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Dislipidemias no diabetes melito tipo 1: abordagem atual

Dyslipidemias in type 1 diabetes: a current approach

Resumos

Com a intensificação do controle glicêmico no tratamento do diabetes melito tipo 1 (DM1), houve uma mudança progressiva das causas de mortalidade com destaque para a DCV. A identificação de fatores de risco, como a dislipidemia, tornou-se de grande importância para minimizar o risco de complicações crônicas micro e macrovasculares. As diretrizes para prevenção de doença coronariana em diabetes, geralmente, fazem referência ao diabetes melito tipo 2 (DM2), com pouca recomendação específica para o DM1. Definir alvos terapêuticos ou indicação de intervenção farmacológica é mais controverso nesse tipo de diabetes, em virtude da faixa etária desses pacientes. O presente estudo busca destacar a importância de estabelecer o diagnósti-co da dislipidemia nesse grupo de pacientes e instituir terapêutica adequa- da e precoce, objetivando alcançar as metas estabelecidas para reduzir o perfil lipídico aterogênico desses pacientes.

Diabetes melito tipo 1; Dislipidemia; Terapêutica


With the intensive glycemic control in the therapy of type 1 diabetes mellitus (T1DM) patients, cardiovascular disease has been the main cause of mortality. Identification of risk factors, such as dyslipidemia is considered of great importance in terms of avoiding chronic micro and macro vascular complications. The statements for prevention of coronary artery disease in diabetes are generally are related do type 2 diabetes mellitus and little attention is paid to T1DM. Defining therapeutical targets and indications for treatment are more controversial in these patients due to their young ages. The present study aims to emphasize the importance of establishing the diagnosis of dyslipidemia in this group of patients as well as indicate the appropriate and early treatment, in order to reach the targets of treatment and reduce the atherogenic lipid profile.

Type 1 diabetes; Dyslipidemia; Therapeutic


ATUALIZAÇÃO

Dislipidemias no diabetes melito tipo 1: abordagem atual

Dyslipidemias in type 1 diabetes: a current approach

Alessandra S. de Mattos Matheus; Roberta Arnoldi Cobas; Marília B. Gomes

Disciplina de Diabetes do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Ciências Médicas; Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), RJ, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alessandra Saldanha de Mattos Matheus Rua João Pessoa, 197/1201 24220-330 Icaraí Niterói, RJ E-mail: marialia@uerj.br

RESUMO

Com a intensificação do controle glicêmico no tratamento do diabetes melito tipo 1 (DM1), houve uma mudança progressiva das causas de mortalidade com destaque para a DCV. A identificação de fatores de risco, como a dislipidemia, tornou-se de grande importância para minimizar o risco de complicações crônicas micro e macrovasculares. As diretrizes para prevenção de doença coronariana em diabetes, geralmente, fazem referência ao diabetes melito tipo 2 (DM2), com pouca recomendação específica para o DM1. Definir alvos terapêuticos ou indicação de intervenção farmacológica é mais controverso nesse tipo de diabetes, em virtude da faixa etária desses pacientes.

O presente estudo busca destacar a importância de estabelecer o diagnósti-co da dislipidemia nesse grupo de pacientes e instituir terapêutica adequa-

da e precoce, objetivando alcançar as metas estabelecidas para reduzir o perfil lipídico aterogênico desses pacientes.

Descritores: Diabetes melito tipo 1; Dislipidemia; Terapêutica

ABSTRACT

With the intensive glycemic control in the therapy of type 1 diabetes mellitus (T1DM) patients, cardiovascular disease has been the main cause of mortality. Identification of risk factors, such as dyslipidemia is considered of great importance in terms of avoiding chronic micro and macro vascular complications. The statements for prevention of coronary artery disease in diabetes are generally are related do type 2 diabetes mellitus and little attention is paid to T1DM. Defining therapeutical targets and indications for treatment are more controversial in these patients due to their young ages. The present study aims to emphasize the importance of establishing the diagnosis of dyslipidemia in this group of patients as well as indicate the appropriate and early treatment, in order to reach the targets of treatment and reduce the atherogenic lipid profile.

Keywords: Type 1 diabetes; Dyslipidemia; Therapeutic

INTRODUÇÃO

O DIABETES MELITO TIPO 1 (DM1) é uma doença crônica atualmente considerada a endocrinopatia mais comum na infância e na adolescência (1). Com a intensificação do controle glicêmico e maior sobrevida desses pacientes, houve mudança progressiva das causas de mortalidade, com maior destaque para a doença cardiovascular (DCV) (2).

Por causa da elevada morbimortalidade associada ao DM1, com risco de complicações crônicas micro e macrovasculares precoces, torna-se importante identificar a presença de fatores de risco para DCV nessa população.

A dislipidemia na infância raramente resulta eventos adversos nessa faixa etária, porém seus efeitos na idade adulta devem ser considerados. O principal fator de risco para desenvolvimento de dislipidemia na infância, avaliados em uma metanálise de 33 estudos, foi sobrepeso ou composição corporal de gordura, sendo o sobrepeso infantil (avaliado pelo índice de massa corporal – IMC) preditor independente do desenvolvimento de dislipidemia na idade adulta (3).

A maior prevalência de sobrepeso e/ou obesidade em crianças e adolescentes vem resultando em aumento gradativo da prevalência de hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes melito tipo 2 (DM2) em jovens (4,5), assim como de DM1, sendo sugerido que, neste caso, atuasse como fator acelerador para o desenvolvimento da doença (6).

Pacientes com DM1 têm risco duas a quatro vezes maior de desenvolver aterosclerose em relação à população não-diabética (2) e, nestes pacientes, os eventos cardiovasculares são responsáveis por até 44% da mortalidade total (7). Recente estudo realizado no Reino Unido observou que esses pacientes apresentaram, em todas as faixas etárias, maior mortalidade por doença arterial coronariana (8) e cerebrovascular (9) em relação à população geral. Em um estudo observacional com pacientes com DM1 acompanhados por até 40 anos, 25% deles entre 30 e 55 anos apresentaram como causa de mortalidade a doença arterial coronariana (DAC), em comparação com 6% da população não-diabética (10). O risco de mortalidade cardiovascular ajustado para idade pode até mesmo exceder o observado em pacientes com DM2 (11).

Sabe-se que crianças e adolescentes com DM1 apresentam desenvolvimento precoce de doença aterosclerótica (12) com maior rigidez e espessamento de paredes arteriais comparadas aos indivíduos não-diabéticos, antes mesmo da detecção clínica de complicações micro ou macrovasculares (13,14). Entretanto, nesses pacientes, o ganho de peso decorrente do tratamento insulínico intensivo (15) associado às mudanças no padrão alimentar e ao sedentarismo tem sido associado à presença de um perfil lipídico mais aterogênico, com elevação de triglicerídios, LDL, ApoB e diminuição de HDL (15-17). Recentes estudos em nosso meio observaram que a prevalência de obesidade, sobrepeso e/ou risco de sobrepeso em pacientes DM1 já atinge 21,2% (18) e de síndrome metabólica varia entre 12% e 40% (19). Um subestudo de Pittsburg Epidemiology of Diabetes Complication, analisando a resistência insulínica pelo clampe euglicêmico hiperinsulinêmico, demonstrou que os principais fatores de risco para o aumento da resistência insulínica nesta população foram, em ordem decrescente de importância, relação cintural/quadril, presença de hipertensão arterial, história familiar de DM2 e níveis de HbA1c aumentados (10).

Recentemente, foi realizado um estudo de corte transversal incluindo 118 pacientes com DM1 adultos acompanhados no ambulatório de diabetes da UERJ e 96 indivíduos não-diabéticos (funcionários do hospital, residentes e estudantes de medicina com glicemia de jejum < 100 mg/dl), que teve como objetivo determinar as diferenças demográficas, clínicas ou laboratoriais entre os dois grupos. Pacientes e controles foram pareados por idade, sexo, IMC e presença de tabagismo e submetidos à avaliação clínica e laboratorial. Os pacientes com DM1 não apresentaram pior perfil lipídico em relação aos controles e em geral seus níveis lipídicos são favoráveis, mesmo com controle glicêmico insatisfatório. Entretanto, estudo prévio de nosso grupo demonstrou que o subgrupo de crianças e adolescentes apresentou maior prevalência de colesterol total e LDL elevados em relação aos indivíduos não-diabéticos pareados (2).

Apesar de pacientes com DM1 serem jovens e, em geral, não apresentarem alterações lipídicas importantes, as complicações micro e macrovasculares que ocorrem no DM1 podem ser devidas a outros fatores que poderiam ser explicados pela hiperglicemia per se.

Dessa forma, elevações prolongadas da glicemia podem levar à glicosilação de proteínas no sangue e na parede arterial, gerando os produtos finais de glicação (AGE), o que determina aumento da concentração de espécies reativas de oxigênio e piora da função endotelial. Assim como o aumento do estresse oxidativo na célula vascular, outros processos promovidos pelo estado diabetogênico são responsáveis pela natureza prótrombótica endotelial do paciente diabético. São elas: a produção de citocinas que reduzem a produção de colágeno e tornam a placa mais vulnerável, aumento dos níveis séricos de fator de necrose tumoral-alfa e moléculas de adesão, maior produção de endotelina 1, alteração do pool intracelular de cálcio com anormalidades plaquetárias e ativação direta de vias de sinalização intracelular pró-ateroscleróticas como os receptores para AGEs e o NFkB (20).

Assim sendo, além da hiperglicemia, da formação acelerada de AGE avançada e do aumento do estresse oxidativo, outras condições foram propostas para explicar a aceleração da aterosclerose no diabetes, como a presença de marcadores inflamatórios (21) e fatores genéticos (22).

Estudos em animais evidenciaram que a dislipidemia associada ao diabetes não é necessária para induzir inflamação arterial no início da lesão aterosclerótica. Em estudo experimental, o aumento do processo aterosclerótico no rato diabético pôde ser normalizado após tratamento insulínico intensivo, indicando o papel fundamental do ambiente diabetogênico, mais provavelmente associado à hiperglicemia. A hiperglicemia nos ratos com dieta isenta de colesterol induziu inflamação arterial por meio do acúmulo de macrófagos e glicosaminoglicanas na parede arterial. Estas, que se acumularam mesmo na ausência da infiltração por macrófagos, podem ser responsáveis pelo passo inicial da lesão arterial pelo diabetes (22).

Por outro lado, o aumento nos triglicerídeos ricos em VLDL induzido pelo diabetes contribui para progressão da lesão e formação de placas avançadas com hemorragia intralesional. Dessa forma, tanto a hiperglicemia quanto a dislipidemia diabética aceleram diferentes fases de aterogênese no diabetes (22).

Em relação à hiperglicemia, os estudos DCCT/EDIC, após seguimento de 17 anos, mostraram que o tratamento intensivo do diabetes reduziu o risco de qualquer DCV em 42% e de infarto do miocárdio não- fatal, acidente vascular cerebral e morte em 57%, sendo esta redução na maior parte associada à redução da hemoglobina glicada durante o DCCT (23).

Apesar de geralmente não apresentarem alterações quantitativas importantes, DM1 pode apresentar alterações qualitativas na composição de suas lipoproteínas.

A participação do LDL-oxidado nesse processo tem sido apontada como fator fundamental no processo aterosclerótico em modelos animais, assim como em humanos (3). A hiperglicemia crônica resulta maior oxidação e glicação de partículas de LDL, com acúmulo de partículas densas mais aterogênicas (24).

Em estudo prévio de nosso grupo, observamos maior suscetibilidade do LDL colesterol à oxidação in vitro nos pacientes com DM1 em relação a indivíduos não-diabéticos, sendo a hiperglicemia a única variável independente associada a este maior efeito oxidativo. Foi demonstrada que mesmo discreta glicação do LDL afeta o tônus microvascular no musculoesquelético por reduzir o diâmetro, tanto de pequenas artérias quanto de arteríolas terminais. Fato este que pode ocorrer também no estado pós-prandial (24).

Essa oxidação do LDL assume grande importância no início e na perpetuação da aterosclerose por meio da geração de lipídios inflamatórios e da modificação covalente dessa partícula. Alguns dos efeitos pró-aterogênicos do LDL modificado são a toxicidade às células endoteliais, os monócitos, o recrutamento de neutrófilos e eosinófilos e a inibição da mobilidade dos macrófagos e a promoção da formação de células espumosas (24).

Em paciente com DM1, jovens com perfil lipídico normal, o tamanho da partícula de LDL e o conteúdo de vitamina E, seu principal antioxidante, foram menores em relação a controles e associados a menor vasodilatação endotélio dependente em vasos de condutância e resistência (25).

Outros fatores parecem estar associados à doença micro e macrovascular, dos quais um dos mais importantes seria a proteína C reativa (PCR). Diferentes estudos observaram a PCR aumentada em DM1 jovens e com curta duração de doença em relação a controles, sendo este aumento relacionado diretamente com os níveis de triglicerídios e razão triglicerídio/HDL. Este fato foi observado mesmo em diabéticos sem complicações micro ou macrovasculares, clinicamente detectadas, assim como o aumento da glicoproteína alfa 1 ácida (21). Sugere-se que o perfil lipídico qualitativo desfavorável no DM1 favoreceria a formação de células espumosas na parede arterial com início de reação inflamatória local (26).

Conforme exposto anteriormente, é possível que altos níveis de proteínas de fase aguda em pacientes com DM1 também sejam considerados um dos múltiplos fatores envolvidos na cascata de eventos da disfunção endotelial presente nesses pacientes (21).

O impacto da dislipidemia no DM1 ocorre tanto na DCV quanto nas complicações microvasculares, como retinopatia e nefropatia. A retinopatia diabética (RD) é a complicação crônica mais comum no DM1, afetando 70% a 100% dos pacientes. É conhecido o papel da hiperglicemia em seu desenvolvimento, entretanto sabe-se que o controle glicêmico intensivo não abole completamente o risco de desenvolver RD. Níveis elevados de colesterol total foram associados ao desenvolvimento de RD proliferativa, perda visual grave em um estudo multicêntrico realizado pela Organização Mundial de Saúde. Entretanto, a associação da hipertrigliceridemia com maior risco de evoluir para complicações microvasculares ainda é controverso (27,28).

O papel de parâmetros do perfil lipídico na evolução para nefropatia diabética também tem sido investigado (29). Assim como na RD, o controle glicêmico não pode ser considerado único fator determinante de seu desenvolvimento. É conhecida associação entre DCV e nefropatia diabética (30), sendo a dislipidemia considerada fator de risco para desenvolvimento e progressão de ambas as condições, em virtude de a hipercolesterolemia em pacientes com DM1 portadores de nefropatia diabética ser um importante preditor de evolução para insuficiência renal terminal e óbito (31).

Nos estudos Eurodiab e Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), os valores de colesterol total e LDL foram progressivamente mais elevados com a evolução dos estágios da nefropatia diabética. Em DM1 proteinúricos, o valor do colesterol total foi correlacionado positivamente com a velocidade de redução da taxa de filtração glomerular (32).

Recentemente, foi demonstrado que níveis mais elevados de HDL podem ser protetores para desenvolvimento de albuminúria em DM1 com mais de 20 anos de duração de doença (33).

Dessa forma, o DM1 está inserido em um contexto de complexos fatores que favorecem o desenvolvimento de complicações micro e macrovasculares, sendo a aterosclerose um fator de risco importante para essas complicações. No entanto, apenas o rígido controle glicêmico não parece ser suficiente para reduzir o impacto, principalmente sobre a DCV (34), devendo-se obter controle da dislipidemia com terapia adequada.

BASES PARA O TRATAMENTO

As diretrizes para prevenção de doença coronariana em diabetes, geralmente, fazem referência ao DM2 e fornecem pouca informação ou recomendação específica para o DM1. Isso, provavelmente, reflete a falta de dados disponíveis com evidências importantes. Definir alvos terapêuticos ou indicação de intervenção farmacologia é mais controverso neste tipo de diabetes em razão da faixa etária dos pacientes (34). Estudos clínicos que evidenciaram redução de risco cardiovascular em diabéticos com uso de drogas, especialmente estatinas, incluem na maior parte ou exclusivamente DM2.

Com base em dados do DCCT/EDIC, a terapia antilipêmica deve ser considerada independente do controle glicêmico, já que as taxas de eventos absolutos para cada complicação são de 2% a 5% ao ano, preenchendo critérios de risco europeus e americanos que justificam a intervenção farmacológica (34).

Um programa de curta duração (8 dias) de dieta apropriada recomendada pela Associação Americana de Diabetes (ADA) e atividade física (50 minutos, 3 vezes ao dia de exercícios aeróbicos) em DM1 com controle glicêmico estável foi capaz de reduzir significativamente os níveis de colesterol total, LDL e triglicerídeos e aumentar HDL (35).

AVALIAÇÃO E RASTREAMENTO

Adultos

• Em adultos diabéticos, a avaliação deve ser realizada ao diagnóstico e então, anualmente (36), por meio da dosagem de colesterol total (CT), HDL-c, triglicerídeos (TG) após jejum de 12 a 14 horas;

• o LDL-c pode ser calculado pela equação de Friedewald (LDL = CT – HDL – TG/5) e se TG > 400 mg/dl, obter por dosagem direta (37);

• manter dieta habitual e peso estável por pelo menos 2 semanas antes da realização do exame;

• evitar ingestão de álcool e atividade física vigorosa até 3 dias antes (37).

Crianças

• Todas as crianças maiores de 12 anos de idade ao diagnóstico. Se dentro das metas, repetir a cada 5 anos (12);

• todos, inclusive pré-púberes, com história familiar de DAC precoce (antes de 55 anos), DM2 ou hipertensão arterial sistêmica (HAS). Em caso de história familiar de DAC precoce ou hipercolesterolemia, o screening deve começar aos 2 anos de idade (12);

• crianças e adolescentes com níveis lipídicos anormais devem ser avaliados anualmente (36).

ALVOS DO TRATAMENTO

Em crianças, os níveis de LDL são a base para iniciar o tratamento e determinar os alvos terapêuticos, os quais devem ser mantidos < 100 mg/dl (3).

Em adultos, os alvos terapêuticos são melhores definidos, sendo primeiramente os níveis de LDL (< 100 mg/dl), e, secundariamente, de HDL (> 50 mg/dl) e triglicerídeos (< 150 mg/dl) (8). Sugere-se níveis de LDL< 70 mg/dl para portadores de doença aterosclerótica clínica (36).

Obtenção de níveis de LDL-c abaixo de 100 mg/dl (2,6 mmol/l) é mais consistente para prevenção de DAC, sendo níveis abaixo de 130 mg/dl (3,3 mmol/l) aceitáveis para outras complicações. Níveis de triglicerídeos abaixo de 150 mg/dl (2,3 mmol/l) são consistentes em diminuir o risco de mortalidade, DAC e nefropatia diabética. Com exceção da DAC, níveis de HDL-C > 45 mg/dl (1,1 mmol/l) não apresentaram forte evidência de prevenção de outras complicações crônicas (34).

INDICAÇÕES DO TRATAMENTO

Todos os diabéticos, independente da idade, com hipercolesterolemia familiar e hiperlipidemia combinada familiar devem ser tratados (38), assim como indivíduos maiores de 40 anos, com outros fatores de risco (36).

Tratamento específico

Modificações no estilo de vida, com aumento de atividade física, dieta adequada com redução da ingestão de calorias, gorduras saturadas e colesterol, e terapia farmacológica (36).

Os resultados das intervenções não farmacológicas devem ser reavaliados a cada 3 ou 6 meses, para então determinar a necessidade de instituir terapia medicamentosa, quando os alvos não forem atingidos. Entretanto, em pacientes com DCV estabelecida e LDL > 100 mg/dl ou aqueles sem DCV mas com LDL > 130 mg/dl, a terapia medicamentosa deve ser iniciada juntamente às medidas não-farmacológicas (36).

Para crianças acima de 2 anos de idade é aprovado a instituição de dieta com baixo teor de gorduras e colesterol, como a dieta step I da American Heart Association (3). Entretanto para crianças menores de 2 anos não devem ser prescritas dietas com baixo teor de gordura e colesterol em razão da necessidade nutricional nesta faixa etária de crescimento e desenvolvimento rápidos.

Para crianças com menos de 8 anos resina quelante de ácidos biliares (colestiramina) é a única droga aprovada (12). Porém sua baixa palatabilidade e sintomas, como constipação, flatulência, dor abdominal, tornam sua tolerabilidade baixa (3).

Entre os inibidores da HMG-CoA redutase, a atorvastatina é a única aprovada para uso em crianças com mais de 10 anos com hipercolesterolemia familiar heterozigótica.

Para pacientes adultos que não atingem níveis ótimos apesar da terapia com estatinas, deve-se considerar a associação de drogas: estatina com ezetimibe ou com fibrato ou com niacina (38). Neste caso deve-se estabelecer vigilância quanto a efeitos adversos e toxicidade.

Contra-indicações

Em crianças é contra-indicado o uso de niacina ou fibratos (38).

Atenção especial deve ser dada a mulheres em idade reprodutiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pacientes com DM1 representam uma população de alto risco para desenvolvimento de doenças cardiovasculares e mortalidade precoce. Entretanto, por serem jovens, muitas vezes o tratamento da dislipidemia é postergado na prática clínica. O presente estudo busca destacar a importância de estabelecer o diagnóstico da dislipidemia neste grupo de pacientes e instituir terapêutica adequada, atingindo metas recomendadas no intuito de minimizar os efeitos deletérios de um perfil lipídico aterogênico.

Recebido em 20/12/2007

Aceito em 10/01/2008

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  • Endereço para correspondência:

    Alessandra Saldanha de Mattos Matheus
    Rua João Pessoa, 197/1201
    24220-330 Icaraí Niterói, RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      10 Jan 2008
    • Recebido
      20 Dez 2007
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