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Adiponectina e baixo risco cardiometabólico em obesas

Adiponectin and low cardiometabolic risk in obese women

Resumos

OBJETIVO: Investigar a associação entre níveis elevados de adiponectina plasmática (AdipoQ) e baixo risco cardiometabólico (RCM) em obesas (MOb). SUJEITOS E MÉTODOS: Estudo caso-controle, pareado pela idade com 306 MOb, IMC > 30 kg/m², sendo 66 (21,6%) casos - todos não hipertensos, normolipídicos e não diabéticos - realizados em ambulatórios referência do Sistema Único de Saúde (SUS) para obesidade em Salvador. Dados secundários foram coleta-dos dos prontuários médicos, primários e complementares em laboratório de patologia clínica. Valores de AdipoQ > 10,00 µg/mL (> 3º quartil) foram considerados elevados. Foram realizadas análises: descritiva, bivariada e regressão logística condicional. RESULTADOS: Associação positiva, estatisticamente significante (ES), entre baixo RCM e AdipoQ > 10,00 µg/mL em MOb ativas fisicamente (OR= 5,1; IC95%: 1,8-14,3), não fumantes (OR= 3,6; IC95%: 1,6-8,4). CONCLUSÃO: Este estudo sugere que MOb ativas fisicamente, não fumantes e com níveis mais elevados de AdipoQ apresentam mais chances de baixo RCM. Torna-se importante reforçar, por meio de políticas públicas, o estímulo à adoção de comportamentos saudáveis.

Adiponectina; risco cardiometabólico; mulheres obesas


OBJECTIVE: To investigate the association between elevated levels of plasmatic adiponectin (AdipoQ) and low cardiometabolic risk (CMR) in obese women (ObW). SUBJECTS AND METHODS: Case-control study, matched by age, of 306 ObW, BMI > 30 kg/m², with 66 cases (21.6%) - all non-hypertensive, normolipidemic, and non-diabetic - conducted in SUS (Brazil's Public Health System) outpatient referral services for obesity in the City of Salvador, Brazil. Secondary data were collected from medical records; primary and complementary data were obtained from a clinical pathology laboratory. Values of AdipoQ > 10.00 µg/ml (> 3rd quartile) were considered elevated. Descriptive, bivariate, and conditional logistic regression analyses were performed. RESULTS: A statistically significant positive association between low CMR and AdipoQ > 10.00 µg/ml in physically active (AOR = 5.1; CI95%: 1.8-14.3), non-smoking (AOR = 3.6;CI95%: 1.6-8.4) ObW was found. CONCLUSION: This study suggests that physically active, non-smoking ObW, with higher AdipoQ levels, present greater chances of a low CMR. It becomes important to reinforce encouragement of the adoption of healthy behaviors, by means of public policies.

Adiponectin; cardiometabolic risk; obese women


ARTIGO ORIGINAL

Adiponectina e baixo risco cardiometabólico em obesas

Adiponectin and low cardiometabolic risk in obese women

Maria Cecilia CostaI; Luciara Leite BritoI; Paulo José Bastos BarbosaII, Ines LessaIII

IEscola de Nutrição, Universidade Federal da Bahia (ENUFBA), Salvador, BA, Brasil

IIEscola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), Salvador, BA, Brasil

IIIInstituto de Saúde Coletiva (ISC), UFBA, Salvador, BA, Brasil

Correspondência para Correspondência para: Maria Cecilia Costa Rua General Antônio Sampaio,203, ap. 301 - Pituba 41810-630 – Salvador, BA, Brasil marcosta@superig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Investigar a associação entre níveis elevados de adiponectina plasmática (AdipoQ) e baixo risco cardiometabólico (RCM) em obesas (MOb).

SUJEITOS E MÉTODOS: Estudo caso-controle, pareado pela idade com 306 MOb, IMC > 30 kg/m², sendo 66 (21,6%) casos – todos não hipertensos, normolipídicos e não diabéticos - realizados em ambulatórios referência do Sistema Único de Saúde (SUS) para obesidade em Salvador. Dados secundários foram coleta-dos dos prontuários médicos, primários e complementares em laboratório de patologia clínica. Valores de AdipoQ > 10,00 µg/mL (> 3º quartil) foram considerados elevados. Foram realizadas análises: descritiva, bivariada e regressão logística condicional.

RESULTADOS: Associação positiva, estatisticamente significante (ES), entre baixo RCM e AdipoQ > 10,00 µg/mL em MOb ativas fisicamente (OR= 5,1; IC95%: 1,8-14,3), não fumantes (OR= 3,6; IC95%: 1,6-8,4).

CONCLUSÃO: Este estudo sugere que MOb ativas fisicamente, não fumantes e com níveis mais elevados de AdipoQ apresentam mais chances de baixo RCM. Torna-se importante reforçar, por meio de políticas públicas, o estímulo à adoção de comportamentos saudáveis.

Descritores: Adiponectina; risco cardiometabólico; mulheres obesas

ABSTRACT

OBJECTIVE: To investigate the association between elevated levels of plasmatic adiponectin (AdipoQ) and low cardiometabolic risk (CMR) in obese women (ObW).

SUBJECTS AND METHODS: Case-control study, matched by age, of 306 ObW, BMI > 30 kg/m2, with 66 cases (21.6%) – all non-hypertensive, normolipidemic, and non-diabetic – conducted in SUS (Brazil's Public Health System) outpatient referral services for obesity in the City of Salvador, Brazil. Secondary data were collected from medical records; primary and complementary data were obtained from a clinical pathology laboratory. Values of AdipoQ > 10.00 µg/ml (> 3rd quartile) were considered elevated. Descriptive, bivariate, and conditional logistic regression analyses were performed.

RESULTS: A statistically significant positive association between low CMR and AdipoQ > 10.00 µg/ml in physically active (AOR = 5.1; CI95%: 1.8-14.3), non-smoking (AOR = 3.6;CI95%: 1.6-8.4) ObW was found.

CONCLUSION: This study suggests that physically active, non-smoking ObW, with higher AdipoQ levels, present greater chances of a low CMR. It becomes important to reinforce encouragement of the adoption of healthy behaviors, by means of public policies.

Keywords: Adiponectin; cardiometabolic risk; obese women

INTRODUÇÃO

A obesidade é um dos maiores problemas de Saúde Pública no mundo, com dimensões sociais e psicológicas expressivas, que vêm atingindo indivíduos cada vez mais jovens e diferentes grupos socioeconômicos (1). Apresenta-se como um dos determinantes mais importantes das várias doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) que participam, de forma significativa, das taxas de mortalidade em diversos países, inclusive nos países em desenvolvimento (2).

Com a gravidade da pandemia da obesidade (3) e o avanço das investigações sobre fatores relacionados à obesidade e suas complicações (4-7), os investigadores buscam explicar melhor a complexa inter-relação desses fatores. Nessa perspectiva, colocam-se as interações entre os fatores do estilo de vida, comportamentos autodeterminados ou adquiridos social ou culturalmente, de modo individual ou em grupo, passíveis de modificação, e os genéticos, que modulam a resposta do organismo às variações dos fatores do estilo de vida. Portanto, da rede dos determinantes da obesidade e suas complicações participam tanto os fatores do estilo de vida quanto os genéticos com diferentes e importantes contribuições (8,9).

Esses avanços contribuíram para melhor entendimento dos mecanismos fisiopatológicos comuns às doenças cardiovasculares (DCVs) e ao diabetes melito (DM), levando os estudiosos a definirem o conceito de risco cardiometabólico (RCM) a partir de um conjunto de causas modificáveis presentes em alguns indivíduos que representam potenciais riscos para a saúde (10). Entre esses riscos, identificam-se os componentes da síndrome metabólica (SM), geralmente associados a marcadores inflamatórios (11).

Entre esses marcadores, a proteína C reativa (PCR) mostra-se sempre correlacionada positivamente com fatores relacionados à nutrição – sobrepeso, obesidade generalizada e central, diabetes e dislipidemias. É um marcador sensível de inflamação, mas não específico para qualquer desfecho, sendo também frequente em indivíduos com DCV e mesmo em pessoas aparentemente saudáveis (5,12). Além da PCR, é referenciado por vários autores que os adipócitos sintetizam e liberam substâncias que atuam tanto sobre o tecido adiposo quanto na regulação de diversos processos metabólicos. Destacam-se entre elas a adiponectina (AdipoQ), o fator de necrose tumoral-α, a interleucina-6 e a leptina. Entretanto, a produção da maioria dessas substâncias depende da quantidade de tecido adiposo (13-16).

A AdipoQ, ao contrário das demais substâncias liberadas pelo tecido adiposo, sugere ter ação anti-inflamatória e antiaterogênica, agindo como fator protetor para DCV, além de aumentar a sensibilidade insulínica e exercer efeito benéfico no metabolismo pós-prandial da glicose e dos lipídios (7,17-19). Seus níveis variam de 3 a 30 µg/mL (20) e apresentam-se mais baixos em indivíduos obesos do que em não obesos, assim como em indivíduos identificados com resistência à insulina, DM tipo 2 (DM2), hipertensão arterial sistêmica (HAS) e, particularmente, cardiopatia coronariana (4,21,22). Foram também observados a existência de uma possível associação entre hipoadiponectinemia e o estabelecimento da SM (23). Essa associação mostra-se ainda mais evidente por meio da correlação negativa da AdipoQ com a gordura visceral, o que ainda não foi evidenciado com a gordura subcutânea (6). Além da associação com a obesidade intra-abdominal, observou-se também correlação negativa entre o grau de obesidade e os níveis de LDL colesterol, de triglicérides e níveis circulantes de AdipoQ (15,24).

Embora não sejam identificadas grandes variações na concentração plasmática de AdipoQ, sugerindo que ela seja regulada por mudanças metabólicas de mais longo prazo, verificam-se diferenças na sua concentração entre homens e mulheres, sendo mais elevadas entre as mulheres (6). Essas diferenças de concentrações identificadas entre os indivíduos podem ser desencadeadas por desequilíbrios funcionais com complicações metabólicas pela interação de diversos fatores (25).

Neste estudo, pretende-se investigar a associação entre níveis elevados de adiponectina plasmática e baixo RCM em mulheres obesas (MOb), visando a ações que dificultem, retardem ou impeçam outros RCM.

SUJEITOS E MÉTODOS

O estudo é do tipo caso-controle pareado pela idade. Para a sua execução, foram selecionados, por conveniência, os dois únicos ambulatórios do SUS, referência para tratamento da obesidade no Estado da Bahia, localizados no Município de Salvador: o Magalhães Neto, do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da UFBA, e o Centro de Referência Estadual para Assistência ao Diabetes e Endocrinologia (Cedeba), da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Ambos são instituições de saúde voltadas para o tratamento da obesidade de indivíduos que apresentam índice de massa corporal (IMC) > 30 kg/m², na presença ou não de comorbidades associadas.

Em 2006, 465 indivíduos obesos, 43 (9,2%) homens e 422 (90,8%) mulheres, na faixa etária de 20 a 75 anos, estavam matriculados nos ambulatórios. Foram critérios de inclusão no estudo: sexo feminino; idade entre 20 e 59 anos; residência fixa em Salvador; estar sendo acompanhada em apenas um dos ambulatórios; não ter sido submetida à cirurgia bariátrica; ter registro de pelo menos uma consulta ambulatorial no período com exames laboratoriais, não possuírem histórico de tratamento para a obesidade em período anterior, HAS, DM e dislipidemias. Das 422 (90,8%) mulheres, 116 (27,5%) não atenderam aos critérios de inclusão. Participaram do estudo 306 mulheres, sendo 66 (21,6%) casos e 240 (78,4%) controles. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Maternidade Climério de Oliveira – UFBA (Parece/Resolução nº. 110/2005). Após a aprovação, o Parecer foi apresentado ao Comitê de Ética do Cedeba, que o ratificou, disponibilizando a consulta aos prontuários do ambulatório de obesidade. Todas as participantes foram informadas sobre o estudo e assinaram o termo de consentimento.

Foram definidas como casos mulheres obesas sem outros fatores de risco cardiometabólico (FRCM), ou seja, com níveis de colesterol total < 200 mg/dL; LDL colesterol < 130 mg/dL; HDL colesterol > 50 mg/ dL; triglicérides < 150 mg/dL; pressão arterial (PA) < 130/85 mmHg e não ser hipertensa; glicemia de jejum < 100 mg/dL e não ser diabética. Os controles foram definidos como mulheres obesas com valores indesejáveis para as variáveis acima mencionadas, combinados ou não. Para cada caso, foram selecionados três a quatro controles com diferença de idade de ± 5 anos. A coleta de dados ocorreu em duas etapas descritas a seguir.

A etapa I, nos dois ambulatórios, correspondeu aos dados secundários, que foram obtidos dos prontuários médicos, de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos para o estudo: a) sociodemográficos – idade, cor da pele, grau de escolaridade e nível socioeconômico (26); b) clínico-epidemiológicos – início precoce/tardio da obesidade; estilo de vida (dieta, atividade física, consumo de bebida alcoólica, tabagismo); c) clínicos – dislipidemias, DM, HAS; uso de medicamentos para: dislipidemias, DM e HAS; uso de contraceptivo oral; d) dados dos pais – obesidade, HAS e DM; e) dados complementares – antropométricos (peso, altura, perímetro abdominal) e laboratoriais (colesterol e frações, triglicérides e glicemia em jejum) e da pressão arterial.

Os dados secundários foram coletados e transcritos para uma ficha padronizada por estudantes de medicina. Foi realizada análise de consistência em 20% dos prontuários trabalhados.

A etapa II, em um laboratório de patologia clínica em Salvador, correspondeu à obtenção dos dados primários e à reavaliação das participantes, para confirmação dos critérios de definição dos casos e controles. Das 306 mulheres, foi coletada amostra de sangue para a dosagem da PCR ultrassensível (PCR), da adiponectina plasmática (AdipoQ), do perfil lipídico e da glicemia pós-jejum de 12 horas (27). Nenhuma das participantes fez uso de medicamento para dislipidemias entre a consulta ambulatorial e a coleta de sangue.

A PCR foi medida pelo método nefelométrico, com limite de detecção de 0,15 mg/L, a AdipoQ, pelo método ELISA Adiponectina Humana, com limite de detecção de 0,5 µg/mL e a determinação do perfil lipídico e da glicemia em jejum, pelo método enzimático por meio de equipamento de bioanalisador totalmente automatizado. Para a determinação dos pontos de corte da PCR e da AdipoQ, foram estimados quartis.

Os entrevistadores que coletaram os dados na etapa II tinham nível secundário completo e experiência em trabalhos de campo e acompanhamento laboratorial.

No laboratório, os entrevistadores preencheram uma ficha de identificação das participantes. Além da coleta de sangue para os exames laboratoriais, foram realizadas medidas antropométricas (peso, altura e perímetro abdominal) e da pressão arterial, de acordo com as técnicas padronizadas, e aplicado um miniquestionário para a obtenção de dados sobre a dieta atual e possíveis mudanças no estilo de vida (atividade física, consumo de bebida alcoólica e tabagismo), grau de escolaridade e nível socioeconômico. Além disso, foram obtidas informações sobre uso e tipos de medicamentos, confirmando diagnóstico e tratamento de HAS e DM entre os controles e ausência de outros RCM entre os casos. Os resultados dos exames foram encaminhados para a chefia de cada um dos ambulatórios.

Os dados coletados passaram por controle de qualidade, sendo armazenados no programa Excel, versão 2003, para sistema Windows. Para este estudo, considerou-se apenas o consumo atual de frutas, por ter o registro das quantidades (aproximadamente 100 g/porção) nos prontuários médicos, por serem geralmente consumidas in natura e sua maioria conter baixo índice e carga glicêmicos (28), sendo ricas em fibras solúveis que ajudam na eliminação do colesterol (29).

As variáveis foram categorizadas (Tabela 1) e as análises foram realizadas no programa Stata, versão 9.1, para sistema Windows.

Inicialmente, foi realizada análise descritiva (univariada) das características da população investigada. Para estimar a associação entre o evento (baixo risco cardiometabólico) e a exposição principal (AdipoQ > 10,00 µg/mL), realizou-se, posteriormente, a análise bivariada (teste qui-quadrado de Pearson) e, por fim, foi feita análise multivariada por meio da regressão logística condicional. Foram testadas as covariáveis como potenciais modificadoras de efeito da associação entre baixo RCM e AdipoQ a partir do 3º quartil (> 10,00 µg/mL). Posteriormente, quando não confirmadas no modelo como tal, foram testadas como potenciais confundidoras. Para analisar as variáveis como potenciais modificadoras de efeito, adotou-se o procedimento backward, no modelo de regressão logística condicional. Para avaliar a modificação de efeito, foi usado o teste da razão de verossimilhança. O nível de significância admitido no estudo foi de 5%.

RESULTADOS

Constatou-se que não houve diferença ES entre casos e controles com relação aos valores médios da idade, IMC e perímetro abdominal nas etapas I e II deste estudo. Verificou-se, ainda, que a média da PCR entre os casos foi mais baixa, 3,9 mg/mL (1,9 mg/mL), e a da AdipoQ, mais alta, 14,8 µg/mL (6,5 µg/mL), quando comparadas às médias dos controles, PCR = 10,2 mg/L (6,4 mg/L), e AdipoQ = 10,1 µg/mL (2,6 µg/mL) (Tabela 2).

Identificou-se diferença ES para: obesidade desenvolvida na vida adulta em 40,9% dos casos contra 57,1% dos controles; consumo atual de frutas > 3 porções/dia em 50% dos casos contra 35,8% dos controles; não uso de contraceptivo oral por 84,9% dos casos contra 72,9% dos controles, e níveis da PCR < 3,7 mg/L em 53,0% dos casos e em 17,9% dos controles. Em relação às demais covariáveis, as diferenças não foram ES (Tabela 3).

A tabela 4 mostra as características dos casos e controles, de acordo com os níveis de AdipoQ. Para mulheres com AdipoQ > 10,00 µg/mL, foram observadas diferenças ES em relação a PCR e contraceptivo oral, p = 0,00. Verificou-se que 53,7% dos casos apresentavam PCR < 3,70 mg/L contra 15,4% dos controles. Constatou-se que o maior percentual de casos não usava contraceptivo oral (90,2%), quando comparado aos controles (76,0%), p = 0,05. Ainda se ressalta que, no grupo de mulheres com AdipoQ < 10,00 µg/mL, foram detectadas diferenças ES para PCR (maior proporção de casos apresentava valores < 3,70 mg/mL contra 19,9% dos controles, p = 0,00). Ainda nesse grupo 44% dos casos referiram ser ativas, sendo essa proporção inferior à dos controles (66,2%), p = 0,04. Não foram identificadas diferenças ES das demais covariáveis nas mulheres obesas com diferentes níveis de AdipoQ (Tabela 4).

As variáveis atividade física, tabagismo, início da obesidade e PCR foram identificadas como modificadoras de efeito (p < 0,05), na associação entre baixo RCM e AdipoQ > 10,00 µg/mL. Verificou-se que mulheres obesas ativas têm chance 5,1 vezes maior de ter baixo RCM quando apresentam AdipoQ > 10,00 µg/mL, se comparadas àquelas com AdipoQ < 10,00 µg/mL (p = 0,00). Entre aquelas pouco ativas a associação foi positiva, mas não ES. Nas mulheres obesas que nunca fumaram, constatou-se associação positiva e ES entre baixo RCM e AdipoQ > 10,00 µg/mL (OR = 3,6; IC95%: 1,6-8,4). Entretanto, entre aquelas que fumavam ou eram ex-fumantes a associação foi positiva, mas não ES. Nas mulheres obesas com PCR < 3,70 mg/L, a associação entre baixo RCM e AdipoQ > 10,00 µg/mL foi positiva, porém não ES (OR = 5,8; IC95%: 0,938,6). Em mulheres obesas com PCR > 3,70 mg/L, constataram-se associação positiva e ES (OR = 3,4; IC 95%: 1,3-9,2) (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Diante da possível ocorrência de bias de seleção e de aferição, alguns aspectos metodológicos do estudo merecem discussão: 1) a população do estudo corresponde ao universo de obesas que preencheram os critérios de inclusão. Excluídos os casos, todas as demais mulheres apresentavam dois ou mais FRCM; 2) a validade interna do estudo está garantida pelos cuidados metodológicos descritos; 3) os casos e os controles podem não representar suas populações de origem, portanto, a extrapolação só poderá ser feita para grupos com características similares às deste estudo e 4) a ocorrência de bias de seleção (viés de Berkson) e a possibilidade de detectar-se ou não fatores de "proteção" nos casos teoricamente não influenciaram a busca do atendimento ambulatorial pelas mulheres obesas, pois os ambulatórios são destinados ao tratamento da obesidade, independentemente da presença de qualquer outra comorbidade.

Neste estudo, a associação entre baixo RCM e níveis de AdipoQ > 10,00 µg/mL foi modificada por variáveis do estilo de vida: atividade física e tabagismo. Embora pouco se conheça sobre a associação entre fatores do estilo de vida e níveis de AdipoQ, a literatura tem mostrado que hábitos e comportamentos saudáveis parecem elevar os níveis de AdipoQ (30-33), o que de algum modo corrobora os nossos achados.

A maioria das mulheres independentemente dos níveis de AdipoQ informou ser ativa fisicamente, sem ter informado a intensidade da atividade física. É importante ressaltar que, mesmo sem o conhecimento da intensidade da atividade física dessas mulheres, o fato de desenvolver diariamente atividades domésticas não remuneradas, remuneradas em qualquer atividade que demande movimento constante, e atividades de lazer com exercícios aeróbicos, mesmo com diferentes períodos de tempo, parece contribuir para a associação entre o baixo RCM e níveis de AdipoQ > 10,00 µg/mL. Estudiosos sugerem que a prática de exercício físico contribui para aumentar a concentração da AdipoQ, melhorando a resistência à insulina e os parâmetros metabólicos (31,34). Além disso, a composição corporal de mulheres obesas ativas difere, possivelmente, daquelas pouco ativas. É possível que indivíduos obesos ativos fisicamente tenham uma maior concentração de massa muscular e tecido adiposo subcutâneo na região abdominal apesar da obesidade central, quando comparados a indivíduos pouco ativos, contribuindo para a elevação dos níveis da AdipoQ e menor exposição a outros riscos cardiometabólicos. Verifica-se na literatura que, apesar de os lutadores de sumo serem obesos, apresentam desenvolvimento da musculatura na região abdominal, elevada taxa de gordura subcutânea e baixa taxa de gordura visceral, quando comparados com homens obesos pouco ativos fisicamente. Isso sugere que o exercício físico pode prevenir contra o acúmulo de gordura visceral, ainda que na presença de graus elevados de adiposidade total (35).

Pode-se também supor que mulheres obesas ativas tenham incorporado, no seu cotidiano, outros hábitos e comportamentos saudáveis como o de não fumar, não consumir ou consumir moderadamente bebida alcoólica e ter uma dieta menos rica em colesterol, gorduras saturadas e trans, com a inclusão ou o aumento de alimentos fonte de fibras, sobretudo solúveis. A não identificação, neste estudo, da bebida alcoólica como possível modificador de efeito pode ser justificada no desconhecimento da quantidade de álcool consumida.

A associação positiva e ES entre baixo RCM e AdipoQ > 10,00 µg/mL observada em mulheres que nunca fumaram sugere que não ser fumante contribui para aumentar os níveis de AdipoQ. Estudiosos identificaram relação inversa entre tabagismo e níveis de AdipoQ (36-38).

Embora a literatura aponte as fibras como um componente importante da dieta com ação preventiva para RCM (31,39), neste estudo o consumo atual de frutas não se mostrou como variável confundidora da associação entre baixo RCM e AdipoQ > 10,00 µg/mL. Embora o aumento do consumo de frutas na dieta atual sugira a preocupação com uma alimentação mais saudável, é possível que a quantidade de fibra solúvel ingerida ainda não seja suficiente para aumentar a AdipoQ para níveis > 10,00 µg/mL em todas as participantes do estudo. A literatura tem apresentado resultados sugerindo que as variações na concentração de AdipoQ sejam reguladas por mudanças metabólicas (16) e que mudanças no estilo de vida parecem elevar os níveis plasmáticos dessa proteína (30-32). No estudo desenvolvido por Qi e cols. (2006) (39), foi verificado que o consumo de fibras provenientes de cereais integrais e frutas eleva a concentração de AdipoQ.

Conquanto ainda existam poucos estudos que investiguem a associação entre AdipoQ e outras variáveis de interesse epidemiológico, já foi constatado que os níveis de PCR são inversamente proporcionais aos níveis de AdipoQ. Em indivíduos obesos, os níveis de AdipoQ apresentam-se significativamente mais baixos, enquanto os da PCR mostram-se mais altos, quando comparados aos níveis desses marcadores inflamatórios em indivíduos não obesos (14,16). A literatura sugere que essas diferentes alterações identificadas entre os indivíduos podem ser desencadeadas por desequilíbrios funcionais com complicações metabólicas (25). Como neste estudo foram investigadas apenas mulheres obesas, já era esperado que todas apresentassem níveis altos da PCR e baixo da AdipoQ. Independentemente do nível de PCR, níveis elevados de AdipoQ mostram-se associados ao baixo RCM, sugerindo possivelmente que a AdipoQ pode ser um marcador importante para o RCM. O fato de a associação entre níveis de AdipoQ > 10,00 µg/mL e baixo RCM mostrar-se positiva, mas não ES, quando os níveis de PCR < 3,70 mg/L, pode ser justificado, em parte, no tamanho da amostra nesse grupo.

Concluindo, o estudo mostrou que mulheres obesas ativas fisicamente e que nunca fumaram apresentam mais chances de terem níveis de adiponectina plasmática > 10,00 µg/mL, contribuindo para dificultar, retardar ou impedir a ocorrência de dislipidemias, DM e hipertensão arterial sistêmica, que geram condições favoráveis para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Nesse sentido, é importante que indivíduos obesos sejam estimulados a se manter ativos fisicamente e a não desenvolver o hábito de fumar, bem como a incorporar mudanças no comportamento em direção a um estilo de vida saudável.

Estudo financiado pelo Ministério da Saúde/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (MS/CNPq), processo nº. 505671/2004-2.

Agradecimentos: À Dra. Reine Marie Chaves Fonseca, diretora do Cedeba, por ter permitido o acesso aos prontuários do Ambulatório de Obesidade para este estudo. À Dra. Leila M. Batista Araújo, chefe do Ambulatório de Obesidade do Magalhães Neto do Hospital Universitário Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), por ter facilitado o acesso aos prontuários para este estudo. Ao Dr. José Carlos Lima, por disponibilizar o Laboratório de Patologia Clínica para este estudo. À Farmacêutica Agnaluce Moreira, pela competência na supervisão das análises bioquímicas.

Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo.

Recebido em 9/Jul/2010

Aceito em 16/Fev/2011

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  • Correspondência para:

    Maria Cecilia Costa
    Rua General Antônio Sampaio,203, ap. 301 - Pituba
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      09 Jul 2010
    • Aceito
      16 Fev 2011
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