Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos técnicos e funcionais da cateterização dos seios petrosos inferiores na síndrome de Cushing ACTH dependente

Technical and functional aspects of catheterization of inferior petrosal sinuses in ACTH dependent Cushing’s syndrome

Resumos

Objetivo

Descrever e analisar a técnica empregada para a cateterização bilateral dos seios petrosos inferiores (SPI) em nosso serviço, discutindo as dificuldades e as taxas de sucesso encontradas.

Sujeitos e métodos

Entre 2009 e 2012, foram submetidos ao cateterismo bilateral dos SPI 14 pacientes com suspeita de síndrome de Cushing, sendo descrita a técnica empregada para o cateterismo e para a análise hormonal.

Resultados

O procedimento foi bem tolerado por todos os pacientes, sendo alcançada a cateterização adequada dos SPI em 92,85% dos casos. O diagnóstico de doença de Cushing foi firmado em 10 casos, sendo o resultado do cateterismo dos SPI após estímulo com CRH coerente em todos, não havendo falso-negativos.

Conclusão

O cateterismo dos SPI, apesar de ser uma técnica invasiva, é um procedimento seguro. A sua realização pode ser feita de forma adequada na maioria dos casos e, quando bem indicada, permanece como padrão-ouro na distinção da forma hipofisária da ectópica na síndrome de Cushing.

Síndrome de Cushing; cateterização; seios petrosos; ACTH


Objective

To describe and analyze technique for bilateral catheterization of inferior petrosal sinus in our service, discussing the difficulties and success rates found.

Subjects and methods

Fourteen patients with suspected Cushing’s syndrome underwent bilateral inferior petrosal sinuses (IPS) catheterization between 2009 and 2012. The technique for catheterization and for hormone analysis were described.

Results

The procedure was well tolerated by all patients, and adequate catheterization was achieved in 92.85% of cases. The diagnosis of Cushing’s disease was confirmed in 10 cases. The result of IPS catheterization after CRH infusion was coherent in all cases, without false negatives.

Conclusion

The catheterization of IPS, despite being an invasive technique, is a safe procedure. The objectives can be done properly in most cases. When well indicated, this procedure remains the gold standard in distinguishing the ectopic form to pituitary source in Cushing’s syndrome.

Cushing’s syndrome; catheterization; petrosal sinus; ACTH


INTRODUÇÃO

A avaliação do paciente com suspeita de síndrome de Cushing requer uma investigação diagnóstica sistemática. Após a confirmação da hipercortisolemia e da possível dependência do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), a origem da produção do ACTH deve ser determinada (1 Utz A, Biller BMK. The role of bilateral inferior petrosal sinus sampling in the diagnosis of Cushing’s syndrome. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007:51(8):1329-38.). As principais causas de síndrome de Cushing dependente de ACTH são os adenomas hipofisários, que, de acordo com estudo epidemiológico europeu recente, correspondem a mais de 60% dos casos. São seguidos pelos tumores ectópicos produtores de ACTH, relacionados à prevalência de 27% e, de maneira mais rara, pelos tumores ectópicos produtores de hormônio liberador de corticotropina (CRH) (2 Valassi E, Santos A, Yaneva M, Tóth M, Strasburger CJ, Chanson P, et al. The European Registry on Cushing’s syndrome: 2-year experience. Baseline demographic and clinical characteristics. Eur J Endocrinol. 2011;165(3):383-92.). A rotina diagnóstica deve ser cuidadosamente seguida diante da obrigatoriedade da ressecção tumoral para a obtenção da cura.

A presença de níveis elevados de ACTH na circulação sistêmica não fornece informações a respeito do local da produção deste (1 Utz A, Biller BMK. The role of bilateral inferior petrosal sinus sampling in the diagnosis of Cushing’s syndrome. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007:51(8):1329-38.). Com o intuito de localizar a origem da produção de ACTH, a sequência diagnóstica inclui, além dos testes de supressão hormonal, a realização de ressonância nuclear magnética (RNM) de hipófise (3 Ezzat S, Asa SL, Couldwell WT, Barr CE, Dodge WE, Vance ML, et al. The prevalence of pituitary adenomas: a systematic review. Cancer. 2004;101(3):613-9.). Conforme discussão recente realizada por Costenaro e cols., os pacientes com presença de lesão bem visualizada no exame de imagem hipofisária são considerados como tendo maior chance de remissão pós-operatória da doença (4 Costenaro F, Rodrigues TC, Rollin GAF, Czepielewski MA. Avaliação do eixo hipotálamo-hipófise adrenal no diagnóstico e na remissão da doença de Cushing. Arq Bras Endocrinol Metab. 2012;56(3):159-67.). Diante da impossibilidade da determinação da origem de ACTH, mesmo após investigação radiológica sistêmica, o cateterismo bilateral dos seios petrosos inferiores (SPI) torna-se necessário.

A complexidade da doença permite que, mesmo em situações em que a RNM de sela túrcica tenha identificado imagem hipofisária sugestiva de adenoma, investigação adicional seja realizada, já que lesões hipofisárias incidentais são relativamente comuns na população geral. Portanto, diante de lesões hipofisárias menores que 6 mm, não é possível assegurar que a hipófise seja a origem da hipersecreção de ACTH (3 Ezzat S, Asa SL, Couldwell WT, Barr CE, Dodge WE, Vance ML, et al. The prevalence of pituitary adenomas: a systematic review. Cancer. 2004;101(3):613-9.,5 Sharma ST, Raff H, Nieman LK. Prolactin as a marker of successful catheterization during IPSS in patients with ACTH-dependent Cushing’s syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(12):3687-94.). Teramoto propôs, em estudo que contou com a realização de autópsia em mil hipófises, que os achados incidentais podem levar a evidências falso-positivas em até 6,1% dos casos (6 Teramoto A, Hirakawa K, Sanno N, Osamura Y. Incidental pituitary lesions in 1,000 unselected autopsy specimens. Radiology. 1994;193(1):161-4.).

O cateterismo dos seios petrosos inferiores consiste no acesso retrógrado a esses seios por via venosa periférica, com o objetivo de colher amostras de sangue para dosagens hormonais (7 Puglia Jr P, Caldas JGMP, Barbosa LA, Sá Jr AT, Machado MC, Salgado LR. Cateterização dos seios petrosos inferiores – Aspectos técnicos. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52(4):692-6.). Por meio desse procedimento é possível diferenciar as formas hipofisárias daquelas ectópicas de secreção do ACTH, assim como identificar a eventual lateralidade em caso de tumores hipofisários não identificados em exames de imagem. Essa diferenciação é fundamentada na premissa de que a hipersecreção de ACTH pela hipófise leva a uma elevação dos níveis desse hormônio no leito venoso de drenagem da glândula, incluindo assim o seio petroso inferior (8 Oliverio PJ, Monsein LH, Wand GS, Debrun GM. Bilateral simultaneous cavernous sinus sampling using corticotropin-releasing hormone in the evaluation of Cushing disease. AJNR Am J Neuroradiol. 1996;17:1669-74.).

O cateterismo bilateral do seio petroso inferior é considerado padrão-ouro na diferenciação das causas de síndrome de Cushing dependentes de ACTH. Além disso, a presença de diferença dos níveis hormonais entre o seio direito e esquerdo pode auxiliar na localização do microadenoma hipofisário, permitindo, em situações selecionadas, a realização de hemi-hipofisectomia (9 Boolell M, Gilford E, Arnott R, McNeill P, Cummins J, Alford F. An overview of bilateral synchronous inferior petrosal sinus sampling (BSIPSS) in the pre-operative assessment of Cushing’s disease. Aust N Z J Med. 1990;20(6):765-70.).

Contudo, a acurácia do cateterismo dos SPI depende do adequado posicionamento do cateter, não sendo realizado em todos os centros com a mesma eficácia (1010  Shiu PC, Hanafee WN, Wilson GH, Rand RW. Cavernous sinus venography. AJR Am J Roentgenol. 1968;140:57-62.). Por ser um procedimento invasivo, a cateterização dos seios petrosos inferiores é indicada apenas em casos selecionados (7 Puglia Jr P, Caldas JGMP, Barbosa LA, Sá Jr AT, Machado MC, Salgado LR. Cateterização dos seios petrosos inferiores – Aspectos técnicos. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52(4):692-6.).

As complicações próprias do procedimento são incomuns, mas potencialmente graves, incluindo trombose dos seios petrosos inferiores (1111  Sturrock N, Jeffcoate W. A neurological complication of inferior petrosal sinus sampling during investigation for Cushing’s disease: a case report. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1997;62:527-8.), lesão do tronco cerebral, isquemia da junção pontocerebelar (1212  Miller D, Doppman J, Peterman S, Nieman L, Oldfield E, Chang R. Neurologic complications of petrosal sinus sampling. Radiology. 1992;185:143-7.), lesão de nervos cranianos (1313  Lefournier V, Gatta B, Martinie M, Vasdev A, Tabarin A, Bessou P, et al. One transient neurological complication (sixth nerve palsy) in 166 consecutive inferior petrosal sinus samplings for the etiological diagnosis of Cushing’s syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 1999;84:3401-2.), hemorragia subaracnóidea e hidrocefalia obstrutiva (1414  Bonelli FS, Huston III J, Meyer FB, Carpenter PC. Venous subarachnoid hemorrhage after inferior petrosal sinus sampling for adrenocorticotropic hormone. AJNR Am J Neuroradiol. 1999;20:306-7.).

O objetivo deste estudo é descrever e analisar a técnica empregada para a cateterização bilateral dos seios petrosos inferiores no Serviço de Neurocirurgia Endovascular da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, discutindo as dificuldades e as taxas de sucesso encontradas. A discussão também aborda a avaliação do perfil hormonal encontrado nos pacientes submetidos ao procedimento e a confrontação com os achados dos exames de imagem.

SUJEITOS E MÉTODOS

Amostra

Entre abril de 2009 e julho de 2012 foram submetidos ao cateterismo bilateral dos SPI 14 pacientes com suspeita de síndrome de Cushing. Os pacientes foram acompanhados pelo Serviço de Endocrinologia da Santa Casa de São Paulo e encaminhados ao cateterismo dos SPI após evidência de hipercortisolismo dependente de ACTH e imagens de RM de hipófise normais ou inconclusivas.

Cateterismo dos seios petrosos inferiores

Os pacientes foram avaliados previamente à realização do procedimento quanto à função renal e da coagulação. Durante o procedimento todos os pacientes receberam anticoagulação sistêmica endovenosa com 110 UI/kg de heparina não fracionada.

Os pacientes foram posicionados em posição supina na mesa de fluoroscopia e submetidos à anestesia local para punção das veias femorais bilateralmente pela técnica de Seldinger (1515  Seldinger SI. Catheter replacement of the needle in percutaneous arteriography. Acta Radiol. 1953;39:368-76.), usando fio-guia hidrofílico 0,035. Foram utilizados introdutores valvulados 5F para permitir a coleta de amostras de sangue periférico. Posteriormente, cateteres pré-moldados Head Hunter 4F eram avançados sobre os fios-guia bilateralmente até as veias jugulares internas direita e esquerda.

A cateterização dos SPI foi realizada com o conjunto cateter/fio-guia sob visualização radiológica (Figura 1). Posteriormente, o posicionamento do cateter nos SPI era confirmado pela injeção de contraste iodado com o intuito de se realizar a venografia retrógrada, permitindo a visualização dos seios cavernosos, intercavernosos e petroso inferior contralateral (Figura 2). A posição dos cateteres foi confirmada nas projeções anteroposterior e perfil pela injeção manual de contraste. Do ponto de vista radiológico, o sucesso técnico do cateterismo bilateral dos SPI consistiu no posicionamento do cateter nos SPI com refluxo sanguíneo suficiente para a coleta.

Figura 1
Cateterização do SPI esquerdo. Imagem em projeção posteroanterior.

Figura 2
Cateterização do SPI direito com venografia retrógrada – Imagem em projeção posteroanterior.

Após adequado posicionamento dos cateteres, amostras sanguíneas simultâneas eram colhidas dos três pontos distintos (SPI direito, SPI esquerdo, periferia). Posteriormente às coletas basais, procedia-se a infusão in bolus de CRH (Peninsula Laboratories, CA, USA) na dose de 1 mcg/kg e coletavam-se novas amostras depois de 1, 3 e 5 minutos da infusão nos 3 pontos previamente descritos. Após a última coleta, os introdutores vasculares eram retirados e realizadas compressões manuais para hemostasia por 15 minutos. A análise foi feita por SPI contemplando nos dados já existentes um total de 28 SPI nos 14 pacientes envolvidos.

Análise hormonal

As medidas simultâneas dos SPI e periférica foram usadas para os cálculos dos gradientes. Das medidas de ACTH após estímulo com CRH, foi usada para a interpretação clínica aquela com o maior gradiente central/periférico (1616  Oldfield EH, Doppman JL, Nieman LK, Chrousos GP, Miller DL, Katz DA, et al. Petrosal sinus sampling with and without corticotropin-releasing hormone for the differential diagnosis of Cushing’s syndrome. N Engl J Med. 1991;325:897-905.). De acordo com a maior casuística de cateterismo bilateral dos SPI, já estabelecida como critério diagnóstico da origem central (hipofisária) de ACTH, foram considerados gradientes basais central/periférico ≥ 2.0 ou pós-estímulo com CRH ≥ 3.0 como indicativos de origem hipofisária (1212  Miller D, Doppman J, Peterman S, Nieman L, Oldfield E, Chang R. Neurologic complications of petrosal sinus sampling. Radiology. 1992;185:143-7.). Para determinação da presença de gradiente interpetroso entre os SPI (lateralização), foi considerado um gradiente ≥ 1.4 entre os SPI antes ou após estímulo com CRH, sendo os casos com gradiente < 1.4 considerados como indicativos de lesões em linha média (1616  Oldfield EH, Doppman JL, Nieman LK, Chrousos GP, Miller DL, Katz DA, et al. Petrosal sinus sampling with and without corticotropin-releasing hormone for the differential diagnosis of Cushing’s syndrome. N Engl J Med. 1991;325:897-905.).

Além da mensuração do ACTH nas amostras sanguíneas dos SPI e periférica, também foram realizadas medidas dos níveis de prolactina nos mesmos locais e tempo após a infusão do CRH. A mensuração da prolactina vem sendo defendida como forma de avaliar o bom posicionamento do cateter durante a cateterização dos SPI. A razão da prolactina foi calculada com as dosagens basais de prolactina entre os SPI e a periferia, sendo usado o SPI ipsilateral ao maior gradiente de ACTH SPI/periférico após estímulo com CRH. Valores acima de 1.8 foram considerados como indicativos de cateterização adequada (5 Sharma ST, Raff H, Nieman LK. Prolactin as a marker of successful catheterization during IPSS in patients with ACTH-dependent Cushing’s syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(12):3687-94.,1616  Oldfield EH, Doppman JL, Nieman LK, Chrousos GP, Miller DL, Katz DA, et al. Petrosal sinus sampling with and without corticotropin-releasing hormone for the differential diagnosis of Cushing’s syndrome. N Engl J Med. 1991;325:897-905.).

A análise hormonal não foi realizada nos casos em que a cateterização dos SPI não foi possível. O método laboratorial para a análise hormonal foi a quimioluminescência. O valor de referência para o ACTH variou entre 7,2 e 63,3 pg/L e, para a prolactina, até 31 mcg/L para o sexo feminino e 24 mcg/L para o sexo masculino.

Os dados obtidos foram incluídos em planilhas e apresentados em forma descritiva e tabelas. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa em seres humanos da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

RESULTADOS

O procedimento foi bem tolerado por todos os pacientes. Nenhum paciente apresentou cefaleia ou outro tipo de complicação clínica grave relacionada à intervenção. Considerando as evidências radiológicas, os SPI foram seletivamente cateterizados em 26 (92,85%) de 28 possíveis. Os insucessos se devem à impossibilidade de progressão do conjunto cateter/fio-guia para os SPI bilateralmente em uma paciente de 62 anos, com realização da coleta de amostras apenas na veia jugular interna direita, não tendo sido possível a cateterização da veia jugular interna esquerda. A tabela 1 descreve idade, sexo e características laboratoriais do cateterismo de SPI.

Tabela 1
Idade, sexo, perfil hormonal e radiológico dos pacientes submetidos à cateterização dos seios petrosos inferiores (SPI)

Quando se considera a prolactina como marcador da adequada cateterização dos SPI durante a coleta das amostras hormonais, observa-se que a razão de prolactina entre os SPI e a periferia foi menor que 1,8 em 3 (11,5%) dos 26 possíveis, sendo dois no SPI esquerdo e um no direito (Tabela 1).

Quanto às dosagens dos níveis de ACTH, os resultados mostram que o gradiente SPI/periferia após estímulo com CRH foi maior que 3.0 em todos os casos em que foi diagnosticado adenoma hipofisário. Nas situações em que a fonte ectópica de ACTH foi diagnosticada, o gradiente SPI/periferia foi menor que 3.0 nas duas ocasiões (Tabela 1).

Dos 14 pacientes que realizaram o procedimento diagnóstico, 10 possuíam doença de Cushing. Em dois casos foram constatadas fontes ectópicas de produção de ACTH. A síndrome de Cushing foi excluída em dois casos (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Descrição anatômica detalhada dos SPI foi proposta por Miller e cols. em 1991, sendo constatado que, na maior parte dos indivíduos, cada SPI se estreita progressivamente até se tornar uma veia que se junta então à veia jugular interna (1818  Miller D, Doppman J. Petrosal sinus sampling: technique and rationale. Radiology. 1991;178:37-47.). Entretanto, observou-se que cerca de 25% das pessoas têm a drenagem venosa dos SPI representada por plexos venosos, que também chegam à jugular interna (1818  Miller D, Doppman J. Petrosal sinus sampling: technique and rationale. Radiology. 1991;178:37-47.). Em uma quantidade reduzida dos indivíduos, que pode alcançar até 7% do total, não há comunicação entre o SPI e a veia jugular interna, sendo o plexo venoso cervical profundo sede dessa drenagem venosa, impossibilitando assim o cateterismo dos SPI (1010  Shiu PC, Hanafee WN, Wilson GH, Rand RW. Cavernous sinus venography. AJR Am J Roentgenol. 1968;140:57-62.,1818  Miller D, Doppman J. Petrosal sinus sampling: technique and rationale. Radiology. 1991;178:37-47.).

A adequada cateterização dos SPI é influenciada pela experiência da equipe, sendo um procedimento operador-dependente. O hábito da realização da venografia retrógrada, com a visualização de fluxo no seio cavernoso contralateral, tanto antes como após a coleta das amostras, deve fazer parte da rotina angiográfica, sendo considerado critério para a caracterização do posicionamento adequado do cateter (1818  Miller D, Doppman J. Petrosal sinus sampling: technique and rationale. Radiology. 1991;178:37-47.). A frequência da boa cateterização varia entre os grupos, sendo relatadas taxas de sucesso de 62,5% a 100% em diferentes publicações (1010  Shiu PC, Hanafee WN, Wilson GH, Rand RW. Cavernous sinus venography. AJR Am J Roentgenol. 1968;140:57-62.,1616  Oldfield EH, Doppman JL, Nieman LK, Chrousos GP, Miller DL, Katz DA, et al. Petrosal sinus sampling with and without corticotropin-releasing hormone for the differential diagnosis of Cushing’s syndrome. N Engl J Med. 1991;325:897-905.,1919  Kaltsas GA, Giannulis MG, Newell-Price JD, Dacie JE, Thakkar C, Afshar F, et. al. A critical analysis of the value of simultaneous inferior petrosal sinus sampling in Cushing’s disease and the occult ectopic adrenocorticotropin syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 1999;84:487-92.,2020  Ferrer MD, Fajardo C, Esteban E, Cosín O, Valldecabres C, Reig M. Cateterización bilateral de los senos petrosos inferiores: Utilidad em el síndrome de Cushing. Rev Colomb Radiol. 2010;21(1):2837-41.). Em estudo retrospectivo contando com 128 pacientes, Kaltsas e cols. observaram, entre 1985 e 1997, melhora acentuada das taxas de sucesso da cateterização dos SPI (1919  Kaltsas GA, Giannulis MG, Newell-Price JD, Dacie JE, Thakkar C, Afshar F, et. al. A critical analysis of the value of simultaneous inferior petrosal sinus sampling in Cushing’s disease and the occult ectopic adrenocorticotropin syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 1999;84:487-92.). A presente casuística, fundamentada nas técnicas descritas e na experiência da equipe envolvida, atingiu índice satisfatório de cateterismo seletivo com 92,85% de sucesso radiológico.

Quando se analisa a prolactina como marcador de cateterização bem-sucedida, observa-se que 11,5% dos cateterismos considerados adequados pelos critérios radiológicos foram classificados como inadequados no ponto de vista funcional. A mensuração da prolactina durante o cateterismo dos SPI vem sendo advogada como marcador de sucesso do procedimento. O uso dessa ferramenta baseia-se no fato de a prolactina ser o hormônio hipofisário mais abundante e de a localização normal dos lactotrófos na hipófise anterior não ser a mesma dos cortitrófos, tornando-a uma referência hormonal confiável (5 Sharma ST, Raff H, Nieman LK. Prolactin as a marker of successful catheterization during IPSS in patients with ACTH-dependent Cushing’s syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(12):3687-94.). Além disso, a prolactina não estaria sujeita à supressão causada pela hipercortisolemia no contexto clínico da síndrome de Cushing como pode ocorrer com o GH e o TSH (2121  Doppman JL, Krudy AG, Girton ME, Oldfield EH. Basilar venous plexus of the posterior fossa: a potential source of error in petrosal sinus sampling. Radiology. 1985;155:375-8.). Os níveis de prolactina no SPI verificariam a fidelidade da drenagem venosa hipofisária cuja amostra foi coletada. Portanto, não estaria relacionada apenas a aspectos técnicos da cateterização, mas também a situações como drenagem venosa anômala, localização incomum do adenoma hipofisário e diluição da drenagem venosa dos SPI por fontes não hipofisárias (2222  Findling JW, Kehoe ME, Raff H. Identification of patients with Cushing’s disease with negative pituitary adrenocorticotropin gradients during inferior petrosal sinus sampling: prolactin as an index of pituitary venous effluent. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(12):6005-9.).

O gradiente interpetroso foi analisado em todos os casos em que a cateterização dos SPI foi alcançada. A correlação com a localização do adenoma pôde ser feita apenas nas situações em que a RNM mostrou imagem hipofisária, pela indisponibilidade de dados intraoperatórios. Desse modo, constatou-se nas duas ocasiões em que a doença de Cushing se anunciou com evidências imagenológicas, ambas à direita, que a lateralização foi coerente, mostrando assim maiores níveis de ACTH no SPI direito com razão > 1.4. Entretanto, a confiabilidade da lateralização para a programação cirúrgica deve ser interpretada com cuidado, sendo acurácia para a localização do adenoma de 50% a 100% (2323  Newell-Price J, Trainer P, Besser M, Grossman A. The diagnosis and differential diagnosis of Cushing’s syndrome and pseudo-Cushing’s states. Endocr Rev. 1998;19:647-72.). A análise incorreta pode ser explicada por variações anatômicas e pela drenagem venosa hipofisária assimétrica, que pode ocorrer em até 40% dos indivíduos (2424  Lefournier V, Martinie M, Vasdev A, Bessou P, Passagia J-G, Labat-Moleur F, et al. Accuracy of bilateral inferior petrosal or cavernous sinuses sampling in predicting the lateralization of Cushing’s disease pituitary microadenoma: influence of catheter position and anatomy of venous drainage. J Clin Endocrinol Metab. 2003;88:196-203.). Assim, propõe-se que a lateralização seja valorizada nas situações em que o gradiente seja > 1,4 e a visualização angiográfica possa inferir a respeito da simetria da drenagem venosa pelos SPI (1 Utz A, Biller BMK. The role of bilateral inferior petrosal sinus sampling in the diagnosis of Cushing’s syndrome. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007:51(8):1329-38.).

A síndrome de Cushing decorrente de adenoma hipofisário foi vista em 10 casos, sendo o diagnóstico firmado após laudo anatomopatológico. Em todos os casos de doença de Cushing, o gradiente de ACTH central/periférico foi coerente, mostrando valores maiores que 3.0 após o estímulo com CRH. Portanto, na casuística apresentada não ocorreu falso-negativo na determinação da origem central da hipersecreção de ACTH após a infusão de CRH. Nas situações em que a fonte de ACTH foi ectópica ou em que a doença estivesse inativa, o gradiente de ACTH central/periférico foi condizente ao diagnóstico mostrando valores menores que 3.0 pós-CRH.

Quando se analisou o gradiente de ACTH central/periférico no estado basal nos pacientes portadores de doença de Cushing, houve resultado falso-negativo em uma situação, com gradiente < 2,0. Nesse paciente, a cateterização foi previamente considerada inadequada, tanto do ponto de vista funcional quanto radiológico (caso 4). Portanto, excluindo-se esse caso, as evidências obtidas após análise do gradiente central/periférico foram similares comparando-se os achados basais com os pós-infusão de CRH.

Diagnóstico errôneo ocorreu em uma ocasião na forma de falso-positivo (caso 3), sendo o gradiente de ACTH central/periférico, tanto em níveis basais como pós-CRH, sugestivo de produção hipofisária em uma paciente que a síndrome de Cushing foi posteriormente excluída. As razões que explicam esse resultado baseiam-se no conceito de que, para o sucesso da interpretação hormonal do cateterismo dos SPI, os corticotrófos hipofisários devem estar suprimidos pela hipercortisolemia prolongada própria da síndrome de Cushing. Esse contexto hormonal previne a liberação de ACTH pelos corticotrófos após o estímulo com CRH e assegura que o ACTH medido tenha sido secretado pelo tecido neoplásico. Dessa forma, indivíduos normais e sem hipercortisolemia podem possuir gradiente de ACTH central/periférico indicativo de doença de Cushing (2525  Yanovski JA, Cutler GB Jr, Doppman JL, Miller DL, Chrousos GP, Oldfield EH, et al. The limited ability of inferior petrosal sinus sampling with corticotropin-releasing hormone to distinguish Cushing’s disease from pseudo-Cushing states or normal physiology. J Clin Endocrinol Metab. 1993;77:503-9.). Esses dados vêm ao encontro com o fato de o cateterismo dos SPI ser considerado o teste padrão-ouro, mas que deve ser feito apenas na fase final da avaliação. Este não deve ser realizado antes da correta constatação laboratorial da hipercortisolemia, podendo inclusive, como exemplificado, levar a falsos resultados e até a eventual realização de cirurgias desnecessárias. Cabe ainda a observação de que, no caso do pseudoCushing, a avaliação da cateterização dos SPI pelos níveis de prolactina mostrou-se adequada, não trazendo indícios do falso-positivo, suscitando questionamentos a respeito da aplicabilidade do método. Sharma e cols. propuseram que a prolactina serve como ferramenta para interpretação de falso-negativos, sendo desnecessária quando o cateterismo já sugere o diagnóstico de doença de Cushing ou diante de falso-positivos. A racional dessa linha fundamenta-se nas situações em que o gradiente de ACTH central/periférico indicaria origem ectópica, mas que a amostra central não seria fidedigna à drenagem venosa hipofisária, sendo a razão da prolactina central/periférica instrumento da avaliação dessa fidedignidade (5 Sharma ST, Raff H, Nieman LK. Prolactin as a marker of successful catheterization during IPSS in patients with ACTH-dependent Cushing’s syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(12):3687-94.). Observações feitas na própria angiografia podem sugerir alterações da drenagem venosa hipofisária, aumentando assim a importância da medida dos níveis de prolactina para a correta interpretação do exame nessa situação (1717  Findling JW, Kehoe ME, Raff H. Identification of patients with Cushing’s disease with negative pituitary adrenocorticotropin gradients during inferior petrosal sinus sampling: prolactin as an index of pituitary venous effluent. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89:6005-9.).

Em conclusão, o cateterismo dos SPI, apesar de ser uma técnica invasiva, é um procedimento seguro e bem tolerado pela maior parte dos pacientes. Pode ser feito de forma adequada na maioria dos casos, devendo os critérios de seleção, incluindo hipercortisolismo vigente, ser respeitados. Quando bem indicado e realizado por equipe experiente, o cateterismo dos SPI permanece atualmente como teste padrão-ouro para a diferenciação entre as formas hipofisárias e ectópicas de síndrome de Cushing ACTH dependente.

Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse científico neste estudo. A realização deste estudo não foi subsidiada por bolsa de apoio à pesquisa, tendo sido realizada por meio de dados obtidos durante o seguimento de pacientes na Santa Casa de São Paulo.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Utz A, Biller BMK. The role of bilateral inferior petrosal sinus sampling in the diagnosis of Cushing’s syndrome. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007:51(8):1329-38.
  • 2
    Valassi E, Santos A, Yaneva M, Tóth M, Strasburger CJ, Chanson P, et al. The European Registry on Cushing’s syndrome: 2-year experience. Baseline demographic and clinical characteristics. Eur J Endocrinol. 2011;165(3):383-92.
  • 3
    Ezzat S, Asa SL, Couldwell WT, Barr CE, Dodge WE, Vance ML, et al. The prevalence of pituitary adenomas: a systematic review. Cancer. 2004;101(3):613-9.
  • 4
    Costenaro F, Rodrigues TC, Rollin GAF, Czepielewski MA. Avaliação do eixo hipotálamo-hipófise adrenal no diagnóstico e na remissão da doença de Cushing. Arq Bras Endocrinol Metab. 2012;56(3):159-67.
  • 5
    Sharma ST, Raff H, Nieman LK. Prolactin as a marker of successful catheterization during IPSS in patients with ACTH-dependent Cushing’s syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 2011;96(12):3687-94.
  • 6
    Teramoto A, Hirakawa K, Sanno N, Osamura Y. Incidental pituitary lesions in 1,000 unselected autopsy specimens. Radiology. 1994;193(1):161-4.
  • 7
    Puglia Jr P, Caldas JGMP, Barbosa LA, Sá Jr AT, Machado MC, Salgado LR. Cateterização dos seios petrosos inferiores – Aspectos técnicos. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52(4):692-6.
  • 8
    Oliverio PJ, Monsein LH, Wand GS, Debrun GM. Bilateral simultaneous cavernous sinus sampling using corticotropin-releasing hormone in the evaluation of Cushing disease. AJNR Am J Neuroradiol. 1996;17:1669-74.
  • 9
    Boolell M, Gilford E, Arnott R, McNeill P, Cummins J, Alford F. An overview of bilateral synchronous inferior petrosal sinus sampling (BSIPSS) in the pre-operative assessment of Cushing’s disease. Aust N Z J Med. 1990;20(6):765-70.
  • 10
    Shiu PC, Hanafee WN, Wilson GH, Rand RW. Cavernous sinus venography. AJR Am J Roentgenol. 1968;140:57-62.
  • 11
    Sturrock N, Jeffcoate W. A neurological complication of inferior petrosal sinus sampling during investigation for Cushing’s disease: a case report. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1997;62:527-8.
  • 12
    Miller D, Doppman J, Peterman S, Nieman L, Oldfield E, Chang R. Neurologic complications of petrosal sinus sampling. Radiology. 1992;185:143-7.
  • 13
    Lefournier V, Gatta B, Martinie M, Vasdev A, Tabarin A, Bessou P, et al. One transient neurological complication (sixth nerve palsy) in 166 consecutive inferior petrosal sinus samplings for the etiological diagnosis of Cushing’s syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 1999;84:3401-2.
  • 14
    Bonelli FS, Huston III J, Meyer FB, Carpenter PC. Venous subarachnoid hemorrhage after inferior petrosal sinus sampling for adrenocorticotropic hormone. AJNR Am J Neuroradiol. 1999;20:306-7.
  • 15
    Seldinger SI. Catheter replacement of the needle in percutaneous arteriography. Acta Radiol. 1953;39:368-76.
  • 16
    Oldfield EH, Doppman JL, Nieman LK, Chrousos GP, Miller DL, Katz DA, et al. Petrosal sinus sampling with and without corticotropin-releasing hormone for the differential diagnosis of Cushing’s syndrome. N Engl J Med. 1991;325:897-905.
  • 17
    Findling JW, Kehoe ME, Raff H. Identification of patients with Cushing’s disease with negative pituitary adrenocorticotropin gradients during inferior petrosal sinus sampling: prolactin as an index of pituitary venous effluent. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89:6005-9.
  • 18
    Miller D, Doppman J. Petrosal sinus sampling: technique and rationale. Radiology. 1991;178:37-47.
  • 19
    Kaltsas GA, Giannulis MG, Newell-Price JD, Dacie JE, Thakkar C, Afshar F, et. al. A critical analysis of the value of simultaneous inferior petrosal sinus sampling in Cushing’s disease and the occult ectopic adrenocorticotropin syndrome. J Clin Endocrinol Metab. 1999;84:487-92.
  • 20
    Ferrer MD, Fajardo C, Esteban E, Cosín O, Valldecabres C, Reig M. Cateterización bilateral de los senos petrosos inferiores: Utilidad em el síndrome de Cushing. Rev Colomb Radiol. 2010;21(1):2837-41.
  • 21
    Doppman JL, Krudy AG, Girton ME, Oldfield EH. Basilar venous plexus of the posterior fossa: a potential source of error in petrosal sinus sampling. Radiology. 1985;155:375-8.
  • 22
    Findling JW, Kehoe ME, Raff H. Identification of patients with Cushing’s disease with negative pituitary adrenocorticotropin gradients during inferior petrosal sinus sampling: prolactin as an index of pituitary venous effluent. J Clin Endocrinol Metab. 2004;89(12):6005-9.
  • 23
    Newell-Price J, Trainer P, Besser M, Grossman A. The diagnosis and differential diagnosis of Cushing’s syndrome and pseudo-Cushing’s states. Endocr Rev. 1998;19:647-72.
  • 24
    Lefournier V, Martinie M, Vasdev A, Bessou P, Passagia J-G, Labat-Moleur F, et al. Accuracy of bilateral inferior petrosal or cavernous sinuses sampling in predicting the lateralization of Cushing’s disease pituitary microadenoma: influence of catheter position and anatomy of venous drainage. J Clin Endocrinol Metab. 2003;88:196-203.
  • 25
    Yanovski JA, Cutler GB Jr, Doppman JL, Miller DL, Chrousos GP, Oldfield EH, et al. The limited ability of inferior petrosal sinus sampling with corticotropin-releasing hormone to distinguish Cushing’s disease from pseudo-Cushing states or normal physiology. J Clin Endocrinol Metab. 1993;77:503-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2014
  • Aceito
    18 Maio 2014
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Rua Botucatu, 572 - conjunto 83, 04023-062 São Paulo, SP, Tel./Fax: (011) 5575-0311 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: abem-editoria@endocrino.org.br