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Abordagem do diabetes melito na primeira infância

Management of diabetes mellitus in young children

Resumos

A ocorrência de diabetes melito tipo 1 em crianças abaixo de 5 anos é rara, mas vem apresentando um aumento em sua incidência em vários países do mundo. O diagnóstico é comumente postergado e a criança em geral encontra-se em estado avançado de descompensação. Um dos desafios do acompanhamento desses casos é estimular o total envolvimento da família, já que a criança é dependente de seus cuidados. A atenção com os pequenos pacientes deve ser intensa, já que dificilmente há queixas que possam sugerir a hipoglicemia. A aceitação alimentar e as atividades físicas são irregulares e imprevisíveis e a sensibilidade insulínica é maior. A terapêutica com insulina necessita ser individualizada, e a monitorização glicêmica domiciliar é fundamental para que o melhor controle seja obtido.

Diabetes melito; Infância; Tratamento


The occurrence of type 1 diabetes mellitus in children under 5-years-old is rare, but its incidence has been growing all over the world. The diagnosis is usually delayed and the patient presents advanced states of ketoacidosis. After the diagnosis, it is extremely crucial the involvement of the family in the treatment from the beginning, due to the dependency of the young children. The attention focused on the patient must be intense, since there are no evident hypoglycemic symptoms, the food intake and physical activities are irregular and there is higher insulin sensitivity. Insulin administration has to be individualized, and glucose monitoring is essential to obtain a good control.

Diabetes mellitus; Young children; Manegement


REVISÃO

Abordagem do diabetes melito na primeira infância

Management of diabetes mellitus in young children

Luis Eduardo P. Calliari; Osmar Monte

Unidade de Endocrinologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luis Eduardo P. Calliari Rua Sergipe, 401, cj. 802 01243-000 São Paulo, SP e-mail: caliari@uol.com.br

RESUMO

A ocorrência de diabetes melito tipo 1 em crianças abaixo de 5 anos é rara, mas vem apresentando um aumento em sua incidência em vários países do mundo. O diagnóstico é comumente postergado e a criança em geral encontra-se em estado avançado de descompensação. Um dos desafios do acompanhamento desses casos é estimular o total envolvimento da família, já que a criança é dependente de seus cuidados. A atenção com os pequenos pacientes deve ser intensa, já que dificilmente há queixas que possam sugerir a hipoglicemia. A aceitação alimentar e as atividades físicas são irregulares e imprevisíveis e a sensibilidade insulínica é maior. A terapêutica com insulina necessita ser individualizada, e a monitorização glicêmica domiciliar é fundamental para que o melhor controle seja obtido.

Descritores: Diabetes melito; Infância; Tratamento

ABSTRACT

The occurrence of type 1 diabetes mellitus in children under 5–years-old is rare, but its incidence has been growing all over the world. The diagnosis is usually delayed and the patient presents advanced states of ketoacidosis. After the diagnosis, it is extremely crucial the involvement of the family in the treatment from the beginning, due to the dependency of the young children. The attention focused on the patient must be intense, since there are no evident hypoglycemic symptoms, the food intake and physical activities are irregular and there is higher insulin sensitivity. Insulin administration has to be individualized, and glucose monitoring is essential to obtain a good control.

Keywords: Diabetes mellitus; Young children; Manegement

INTRODUÇÃO

NOS ÚLTIMOS ANOS TEMOS VISTO um aumento na incidência de diabetes melito em crianças menores que 5 anos. Constitui-se em um grande desafio a obtenção de um bom controle, já que as dificuldades em relação ao tratamento medicamentoso e ao acompanhamento não são poucas. Nessa faixa etária as crianças têm atividades muito irregulares, não referem sintomas, mudam padrões alimentares com rapidez, e o tratamento depende totalmente da família. Este artigo procura abordar as características mais significativas do diabetes na primeira infância.

EPIDEMIOLOGIA

Nas últimas décadas, a incidência de diabetes melito tipo 1 (DM1) vem aumentando em várias partes do mundo em praticamente todas as faixas etárias. O EURODIAB Collaborative Group publicou levantamento de 16.362 casos registrados por 44 centros europeus e mostrou que houve aumento em todas as faixas etárias, mas mais elevado em crianças pré-escolares: 6,3% para crianças entre 0 e 4 anos; 3,1% para 5 a 9 anos, e 2,4% para 10 a 14 anos (1). Esses dados, também mostrados por outros autores, reforçam a importância do aumento de incidência sendo mais acentuado nas crianças mais novas (2) (Figura 1). Mesmo se considerarmos esse cenário, no entanto, o diagnóstico de diabetes melito abaixo de 5 anos ainda é relativamente raro (3).


Existem algumas evidências sugerindo que o diabetes que se instala nesta faixa etária seja diferente do que ocorre em crianças maiores. Estudo comparando crianças abaixo e acima de 5 anos mostrou diferenças significantes entre alelos e haplótipos de HLA relacionados ao diabetes, visto que nenhum paciente na faixa etária mais baixa tinha os alelos protetores DRB1*1501ou DQB1*0602 (4). Outros autores mostram suscetibilidade fortemente associada a alguns HLAs e fatores de imunidade específicos (5).

É importante diferenciar o diabetes que aparece na criança mais nova do diabetes neonatal – DM que se desenvolve no período neonatal (até 6 semanas de vida), que pode ser transitório ou definitivo. Este é um tipo mais raro de DM e atualmente sabe-se que pode ter várias causas, porquanto a mais comum para o DM neonatal permanente é uma mutação no gene que codifica o KIR6.2 (subunidade do canal de potássio sensível a ATP). Outras alterações genéticas encontradas estão relacionadas com fatores promotores de insulina (PDX; IPF-1), que podem levar a agenesia pancreática, mutações em homozigose no gene da glicoquinase, genes que codificam o receptor de sulfoniuréias e outros (6).

Embora outros tipos de DM possam incidir nessa faixa etária, este artigo irá abordar especificamente o DM1, por sua importância. Mesmo nos países onde há aumento de crianças e adolescentes com DM2, como nos Estados Unidos, a casuística ainda não é tão significante, como indica o levantamento americano no SEARCH for Diabetes in Youth Study, principalmente nessa faixa etária (7).

DIAGÓSTICO

O diagnóstico de DM na primeira infância segue os mesmos critérios utilizados para outras faixas etárias, aceitos pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Quase todos os pacientes são diagnosticados com sintomas sugestivos associados à glicemia ao acaso > 200 mg/dL (11,1 mmol/L). Em alguns casos o diagnóstico pode ser realizado a partir de glicemia de jejum >126 mg/dL (7 mmol/L) em duas ocasiões, sendo jejum definido por 8 horas sem ingestão calórica. É muito raro que seja necessário teste de tolerância à glicose oral (TTGo), mas se houver, a dose de glicose a ser oferecida é de 1,75g/kg, máximo de 75 g.

Nem sempre a tríade poliúria, polidipsia e perda de peso são percebidas pela família ou mesmo pelo médico. A dificuldade do reconhecimento dos sintomas decorre do fato de que o aumento da diurese é mascarado pelo uso de fraldas e a sede se manifesta por choro ou irritabilidade, que são sintomas inespecíficos. Essas características, associadas a pouca freqüência de diabetes nessa faixa etária, na maioria das vezes retarda o diagnóstico, fazendo que a criança chegue para avaliação em estado avançado de descompensação, em diferentes estágios de cetoacidose (CAD), com desidratação grave, acidose e/ou coma. Estudos confirmam que a apresentação clínica em crianças pequenas está associada à descompensação metabólica severa, com redução da massa de células-beta, avaliada por meio de peptídeo C (5).

Em estudo avaliando 42 crianças entre 6 e 24 meses, foi visto que, em relação àquelas diagnosticadas em idades mais avançadas, o diagnóstico de DM foi feito mais freqüentemente durante infecções agudas, houve mais sintomas de cansaço e apatia, a glicemia foi mais elevada, houve menor taxa de remissão, mais episódios de cetoacidose diabética (83% versus 40%) e valores mais baixos de HbA1c (8). Esses dados reforçam a idéia de que a descompensação é mais aguda, e a evolução para CAD mais rápida, com menor reserva funcional das células-beta.

A confirmação laboratorial da glicemia nesses casos deve ser acompanhada de gasometria arterial e mensuração de eletrólitos (sódio e potássio), para determinação da gravidade da descompensação.

Por outro lado, em uma família na qual já exista um paciente portador de DM1, o diagnóstico pode ser previsto por meio da investigação da presença de marcadores de auto-imunidade, como auto-anticorpos antiinsulina (AAI), antidescarboxilase do ácido glutâmico (GAD) e antiilhota (ICA 512). A presença de dois ou mais anticorpos aumenta o risco de evolução para diabetes. Para investigar a capacidade de produção de insulina pelo pâncreas, nessa fase, pode-se utilizar a medida da primeira fase de secreção insulínica (PFSI), detectada a partir do teste rápido de tolerância à glicose endovenosa. Valores baixos sugerem comprometimento da PFSI, que está associada a maior risco de evolução para DM1. Parentes de primeiro grau de pacientes diabéticos que apresentem positividade de anticorpos e perda da PFSI apresentam risco de 90% de evolução para diabetes em três anos (9).

Estudos como o Babydiab mostram que a positividade dos anticorpos pode ser tão precoce quanto 24 meses, em 11% das crianças, dependendo dos marcadores genéticos (10).

Abordagem ao diagnóstico

O diagnóstico de DM em crianças pequenas está associado a um impacto psicológico familiar muito grande. Na maioria das vezes, não há outros casos de DM na família, o que faz que, no início, haja maior dificuldade de aceitação do diagnóstico e maior resistência ao aprendizado. A abordagem inicial visa a preparar a família para cuidar do paciente no ambiente domiciliar, e inclui dar apoio emocional, passar informações básicas sobre diabetes e suas conseqüências (complicações agudas e crônicas), desenvolver plano alimentar e iniciar o treinamento prático. Este último inclui aplicação, monitorização, cuidados com insulina, higiene ao manipular o material etc. Como esses pacientes geralmente são internados no momento do diagnóstico deve-se aproveitar este momento para iniciar a educação da família em relação aos novos cuidados com a criança. Os aspectos práticos devem ser iniciados tão logo houver condições psicológicas, sem muita demora, para que a família possa ter autonomia mínima que possibilite a alta hospitalar. É ideal também que haja suporte psicológico especializado durante este período de adaptação, já que a boa aceitação do diagnóstico e a disposição para desenvolver os cuidados necessários para o bom controle são fundamentais para o sucesso do tratamento. Deve-se ressaltar que, diferentemente dos adultos ou dos adolescentes, o tratamento do DM em crianças pequenas depende totalmente da atuação da família, sendo ela o foco da atuação da equipe multidisciplinar (médico, enfermeira, nutricionista e psicólogo).

Idealmente, o treinamento dos cuidados relacionados ao diabetes deve ser feito para mais de uma pessoa da família, ou seja, mãe, pai, avós, irmãos mais velhos e babás. Esse procedimento garante maior segurança para o paciente e evita que ocorra uma situação muito comum: sobrecarga de funções para a mãe e a exclusão do pai no tratamento (11).

Nutrição

A alimentação das crianças deve ter aporte calórico e nutricional adequado às necessidades individuais, permitindo crescimento e desenvolvimento normais. Não há estudos na literatura específicos dessa faixa etária, comparando modelos de dietoterapia.

A alimentação básica da criança abaixo de 5 anos com DM não difere muito das outras crianças da mesma idade. Necessidades calóricas basais e proporção de nutrientes diferem das mais velhas em virtude de as crianças mais novas necessitarem maior aporte de lipídeos, passando dos 30% a 35% habituais para até 50%, nos lactentes. Principalmente nos menores de 2 anos não deve haver restrição de gordura, que nos maiores, quando necessária, é realizada pela troca de leite integral por semidesnatado.

A divisão do total em seis refeições – desjejum, lanche, almoço, lanche, jantar e ceia – é comum nessa faixa etária e auxilia a evitar períodos de jejum prolongado. Esse fracionamento da dieta com lanches nos intervalos é mais importante quando a insulina utilizada para o basal é a NPH. Nas crianças pequenas seu pico pode ocorrer em tempo mais curto, fazendo-se necessário os lanches entre as grandes refeições, para evitar a ocorrência de episódios de hipoglicemia. Lactentes e crianças mais novas podem necessitar ainda de leite ou algum outro aporte calórico durante a madrugada, quando o jejum da noite for muito prolongado (12,13). Não há estudos nessa idade a respeito de contagem de carboidratos, que poderá ser utilizado se necessário.

O diagnóstico de uma criança pequena com DM geralmente estimula a família a modificar a alimentação da casa (evitando o excesso de açúcar refinado, salgadinhos, refrigerantes, fast-foods, entre outros), fazendo que o paciente adote hábitos saudáveis que poderão ser mantidos ao longo da infância e da adolescência.

Insulinoterapia

Não há estudos prospectivos, fundamentados em evidência, comparando diferentes esquemas de insulinoterapia (basal-bólus, convencional) específicos dessa faixa etária, que tenham demonstrado superioridade de maneira conclusiva.

A insulinização basal pode ser feita com insulina NPH em duas ou mais doses. Glargina e detemir são aprovadas para uso após os 6 anos de idade (14,15), porém, até o momento, não há motivos para suspeitar que seus efeitos abaixo dessa faixa sejam diferentes das demais. A comparação de NPH com glargina, em pacientes de 5 a 16 anos, em esquema de múltiplas doses, mostrou glicemia de jejum menor no grupo glargina, com mesma HbA1c (16). Em adolescentes houve redução da freqüência de hipoglicemias em geral e de hipoglicemias graves com glargina + lispro em relação à NPH + regular (17). Esta poderia ser considerada uma grande vantagem, já que para os pequenos pacientes, especialmente aqueles abaixo de 2 anos, um dos objetivos do tratamento deve ser evitar hipoglicemias, visto que estão em fase de intenso desenvolvimento neurológico, e as conseqüências de hipoglicemias repetidas ou severas podem ser danos ao sistema nervoso central (SNC) (21).

Quanto à insulina de utilização pré-prandial, tanto a regular quanto a lispro e a aspart, pode ser considerada. No entanto, por causa do metabolismo mais acelerado dessas crianças e das características farmacológicas da regular, com pico em 2 horas e tempo de ação mais prolongado (de 4 a 8 horas), seu uso está associado a maior freqüência de hipoglicemias, principalmente tardia. As insulinas aspart e lispro têm início em 15 a 30 minutos, pico em 30 a 60 minutos e ação efetiva, características mais próximas das necessidades fisiológicas, controlando melhor a hiperglicemia pós-prandial e reduzindo a freqüência de hipoglicemias mais tardias (18,35). Uma das grandes dificuldades com crianças pequenas é a irregularidade da aceitação alimentar, o que faz que os esquemas terapêuticos tenham de ser adaptados. As insulinas de ação ultra-rápida apresentam a vantagem de poderem ser aplicadas imediatamente após a refeição, possibilitando aos pais avaliar a quantidade de comida ingerida e calcular a dose necessária (19,20,22). Essa alternativa garante segurança, reduzindo a chance, tão temida pelas mães, de que a criança receba insulina antes da refeição e depois recuse a alimentação. A insulina aspart foi estudada em pacientes acima de 2 anos (22), embora ainda conste em bula a indicação acima de 6 anos. A insulina lispro foi estudada em pacientes acima de 3 anos (23).

Alguns grupos adquiriram experiência com o uso dos sistemas de infusão contínua de insulina (SIC – bomba de infusão) em crianças pequenas (24). A possibilidade de infundir insulina em quantidades basais variáveis facilita o ajuste de doses durante os diferentes períodos do dia, e o uso de doses menores permite a redução de episódios de hipoglicemia (25). Comparação entre bomba e múltiplas injeções diárias (MDI) em crianças abaixo de 5 anos, por 6 meses, mostrou que não houve diferenças entre os grupos quanto a variações na HbA1c, episódios de hipoglicemia ou hiperglicemia, porém, associou-se a uma redução na preocupação relacionada ao diabetes, e melhores índices na avaliação de qualidade de vida, refletido também na opção de manutenção do tratamento (100% com SIC e 50% com MDI). Ainda é pouco utilizada em nosso meio, mas em casos isolados pode-se perceber maior facilidade de ajuste de dose e redução dos episódios de hipoglicemia, principalmente à noite, quando a infusão pode ser mínima ou até suspensa. O tipo de insulina utilizada na bomba de infusão pode ser a regular, a lispro ou a aspart. A comparação entre regular e lispro em crianças pequenas mostrou ausência de variação na HbA1c, porém menor excursão glicêmica pós-prandial e maiores valores à meia-noite e 3 horas da manhã com lispro (26). Em crianças com mais idade, não houve diferença entre a lispro e a aspart, e a bomba também foi associada a maior ganho ponderal e redução da dose diária de insulina (27). Para se obter bons resultados com a bomba de insulina há a necessidade de treinamento adequado por meio de time multidisciplinar, composto de enfermeira, nutricionista e médico com experiência nesse tipo de terapêutica (28), além de ser um tratamento oneroso e que exige comprometimento familiar intenso. Quando bem indicado, por meio da seleção rigorosa do candidato à terapêutica, permite flexibilidade maior que o esquema com múltiplas doses, melhorando a qualidade de vida.

Monitorização e acompanhamento

A avaliação do controle metabólico é um dos itens mais importantes do tratamento de pacientes com DM, principalmente nas crianças pequenas. Pelas já mencionadas irregularidades na alimentação e na atividade física, pela dificuldade de relatar sintomas, pela variabilidade na absorção e pelo risco de hipoglicemia, esse grupo etário necessita de avaliações freqüentes. A monitorização glicêmica tem como objetivos determinar o nível de controle glicêmico adquirido pelo paciente, prevenir complicações agudas (principalmente hipoglicemia) e, ao longo do tempo, prevenir complicações crônicas por intermédio de melhor controle. Avalia-se o controle glicêmico basicamente pela automonitorização glicêmica (AMG) e da hemoglobina glicada (HbA1c). A AMG é feita pela medida da glicemia capilar, realizada pela punção de ponta de dedo, e é o melhor método para avaliação imediata da glicemia, dando informações fundamentais do momento do controle, permitindo ajustes ou correções. A avaliação do controle glicêmico a médio prazo é feito por meio de HbA1c, único exame, até o momento, que permite ainda a previsão de evolução para complicações micro e macrovasculares (29).

A AMG deve ser realizada com freqüência suficiente para prover dados que possam permitir ser utilizados para determinação da dose de insulina, detecção de hipoglicemia e sua correção, e auxílio na correção das hiperglicemias.

Já é conhecida a associação entre maior freqüência de AMG e melhora da HbA1c em DM1, e vários são os motivos para que isso ocorra: melhor ajuste de insulina para alimentação, maior quantidade de correções de hiperglicemia e detecção precoce de hipoglicemia (evitando-se hipercorreções) (30). A monitorização deve ser realizada idealmente em diferentes horários do dia, permitindo avaliar o perfil do paciente, avaliando-o em jejum, antes das refeições, após a refeição, ao deitar, na madrugada, durante exercício e quando houver sintomas de hipoglicemia. Cada uma dessas avaliações permite um tipo de interpretação e facilita o ajuste de dose de insulina, alimentação e atividade física. Também nas situações de infecções pode detectar hiperglicemia e permitir ajustes. A obtenção de valores pré e pós-prandiais auxilia na determinação das doses de insulina basal e bolus, principalmente quando associada à contagem de carboidratos. A monitorização também é fundamental para identificar episódios de hipoglicemia assintomáticos ou com sintomas leves, bem como as hipoglicemias da madrugada, muito comuns nessa faixa etária.

O número de picadas para AMG deve ser individualizado dependendo da disponibilidade de equipamentos (fitas), tipo de regime de insulinoterapia e habilidade da criança ou da família em reconhecer hipoglicemia. Nas crianças pequenas este é o motivo mais comum para realização de maior número de exames, chegando a 6, 8 vezes por dia, considerando-se um mínimo duas avaliações (31). A aceitação da realização da AMG pode melhorar se forem utilizados locais alternativos para a punção, como palma de mão ou antebraço. Quando esses locais forem utilizados, atentar para o fato de que apresentam demora em detectar quedas de glicemia, portanto não utilizar quando houver sintomas de hipoglicemia e rechecar com punção de ponta de dedo quando o valor obtido for baixo (32).

Existe ainda alguma discussão quanto às metas glicêmicas dependerem da faixa etária avaliada. Idealmente, deve-se tentar atingir glicemias o mais próximo possível do normal, evitando-se hipoglicemia. Objetivos de valores glicêmicos, para ótimo controle, segundo a International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes (em mg/dL): jejum: 90-145; pós-prandial: 90-180; ao deitar:120-180; na madrugada: 80-162 (31).

Ainda como monitorização domiciliar, quando houver elevação prolongada da glicemia, presença de febre ou vômitos e sintomas como poliúria, dor abdominal ou taquipnéia, está indicada a realização de cetonemia ou cetonúria. A presença de corpos cetônicos representa maior gravidade e necessidade de intervenção imediata.

Os resultados da AMG devem ser armazenados (glicosímetro, anotação, planilha) e avaliados em conjunto pela família e pelo médico para interpretação, discussão e tomada de decisão.

O desenvolvimento de sistemas de monitorização contínua de glicose (CGMS) iniciou uma nova fase no controle dos pacientes com DM. A mensuração da glicemia é feita a cada cinco minutos, por meio de um sensor instalado no subcutâneo, e os dados posteriormente são transportados para um programa de computador. São criados gráficos e feitos cálculos de média, variação glicêmica e outros que permitem visualizar o perfil de flutuação das excursões glicêmicas durante as 24 horas, direcionando o ajuste do tratamento. Mais recentemente houve o lançamento dos sistemas com leitura em tempo real, que possuem alarmes de hipo e hiperglicemia, indicam tendências glicêmicas e permitem ajustes imediatos, auxiliando na melhora do controle (33,34).

No que diz respeito à HbA1c, pode-se dizer que representa a média das glicemias das últimas 4 a 12 semanas, com peso maior das glicemias do último período (50% do último mês). A metodologia considerada padrão é por HPLC, e outros métodos devem ser comparados em relação a este. Idealmente deveria ser realizada nas crianças pequenas a cada dois a três meses.

Esse exame, associado à monitorização diária, permite a avaliação do tratamento e pode sugerir modificação nas doses de insulina ou no esquema alimentar.

Ainda é motivo de discussão qual seria o valor ideal de HbA1c para essa faixa etária (Tabela 1).

Educação em diabetes

Em razão da pouca freqüência de diagnósticos de diabetes em serviços de pediatria, a educação, em geral, é realizada individualmente. Existem vários tópicos a serem discutidos com a família e o paciente, que devem ser adaptados à sua capacidade de compreensão. Dependendo do caso, o tempo utilizado para essas informações pode ser tão longo quanto 15 horas no total. O processo educativo deve ser iniciado após a superação pela família do impacto emocional e psicológico que se sucede ao diagnóstico de diabetes em uma criança previamente hígida.

Atualmente discute-se a necessidade de uma educação apropriada à idade, sendo assim para crianças pequenas esta seria primariamente direcionada aos pais e pessoas que cuidam da criança – avós, babás, empregadas etc.

Especificamente para essa faixa etária os seguintes tópicos devem ser cobertos (36):

  • aspectos técnicos relacionados a monitorização e aplicação, conservação e cuidados com a insulina;

  • hipoglicemia – sinais, sintomas, causas, riscos, formas de identificação e tratamento;

  • nutrição balanceada, adequada às necessidades de crescimento e desenvolvimento;

  • ajuste de dose de insulina durante infecções, muito comuns nesta faixa etária;

  • integração social em locais de convívio com outras crianças;

  • manejo de situações, nas quais a criança rejeite o tratamento, como aplicações de insulina ou glicemia capilar;

  • alerta em relação à atenção aos irmãos não-diabéticos;

  • suporte às mães por causa da demanda exagerada comum nessa situação.

CONCLUSÕES

Pode-se resumir as características do DM em crianças de idade pré-escolar nos seguintes itens: sintomas atípicos ao diagnóstico; aumento de sensibilidade à insulina; dificuldades na administração de insulina; jejum noturno prolongado; freqüentes refeições com mamadeira; recusa alimentar; inabilidade de comunicar sintomas de hipoglicemia; crescimento acelerado; desenvolvimento neurológico; dependência completa dos cuidados com o diabetes. Todos estes fatores fazem que cuidar de crianças nessa faixa etária deva ser visto como um problema especial, que exige conhecimentos específicos e muita dedicação.

Recebido em 07/02/2008

Aceito em 15/02/2008

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  • Endereço para correspondência:
    Luis Eduardo P. Calliari
    Rua Sergipe, 401, cj. 802
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    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Fev 2008
    • Recebido
      07 Fev 2008
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