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Farmacogenética e efeito antiinflamatório dos inibidores da HMG-CoA redutase

Pharmacogenetics and anti-inflammatory effect of HMG-CoA reductase inhibitors

Resumos

A aterosclerose é resultado da associação de uma deposição de lipídios na parede arterial e um processo inflamatório de baixo grau. Essa inflamação pode ser detectada através da dosagem de marcadores séricos, que indicam o grau de aterosclerose, e estão associados a um maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, independentemente dos níveis lipídicos. Entre estes marcadores destaca-se a Proteína C reativa ultra-sensível. As estatinas reduzem a inflamação associada à aterosclerose, o que é verificado por uma redução dos valores de proteína C reativa. Parte desse efeito está associada à diminuição de proteínas isopreniladas, porém as estatinas possuem efeitos diretos no sistema imune. Variações genéticas individuais estão associadas a variações no efeito hipolipemiante das estatinas, porém pouco se sabe sobre as variantes que interferem com as ações antiinflamatórias desses medicamentos. Além dos genes envolvidos no metabolismo do colesterol, genes que influenciam a farmacocinética e a farmacodinâmica das estatinas são possíveis responsáveis pela variação do efeito antiinflamatório observado.

Aterosclerose; Inflamação; Proteína C reativa; Farmacogenética


Atherosclerosis is a result from the association of lipid deposition in the arterial wall and inflammatory process. This inflammatory process may be detected by clinical markers of systemic inflammation, such as ultrasensible C-reactive protein, which is associated with cardiovascular risk, independently of lipid levels. Statins reduce the inflammation associated to atherosclerosis, which may be verified by a reduction of the C-reactive protein levels. It seems that statins alter immune function by modulating post-translational protein prenylation. Individual genetic variations are associated with modulation of statins lipid-lowering effect; however, few studies have related the effect of the genetic variants with anti-inflammatory effect of statins. In addition to the genes involved in the cholesterol metabolism, genetic factors affecting statins pharmacodynamics and/or pharmacokinetics are potentially responsible for lipid and anti-inflammatory effects.

Atherosclerosis; Inflammation; C-reactive protein; Pharmacogenetics


REVISÃO

Farmacogenética e efeito antiinflamatório dos inibidores da HMG-CoA redutase

Pharmacogenetics and anti-inflammatory effect of HMG-CoA reductase inhibitors

Alexandre B. RosendoI; Felipe Dal-PizzolI; Marilu FiegenbaumII; Silvana de AlmeidaIII

ILaboratório de Fisiopatologia Experimental, Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC

IICentro Universitário Metodista IPA, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, RS

IIILaboratório de Biologia Molecular, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Silvana de Almeida Rua Sarmento Leite 245, sala 309 90050-170 Porto Alegre, RS Fax: (51) 3303-8718 E-mail: salmeida@fffcmpa.edu.br

RESUMO

A aterosclerose é resultado da associação de uma deposição de lipídios na parede arterial e um processo inflamatório de baixo grau. Essa inflamação pode ser detectada através da dosagem de marcadores séricos, que indicam o grau de aterosclerose, e estão associados a um maior risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, independentemente dos níveis lipídicos. Entre estes marcadores destaca-se a Proteína C reativa ultra-sensível. As estatinas reduzem a inflamação associada à aterosclerose, o que é verificado por uma redução dos valores de proteína C reativa. Parte desse efeito está associada à diminuição de proteínas isopreniladas, porém as estatinas possuem efeitos diretos no sistema imune. Variações genéticas individuais estão associadas a variações no efeito hipolipemiante das estatinas, porém pouco se sabe sobre as variantes que interferem com as ações antiinflamatórias desses medicamentos. Além dos genes envolvidos no metabolismo do colesterol, genes que influenciam a farmacocinética e a farmacodinâmica das estatinas são possíveis responsáveis pela variação do efeito antiinflamatório observado.

Descritores: Aterosclerose; Inflamação; Proteína C reativa; Farmacogenética

ABSTRACT

Atherosclerosis is a result from the association of lipid deposition in the arterial wall and inflammatory process. This inflammatory process may be detected by clinical markers of systemic inflammation, such as ultrasensible C-reactive protein, which is associated with cardiovascular risk, independently of lipid levels. Statins reduce the inflammation associated to atherosclerosis, which may be verified by a reduction of the C-reactive protein levels. It seems that statins alter immune function by modulating post-translational protein prenylation. Individual genetic variations are associated with modulation of statins lipid-lowering effect; however, few studies have related the effect of the genetic variants with anti-inflammatory effect of statins. In addition to the genes involved in the cholesterol metabolism, genetic factors affecting statins pharmacodynamics and/or pharmacokinetics are potentially responsible for lipid and anti-inflammatory effects.

Keywords: Atherosclerosis; Inflammation; C-reactive protein; Pharmacogenetics

MARCADORES INFLAMATÓRIOS E O DESENVOLVIMENTO DE ATEROSCLEROSE

DOENÇA CARDÍACA CORONARIANA (DCC) ocasionada pela aterosclerose é a principal causa de morte em países industrializados. Os fatores de risco modificáveis classicamente descritos para DCC incluem aumento dos níveis de colesterol sérico encontrado nas lipoproteínas de baixa-densidade (LDL-C), diminuição das lipoproteínas de alta densidade (HDL-C), hipertensão, tabagismo e diabetes mellitus. A idade e a herança genética, identificada clinicamente pela história familiar de DCC precoce, estão entre os fatores de risco não modificáveis (1,2).

Diversos estudos indicam que a aterosclerose, além de ser ocasionada pela deposição de lipídios na parede arterial, também é caracterizada por um processo inflamatório de baixo grau que está presente em todas as fases do processo aterosclerótico (3). O início da lesão é caracterizado pelo recrutamento dos leucócitos mononucleares, seguido da liberação de citocinas que proporcionam a transmigração de células inflamatórias para o espaço sub-endotelial e contribuem para a diferenciação de macrófagos em monócitos, os quais possuem receptores para lipoproteínas modificadas. A última fase, ou o rompimento, causadora das complicações trombóticas da aterosclerose é ocasionada pelo interferon-g e por metaloproteinases, os quais quebram a estrutura de colágeno que estabiliza a placa (4). Alguns estudos genéticos corroboram o efeito da inflamação na aterosclerose, a variante -174 no gene TLR-4 (Toll-like receptor 4) diminui a resposta imune inata dos indivíduos e está associada a menores valores de Proteína C-Reativa ultra-sensível, DCC e diabetes mellitus (5-7).

Na busca por marcadores desse processo inflamatório que possam servir como preditores do risco de doença aterosclerótica e cardiovascular, a proteína C-reativa (PCR) teve um papel de destaque. Estudos prospectivos demonstraram que a PCR é um fator de risco independente para infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral em pessoas aparentemente saudáveis (4,8). A dosagem da PCR acrescenta informação prognóstica independente dos valores de colesterol basal e do escore de risco cardiovascular de Framingham (8,9). No entanto, a PCR é um marcador de resposta inflamatória não específica produzida principalmente pelos hepatócitos, em resposta a infecção, trauma, neoplasia maligna, doença reumatológica ou pela aterosclerose (10,11). Na aterosclerose, a produção de interferon-g e fator de necrose tumoral-b pelos linfócitos T amplificam o processo inflamatório, induzindo macrófagos, células endoteliais e células do músculo liso na produção de fator de necrose tumoral-a, que junto com interferon-g e interleucina-1 estimulam a produção de interleucina-6. A interleucina-6 é a principal estimulante hepática da produção de PCR (12). Entre doadores saudáveis, a média dos valores de PCR é 0,8 mg/l, mas esses valores podem aumentar rapidamente após estímulo inflamatório (11). Para cálculos de risco (a PCR pode ser dividida em três níveis), um adulto saudável com níveis de PCR no tercil superior apresenta um risco relativo de 2,0 de desenvolver um evento coronariano agudo em comparação com aqueles indivíduos que apresentam PCR no tercil inferior (13). Em presença de processo coronariano agudo ou em pacientes com múltiplos fatores de risco cardiovascular, os valores de PCR costumam estar elevados. Segundo a orientação do Centro de Controle de Doenças da Associação Americana do Coração (CDC/AHA), em 2003, valores de proteína C reativa menores do que 1, entre 1 e 3 e maiores que 3 mg/L, podem representar os pacientes de baixo, médio e alto risco de desenvolvimento de doença cardiovascular, respectivamente (14). A PCR não é apenas um marcador de risco, seu papel na patogênese da aterosclerose está relacionado: (i) à capacidade de degradar a LDL oxidada, ativando cascata do complemento e conseqüentemente causando maior inflamação da placa; (ii) à indução da expressão de moléculas de adesão; (iii) ao aumento da capacidade de captação da LDL-C pelos macrófagos e (iv) à redução da expressão da óxido nítrico endotelial sintase (15).

Interleucina-6 (IL-6) é uma citocina inflamatória produzida por vários tecidos. Pacientes com insuficiência coronariana aguda apresentam valores de IL-6 elevados e este aumento é considerado um indicativo de risco cardiovascular aumentado (16). Pacientes com IL-6 elevada têm um risco relativo de 2,3 vezes maior de um evento coronariano agudo em comparação com pacientes com os valores mais baixos (17). O fator de necrose tumoral-a (TNF-a) é uma citocina inflamatória que, na aterosclerose, é derivada das células endoteliais, células musculares lisas e macrófagos associados com a placa de ateroma. Níveis elevados de TNF-a estão associados com rompimento de placas de ateroma e prognóstico adverso, após eventos coronarianos agudos (18,19). Outros marcadores inflamatórios, embora menos estudados, também estão envolvidos no processo aterosclerótico: (i) as moléculas de adesão solúveis no plasma refletem o estado de inflamação e ativação endotelial; (ii) a interleucina-18 proporciona a indução de interferon-g e linfócitos T; (iii) proteínas de fase aguda relacionadas à coagulação como o fibrinogênio e (iv) as metaloproteinases de matriz (18,20-22).

OS INIBIDORES DA HMG-CoA REDUTASE E OS MARCADORES INFLAMATÓRIOS

No manejo do paciente com aterosclerose, o tratamento da dislipidemia é fundamental, sendo os inibidores da HMG-CoA redutase ou estatinas os principais fármacos utilizados com esta finalidade. Na aterosclerose, as estatinas suplantaram todos os outros fármacos em reduzir a incidência de morte, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (23). Sua ação é proveniente da inibição da enzima 3-hidroxi-3-metilglutaril coenzima A redutase (HMG-CoA redutase), etapa limitante na biossíntese do colesterol. Essa inibição reduz a secreção de lipoproteínas contendo apolipoproteína B (apo-B) e aumenta a síntese do receptor de LDL diminuindo os seus níveis plasmáticos (24). Vários estudos demonstram que as estatinas podem reduzir o risco cardiovascular por outros mecanismos, além dos efeitos na redução do colesterol, pois esses fármacos possuem efeitos pleiotrópicos que incluem a melhora da disfunção endotelial (aumento da liberação de óxido nítrico derivado do endotélio), efeitos antioxidantes diretos (inibindo a oxidação da LDL-C e VLDL-C) e indiretos, ação antiinflamatória (demonstrada pela redução da PCR e moléculas de adesão e pela inibição da proliferação de células do músculo liso na placa aterosclerótica) e efeitos imunomodulatórios (25-27). Parte do benefício do tratamento com inibidores da HMG CoA-redutase seria atribuído a estes efeitos pleiotrópicos, como o antiinflamatório, observado clinicamente pela diminuição dos marcadores de atividade inflamatória (28).

Como inibidores competitivos da HMG-CoA redutase, as estatinas causam a diminuição do mevalonato (metabólito da síntese do colesterol) e conseqüentemente de outros compostos isoprenóides como o farnesilpirofosfato e geranilgeranilpirofosfato. Essas proteínas atuam na isoprenilação pós-tradução de proteínas, como os membros da família da GTPase, Ras, RhoA e Rac. A isoprenilação é um passo fundamental para a associação dessas pequenas proteínas à membrana plasmática e é essencial para que estas apresentem atividade biológica (29,30). Deste modo, as estatinas, por exemplo, ocasionam uma inibição de Rho aumentando a expressão da óxido nítrico sintase, que estaria inibida na presença da proteína Rho isoprenilada. A inibição do Rac-1, pela ausência de isoprenilação, atenua a produção de espécies reativas do oxigênio. Embora os mecanismos da ação dos inibidores da HMG-CoA redutase, na diminuição das moléculas de adesão e da proteína C reativa, ainda não sejam completamente compreendidos, sugere-se que a inibição das proteínas isopreniladas seja responsável por parte do efeito antiinflamatório destes fármacos (29,31,32). Entretanto, os inibidores da HMG-CoA redutase podem bloquear as b-2 integrinas e o antígeno de função leucocitária-1 (LFA-1) (que são sinais co-estimuladores para ativação das células T) por ligação a um sítio alostérico dentro do LFA-1, independente do efeito na HMG-CoA redutase e, conseqüentemente, das proteínas isopreniladas. Outros efeitos antiinflamatórios são a diminuição da resposta imune Th1, o aumento da resposta Th2 e a menor expressão de CD 40 em células vasculares (33,34).

O tratamento com os inibidores de HMG-CoA redutase causa uma redução dos valores de PCR (de 30 a 89%), correlacionada com uma menor taxa de eventos cardiovasculares. Essa redução nos valores de PCR foi observada independentemente da idade, sexo, perfil lipídico e terapia de reposição hormonal feminina. Indivíduos com índice de massa corporal maior que 29 kg/m2 obtiveram uma maior redução dos valores de PCR, enquanto os tabagistas obtiveram esse efeito atenuado. A diminuição dos valores de PCR foi observada em 2 semanas após o tratamento (18,28). Porém, ainda há poucos estudos sobre o efeito da dose, do tipo de estatina utilizada ou do uso de medicações associadas (como o ezetimiba) na potência redutora dos valores de PCR séricos. Com relação aos níveis séricos de IL-6 e TNF-a, os estudos ainda apresentam resultados controversos sobre a capacidade das estatinas em ocasionarem uma redução significativa destes marcadores (18,35).

A FARMACOGENÉTICA DO TRATAMENTO COM INIBIDORES DA HMG-CoA REDUTASE

Conforme o exposto anteriormente, as estatinas são uma classe de medicamentos com diversas ações benéficas sobre o sistema cardiovascular e potencialmente sobre outros sistemas; no entanto, alguns pacientes apresentam efeitos adversos graves após utilização e outros não apresentam a eficácia desejada. A variabilidade interindividual na resposta é um dos fatores que pode limitar o benefício alcançado. A farmacogenética consiste no estudo da variabilidade genética que está associada a uma variação na resposta a medicações. As pesquisas farmacogenéticas envolvem a procura por polimorfismos genéticos em genes que influenciem a resposta ao tratamento, os denominados genes candidatos. São considerados genes candidatos os que codificam proteínas que influenciam a farmacocinética dos fármacos, ou seja, a absorção, distribuição, biotransformação e excreção, e genes que codificam as proteínas que influenciam a farmacodinâmica, ou seja, proteínas-alvo para a ação do fármaco.

No caso dos inibidores da HMG-CoA redutase, os genes que codificam enzimas de biotransformação de fase I, da família do citocromo P-450 como o CYP3A4, CYP3A5 e CYP2C9, e de fase II, como as sulfotransferases, são importantes. Das estatinas disponíveis no mercado, somente a pravastatina não passa pelo metabolismo de fase I mediado pelo citocromo P450. A atorvastatina, a lovastatina e a sinvastatina são biotransformadas pelo citocromo P450 3A (3A4 e 3A5), enquanto a fluvastatina e a rosuvastatina são biotransformadas pelo citrocromo P450 2C9 (36).

Além do metabolismo hepático, a atorvastatina e a sinvastatina são substratos do transportador glicoproteína-P (Pg-P) (37,38). A glicoproteína-P (codificada pelo gene ABCB1) é uma proteína transportadora de fármacos ATP-dependente, que reduz a biodisponibilidade de fármacos expelindo-os das células através de membranas. Algumas estatinas (pravastatina, rosuvastatina e cerivastatina) também são substratos para a proteína de transporte de captação OATP. A proteína OATP-C ou OATP1B1 (codificada pelo gene SLCO1B1) é expressa predominantemente na membrana basolateral dos hepatócitos (39,40), o que indica que sua função é captar substratos da circulação portal e facilitar sua excreção (41,42).

Também são importantes para estudos farmacogenéticos, no caso das estatinas, os genes da HMG-CoA redutase (HMGCR), peroxisome proliferator-activated receptor-a (PPARa) e receptor retinóide X a (RXRa), pois estão envolvidos com o mecanismo de ação dessa classe de medicamentos. Além destes, os genes envolvidos na condição da doença subjacente podem determinar uma suscetibilidade maior ou menor para a resposta à medicação, como os genes que codificam proteínas envolvidas com a função endotelial, mecanismo de inflamação e metabolismo lipídico (43,44).

Os estudos de farmacogenética das estatinas já realizados estão concentrados, basicamente, na avaliação da eficácia do tratamento com relação à melhoria do perfil lipídico (revisão 43-44). Até o momento, 33 variantes genéticas foram estudadas nos genes da HMG-CoA redutase, esqualeno sintase, 7a-hidroxilase do colesterol, receptor de LDL-C, apolipoproteínas B, E e A1, proteína transferidora de ésteres de colesterol, ATP-binding cassete transporter A1 e G8, paraxonase 1, proteína de ligação ao elemento regulatório de esteróis 1, peroxissome proliferator-activated receptor d/g, lipoproteína lipase, proteína transferidora de triglicerídeos microssomal, receptor de leptina, citocromo P-450 (CYP3A4, CYP3A5, CYP2D6, CYP2C9), ATP-binding cassette transporter B1, transportador de ânions orgânicos do tipo C, receptor de estrógenos 1, estromelisina 1, fibrinogênio, enzima conversora de angiotensina 1, interleucina 6 e 1b, receptor Toll-like 4, glicoproteína IIIA, fator XII e óxido nítrico sintase (44). Com os dados atuais e as ferramentas de análise estatística, nenhuma das associações detectadas entre genótipos e os valores de lipoproteínas foram suficientemente fortes para justificar análise genética na prática clínica (45).

O componente genético da variabilidade na resposta antiinflamatória e sobre a função endotelial é uma área ainda incipiente. Com relação à farmacogenética e resposta antiinflamatória das estatinas, apenas um trabalho foi realizado. Shepherd e cols. (46) detectaram que portadores da variante -174C no gene da IL-6 possuíam uma predisposição maior ao desenvolvimento de doença aterosclerótica; no entanto, portadores do mesmo alelo apresentavam uma melhor resposta com relação aos marcadores inflamatórios após tratamento com pravastatina.

Uma outra área importante da farmacogenética dos hipolipemiantes está relacionada à avaliação do desenvolvimento de efeitos adversos graves do tratamento, que incluem efeitos miotóxicos como miopatia, mialgia, miosite e rabdomiólise; no entanto, poucos estudos foram realizados com esse objetivo (43,44,47). Adicionalmente, os mecanismos bioquímicos que envolvem o desenvolvimento de efeitos adversos graves ainda não estão bem estabelecidos. Uma das hipóteses relaciona o desenvolvimento desses efeitos adversos ao mesmo mecanismo relacionado ao papel antiinflamatório das estatinas. Portanto, o conhecimento de quais genes estão relacionados a uma melhor ou pior resposta ao tratamento com as estatinas em relação aos marcadores inflamatórios pode auxiliar no entendimento da rota bioquímica envolvida no desenvolvimento de efeitos adversos graves, assim como na identificação de indivíduos com maior predisposição ao desenvolvimento de efeitos adversos, visto que os estudos farmacogenéticos que avaliam o desfecho final são limitados devido à baixa freqüência de muitos destes efeitos.

Tendo em vista a importância crescente do processo inflamatório na patogênese da aterosclerose e a descoberta dos efeitos antiinflamatórios das estatinas, surge a necessidade de estudos que avaliem a variabilidade interindinvidual na resposta antiinflamatória das estatinas (28). Algumas características já têm sido demonstradas, como a interferência do tabagismo. Porém, pouco se sabe sobre a influência de outras variantes, entre estas, as genéticas acima citadas na resposta antiinflamatória destes fármacos. Atualmente, as estatinas estão alçando novas indicações e todo um novo campo de estudo se impõe. Qual o tipo de estatina tem melhor atividade antiinflamatória? Qual a melhor dose? Quais as características genéticas dos indivíduos que o colocam como melhores respondedores (em quem e por que a PCR tem as maiores reduções)? São as próximas questões, que, com a ajuda da farmacogenética, podem ser respondidas.

Recebido em 25/08/06

Revisado em 27/10/06

Aceito em 26/02/07

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  • Endereço para correspondência:

    Silvana de Almeida
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      26 Fev 2007
    • Revisado
      27 Out 2006
    • Recebido
      25 Ago 2006
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