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Ensino, medicina assistencial, hospitais públicos e administração empresarial: reflexões para um novo século

EDITORIAL

Ensino, Medicina Assistencial, Hospitais Públicos e Administração Empresarial. Reflexões para um novo século

Profs. Juarez de Queiroz Campos & Mauro Campos

Arquivos Brasileiros de Oftalmologia apresenta a seguir uma análise crítica da situação atual da Medicina nos aspectos da assistência ao doente e do ensino. Objetiva-se com isto promover a reflexão e o debate por parte daqueles profissionais envolvidos em todo o processo da prática médica, desde a atenção ao doente, diagnóstico e tratamento e o ensino médico.

Com muita freqüência costuma-se escutar "o padrão profissional do médico vem caindo assustadoramente", "o clínico geral é figura do passado", "qualquer diagnóstico implica em grande número de exames". O próprio paciente ao chegar ao consultório, antes da palavra final, sugere exames complementares de diagnóstico e tratamento.

Os Planos de Saúde cada vez mais, investem em auditorias médicas, controle e avaliação.

O número de Faculdades de Medicina voltou a crescer autorizadas mais por critérios políticos onde as reais necessidades da comunidade sejam sequer analisadas.

A rede hospitalar, com mais de 80% dos nosocômios de iniciativa privada lutam na plenitude de suas forças para uma sobrevivência digna.

Quase 40 milhões de brasileiros, à custa dos maiores sacrifícios, procuram se engajar nos Planos de Saúde como uma tábua de salvação.

A regulamentação das empresas de Medicina de Grupo caminha a passos muito lentos.

Com a complexidade dos serviços médicos que engloba uma série de combinações quase infinita, os órgãos fiscalizadores e associativos não conseguem criar parâmetros definidores de diretrizes e procedimentos capazes de reduzir abusos de profissionais desinformados, despreparados e desajustados, justificando suas atitudes como a luta pela sobrevivência.

Os custos médico-hospitalares se elevam em níveis acima da inflação oficial.

As verbas do SUS são insuficientes e mal administradas gerando verdadeiras castas no manuseio das AIHs, de pacientes e procedimentos fantasmas.

O Poder Público ao constatar a impossibilidade de enfrentar o problema tenta sair a todo o custo e qualquer preço da prestação de assistência diretamente à população, terceirizando serviços sem paralelamente instituírem medidas de avaliação dos cuidados efetivamente prestados.

No governo Covas, alguns hospitais construídos, equipados e instalados pelo Estado foram entregues à administração privada na expectativa de ter os recursos administrativos técnicos e financeiros utilizados de maneira efetiva, eficaz e eficiente.

As universidades mantenedoras de hospitais de ensino médico parecem as mais prejudicadas pelas tendências da modernização administrativa.

De um lado o governo tenta justificar cortes orçamentários, reduções de verbas e subvenções como a única forma de coibir qualquer surto inflacionário; de outro, há um consenso tradicional e conservador acenando para a obrigatoriedade de se aceitar estar o hospital de ensino fadado a ter sempre maiores custos para alcançar um diagnóstico preciso fundamental para um tratamento eficaz.

Tentam, mediante um sem número de artifícios, justificar uma avalanche de exames complementares, utilização de drogas e medicamentos do mais alto custo desrespeitando qualquer norma de padronização de produtos e serviços além de uma média de permanência dos pacientes internados muito acima daquela praticada pelos hospitais tipicamente assistenciais, muitas vezes, até de melhor categoria e idêntico procedimento médico.

Tudo isso acarreta elevação de despesas incompatível com os recursos públicos.

Por outro lado, é ponto pacífico o reconhecimento da responsabilidade social e humana das casas de ensino médico com relação a formação de futuros profissionais.

Até a década de 90, as instituições hospitalares de inspiração e administração governamental, nos níveis municipal, estadual e federal, tinham como objetivo a gratuidade dos serviços prestados. Ninguém pagava nada, mesmo quem quisesse fazê-lo.

Num país como o nosso, a terra do jeitinho, os abusos tinham mil facetas: pessoas com elevados recursos financeiros ingressavam como pacientes nos hospitais universitários, até mesmo por acreditar na melhor qualidade da assistência quando comparada a idênticos nosocômios de iniciativa privada, pois lá pontificavam os profissionais de melhor padrão.

A partir dos anos 90 elevou-se o número de instituições hospitalares se enquadrando no mecanismo jurídico das Fundações Públicas ou Privadas buscando numerário adicional pelos serviços prestados aos pacientes, até então, considerados não contribuintes e aplicando na gestão dos recursos humanos mediante diretrizes e procedimentos assemelhados aos praticados pelas instituições privadas, com normas adequadas para alcançar padrões de eficiência.

Exemplos típicos em São Paulo, merecedores de destaque são os Hospitais das Clínicas da USP e o Hospital São Paulo da UNIFESP-E.P.M. e, mais ainda, o Instituto do Coração.

Sabedoras disso, as autoridades públicas na busca ansiosa de práticas milagreiras para redução de despesas incursionam num campo por elas totalmente desconhecido: o gerenciamento hospitalar praticado nas empresas privadas.

O empresário do serviço médico tem a mente voltada para o binômio despesa-receita pois conhece perfeitamente o valor de um controle rígido dos gastos e em contrapartida da busca de clientela.

Mesmo as entidades filantrópicas como as Santa Casas e Beneficiências do país inteiro têm se dado conta disso investindo mais e mais na formação e treinamento do pessoal das atividades de apoio numa luta sem trégua para alcançar o equilíbrio econômico-financeiro.

Assim, não é de todo injusto acreditarmos numa reviravolta na política de ensino médico podendo acarretar danos na tão precária qualidade do ensino médico no Brasil se a privatização do gerenciamento hospitalar puro e simples ocorrer sem um trabalho de conscientização sério e negociado com transparência com os docentes interessados, os médicos e demais profissionais com atividade assistencial, os recursos humanos dos serviços de apoio e os estudantes das várias áreas do campo da saúde buscando a interdisciplinaridade fundamentada no bom senso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2000
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