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Descolamento ciliocoroidal e hipotonia causados por supressores do humor aquoso: síndrome da supersensibilidade aos supressores do humor aquoso

Ciliochoroidal detachment and hypotony following pharmacologic aqueous supressant: therapy supersensitivity syndrome secondary to aqueous humor supressants

Resumos

Os autores descrevem um caso de hipotonia e descolamento ciliocoroidal que ocorreu com administração de drogas supressoras do humor aquoso (timolol e acetazolamida) em paciente que havia sido submetido à trabeculectomia (3 meses antes). Por ser o 6° ou o 7° caso descrito na literatura, chamam atenção para esta rara "síndrome" que inclui a supersensibilidade do corpo ciliar aos supressores do HA, como causa de hipotonia e descolamento ciliocoroidal tardios em pacientes submetidos à cirurgia filtrante. Apresentam também um resumo dos casos encontrados na literatura.

Descolamento ciliocoroidal; Hipotonia; Supressores do humor aquoso; Trabeculectomia


The authors describe a case of hypotony and ciliochoroidal detachment following aqueous supressant therapy (timolol and acetazolamide) in filtered patients (3 months before). As this case is the 6th or the 7th case described in the literature, the authors call attention to this rare "syndrome" that includes the ciliary body supersensitivity secondary to pharmacologic aqueous supressant as cause of hypotony and ciliochoroidal detachment in previously filtered patients. The authors also summmarize the literature cases.

Ciliochoroidal detachment; Hypotony; Aqueous humor supressants; Trabeculectomy


RELATOS CURTOS

Descolamento ciliocoroidal e hipotonia causados por supressores do humor aquoso - síndrome da supersensibilidade aos supressores do humor aquoso

Ciliochoroidal detachment and hypotony following pharmacologic aqueous supressant - therapy supersensitivity syndrome secondary to aqueous humor supressants

Maria Rosa Bet de Moraes Silva (1 (1 ) Professor Assistente Doutor da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. (2 ) Mestre da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. )

Edson Nacib Jorge (2 (1 ) Professor Assistente Doutor da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. (2 ) Mestre da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. )

Silvana Artioli Schellini (1 (1 ) Professor Assistente Doutor da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. (2 ) Mestre da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. )

RESUMO

Os autores descrevem um caso de hipotonia e descolamento ciliocoroidal que ocorreu com administração de drogas supressoras do humor aquoso (timolol e acetazolamida) em paciente que havia sido submetido à trabeculectomia (3 meses antes). Por ser o 6° ou o 7° caso descrito na literatura, chamam atenção para esta rara "síndrome" que inclui a supersensibilidade do corpo ciliar aos supressores do HA, como causa de hipotonia e descolamento ciliocoroidal tardios em pacientes submetidos à cirurgia filtrante. Apresentam também um resumo dos casos encontrados na literatura.

Palavras-chave: Descolamento ciliocoroidal; Hipotonia; Supressores do humor aquoso; Trabeculectomia.

INTRODUÇÃO

O descolamento ciliocoroidal foi descrito por Zinn em 1755 1. Geralmente ocorre após cirurgia intraocular e está associado com inflamação e hipotonia. Pode também estar associado às inflamações oculares e doenças sistêmicas. A hipotonia pós-operatória tardia e o descolamento ciliocoroidal podem ser causados por: vazamento da vesícula filtrante, filtração excessiva, ciclodiálise inadvertida, descolamento de retina e iridociclite. Vela e Campbell (1985) 2, descreveram pela primeira vez a associação da hipotonia tardia e descolamento ciliocoroidal com uso de supressores do humor aquoso (timolol tópico e acetazolamida sistêmica) em pacientes com cirurgia filtrante prévia e chamaram a este quadro: síndrome da hipotonia secundária à supressão farmacológica do humor aquoso pós cirurgia filtrante. Após esta descrição apenas dois outros trabalhos na literatura mundial descreveram casos semelhantes e nenhum na literatura brasileira levantada.

Este trabalho teve por objetivos: 1) chamar a atenção para esta rara complicação que pode ocorrer com supressores do humor aquoso pós cirurgia filtrante que poderia não estar sendo diagnosticada como tal, 2) descrever mais um caso desta "síndrome" e 3) fazer revisão dos casos já descritos.

DESCRIÇÃO DO CASO

NY, 77 anos, masculino, raça amarela, portador de glaucoma de ângulo aberto em ambos os olhos (AO), submetido à trabeculectomia no olho esquerdo (OE) há 3 meses com PIO controlada sem medicação e vesícula funcionante. No olho direito (OD) estava fazendo uso de betaxolol (Betoptic), latanoprost (Xalatan) e dorzolamida (Trusopt) e apresentava pressão intra-ocular (PIO) de 36 mmHg. A escavação da papila era de 0,9 em ambos os olhos e o campo visual era tubular em AO. À gonioscopia apresentava ângulo aberto sem anormalidades em AO com esclerostomia interna patente no OE. Foi então indicada trabeculectomia no OD, trocado betaxolol por timolol e introduzida acetazolamida (1 comprimido de 6/6 horas) até a cirurgia. Retornou 15 dias após referindo embaçamento visual logo após a introdução da acetazolamida. Apresentava nesta data PIO de 18 e 2 mmHg no OD e OE respectivamente, vesícula plana, Seidel negativo, câmara anterior (CA) ausente no OE (presente apenas na área central) sem "flare" ou células e córnea clara. Negava trauma. Ao exame ultrassonográfico apresentou descolamento ciliocoroidal extenso nos setores nasal superior e inferior. A AV do OE, que era de 0,5, passou a ser movimentos de mão. Foi então suspensa a acetazolamida e refeita a CA com bolha de ar. No primeiro dia do pós-operatório (PO) a PIO do OE era de 8 mmHg e CA estava formada. No terceiro dia PO a PIO oscilava entre 0 e 2 mmHg e a CA anterior estava novamente ausente na periferia. O paciente foi submetido a 2 outros procedimentos sucessivamente: drenagem supracoroidal e colocação de metilose na CA. A CA só voltou a se formar e permanecer estável após o terceiro procedimento. A PIO era de 2 mmHg depois de 2 meses, a CA estava formada mas de menor profundidade em relação à do OD e o descolamento ciliocoroidal ao ultrassom era mínimo. Após 3 meses, a PIO de OE era de 26 mmHg e a CA formada e de profundidade normal.

O paciente negava qualquer doença sistêmica e referia ter usado timolol por algum tempo.

DISCUSSÃO

A hipotonia e descolamento ciliocoroidal por supersensibilidade aos supressores do humor aquoso em olhos com cirurgia filtrante prévia é extremamente rara (Liebmann et al., 1996) 3.

O caso que está sendo descrito assemelha-se aos 4 casos descritos por Vela & Campbell 1985 2, já que inclui hipotonia tardia associada ao descolamento ciliocoroidal grande, câmara anterior ausente na periferia em paciente submetido à cirurgia filtrante e com história de uso crônico de beta bloqueador ao qual foi administrada acetazolamida sistêmica.

Até a descrição destes autores, o diagnóstico diferencial da hipotonia tardia associada ao descolamento ciliocoroidal após cirurgia filtrante incluia: vazamento da vesícula, filtração excessiva, ciclodiálise inadvertida, descolamento de retina e iridociclite. Os autores incluiram a supressão farmacológica do humor aquoso em pacientes que usavam beta bloqueador tópico como nova causa de hipotonia tardia e descolamento ciliocoroidal e a chamaram "síndrome da hipotonia secundária à supressão farmacológica do H.A. que se segue a cirurgia filtrante em paciente com tratamento prévio com timolol".

O caso aqui descrito tem outras características comuns aos 4 casos descritos, o paciente era portador de glaucoma primário de ângulo aberto avançado e estava sob múltipla terapia que incluia timolol por algum tempo antes da cirurgia filtrante.

Em 1992, Geyer et al. 4 descreveram outro caso desta "síndrome". Estes autores observaram dois episódios recorrentes de hipotonia e descolamento coroidal com CA rasa em paciente com cirurgia filtrante prévia, do sexo feminino, de 64 anos e portadora de glaucoma primário de ângulo aberto que usara de timolol previamente à cirurgia. Os dois episódios ocorreram com a reintrodução do timolol 3 e 5 meses respectivamente após a cirurgia.

Burney et al. 5 descreveram em 1987, 7 casos (6 pacientes) com hipotonia e descolamento coroidal que ocorreram tardiamente após trabeculectomia (avaliaram 500 trabeculectomias), sem causa aparente. Quando analisamos a descrição destes 7 casos observamos no entanto, que todos apresentaram sinais inflamatórios e apenas 1 dos 7 referia ter usado supressor de humor aquoso (100 mg de metazolamida VO 2 vezes ao dia e timolol no olho contralateral). Os autores referiram melhora dos 7 casos com corticosteróides e cicloplégicos tópicos o que nos faz pensar em iridociclite como principal causa da hipotonia e descolamento coroidal nestes casos, exceto talvez o paciente que usou metazolamida que poderia estar apresentando esta "síndrome".

Dos 4 casos descritos por Vela e Campbell (1985), 3 eram de fistulizantes protegidas e 1 caso de fistulizante não protegida. Dos 4 casos, 3 tinham tido hipotonia e descolamento de coróide no pós-operatório imediato sendo que no outro também havia suspeita desta ocorrência. Isto não parece ter ocorrido com o presente caso, pois apesar de ter sido operado em outro serviço, referiu que a cirurgia ocorrera sem complicações.

Quanto às características de identificação, dos 4 pacientes descritos por Vela e Campbell (1985), 2 eram mulheres negras e 2 eram brancos, sendo 1 homem e 1 mulher e a idade dos pacientes variou de 67 a 82 anos. A paciente descrita por Geyer et al. (1992), era do sexo feminino, de 64 anos e não havia referência à raça. O paciente que apresentamos tinha 77 anos e era japonês. Assim esta "síndrome" parece ocorrer em pacientes idosos de ambos os sexos e de diferentes raças (Tabela 1).

Deve ser ressaltado que a hipotonia associada ao descolamento ciliocoroidal (1° episódio) que ocorreu nos 4 casos se manifestou após o uso só de timolol em 2 casos, após o uso só de acetazolamida em 1 caso e após ambos simultaneamente em 1 caso. Nosso caso manifestou a "síndrome" após o uso de ambas as medicações, sendo que o timolol tinha sido reintroduzido para substituir o betaxolol. No paciente descrito por Geyer et al. 1992, ocorreu apenas com a reintrodução do timolol.

O caso que está sendo descrito apresentou 1 episódio da "síndrome", mas dos 5 anteriormente descritos, 4 reapresentaram a síndrome após outras tentativas sucessivas de reintroduzir supressores do HA (o mesmo ou não) e sempre se resolveram após a suspensão da medicação sem ou com tratamento cirúrgico associados (Tabela 1).

Todos os fatores que poderiam levar à hipotonia e descolamento ciliocoroidal como vazamento da vesícula, filtração excessiva, ciclodiálise, inflamação e descolamento de retina não estavam presentes em nenhum dos casos descritos inclusive o nosso, reforçando assim a relação da hipotonia e descolamento ciliocoroidal causados por supressores do humor aquoso.

O tratamento para esta "síndrome" é a suspensão dos medicamentos que suprimem a produção do humor aquoso que costuma ser efetiva para resolver a hipotonia e o descolamento. No entanto, o tempo para que isso ocorra é muito variável, de 2 semanas à 6 meses (3 meses em nosso caso). A vesícula filtrante pode aplanar-se ou não. Apesar do sucesso do tratamento quanto à hipotonia e descolamento ciliocoroidal, em 2 casos da literatura a vesícula se aplanou, assim como em nosso caso.

O papel da acetazolamida, que também é usada como tratamento do descolamento ciliocoroidal parece assim paradoxal (causador do mesmo). Mas nos casos nos quais a acetazolamida está indicada como tratamento do descolamento ciliocoroidal, a causa deste costuma ser o vazamento excessivo de HA pela ferida, e a acetazolamida (por diminuição da produção do HA) levaria então à diminuição de fluxo de HA pela ferida, propiciando o fechamento da mesma e resolução do descolamento ciliocoroidal.

Quando Vela e Campbell (1985), descreveram a "síndrome", propuseram que a causa do grande descolamento ciliocoroidal seria a combinação da terapia prolongada com timolol, que tornaria o corpo ciliar susceptível à terapia com outro supressor farmacológico do humor aquoso e dano causado pela trabeculectomia (quando seguida de hipotonia e descolamento ciliocoroidal). O descolamento ciliocoroidal causaria estiramento das arteríolas do corpo ciliar causando isquemia. A isquemia mais o bloqueio beta, sensibilizariam o corpo ciliar. Deste modo a reintrodução do timolol e/ou acetazolamida levaria à dramática redução de produção do HA e consequentemente hipotonia. A síndrome se perpetuaria com o aumento do fluxo pela via uveoescleral que ocorre no descolamento ciliocoroidal até que a produção de HA pudesse retornar ao normal.

A susceptibilidade aos supressores do humor aquoso pode no entanto não ser permanente, já que 2 dos 4 casos até então descritos não a apresentaram quando foram reintroduzidos supressores do humor aquoso.

Apesar da supersensibilidade aos supressores do HA ser muito rara (este seria o 6° ou 7° caso da literatura) pode ser que estes casos que foram diagnosticados como tal sejam os casos muito dramáticos. Já tivemos oportunidade de observar hipotonia com uso de acetozolamida em pacientes submetidos à trabeculectomia mas sem descolamento ciliocoroidal. Talvez estes casos pudessem ser causados por supersensibilidade que se manifesta em menor grau, já que um descolamento cilicoroidal pequeno, só poderia ser diagnosticado apenas por biomicroscopia ultrassônica e a resolução seria espontânea.

Chamamos atenção para que em caso de hipotonia, descolamento ciliocoroidal e CA rasa em pós-operatório tardio de fistulizante deve-se sempre interrogar o paciente quanto ao uso de supressores do humor aquoso.

Pelo fato de termos hoje no mercado brasileiro, além da acetazolamida, outras duas drogas inibidoras da anidrase carbônica tópicas (dorzolamida e brinzolamida) para o tratamento do glaucoma, assim como outros betabloqueadores tópicos que poderiam causar a "síndrome", acreditamos que o risco de que a mesma possa ocorrer está aumentando. Desta forma a descrição deste caso e esta revisão poderão estar contribuindo para a identificação desta "síndrome" rara e/ou pouco diagnosticada.

SUMMARY

The authors describe a case of hypotony and ciliochoroidal detachment following aqueous supressant therapy (timolol and acetazolamide) in filtered patients (3 months before). As this case is the 6th or the 7th case described in the literature, the authors call attention to this rare "syndrome" that includes the ciliary body supersensitivity secondary to pharmacologic aqueous supressant as cause of hypotony and ciliochoroidal detachment in previously filtered patients. The authors also summmarize the literature cases.

Keywords: Ciliochoroidal detachment; Hypotony; Aqueous humor supressants; Trabeculectomy.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Wardrop J. Essays on the Morbid anatomy of the human eye, 2nd ed, London: A. Constable, 1819-20; vol.2:64-8. In: Vela MA, Campbell DG. Hypotony and ciliochoroidal detachment following pharmacologic aqueous supressant therapy in previously filtered patients. Ophthalmology 1985;92:50-7.

2. Vela MA, Campbell DG. Hypotony and ciliochoroidal detachment following pharmacologic aqueous supressant therapy in previously filtered patients. Ophthalmology 1985;92:50-7.

3. Liebmann JM, Sokol J, Ritch R. Management of chronic hypotomy after glaucoma filtration surgery. J Glaucoma 1996;5:210-20.

4. Geyer O, Neudorfer M, Lazar M. Recurrent choroidal detachment following timolol therapy in previously filtered eye. Acta Ophthal 1992;70:702-3.

5. Burney EN, Quigley HA, Robin AL. Hypotony and choroidal detachment as late complications of trabeculectomy. Am J Ophthalmol 1987;103:685-8.

Endereço para correspondência: Maria Rosa Bet de Moraes Silva. Dep. OFT/ORL/CCP - Faculdade de Medicina de Botucatu ¾ UnesP. Botucatu, São Paulo, Brasil. CEP 18618-000.

  • 1. Wardrop J. Essays on the Morbid anatomy of the human eye, 2nd ed, London: A. Constable, 1819-20; vol.2:64-8. In: Vela MA, Campbell DG. Hypotony and ciliochoroidal detachment following pharmacologic aqueous supressant therapy in previously filtered patients.
  • Ophthalmology 1985;92:50-7.
  • 2. Vela MA, Campbell DG. Hypotony and ciliochoroidal detachment following pharmacologic aqueous supressant therapy in previously filtered patients. Ophthalmology 1985;92:50-7.
  • 3. Liebmann JM, Sokol J, Ritch R. Management of chronic hypotomy after glaucoma filtration surgery. J Glaucoma 1996;5:210-20.
  • 4. Geyer O, Neudorfer M, Lazar M. Recurrent choroidal detachment following timolol therapy in previously filtered eye. Acta Ophthal 1992;70:702-3.
  • 5. Burney EN, Quigley HA, Robin AL. Hypotony and choroidal detachment as late complications of trabeculectomy. Am J Ophthalmol 1987;103:685-8.
  • (1
    ) Professor Assistente Doutor da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
    (2
    ) Mestre da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2000
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