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"Fadenoperation": origens do nome e do princípio mecânico

RELATOS CURTOS

"Fadenoperation" - origens do nome e do princípio mecânico

Carlos R. Souza-Dias

Cüppers, durante o II Congresso do I.S.A. (International Strabismological Association), realizado em 1974 no navio "Cabo San Vicente", no Mediterrâneo, ao qual tive a oportunidade de estar presente, propôs uma técnica cirúrgica para debilitar os músculos retos, que denominou fadenoperation 1, nome que se traduz em português por "operação dos fios". A técnica consta da colocação de suturas, ancorando o corpo muscular à esclera, a uma determinada distância da sua inserção escleral, com a finalidade de, encurtando o arco de contacto, produzir uma "paresia artificial" do músculo.

von Noorden propôs, para essa operação, o nome "posterior fixation suture" ou "retropexy" 2. Nós propusemos o nome "mio-escleropexia retroequatorial", por ser mais descritivo 4.

Cüppers apresentou a sua proposta sob o título "the so-called fadenoperation" 1, motivo pelo qual tradicionalmente se crê que o nome e a técnica operatória foram propostos por ele. Contudo, von Graefe, já em 1863, descrevia uma técnica operatória a que chamou fadenoperation, segundo de Wecker & Landolt 6. Sauvineau, em seu capítulo "Le Strabisme" do livro editado por Lagrange & Valude, em 1909 5, assim descreve a operação de von Graefe (tradução do francês pelo autor):

"O avançamento muscular foi imaginado por Jules Guérin, para curar o estrabismo divergente secundário a uma tenotomia mal sucedida (1849). Essa operação consistia em buscar o músculo seccionado, busca quase sempre laboriosa. Após tomar o músculo, fixava-se-o à sua nova posição por uma sutura colocada na espessura da esclerótica.

Esse procedimento foi realizado até 1863. Nessa época, "de Graefe" (sic), temendo com razão o traumatismo escleral, reinseria o músculo por detrás da conjuntiva; mas o ponto de apoio era muito frágil e, para que a nova inserção se fizesse, ele imaginou um procedimento curioso, conhecido sob o nome de operação do fio (fadenoperation).

Em primeiro lugar, para diminuir a tração do antagonista, ele praticava neste uma pequena tenotomia; depois, passava uma sutura no tendão a avançar, junto à esclerótica, e seccionava o músculo acima desse fio, o qual ficava unido ao globo por uma estreita lingüeta remanescente do tendão. Depois, tracionava o tendão para a frente, suturava-o à conjuntiva e, para que o fio ficasse aderente ao globo, puxava-o de modo a aproximar a córnea da extremidade do músculo a avançar. Para manter o olho em seu lugar, ele o fixava ao nariz e deixava-o nessa posição durante muitos dias, até que as novas aderências do músculo avançado com o globo fossem suficientemente sólidas".

Sua explicação não é muito clara, mas a verdade é que von Graefe utilizava a sutura que ficava presa ao coto tendinoso, fixo à esclera, como sutura de tração, fixando o olho ao nariz. A fadenoperation de von Graefe não era mais que uma sutura de tração.

Em 1936, Luther C. Peter, na segunda edição do seu livro "The Extra-Ocular Muscles ¾ a Clinical Study of Normal and Abnormal Ocular Motility" 3, descreve uma técnica para "encurtar o arco de contacto de um músculo reto", diminuindo assim a sua força (tradução do inglês pelo autor):

"Encurtar o arco de contacto ¾ Um retrocesso oferece resultados diretamente, ao reinserir-se o músculo mais para trás no globo. O "fulcrum" (sic) é transladado para trás e a força do músculo é assim debilitada. Ao mesmo tempo, o arco de contacto sobre o olho é encurtado, fator de considerável importância. O autor tirou vantagem desse fato em estrabismos de pequeno ângulo e, especialmente, nas grandes exoforias sintomáticas, criando aderência do tendão do reto lateral à esclera, encurtando assim o arco de contacto e diminuindo a sua força, em casos, por exemplo, em que a insuficiência de convergência é manifesta enquanto a força de abdução é maior do que a normal. A insuficiência de convergência é corrigida por pregueamento do reto medial.

O encurtamento do arco de contacto é realizado segundo a seguinte técnica:

Uma incisão é feita verticalmente, distante da córnea. O músculo é cuidadosamente individualizado, sem lesar muito a cápsula de Tenon, deixando a bainha muscular intacta. A superfície escleral do tendão é ferida (roughened) por meio de um gancho de músculo, para provocar aderências 3 a 4 mm por detrás da inserção. Logo, duas suturas de catgut 000 de 10 dias são colocadas nas margens superior e inferior do tendão, de fora para dentro (fig. 1). Uma tomada tangencial escleral é feita, enquanto o músculo é puxado em sentido oposto ao da entrada das suturas. Ambas as suturas são introduzidas, uma através do terço inferior e a outra através do terço superior do tendão, passadas pela esclera e anodadas. Isto garante pontos de aderência 3 mm atrás da inserção, o que reduz a força de abdução do grupo externo de músculos, enquanto a convergência é aumentada pelo pregueamento do reto medial".


Essas descrições mostram que tanto o nome quanto o princípio da técnica de fadenoperation são bastante anteriores à proposta de Cüppers e que o conhecimento dos princípios mecânicos das operações oculomotoras não são tão recentes quanto se pode pensar. A única diferença entre a técnica de Peter e a de Cüppers é que este propôs uma ancoragem do músculo à esclera mais posterior do que Peter, o que pode ser considerado um aperfeiçoamento.

Livre Docente pela Universidade de São Paulo - Escola Paulista de Medicina e

Professor Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

  • 1
    Cüppers C. The so-called "Fadenoperation". Surgical correction by well defined changes of the arc of contact. In Second Congress of the I.S.A.. Difusion General de Librairie, Marseille 1974, p 395.
  • 2
    Noorden GK von. Posterior fixation suture in strabismus surgery. In Transactions of the New Orleans Academy of Ophthalmology. St. Louis, The CV Mosby Co 1990, p 485.
  • 3
    Peter LC. The Extraocular Muscles. A Clinical Study of Normal and Abnormal Ocular Motility, 2a ed., Philadelphia, Lea & Febiger 1936, pp 296-7.
  • 4
    Prieto-Díaz J, Souza-Dias C. Estrabismo, 3a ed. La Plata 1996, p 569.
  • 5
    Sauvineau M. Le Strabisme. In Encyclopedie Française D'Ophalmologie, Lagrange F, Valude E eds. Paris, Octave Doin et Fils, Editeurs 1909, p 233.
  • 6
    Wecker L de, Landolt E. Traité Complet D'Ophtalmologie. Paris, Adrien Delahaye et Émile.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jul 2010
  • Data do Fascículo
    Out 1999
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