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Crianças nascidas pequenas para a idade gestacional: necessidade de acompanhamento médico durante todo o período de crescimento

EDITORIAL

Crianças nascidas pequenas para a idade gestacional: necessidade de acompanhamento médico durante todo o período de crescimento

Margaret C. S. Boguszewski

Professora Associada, Departamento de Pediatria, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Margaret C. S. Boguszewski Rua Padre Camargo, 250 80060-240 - Curitiba, PR, Brasil margabogus@uol.com.br

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 8% a 26% das crianças nascidas em diferentes regiões do mundo apresentam peso ao nascimento abaixo de 2.500 g, incluindo bebês nascidos a termo e prematuros. No Brasil, estudo realizado em Pelotas, Rio Grande do Sul, cidade com aproximadamente 340 mil habitantes, revelou prevalência de nascidos pequenos para a idade gestacional (PIG) de 12% no ano de 2004 (1). Assim, na cidade de Pelotas durante o ano de 2004, quando 4.225 crianças nasceram em hospitais e com idade gestacional conhecida, 507 bebês foram considerados PIG. A maioria das crianças nascidas PIG apresenta recuperação do crescimento nos dois primeiros anos de vida (2). Entretanto, 10% a 15% não recuperam o crescimento e persistem com baixa estatura (3). Se considerarmos os números da cidade de Pelotas, pelo menos 50 crianças nascidas no ano de 2004 permaneceram com baixa estatura como consequência do nascimento PIG. Se extrapolarmos esses números para o país, onde 3.054.204 crianças nasceram vivas no ano de 2002 (4), teríamos aproximadamente 370 mil crianças PIG no ano de 2002. Destas, quase 37 mil teriam permanecido com baixa estatura como consequência do tamanho ao nascimento. Sabemos que existem variações regionais e muitos fatores determinam o ritmo de crescimento pós-natal. Mas esses números nos alertam para a importância de acompanhar o crescimento e desenvolvimento das crianças nascidas PIG.

Por muito tempo, diferentes critérios foram utilizados para definir o nascimento PIG, o que resultou em publicações com grupos bastante heterogêneos. A definição endossada pelas sociedades internacionais de Endocrinologia Pediátrica considera PIG as crianças nascidas com peso e/ou comprimento 2 ou mais DP abaixo da média para a idade gestacional (5). São crianças com maior risco de baixa estatura na infância e na vida adulta. Por essa razão, uma vez afastadas outras causas de baixa estatura, o tratamento com hormônio de crescimento (GH, do inglês growth hormone) pode ser indicado. Embora não sejam deficientes de GH, a terapia com GH foi aprovada a partir de 2001 em diferentes países, inclusive no Brasil, com resultados promissores. Um efeito dose-dependente nos primeiros anos de tratamento é evidente (5,6). A resposta ao tratamento com GH é particular a cada criança, dependendo da idade, sensibilidade ao hormônio, estatura dos pais, entre outros fatores. Na maioria das vezes, os regimes terapêuticos são semelhantes, com doses corrigidas apenas pela variação do peso, não levando em consideração a sensibilidade ao tratamento de cada indivíduo. Na tentativa de otimizar o tratamento, estudos têm avaliado características clínicas e laboratoriais que possam servir como preditores da resposta ao tratamento. Assim, a indicação do tratamento e a dose poderiam ser individualizadas, com mais benefícios para o paciente.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia e Metabologia, Furtado e cols. (7) avaliaram os possíveis preditores clínicos da resposta ao primeiro ano de tratamento com GH em crianças nascidas PIG. Em um estudo retrospectivo, foram avaliados 39 pacientes em tratamento com dose única de GH (0,33 mg/kg/semana), eliminando o efeito da variação da dose sobre a resposta observada. Foram incluídas crianças com baixa estatura e Z-escore da velocidade de crescimento menor que zero, evitando o tratamento daquelas que estivessem apresentando algum grau de recuperação espontânea do crescimento. É um estudo retrospectivo em que crianças atendidas em um hospital público foram tratadas com medicação fornecida por um programa do Estado. O grupo tratado é semelhante aos pacientes atendidos diariamente por muitos colegas da especialidade; em particular a idade (média de 9,8 anos no início do tratamento) e o fato de aproximadamente 40% já estarem em puberdade. Nas crianças PIG, depois da dose de GH, a idade cronológica e o tempo de tratamento antes da puberdade são conhecidamente variáveis que influenciam a resposta ao tratamento (8). Quanto mais tarde o início do tratamento, menor a resposta obtida. Outra observação interessante é que, mesmo tendo 40% da amostra em puberdade, a velocidade de crescimento estava abaixo da média, indicando um estirão puberal menor do que o esperado. As variáveis que mais influenciaram a resposta ao tratamento foram a idade óssea e o Z-escore do peso ao nascimento, explicando 42% da variabilidade da resposta observada. A cada ano de avanço da idade óssea, uma perda de 0,62 Z-escore no ganho estatural foi observada. Esses achados reforçam a necessidade de início precoce do tratamento nas crianças sem recuperação espontânea do crescimento. Crianças maiores de 2 anos de idade que persistem com baixa estatura e velocidade de crescimento abaixo do 25º percentil, afastadas outras causas de baixa estatura, são candidatas ao tratamento com GH com maior chance de resposta ao tratamento. A decisão infelizmente não é tão simples nas crianças maiores, que apresentaram recuperação inicial do crescimento e iniciam puberdade sem baixa estatura. Como mostrado no artigo de Furtado e cols., em algumas crianças o estirão puberal pode ser modesto e a idade óssea continua progredindo. Algumas vezes também recorremos ao bloqueio puberal, mas a resposta nem sempre é a esperada. Assim, mais estudos devem ser estimulados na tentativa de responder a questões ainda pendentes sobre o crescimento, a puberdade e a resposta ao tratamento com GH em crianças nascidas PIG.

Declaração: Membro do KIGS Strategic Advisory Board, Pfizer.

  • 1. Barros FC, Victora CG, Matijasevich A, Santos IS, Horta BL, Silveira MF, et al. Preterm births, low birth weight, and intrauterine growth restriction in three birth cohorts in Southern Brazil: 1982, 1993 and 2004. Cad Saude Publica. 2008;24(Suppl 3):S390-8.
  • 2. Karlberg JP, Albertsson-Wikland K, Kwan EY, Lam BC, Low LC. The timing of early postnatal catch-up growth in normal, full-term infants born short for gestational age. Horm Res. 1997;48 Suppl 1:17-24.
  • 3. Karlberg J, Albertsson-Wikland K. Growth in full-term small-for-gestational-age infants: from birth to final height. Pediatr Res. 1995;38:733-9.
  • 4
    http://portal.saude.gov.br/saude/ Acessado em: 8 jun 2010.
    » link
  • 5. Boguszewski MCS, Boguszewski CL. Growth hormone therapy for short children born small for gestational age. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2008;52(5):792-9.
  • 6. Boguszewski MCS, Albertsson-Wikland K, Aronsson S, Gustafsson J, Hagenäs L, Westgren U, et al. Growth hormone treatment of short children born small-for-gestational-age: the Nordic Multicentre Trial. Acta Paediatr. 1998;87:257-63.
  • 7. Furtado ACLC, Castro LCG, Rodrigues MP, Naves LA. Preditores clínicos do ganho estatural do primeiro ano de tratamento com dose fixa de hormônio de crescimento em crianças nascidas pequenas para a idade gestacional. Arq Bras Endocrinol Metab. 2010;54(5):443-8.
  • 8. Ranke MB, Lindberg A, Cowell CT, Albertsson-Wikland K, Reiter EO, Wilton P, et al. Prediction of response to growth hormone treatment in short children born small for gestational age: analysis of data from KIGS (Pharmacia International Growth Database). J Clin Endocrinol Metab. 2003;88:125-31.
  • Correspondência para:
    Margaret C. S. Boguszewski
    Rua Padre Camargo, 250
    80060-240 - Curitiba, PR, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      2010
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