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Diabetes mellitus associado à mutação mitocondrial A3243G: freqüência e caracterização clínica

Diabetes mellitus associated with the mitochondrial mutation A3243G: frequency and clinical presentation

Resumos

Diabetes mitocondrial é freqüentemente associado à mutação mitocondrial A3243G. A prevalência desse subtipo de diabetes na população diabética varia de 0,5 a 3%, dependendo do grupo populacional estudado. OBJETIVO: Examinar a freqüência e o quadro clínico do diabetes associado com a mutação mitocondrial A3243G em pacientes brasileiros com tolerância a glicose alterada. MÉTODOS: A população estudada foi composta por 78 indivíduos portadores de diabetes mellitus tipo 1 (grupo I), 148 diabéticos tipo 2 (grupo II), 15 diabéticos tipo 1 ou tipo 2 portadores de disacusia (grupo III) e 492 indivíduos da comunidade nipo-brasileira com vários graus de intolerância a glicose. O DNA foi extraído de leucócitos do sangue periférico e a mutação A3243G foi determinada através da amplificação por PCR e digestão por Apa 1. Em alguns pacientes, o DNA também foi extraído da mucosa oral e folículo capilar. A mutação A3243G foi identificada em três indivíduos, todos do grupo III, resultando em uma prevalência de 0,4%. Os carreadores da mutação apresentavam diagnóstico do diabetes em idade jovem, índice de massa corpórea normal ou baixo e requerimento de insulina. CONCLUSÃO: Diabetes mitocondrial é um subtipo raro de diabetes em nossa população e deve ser investigado naqueles indivíduos portadores de diabetes e surdez.

Diabetes mellitus; Diabetes miticondrial; Surdez; Mutação A3243G


Maternal inherited diabetes and deafness (MIDD) has been related to an A to G transition in the mitochondrial RNA Leu (UUR) at base pair 3243. The prevalence of MIDD in the diabetes population ranges between 0.5-3.0% depending on the ethnic background. AIM: To examine the frequency and clinical features of diabetes associated with this mutation in Brazilian patients with glucose intolerance. METHODS: The study population comprised: 78 type 1 diabetic subjects (group I), 148 patients with type 2 diabetes (group II), 15 patients with either type 1 or type 2 diabetes and hearing loss (group III) and 492 Japanese Brazilians with varying degrees of glucose intolerance. DNA was extracted from peripheral blood leucocytes and the A3243G mutation was determined by PCR amplification and Apa 1 digestion. In some individuals DNA was also extracted from buccal mucosa and hair follicles. The 3243 bp mutation was found in three individuals, all from group III, resulting in a prevalence of 0.4%. These subjects had an early age of diagnosis of diabetes, low or normal body mass index and requirement of insulin therapy. In conclusion MIDD is rare in our population and should be investigate in patients with diabetes and deafness.

Diabetes mellitus; Mitochondrial diabetes; Deafness; Mutation A3243G


ARTIGO ORIGINAL

Diabetes mellitus associado à mutação mitocondrial A3243G: freqüência e caracterização clínica

Diabetes mellitus associated with the mitochondrial mutation A3243G: frequency and clinical presentation

João Eduardo N. SallesI; Larissa Bresgunov KalininI; Sandra Roberta G. FerreiraII; Teresa KasamatsuI; Regina S. MoisésI

IDisciplina de Endocrinologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, SP

IIDepartamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Regina S. Moisés Rua Botucatu 740, 2º andar 04034-970 São Paulo, SP Fax: (11) 5579-6636 E-mail: rmoises@endocrino.epm.br

RESUMO

Diabetes mitocondrial é freqüentemente associado à mutação mitocondrial A3243G. A prevalência desse subtipo de diabetes na população diabética varia de 0,5 a 3%, dependendo do grupo populacional estudado.

OBJETIVO: Examinar a freqüência e o quadro clínico do diabetes associado com a mutação mitocondrial A3243G em pacientes brasileiros com tolerância a glicose alterada.

MÉTODOS: A população estudada foi composta por 78 indivíduos portadores de diabetes mellitus tipo 1 (grupo I), 148 diabéticos tipo 2 (grupo II), 15 diabéticos tipo 1 ou tipo 2 portadores de disacusia (grupo III) e 492 indivíduos da comunidade nipo-brasileira com vários graus de intolerância a glicose. O DNA foi extraído de leucócitos do sangue periférico e a mutação A3243G foi determinada através da amplificação por PCR e digestão por Apa 1. Em alguns pacientes, o DNA também foi extraído da mucosa oral e folículo capilar. A mutação A3243G foi identificada em três indivíduos, todos do grupo III, resultando em uma prevalência de 0,4%. Os carreadores da mutação apresentavam diagnóstico do diabetes em idade jovem, índice de massa corpórea normal ou baixo e requerimento de insulina.

CONCLUSÃO: Diabetes mitocondrial é um subtipo raro de diabetes em nossa população e deve ser investigado naqueles indivíduos portadores de diabetes e surdez.

Descritores: Diabetes mellitus; Diabetes miticondrial; Surdez; Mutação A3243G

ABSTRACT

Maternal inherited diabetes and deafness (MIDD) has been related to an A to G transition in the mitochondrial RNA Leu (UUR) at base pair 3243. The prevalence of MIDD in the diabetes population ranges between 0.5–3.0% depending on the ethnic background.

AIM: To examine the frequency and clinical features of diabetes associated with this mutation in Brazilian patients with glucose intolerance.

METHODS: The study population comprised: 78 type 1 diabetic subjects (group I), 148 patients with type 2 diabetes (group II), 15 patients with either type 1 or type 2 diabetes and hearing loss (group III) and 492 Japanese Brazilians with varying degrees of glucose intolerance. DNA was extracted from peripheral blood leucocytes and the A3243G mutation was determined by PCR amplification and Apa 1 digestion. In some individuals DNA was also extracted from buccal mucosa and hair follicles. The 3243 bp mutation was found in three individuals, all from group III, resulting in a prevalence of 0.4%. These subjects had an early age of diagnosis of diabetes, low or normal body mass index and requirement of insulin therapy. In conclusion MIDD is rare in our population and should be investigate in patients with diabetes and deafness.

Keywords: Diabetes mellitus; Mitochondrial diabetes; Deafness; Mutation A3243G

ALTERAÇÕES NO DNA mitocondrial (DNA mit) têm sido implicadas com o desenvolvimento de diabetes mellitus (DM), sendo a substituição de A por G na posição 3243 no gene do RNAt da leucina a mutação mais comumente associada (1). A segregação dessa mutação com diabetes foi inicialmente reportada por van den Ouweland e col. em 1992, em uma grande família holandesa (2), sendo posteriormente proposto o nome de MIDD (Maternal Inherited Diabetes and Deafness) para esse subtipo de diabetes (3). Nesses pacientes, o DM pode apresentar-se como não dependente de insulina com posterior necessidade de insulinoterapia ou como dependente de insulina desde o início (4). A suspeita clínica é feita pela presença de perda auditiva neuro-sensorial, transmissão materna do diabetes, índice de massa corporal normal ou baixo e baixa estatura.

Estudos têm sido realizados em diferentes grupos de diabéticos para investigar-se a prevalência de MIDD. Na população diabética em geral, a freqüência reportada é de 0,5 a 2,6%, dependendo dos critérios de seleção (5-7). Entre os japoneses parece haver uma maior prevalência, sendo reportado corresponder entre 1 a 3% de todos os casos de diabetes no Japão (8-10). Em nosso meio não há dados da prevalência da mutação A3243G entre os portadores de anormalidades no metabolismo dos carboidratos.

Os nipo-brasileiros apresentam uma alta prevalência de anormalidades no metabolismo dos carboidratos, sendo que a prevalência de diabetes mellitus é uma das mais altas em todo o mundo (11).

No presente estudo, temos por objetivo determinar a freqüência da mutação A3243G no DNA mitocondrial em diferentes grupos de portadores de anormalidades no metabolismo dos carboidratos e as características clínicas desse subtipo de diabetes.

PACIENTES E MÉTODOS

População estudada

A população estudada consistiu de 733 indivíduos, não relacionados, portadores de intolerância a glicose que foram divididos em quatro grupos:

Grupo I: 78 indivíduos portadores de DM tipo 1, sendo 44 do sexo masculino e 34 do sexo feminino, com idade média de 23,3 ± 5,8 anos. Foram considerados portadores de diabetes mellitus tipo 1 aqueles indivíduos nos quais o diagnóstico foi feito antes dos 30 anos de idade, com início agudo dos sintomas e em insulinoterapia desde o diagnóstico. Não foram utilizados critérios imunológicos para definição do diabetes mellitus tipo 1.

Grupo II: 148 indivíduos portadores de DM tipo 2, sendo 43 do sexo masculino e 105 do sexo feminino com idade média de 58,5 ± 10,4 anos. Destes, 71 apresentavam antecedente materno de diabetes. Foram considerados portadores de diabetes mellitus tipo 2 aqueles nos quais o diagnóstico foi feito com idade igual ou superior a 30 anos, que permaneceram por pelo menos um ano após o diagnóstico sem a necessidade de insulinoterapia para o controle metabólico e não apresentavam evidência prévia de cetoacidose.

Grupo III: 15 indivíduos portadores de DM (classificado como tipo 1 ou tipo 2) associado com disacusia, sendo 5 do sexo masculino e 10 do sexo feminino, com idade média de 35,6 ± 18,2 anos.

Grupo IV: 492 indivíduos da comunidade nipo-brasileira de Bauru, sendo 226 do sexo masculino e 266 do sexo feminino, com idade média de 59,0 ± 10,9 anos. Destes, 257 eram portadores de diabetes mellitus, 140 de tolerância a glicose diminuída e 95 glicemia de jejum alterada. Esses indivíduos fazem parte do Japanese Brazilian Diabetes Study Group, um estudo populacional com o objetivo de se investigar a ocorrência de intolerância a glicose numa comunidade urbana de primeira e segunda geração de nipo-brasileiros vivendo na cidade de Bauru, SP. Os critérios de seleção e recrutamento desses indivíduos foram previamente descritos (11).

O grau de tolerância a glicose foi determinado através de teste oral de tolerância a glicose, exceto nos indivíduos com DM previamente diagnosticado, e interpretado de acordo com os critérios da OMS (12). Exame audiométrico foi realizado por fonoaudióloga, que examinou o limiar tonal e índice porcentual de reconhecimento de fala nos indivíduos carreadores da mutação A3243G. Pesquisa de distrofia macular foi realizada por oftalmologista experiente de acordo com os critérios reportados por Massin e col (13). Função da célula b pancreática foi avaliada através dos níveis de peptídeo C em jejum nos carreadores da mutação A3243G. Pacientes com valores inferiores a 0,51 ng/ml foram considerados insulino-deficientes (14). Peptídeo C foi medido através de ensaio imunofluorimétrico em fase sólida (Wallac Auto Delfia C-peptide kit). As características clínicas da população estudada encontram-se na tabela 1.

O protocolo de estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e os participantes foram informados a respeito do estudo e assinaram previamente um termo de consentimento.

Detecção da mutação A3243G

DNA total foi extraído de leucócitos de sangue periférico utilizando um kit comercial (Puregene DNA Isolation Kit, Gentra System, Minneapolis, MN, USA). Em alguns indivíduos, o DNA também foi extraído de mucosa oral e folículo capilar. Amplificou-se a região de interesse através de reação de PCR utilizando-se os seguintes iniciadores: 5’-CGTTTGTTC AACGATTAAAG-3’ e 5’-CACGTTGG GGCCTTTG CGTA-3’ (10). O fragmento gerado de 422 pares de bases foi, então, submetido a digestão com a enzima de restrição Apa I (Gibco BRL, USA), por 1 hora a 37°C. As amostras foram, então, submetidas a eletroforese em gel de agarose a 2%, tratadas com brometo de etídio e visualizados sob luz ultravioleta. A presença da mutação gera um sítio de restrição para a enzima Apa I, resultando em fragmentos adicionais de 210 pb e 212 pb. Quando submetidos a eletroforese em gel de agarose ambos os fragmentos de 210 pb e 212 pb aparecem como uma única banda, levando com isso a uma melhor sensibilidade na análise por PCR-RFLP. A porcentagem de fragmentos clivados foi determinada através de análise densitométrica.

Análise estatística

Os dados são apresentados como media ± desvio-padrão. A correlação entre idade e heteroplasmia foi calculada por coeficiente de correlação linear de Pearson. P< 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

RESULTADOS

A mutação A3243G foi identificada em apenas três indivíduos, todos pertencentes ao grupo III. Os três pacientes afetados apresentavam idade precoce ao diagnóstico do diabetes mellitus, eram não obesos e insulino-deficientes de acordo com os níveis basais de peptídeo C. As características clínicas desses indivíduos são apresentadas na tabela 2.

Membros das famílias dos três indivíduos nos quais identificou-se a mutação foram recrutados e, se disponíveis, submetidos a pesquisa da mutação A3243G, teste oral de tolerância a glicose e audiometria. Apresentamos na figura 1 o heredograma das famílias estudadas.


Na família F1, além do propósito, não identificamos nenhum outro membro portador da mutação A3243G. Na mãe do probando, portadora de tolerância normal a glicose, a pesquisa foi também realizada em células da mucosa oral e folículo capilar, sendo a mutação indetectável nesses tecidos. Teste de paternidade, utilizando-se marcadores polimórficos no DNA, comprovou a relação familiar informada. O probando, além do diabetes mellitus e disacusia neuro-sensorial, apresentou Síndrome de Wolff-Parkinson-White, tendo sido submetida à ablação de via acessória lateral esquerda. A apresentação do DM foi em cetoacidose e desde o diagnóstico vinha em uso de insulinoterapia. Durante o período de seguimento, desenvolveu miocardiopatia, conforme reportagem anterior (15), e veio a falecer de edema pulmonar agudo.

Na família F2, a mutação também foi identificada em uma irmã, tia materna e prima do propósito. Todos os carreadores da mutação apresentavam diabetes mellitus, e disacusia foi verificada nos indivíduos nos quais foi possível a realização de audiometria. A mãe do propósito, já falecida por ocasião da investigação, apresentava uma história de disacusia diagnosticada aos 25 anos e diabetes mellitus, aos 35 anos. O diagnóstico de DM no probando foi feito através de exame de rotina. O tratamento foi com sulfoniluréia durante o primeiro ano, porém após esse período necessitou de insulinoterapia para controle metabólico. Como complicações neurológicas apresenta movimentos coreicos, incoordenação motora e disartria.

Na família F3, a mutação também foi identificada na mãe, duas irmãs e duas sobrinhas do propósito. Nessa família, a mutação A3243G não mostrou segregação completa com o diabetes, sendo que apenas o propósito apresentava diabetes mellitus, enquanto os demais membros carreadores da mutação apresentavam tolerância normal a glicose. Disacusia neuro-sensorial foi identificada nos indivíduos F3 II-1 e F3 II-2, enquanto os indivíduos F3 III-1 e F3 III-2 apresentavam teste audiométrico normal. O probando foi tratado com insulina desde o diagnóstico do DM. Nos indivíduos F2 I-3 e F3 I-2, a mutação foi identificada apenas em DNA extraído de folículo capilar e mucosa oral.

Investigamos a correlação entre a porcentagem de heteroplasmia da mutação A3243G em leucócitos e a idade dos indivíduos em que foi feita a análise genética. Verificamos uma correlação negativa entre essas duas variáveis, indicando um declínio dependente da idade na porcentagem de heteroplasmia em leucócitos (r= -0,8204, p= 0,003) (figura 2).


DISCUSSÃO

MIDD é um subtipo de diabetes que apresenta um amplo espectro clínico, podendo inicialmente ser classificado como DM tipo 1 ou DM tipo 2. Em um grande estudo multicêntrico, verificou-se que 13% dos pacientes com MIDD eram dependentes de insulina desde o diagnóstico, 46% necessitaram de insulinoterapia após uso de medicação oral e 41% eram independentes de insulina (16). Portanto, na população estudada, procuramos cobrir esse espectro selecionando indivíduos clinicamente classificados como portadores de DM tipo 1, DM tipo 2 e DM associado a disacusia. Entre os nipo-brasileiros, uma população com alta prevalência de anormalidades no metabolismo dos carboidratos, consideramos como traço a intolerância a glicose (diabetes mellitus, tolerância a glicose diminuída e glicemia de jejum alterada), uma vez que tolerância a glicose diminuída e glicemia de jejum alterada podem ser precursores do DM tipo 2.

Em indivíduos portadores de defeitos no genoma mitocondrial, as células podem apresentar uma mistura variável de DNA mitocondrial normal e mutado, fenômeno esse denominado de heteroplasmia. Freqüentemente há variações no nível de DNA mitocondrial mutante entre os diferentes tecidos em um mesmo indivíduo (17,18), sendo geralmente níveis mais elevados observados em tecidos pós-mitóticos, tais como músculo esquelético, e menores níveis em tecidos que sofrem rápidas divisões celulares, tais como os leucócitos (19). Entretanto, biópsia muscular é um método invasivo que não pode ser utilizado em avaliação rotineira, e os leucócitos de sangue periférico são fáceis de serem obtidos e, portanto, freqüentemente utilizados para pesquisa de mutações genéticas. No presente estudo, e de forma similar aos estudos previamente publicados, pesquisamos a mutação em DNA mitocondrial extraído de leucócitos, possibilitando com isso o estudo de um número razoável de pacientes. Verificamos um decréscimo na porcentagem de heteroplasmia em leucócito associado ao envelhecimento, dados esses concordantes com estudos anteriores (20,21). Em dois indivíduos a porcentagem de heteroplasmia em leucócitos estava abaixo do limite de detecção do método, sendo a mutação detectada apenas quando pesquisada em DNA extraído de células de mucosa oral ou folículo capilar. Isso implica que, em indivíduos idosos e com forte suspeita clínica de MIDD, se a pesquisa da mutação A3243G for negativa em amostras extraídas de leucócitos, a análise deve ser repetida utilizando-se DNA mit extraído de outros tecidos como, por exemplo, células de mucosa oral ou folículo capilar.

Entre os 733 indivíduos portadores de anormalidades no metabolismo dos carboidratos examinados, a mutação A3243G foi identificada em três indivíduos, resultando em uma prevalência geral de 0,4%. Essa prevalência é similar à encontrada em uma população brasileira do Rio Grande do Sul portadora de diabetes tipo 2 (22), e entre caucasianos europeus (6,23,24), porém inferior ao reportado entre franceses (6) ou japoneses (8-10). Essas variações podem ser explicadas pelas diferenças étnicas entre as populações estudadas e também pelos diferentes critérios de seleção entre os estudos. Ng e col. identificaram a mutação em 3% dos portadores de DM tipo 2 com início precoce da doença (< 40 anos de idade) e história materna de DM, porém em apenas 0,3% dos indivíduos com início do DM após os 40 anos de idade e sem antecedente familiar para a doença (25). Já t’Hart e col., utilizando um critério mais estrito, ou seja, herança materna do DM e presença de surdez, verificou uma prevalência da mutação A3243G de 10% entre portadores de DM tipo 2 (26). Em nossa casuística de portadores de DM tipo 2, o antecedente materno de DM foi verificado em 48% (71 de 148) dos indivíduos, porém em apenas 11% (16 de 148) o diagnóstico foi feito antes dos 40 anos de idade, talvez sendo essa uma das razões para o não encontro da mutação nesse grupo de indivíduos. Entretanto, quando o critério de seleção foi a presença de DM e disacusia, a mutação foi verificada em 20% (3 de 15) dos indivíduos. Esses dados são concordantes com estudos anteriores que identificaram a presença da mutação A3243G em 10 a 60% dos indivíduos portadores de DM e surdez (26,27).

Em relação ao fenótipo, verificamos alguma heterogeneidade entre os dos carreadores da mutação A3243G. Por exemplo, na família F3 a penetrância do diabetes mellitus não foi completa, diferentemente do observado nas outras duas famílias. Os indivíduos F3 II-1 e F3 II-2, com 45 e 41 anos de idade, respectivamente, apresentavam tolerância normal a glicose. Já os indivíduos F3 III-1 e F3 III-2 são mais jovens do que a idade média de diagnóstico do diabetes mellitus e, portanto, podem ainda vir a apresentar a doença. A ocorrência de menores graus de heteroplasmia nas células b pancreáticas desses indivíduos pode explicar o não desenvolvimento do diabetes. Entretanto, Ciafaloni e col. reportaram porcentagens similares de genoma mutante em tecidos clinicamente afetados e não afetados em pacientes com MELAS (28).

Nos indivíduos nos quais foi possível a realização de audiometria, verificamos que todos os adultos carreadores da mutação apresentavam disacusia neuro-sensorial de graus moderado a severo. Esses achados são concordantes com os obtidos por outros autores que verificaram perda auditiva em 93 a 100% dos pacientes (7,16). Deve-se observar que, em nossa casuística, as crianças e/ou adolescentes afetados não apresentaram nenhuma manifestação clínica tal como diabetes mellitus ou disacusia, sugerindo que a idade tenha um papel patogênico no desenvolvimento dessas condições. Um seguimento prospectivo desses jovens nos permitirá observar se haverá ou não desenvolvimento de diabetes e/ou disacusia.

Quanto ao diabetes mellitus, verificamos as seguintes características: diagnóstico antes dos 35 anos de idade, peso adequado ou baixo e necessidade de insulina na maioria dos casos. Esses resultados confirmam estudos prévios (1,4,16,29).

A transmissão materna da mutação foi confirmada em duas das três famílias. Na família F1, apenas o probando apresentou a mutação A3243G. Para excluirmos a possibilidade de que sua mãe apresentasse a mutação, porém abaixo do limiar de detecção do método, DNA para estudo molecular foi também extraído de mucosa oral e folículo capilar, tecidos esses que apresentam maior porcentagem de DNA mutante em comparação com leucócitos (20,21,30). A mutação não foi identificada em nenhum desses tecidos maternos, indicando tratar-se do aparecimento da mutação de novo no caso índice. Há, na literatura, apenas três descrições anteriores de mutação A3243G de aparecimento de novo (31-33).

Entre as complicações associadas à mitocôndria, identificamos nos pacientes estudados a presença de cardiomiopatia, Síndrome de Wolff-Parkinson-White e distúrbios neurológicos. A distrofia macular caracterizada por lesões hiperpigmentadas na região macular e do nervo óptico associada com alterações tróficas do epitélio retiniano foi descrita como característica de pacientes com MIDD (13). Guillausseau e col. demonstraram uma alta prevalência (86%) dessas lesões em pacientes franceses com MIDD considerando-a patognomônica da doença, podendo, inclusive, ser usada como marcador para selecionar pacientes com possível MIDD (16). Em nossos pacientes com MIDD, a presença de distrofia macular não foi verificada. Similarmente entre os japoneses, Suzuki e col. (20) verificaram uma baixa prevalência dessa complicação, dado esse sugerindo um possível determinante étnico para a presença dessa condição.

Em conclusão, a mutação A3243G é responsável por apenas uma pequena porcentagem de anormalidades no metabolismo dos carboidratos em nosso meio. Entretanto, o encontro de diabetes mellitus, peso adequado ou baixo associado a disacusia deve alertar para a possibilidade de MIDD. Esse subtipo de diabetes requer um seguimento mais de perto pela possibilidade de desenvolvimento de complicações peculiares tais como cardiomiopatia, distúrbios de condução cardíaca e sintomas neurológicos.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos membros do Japanese Brazilians Diabetes Study Group pelos dados obtidos entre os nipo-brasileiros.

Recebido em 21/07/06

Revisado em 04/12/06

Aceito em 13/12/06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Revisado
      04 Dez 2006
    • Recebido
      21 Jul 2006
    • Aceito
      13 Dez 2006
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