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Ablação de remanescentes tireoidianos com 30 mCi de 131I em pacientes com câncer de tireoide preparados com TSH recombinante humano

Ablation of thyroid remnant with 30 mCi 131I in thyroid cancer patients prepared with recombinant human TSH

CARTAS AO EDITOR

Ablação de remanescentes tireoidianos com 30 mCi de 131I em pacientes com câncer de tireoide preparados com TSH recombinante humano

Ablation of thyroid remnant with 30 mCi 131I in thyroid cancer patients prepared with recombinant human TSH

Pedro Weslley Rosário

Instituto de Ensino e Pesquisa da Santa Casa de Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para Correspondência Correspondência para: Pedro Weslley Rosário Instituto de Ensino e Pesquisa, Santa Casa de Belo Horizonte Rua Domingos Vieira, 590 30150-240 – Belo Horizonte, MG, Brasil pedrorosario@globo.com

Um aumento significativo na incidência do câncer papilífero de tireoide (CPT) tem ocorrido nas últimas décadas. Isso é explicado, em grande parte, pela crescente realização de métodos de imagem como a ultrassonografia (US), capaz de identificar nódulos e consequentemente tumores pequenos, não palpáveis.

O CPT apresenta algumas particularidades que têm implicações na definição da terapia inicial. Grande parte dos casos é diagnosticada em adultos jovens ou adultos, em plena capacidade laborativa. A maioria dos pacientes é considerada de baixo risco para recidiva e mortalidade, com excelente prognóstico mesmo quando tratados apenas com cirurgia, desde que esta tenha promovido uma ressecção tumoral aparentemente completa (1,2). Esses aspectos são ainda mais notáveis na atualidade, quando o diagnóstico é comumente feito em indivíduos aparentemente saudáveis, com nódulos pequenos, não palpáveis, que foram descobertos apenas na US. Finalmente, a terapia adjuvante com 131I, embora amplamente empregada em nosso meio, até hoje não mostrou, de forma consistente, melhorar o prognóstico dos pacientes em que as informações clínicas e histológicas predizem melhor evolução (1,2). Essa incerteza quanto ao benefício da ablação pós-cirúrgica com 131I exige que o clínico, optando por realizá-la, esteja atento aos eventuais efeitos indesejados desse procedimento.

Uma forma tradicional de realização da ablação com 131I consiste em privar o paciente da reposição de levotiroxina (L-T4) por algumas semanas, o que promove um significativo aumento do TSH endógeno, necessário para otimizar a captação de 131I pelo tecido remanescente, mas que também resulta em um hipotireoidismo intenso, com repercussões clínicas de várias naturezas, ocasionalmente, com notável gravidade (3). Em seguida, administra-se uma alta atividade de 131I, como 100 mCi, o que expõe tecidos extratireoidianos a uma radiação que pode causar danos transitórios como sialoadenite, infertilidade, mielossupressão (4) e, eventualmente, até aumentar o risco de neoplasia secundária em longo prazo (5). Em nosso país, a administração de uma alta atividade de 131I exige que o paciente seja internado e permaneça em isolamento, geralmente por cerca de dois dias.

Para minimizar esses problemas, duas medidas têm sido adotadas. Primeiro, a administração do TSH recombinante humano (rhTSH) em substituição à privação da L-T4 como forma de obter níveis elevados de TSH sem causar hipotireoidismo. Segundo, a administração de uma baixa atividade de 131I, 30 mCi em vez de 100 mCi, o que reduz sensivelmente a radiação à qual o paciente é exposto e naturalmente os riscos de radiotoxicidade (5), e pode ser dada ambulatorialmente. Ressalta-se, ainda, que o tempo em que o paciente permanece afastado de suas atividades é notadamente reduzido com essas medidas. A eficácia da ablação com 131I usando rhTSH e 30 mCi já tinha sido reportada por alguns autores (6-8), mas dois grandes estudos multicêntricos randomizados foram agora publicados (9,10), confirmando a efetividade dessa conduta, com alto nível de evidência.

Os estudos foram publicados no New England Journal of Medicine e incluíram pacientes com câncer diferenciado de tireoide submetidos à tireoidectomia total e divididos em quatro grupos de acordo o preparo para obtenção do TSH elevado (privação da L-T4 ou rhTSH) e atividade de 131I (30 mCi ou 100 mCi) (9,10). Informações adicionais desses estudos são apresentadas na tabela 1.

Nos dois estudos, a taxa de sucesso foi semelhante nos quatro grupos, variando de 90% a 94% no estudo ESTIMABL (10) e de 84,3% a 90,2% no estudo HiLo (9). Neste último, mesmo nos subgrupos de pacientes com metástases linfonodais (N1) ou tumores maiores ou minimamente invasivos (T3), a ablação realizada com 30 mCi de 131I após rhTSH alcançou a mesma taxa de sucesso da obtida com 100 mCi após privação da L-T4 (9).

Além da eficácia da ablação, outros resultados merecem destaque. No momento da administração do 131I, pacientes expostos à suspensão de L-T4 tinham mais sintomas de hipotireoidismo e maior comprometimento da qualidade de vida que aqueles preparados com rhTSH (9,10). No estudo HiLo (9), efeitos adversos agudos do radioiodo (dor cervical, náusea, gastrite, cistite, sialoadenite, alteração do paladar, xerostomia, entre outros) foram menos frequentes no grupo preparado com rhTSH e que recebeu 30 mCi comparado àqueles tratados com 100 mCi. E, no estudo ESTIMABL (10), sintomas lacrimais agudos ocorreram em 10% dos pacientes que receberam 30 mCi após rhTSH versus 24% daqueles tratados com 100 mCi em hipotireoidismo.

Nenhum dos dois estudos foi realizado pela Genzyme Corporation, fabricante do rhTSH, e sim por centros e institutos europeus de pesquisa em câncer independentes (11).

Esses estudos randomizados, multicêntricos, com grande número de pacientes, e resultados convergentes demonstram que, em pacientes adultos; submetidos à tireoidectomia total, em que a ressecção tumoral foi completa e não há metástases distantes aparentes; e a histologia não surpreendeu um tumor pouco diferenciado ou de subtipo agressivo, nem mostrou invasão extratireoidiana grosseira ou acometimento linfonodal numeroso ou extenso; a ablação realizada com baixa atividade de 131I (30 mCi) e após rhTSH é tão eficaz quanto a executada com 100 mCi e após privação da L-T4. Considerando suas vantagens, a saber, dispensar o hipotireoidismo, exposição extratireoidiana à menor radiação e realização ambulatorial, é razoável propor que este seja o método de escolha para ablação com 131I nos pacientes com aquelas características, sobretudo se lembrarmos que tal procedimento (radioiodo) carece de evidência de que beneficie pacientes de baixo risco, sendo desejável medidas que reduzam eventuais riscos.

Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo.

Recebido em 3/Maio/2012

Aceito em 14/Jun/2012

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  • Correspondência para:
    Pedro Weslley Rosário
    Instituto de Ensino e Pesquisa,
    Santa Casa de Belo Horizonte
    Rua Domingos Vieira, 590
    30150-240 – Belo Horizonte, MG, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jul 2012
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