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Medida da cintura e razão cintura/quadril e identificação de situações de risco cardiovascular: estudo multicêntrico em pacientes com diabetes melito tipo 2

Waist measure and waist-to-hip ratio and identification of clinical conditions of cardiovascular risk: multicentric study in type 2 diabetes mellitus patients

Resumos

A obesidade abdominal está associada à presença de doenças cardiovasculares. O objetivo do presente trabalho foi avaliar, em pacientes com diabetes melito tipo 2 (DM2), o desempenho de duas medidas de obesidade abdominal, medida da circunferência da cintura e razão cintura/quadril (RCQ) na identificação de situações clínicas que representam risco cardiovascular: cardiopatia isquêmica, HAS, dislipidemia, obesidade e nefropatia diabética. Foi realizado um estudo transversal multicêntrico com 820 pacientes com DM2. A medida da cintura apresentou uma forte correlação com o índice de massa corporal (IMC), em homens (r= 0,814; P< 0,05) e em mulheres (r= 0,770; P< 0,05). Já a correlação da RCQ com o IMC foi fraca (homens: r= 0,263, P< 0,05; mulheres: r= 0,092, P< 0,05). Apenas cintura se correlacionou com as medidas da pressão arterial sistólica (r= 0,211, P< 0,05 para homens; r= 0,224, P< 0,05 para mulheres). Na análise das áreas sob as curvas ROC, a cintura foi superior à RCQ para identificação de obesidade e HAS, tanto em homens como em mulheres, e para a dislipidemia em homens. Em conclusão, a circunferência da cintura está mais associada a situações de risco cardiovascular do que a RCQ.

Obesidade abdominal; Circunferência da cintura; Razão cintura/quadril; Diabetes melito tipo 2


Abdominal obesity is associated with cardiovascular disease. This study aims to compare two measures of abdominal obesity [waist and wais-to-hip ratio (WHR)] in patients with DM2 to identify cardiovascular risk factors: ischemic cardiopathy, hypertension, dislipidemia, obesity and diabetic nephropathy. A multicentric study was performed in 820 patients with type 2 DM. Waist circumference strongly correlated with body mass index (BMI), for men (r= 0.814; P< 0.05) and women (r= 0.770; P< 0.05). On the other hand, WRH was weakly correlated (r= 0.263, P< 0.05 for men; r= 0.092, P< 0.05 for women). Only waist circumference correlated with systolic pressure (r= 0.211, P< 0.05 for men; r= 0,224, P< 0.05 for women). ROC curve analysis demonstrated the superiority of waist circumference measurement compared to WHR regarding obesity and hypertension for men and women, and dyslipidemia for men. In conclusion, waist circumference is better correlated with cardiovascular risk factor than WRH.

Abdominal obesity; Waist circumference; Waist-to-hip ratio; Type 2 diabetes mellitus


ARTIGO ORIGINAL

Medida da cintura e razão cintura/quadril e identificação de situações de risco cardiovascular: estudo multicêntrico em pacientes com diabetes melito tipo 2

Waist measure and waist-to-hip ratio and identification of clinical conditions of cardiovascular risk: multicentric study in type 2 diabetes mellitus patients

Paula Xavier Picon; Cristiane Bauerman Leitão; Fernando Gerchman; Mirela Jobim de Azevedo; Sandra Pinho Silveiro; Jorge Luiz Gross; Luís Henrique Canani

Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas: Endocrinologia e Metabologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luís Henrique Canani Serviço de Endocrinologia Hospital de Clínicas de Porto Alegre Rua Ramiro Barcelos 2350, prédio 12, 4º andar 90035-003 Porto Alegre, RS Fax: (51) 2101-8777 E-mail: luiscanani@terra.com.br

RESUMO

A obesidade abdominal está associada à presença de doenças cardiovasculares. O objetivo do presente trabalho foi avaliar, em pacientes com diabetes melito tipo 2 (DM2), o desempenho de duas medidas de obesidade abdominal, medida da circunferência da cintura e razão cintura/quadril (RCQ) na identificação de situações clínicas que representam risco cardiovascular: cardiopatia isquêmica, HAS, dislipidemia, obesidade e nefropatia diabética. Foi realizado um estudo transversal multicêntrico com 820 pacientes com DM2. A medida da cintura apresentou uma forte correlação com o índice de massa corporal (IMC), em homens (r= 0,814; P< 0,05) e em mulheres (r= 0,770; P< 0,05). Já a correlação da RCQ com o IMC foi fraca (homens: r= 0,263, P< 0,05; mulheres: r= 0,092, P< 0,05). Apenas cintura se correlacionou com as medidas da pressão arterial sistólica (r= 0,211, P< 0,05 para homens; r= 0,224, P< 0,05 para mulheres). Na análise das áreas sob as curvas ROC, a cintura foi superior à RCQ para identificação de obesidade e HAS, tanto em homens como em mulheres, e para a dislipidemia em homens. Em conclusão, a circunferência da cintura está mais associada a situações de risco cardiovascular do que a RCQ.

Descritores: Obesidade abdominal; Circunferência da cintura; Razão cintura/quadril; Diabetes melito tipo 2

ABSTRACT

Abdominal obesity is associated with cardiovascular disease. This study aims to compare two measures of abdominal obesity [waist and wais-to-hip ratio (WHR)] in patients with DM2 to identify cardiovascular risk factors: ischemic cardiopathy, hypertension, dislipidemia, obesity and diabetic nephropathy. A multicentric study was performed in 820 patients with type 2 DM. Waist circumference strongly correlated with body mass index (BMI), for men (r= 0.814; P< 0.05) and women (r= 0.770; P< 0.05). On the other hand, WRH was weakly correlated (r= 0.263, P< 0.05 for men; r= 0.092, P< 0.05 for women). Only waist circumference correlated with systolic pressure (r= 0.211, P< 0.05 for men; r= 0,224, P< 0.05 for women). ROC curve analysis demonstrated the superiority of waist circumference measurement compared to WHR regarding obesity and hypertension for men and women, and dyslipidemia for men. In conclusion, waist circumference is better correlated with cardiovascular risk factor than WRH.

Keywords: Abdominal obesity; Waist circumference; Waist-to-hip ratio; Type 2 diabetes mellitus

A OBESIDADE CONTRIBUI PARA o desenvolvimento de várias doenças crônicas, incluindo a doença arterial coronariana, a hipertensão arterial sistêmica (HAS), a dislipidemia e o diabetes melito tipo 2 (DM2), levando a um maior risco de complicações cardiovasculares e morte (1). O índice de massa corporal (IMC) permite avaliar a obesidade e tem sido utilizado na estratificação de risco cardiovascular e nas decisões terapêuticas relacionadas às situações clínicas associadas. Entretanto, sabe-se, desde a década de 50, que o tipo de distribuição de gordura corporal confere um risco variável de eventos cardiovasculares (2). A deposição excessiva de gordura visceral na região abdominal, chamada de obesidade androgênica, está associada a um risco maior de eventos coronarianos, DM2 e HAS, em ambos os sexos e em diferentes etnias (3-6). Acredita-se que esse aumento no risco de complicações vasculares deve-se à heterogeneidade das propriedades metabólicas e localização anatômica dos adipócitos, as quais levariam à resistência à ação da insulina (7).

Apesar de estar bem estabelecido que a gordura visceral abdominal faz parte da síndrome metabólica e está relacionada aos demais componentes da mesma (HAS, dislipidemia, alteração do metabolismo dos carboidratos), a melhor maneira de aferir o padrão de distribuição da gordura na prática clinica não está ainda definida. A quantificação acurada de tecido adiposo em compartimentos corporais pode ser realizada através de técnicas de imagem como ressonância magnética, tomografia computadorizada e densitometria corporal total (8). Entretanto, essas técnicas são onerosas e complexas, sendo impraticável sua utilização na rotina clínica. Já as medidas antropométricas simples, como a circunferência abdominal e a razão cintura/quadril (RCQ), demonstraram ser adequadas para estimar a quantidade de gordura abdominal. Recentemente, foi sugerido que a RCQ define melhor indivíduos de risco para doença cardiovascular (9-11). Outros autores consideram que a medida da cintura é melhor preditor de obesidade, dislipidemia e risco cardiovascular (4,12-14). Deve também ser considerado que o padrão de distribuição da gordura pode variar de acordo com os grupos étnicos, e tem sido recomendado que essas medidas sejam padronizadas para as diversas etnias (15-21). Ainda, os pontos de corte para a medida da cintura considerados como de risco cardiovascular, e que são utilizados no diagnóstico da síndrome metabólica, variam de acordo com as recomendações de diferentes sociedades (21,22).

O objetivo do presente trabalho foi avaliar, em pacientes com DM2, o desempenho de duas medidas de obesidade abdominal, circunferência da cintura e RCQ, na identificação de situações clínicas que constituem risco cardiovascular: cardiopatia isquêmica, HAS, dislipidemia, obesidade e nefropatia diabética (ND).

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado um estudo multicêntrico de teste diagnóstico no estado do Rio Grande do Sul, que incluiu 820 pacientes brancos com DM2 recrutados entre aqueles em atendimento ambulatorial no Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (n= 448), no Hospital Nossa Senhora da Conceição (n= 192) e no Hospital São Vicente de Paula em Passo Fundo (n= 180). Definiu-se DM2 como valores de glicemia de jejum > 126 mg/dl, confirmados em pelo menos duas ocasiões, na ausência de episódios prévios de cetoacidose diabética, diagnóstico do diabetes melito após 30 anos de idade e ausência de necessidade de uso de insulina nos primeiros 5 anos de diagnóstico (23).

A avaliação dos pacientes seguiu um protocolo padronizado e previamente descrito (24), que incluiu dados demográficos, tempo conhecido de DM, questionário cardiovascular da Organização Mundial de Saúde (OMS) (25) e avaliação da presença de ND. A pressão arterial sistêmica foi medida duas vezes após 10 minutos na posição sentada, no membro superior esquerdo, com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio (fases I e V dos ruídos de Korotkoff). HAS foi definida pelas médias pressóricas > 140/90 mmHg ou pelo uso de medicações anti-hipertensivas. A medida de peso e altura foi feita em balança antropométrica sem sapatos e com roupas leves. O IMC foi calculado pela razão peso (kg)/altura2 (m). Obesidade foi definida pelo IMC > 30 kg/m2. Foram medidas a circunferência da cintura (na altura da cicatriz umbilical) e do quadril (porção de maior diâmetro) e foi calculada a RCQ. A ND foi definida por aumento na excreção urinária de albumina (EUA) em urina de 24 h minutada ou amostra casual de urina (> 20 µg/min ou 17 mg/l) na ausência de infecção urinária ou outras anormalidades renais e sem uso de inibidores da enzima conversora. A ND foi classificada em microalbuminúria (EUA 20–199 µg/min ou 17–173 mg/l) ou macroalbuminúria (EUA > 200 µg/min ou > 174 mg/l), de acordo com a EUA em urina de 24 h ou em amostra, respectivamente (26,27). O diagnóstico de micro ou macroalbuminúria foi confirmado em pelo menos uma segunda medida isolada.

A dislipidemia foi definida como sugerido pelo NCEP (22) no diagnóstico da síndrome metabólica: triglicerídeos séricos > 150 mg/dl ou HDL < 40 mg/dl em homens e < 50 mg/dl em mulheres.

Cardiopatia isquêmica foi diagnosticada na presença de angina ou possível infarto de acordo com questionário cardiovascular da OMS (25), e/ou de alterações eletrocardiográficas (código Minnesota) e/ou de anormalidades perfusionais (fixas ou variáveis) na cintilografia miocárdica em repouso e após dipiridamol.

Avaliação laboratorial

A albuminúria foi medida através da técnica de imunoturbidimetria [MicroAlb SeraPak (Bayer, Tarrytown, NY]. Os parâmetros metabólicos foram analisados pela manhã após 12 horas de jejum. A glicose plasmática foi determinada pelo método glicose oxidase, teste A1c por HPLC – (valores de referência: 4,7–6,0%; Merck, Damstadt, Germany); triglicerídeos e níveis de colesterol por método enzimático. LDL-colesterol foi calculado pela equação de Friedewald. A insulina sérica foi dosada por radioimunoensaio (Elecsys R Systems 1010 / 2010 / análise modular E170 – ROCHE). A resistência insulínica foi estimada através do cálculo do Homeostasis Model Assessment [HOMA-IR= insulina em jejum (pmol/l) x glicose plasmática em jejum (mmol/l) / 22,5]. Para conversão dos valores de glicose em mg/dl para mmol/l, foi utilizado o fator 0,05551.

Considerações éticas

O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa dos centros participantes, e todos pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Análise estatística

Coeficientes de correlação de Spearman foram utilizados para avaliar as correlações entre as medidas da cintura e da RCQ com as variáveis contínuas em estudo.

A construção de curvas ROC foi utilizada para avaliar o desempenho das medidas da cintura e da RCQ na identificação de desfechos clínicos de interesse: cardiopatia isquêmica, HAS, dislipidemia, obesidade e ND. A área estimada sob cada curva varia de 0,5 (ausência de acurácia) a 1,0 (acurácia máxima). As curvas foram expressas pela estimativa pontual da área e estimativa do intervalo de confiança (IC) de 95%. Curvas com áreas > 0,5 são consideradas úteis na identificação de situações de interesse. Curvas com áreas cujo intervalo de confiança inclui o 0,5 não adicionam informação (28). As curvas ROC foram também utilizadas para avaliar a especificidade e a sensibilidade dos pontos de corte para medida da cintura propostos pelo National Cholesterol Education Program (NCEP) (102 cm para homens e 88 cm para mulheres) e International Diabetes Federation (IDF) (94 cm para homens europeus e 80 cm para mulheres européias) (21,22). Todas as análises foram feitas em separado para homens e mulheres.

Os dados foram descritos como média ± desvio-padrão ou números absolutos e percentuais. As variáveis com distribuição não-normal sofreram transformação logarítmica. O critério de alfa de 5% foi considerado significante. As análises foram realizadas no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS, versão 10.0 para Windows).

RESULTADOS

Um total de 820 pacientes brancos com DM2 (378 homens, 442 mulheres) foi incluído no estudo. Os pacientes apresentaram 57,5 ± 10,3 anos de idade e duração do DM de 13,1 ± 5,6 anos. O valor de colesterol total foi 210 ± 45 mg/dl, colesterol HDL de 46 ± 12 mg/dl, colesterol LDL 145 ± 10 mg/dl e triglicerídeos 145 mg/dl (27 a 1237). Quanto aos parâmetros antropométricos, o IMC foi 29,6 ± 6,0 (kg/m2) para mulheres e 28,1 ± 4,7 (kg/m2) para homens, a RCQ foi 0,93 ± 0,07 para mulheres e 0,98 ± 0,06 para homens e a cintura foi 96,9 ± 12,0 cm para mulheres e 99,4 ± 11,7 cm para homens.

Correlações

Na tabela 1 estão descritas as correlações entre a RCQ e a medida da cintura com variáveis que estimam fatores de risco cardiovasculares. A medida da cintura e a RCQ se correlacionaram com o IMC, sendo que a cintura apresentou uma forte correlação, tanto para homens (r= 0,814; P< 0,001) quanto para mulheres (r= 0,770; P< 0,001), enquanto que a RCQ apresentou uma fraca correlação (r= 0,263, P< 0,001 para homens; r= 0,092, P< 0,044 para mulheres) (figura 1). O mesmo foi observado para o peso. Para cada aumento de um quilo no peso corporal observou-se um aumento na medida da cintura de 0,69 cm nas mulheres e 0,63 cm nos homens. Apenas a cintura se correlacionou com as medidas da pressão arterial sistêmica tanto nos homens como nas mulheres. A correlação das duas medidas de obesidade abdominal foi semelhante em relação aos níveis séricos de triglicerídeos (P< 0,05). Não se observou correlação significativa dessas medidas de obesidade abdominal com os níveis séricos de teste A1c, colesterol total, colesterol HDL, colesterol LDL, albuminúria e HOMA-IR.


Análise de curva ROC

Os valores da área sob a curva para identificação de situações clínicas de risco cardiovascular através da medida da cintura e da RCQ estão expressos na tabela 2.

Em homens, tanto a medida da cintura quanto a RCQ foram úteis na identificação de HAS e de obesidade (áreas > 0,5). Também nos homens, a cintura se mostrou útil na identificação de dislipidemia, enquanto a RCQ não adicionou informação. Nas mulheres, a medida da cintura foi útil na identificação da HAS e da obesidade, enquanto a medida da RCQ foi útil somente na identificação da dislipidemia, não sendo superior à medida isolada da cintura.

Nem a cintura nem a RCQ foram úteis para identificação da presença de cardiopatia isquêmica e ND, tanto em homens quanto em mulheres, pois as áreas das curvas incluíram o valor 0,5.

A sensibilidade e a especificidade dos pontos de corte da medida da cintura sugeridos pelo NCEP e pelo IDF na identificação dos desfechos clínicos de interesse estão descritas na tabela 3. O ponto de corte sugerido pelo NCEP para homens (102 cm) apresentou elevada especificidade e baixa sensibilidade e para as mulheres (88 cm), elevada sensibilidade e baixa especificidade. Já os pontos de corte das medidas de cintura adotados pelo IDF apresentaram elevada sensibilidade e baixa especificidade tanto para homens como para mulheres em relação à identificação dos desfechos clínicos avaliados.

DISCUSSÃO

A presente análise mostrou que o uso da cintura isoladamente foi superior ao uso da RCQ na identificação de algumas situações clínicas de risco cardiovascular em pacientes com DM2. Em homens e mulheres, a medida da cintura foi útil na identificação da HAS, da dislipidemia e da obesidade.

Embora a RCQ possa ser considerada a técnica antropométrica tradicional para verificar obesidade central, o uso da circunferência da cintura tem ganhado suporte como uma opção mais simples (4,29,30). O uso de uma variável única reduz a chance de erro e, além disso, o tamanho do quadril está fortemente associado com a estrutura da pelve (31). A circunferência da cintura pode ser um indicador antropométrico de gordura abdominal, pois parece ser menos afetada pelo sexo ou grau de obesidade total (30).

Contrários ao uso da medida da cintura como medida de obesidade abdominal, alguns investigadores têm relatado que a RCQ seria um melhor preditor de fatores de risco cardiovasculares. Em um estudo de base populacional finlandês, que avaliou prospectivamente 1.346 indivíduos masculinos por até 14 anos, a RCQ, a medida da cintura e o IMC foram diretamente associados ao desenvolvimento de eventos coronarianos. Homens com RCQ no quartil superior (> 0,91) tiveram um risco de eventos coronarianos aumentado em três vezes, enquanto os homens com a cintura no quartil superior (90 cm) tiveram um aumento de duas vezes. Neste estudo, a obesidade abdominal foi mais importante que a obesidade total, e a inclusão do IMC no modelo estatístico não adicionou informação à medida da RCQ isolada (32). Por outro lado, a concentração sérica de leptina está mais fortemente associada com a circunferência da cintura do que com a RCQ, em ambos os sexos (33). Isso pode ser devido, em parte, à maior associação observada entre o IMC com a circunferência da cintura do que com a RCQ (34), como foi também demonstrado no presente estudo.

A utilização do ponto de corte proposto pelo NCEP nos pacientes brancos com DM2 apresentou baixa sensibilidade entre os homens na identificação das diversas situações de risco cardiovascular, sugerindo que um número grande de indivíduos não seria identificado por este critério. Já entre as mulheres, o ponto sugerido pelo NCEP apresentou maior sensibilidade, com baixa especificidade, sugerindo que a utilização desse critério evitaria a perda de mulheres com as situações de risco cardiovascular às custas de elevado número de falso-positivos. Esses dados sugerem que novos pontos de corte para definição de valores de circunferência de cintura que possam ser positivamente associados à risco cardiovascular devem ser definidos para a população branca brasileira. Neste sentido, os valores sugeridos pelo IDF, por apresentarem uma maior sensibilidade, permitiriam que um maior número de pacientes considerados de risco não deixassem de ser analisados e/ou acompanhados em relação a situações de risco cardiovascular.

Uma das possíveis limitações deste estudo é o seu delineamento transversal, que permite apenas analisar a associação dos dados. Estudos prospectivos de longo prazo com desfechos definitivos (por exemplo, infarto agudo do miocárdio, insuficiência renal crônica, morte) permitiriam a inferência de uma relação causa-efeito. Entretanto, esses estudos são caros, complexos e ainda não disponíveis. Por outro lado, o grande número de pacientes incluídos no presente estudo reforça a importância dos achados descritos.

Em conclusão, a medida da circunferência da cintura é um bom parâmetro para a avaliação de obesidade abdominal em brasileiros brancos com DM2, podendo ser um dado clínico adicional para a identificação de situações clínicas que representem risco cardiovascular aumentado. Estudos prospectivos, incluindo outras etnias brasileiras, são necessários para corroborar esses achados.

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi parcialmente financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos de Excelência, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Recebido em 31/05/06

Revisado em 05/10/06

Aceito em 15/10/06

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  • Endereço para correspondência:
    Luís Henrique Canani
    Serviço de Endocrinologia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Recebido
      31 Maio 2006
    • Revisado
      05 Out 2006
    • Aceito
      15 Out 2006
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