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Tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo

EDITORIAL

Tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo

Pedro Henrique S. Corrêa

Unidade de Doenças Ósteo-Metabólicas do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Pedro Henrique S. Corrêa Hospital das Clínicas de São Paulo Av. Dr. Enéas Aguiar de Carvalho,155 8º andar - Bloco C 05403-900 São Paulo, SP e-mail: correaph@uol.com.br

O HIPERPARATIREOIDISMO PRIMÁRIO (HPP) é uma doença ósteo-metabólica freqüente e a sua incidência tem aumentado nos países que incluem a determinação da calcemia por analisador automático. No Brasil, embora já tenha sido considerada uma doença rara, dados de diferentes instituições no país mostram o aumento significativo desta doença. A prevalência estimada de HPP é 1 para 1.000 e ocorre mais freqüentemente nas mulheres na proporção de 3:1 e após os 60 anos.

A etiologia mais comum do HPP é o adenoma de uma das quatro glândulas. Menos freqüentemente há aumento de duas glândulas, denominado duplo adenoma de paratireóide, sendo raro o carcinoma de paratireóide. O aumento das quatro glândulas, que caracteriza a hiperplasia primária, pode ser encontrado no hiperparatireoidismo familiar ou nas neoplasias endócrina múltiplas.

Todos os pacientes com HPP são candidatos potenciais à cirurgia. Desse modo, a demanda pelo tratamento cirúrgico deve aumentar nos próximos anos. Há concordância na literatura de que 80 a 90% dos casos de hiperparatireoidismo primário são decorrentes do acometimento de uma única glândula e o paciente estará curado após sua identificação e retirada. A cirurgia recomendada é denominada de cirurgia convencional, compreendendo a exploração cervical bilateral sob anestesia geral, com identificação de todas as glândulas. Essa sistemática permite índice de sucesso de 95%, dependendo da experiência da equipe cirúrgica. Entretanto, mesmo os cirurgiões mais experientes podem ter dificuldade em localizar uma glândula paratireóide, principalmente quando há uma operação cervical anterior. Na re-operação, o tecido cicatricial distorce os planos anatômicos, que aumenta o risco de complicações pós-operatórias. Deve-se enfatizar que são comuns as variações de topografia das glândulas da paratireóide e também a presença das glândulas supra-numerárias.

No sentido de abreviar o ato cirúrgico e diminuir o risco de complicações alguns cirurgiões realizam cirurgias mais direcionadas, explorando-se um dos lados do pescoço. O achado de uma paratireóide normal e outra aumentada determina a ressecção desta última e o término da cirurgia. Entretanto, não se pode excluir a possibilidade de um outro adenoma no lado não explorado do pescoço.

O desenvolvimento da técnica de avaliação cintilográfica com 99mTc-Sestamibi (MIBI) permitiu um grande avanço na localização do possível adenoma da paratireóide. A sensibilidade desse exame é superior a 90%. Esse método diagnóstico possibilitou as opções de tratamento direcionado dos adenomas de paratireóide. Ainda que a cintilografia com MIBI mostrasse eficácia em grande número de casos, a impossibilidade de excluir a hiperplasia tornava questionável o emprego desse método para a opção de tratamento direcionado em uma paratireóide.

O conhecimento da fisiologia do hormônio da paratireóide (PTH), cuja meia vida na circulação é de poucos minutos, permitiu sugerir o controle bioquímico do tratamento durante o ato cirúrgico. O desenvolvimento de ensaios rápidos, seguros e confiáveis para a determinação de PTH intacto propiciou a monitorização do sucesso cirúrgico com base na curva de decaimento do paratormônio (PTH) após a retirada do tecido hiperfuncionante. Essa evolução possibilitou a utilização da dosagem do PTH intra-operatório (PTH-IO).

Através da interpretação da evolução dos níveis de PTH logo após a excisão de adenoma de paratireóide têm se demonstrado a efetividade desse método para determinar o sucesso da operação. Considera-se que 10 minutos após a excisão de uma glândula hiperfuncionante, a observação da redução de 50% do valor basal do PTH-IO do paciente estará associada a sucesso metabólico em mais de 98% dos casos. Essa taxa de sucesso é equivalente à obtida pela cirurgia convencional.

A localização de um possível adenoma com o MIBI, associada à monitorização do PTH-IO intacto, permitiram a abordagem cirúrgica unilateral das glândulas paratireóideas, com incisões menores, associadas a anestesia local e/ou regional com sedação e alta no mesmo dia, a cirurgia minimamente invasiva. O cirurgião faz a remoção da glândula da paratireóide hiperfuncionante sem necessidade de identificar as outras paratireóides normais. As vantagens desses métodos são a brevidade da operação, uma menor morbidade possibilitando a cirurgia em pacientes com complicações cardiopulmonares, um pós-operatório rápido e simples e menos seqüelas cicatriciais, o que viabiliza a realização de reintervenções sem aumento do risco.

A dosagem do PTH-IO informa ao cirurgião durante o ato cirúrgico se o tecido hiperfuncionante foi retirado, principalmente nas cirurgias de revisão. Podemos dizer que a cintilografia com 99mTc-Sestamibi indica ao cirurgião por onde iniciar sua exploração e o PTH-IO orienta quando terminar a cirurgia.

O trabalho de Ohe e cols nesse número dos ABE&M (1) mostra a experiência do grupo da UNIFESP utilizando a dosagem do PTH-IO em pacientes com HPP e hiperparatireoidismo secundário à insuficiência renal (1). Os resultados dos pacientes com HPP apresentados neste estudo confirmam os valores sugeridos pela literatura. A queda de mais de 50% na concentração do PTH-IO na amostra colhida 10 minutos após remoção do adenoma da paratireóide correlaciona-se com o sucesso cirúrgico.

As limitações ou contra-indicações dessas técnicas são condicionadas pela ausência de imagem de localização do adenoma, pacientes com neoplasia endócrina múltipla ou presença de lesões tireóideas associadas. Os pacientes com HPP apresentando doença tireóidea, o tratamento mais adequado deve ser a cirurgia convencional (2), tornando-se recomendável a avaliação ultra-sonográfica da glândula tiróide nos pacientes a serem tratados pela cirurgia minimamente invasiva. Estima-se que 60% dos pacientes com HPP poderiam ter indicação da cirurgia minimamente invasiva (3). Para alguns doentes, cuja condição clínica associada à idade pode representar maior risco para a utilização de anestesia geral, essa técnica pode representar a possibilidade de tratamento eficaz, com menor morbidade. A paratireoidectomia realizada pela técnica endoscópica ou vídeo-assistida tem resultados semelhantes ao da cirurgia minimamente invasiva (4). O custo do bisturi harmônico limita a utilização desta técnica.

Nos pacientes com hiperparatireoidismo secundário à doença renal a proposta cirúrgica é a paratireoidectomia total seguida de auto-implante. O número variável de glândulas passíveis de serem encontradas e a dificuldade dos exames de imagem pré-operatórios de identificarem a localização das glândulas ectópicas ou supra-numerárias aumentam o risco de insucesso cirúrgico. Os valores elevados de PTH, a sua meia-vida variável e, principalmente, pela presença de fragmentos truncados de PTH circulantes nos pacientes com insuficiência renal crônica, não possibilitaram o estabelecimento de um nível apropriado de queda percentual do PTH-IO intacto que se correlaciona com o sucesso cirúrgico (5). No artigo de Ohe e cols (1) os resultados obtidos sugerem que no tempo 10 minutos a queda ao menos de 70% do basal e de 76% do basal no tempo 20 minutos nos pacientes com insuficiência renal crônica em diálise, pode assegurar a cura do hiperparatireoidismo. Quanto aos transplantados renais, o valor mínimo de queda percentual esperado no tempo 10 minutos seria de 60% e de 80% no tempo 20 minutos como indicação de sucesso cirúrgico.

Deve-se salientar que a escolha do cirurgião experiente é o principal determinante do sucesso da cirurgia no tratamento do HPP e do hiperparatireoidismo secundário à doença renal. A dosagem do PTH-IO é um importante recurso que o cirurgião deve utilizar para obter a cura do paciente com hiperparatireoidismo.

REFERÊNCIAS

1. Ohe MN, Santos RO, Kunii IS, Abrahão M, Cervantes O, Carvalho AB, et al. Utilidade da medida de PTH intra-operatório no tratamento cirúrgico do hiperparatireoidismo primário e secundário: Análise de 109 casos. Arq Bras Endocrinol Metab 2006;50:869-75

2. Montenegro FLM, Smith WE. Associação de carcinoma papilífero da tireóide e hiperparatireoidismo. Rev Col Brás Cir 2005;32:115-9.

3. Grant CS, Thompson G, Farley D, Heerden J. Primary hyperparathyroidism: surgical management since the introduction of minimally invasive parathyroidectomy. Arch Surg 2005;140:472-79.

4. Ollila AW, Caudle AS, Cance WC, Kim HJ, Cusack JC, Swasey JE, et al. Successful minimally invasive parathyroidectomy for primary hyperparathyroidism without using intraoperative parathyroid hormone assays. Am J Surg 2006;191:52-6.

5. Kaczirek K, Prager G, Riss P, Wunderer G, Asari R, Scheuba C, et al. Novel parathyroid hormone (1-84) assay as basis for parathyroid hormone monitoringin renal hyperparathyroidism. Arch Surg 2006;141:129-34.

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    Pedro Henrique S. Corrêa
    Hospital das Clínicas de São Paulo
    Av. Dr. Enéas Aguiar de Carvalho,155
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2006
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