1991;325:1196-204.

12. Prelevic GM, Kwong P, Byme DJ, et al. A cross- sectional study of the effects of hormone replacement therapy on cardiovascular disease risk profile in healthy postmenopausal women. Fertil Steril 2002;77:945-51.

13. Lobo RA. Evaluation of cardiovascular event rates with hormone therapy in healthy, early postmenopausal women: results from 2 large clinical trials. Arch Intern Med 2004;164:482-4.

14. Beral V. Breast cancer and hormone-replacement therapy in the Million Women Study. Lancet 2003;362:419-27.

15. Dimitrakakis C, Zhou J, Bondy CA. Androgens and mammary growth and neoplasia. Fertil Steril 2002;77:26-33.

16. Davis SR. Androgen treatment in women. J Austr Med Assoc 1999;170:544-9.

17. Lobo AL. Androgens in postmenopausal women: production, possible role, and replacement options. Obstet Gynecol Survey 2001;56:361-76.

18. Buckler HM, Robertson WR, Wu FCW. Which androgen replacement therapy for women?J Clin Endocrinol Metab 1998;83:3920-4.

19. Burger HG, Davis SR. The role of androgen therapy. Clin Obstet Gynaecol 2002;16:383-93.

20. Bachman GA, Bancroft J, Braustein G, et al. Female androgen insufficiency: the Princeton consensus statement on definition, classification and assessment.Fertil Steril 2002;77:660-5.

21. Stevenson JC, Crook D, Godsland IF, et al. Oral versus transdermal hormone replacement therapy.Int J Fertil 1993;38:30-5.

Recebida em 06/12/05

Aceita em 19/12/05

  • Endereço para correspondência:
    Ruth Clapauch
    Av. das Américas 500, bloco 16, cj. 107
    22631-000 Rio de Janeiro, RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006
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