Acessibilidade / Reportar erro

Rinosporidiose da conjuntiva: relato de caso

Rhinosporidiosis of the conjunctiva: case report

Resumos

A rinosporidiose é infecção fúngica rara, especialmente quando compromete o olho. O agente etiológico é o Rhinosporidium seeberi, que produz lesões elevadas e polipóides, com característica de inflamação granulomatosa, rica em parasitos. Os autores relatam um caso de comprometimento da conjuntiva tarsal em paciente jovem de 22 anos. É o primeiro caso de rinosporidiose ocular no estado do Espírito Santo comprometendo o olho. As características clínicas, a etiologia, a patogênese, o diagnóstico e a terapêutica são discutidos.

Rinosporidiose; Rhinosporidium; Infecções oculares fúngicas; Relato de caso


Rhinosporidiosis is a rare fungal infection, specially when it involves the eye. Its etiologic agent is Rhinosporidium seeberi, which produces elevated and polypoid lesions, with features of granulomatous inflammation, rich in parasites. The authors report a case with tarsal conjunctival impairment in a 22-year-old patient. This is the first case of the ocular disease in the state of Espirito Santo. The clinical features, etiology, pathogenesis, diagnosis and therapy are discussed.

Rhinosporidiosis; Rhinosporidium; Eye infections fungal; Case report


RELATOS DE CASOS

Rinosporidiose da conjuntiva - Relato de caso

Rhinosporidiosis of the conjunctiva - case report

Eurico Semedo Boni1 1 Prof. Adjunto de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitoria. 2 Médica Oftalmologista. 3 Pós-graduanda em nível Doutorado em Oftalmologia na UNIFESP. 4 Prof. Assistente de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. 5 Médica.

Zandara Melo Saliba2 1 Prof. Adjunto de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitoria. 2 Médica Oftalmologista. 3 Pós-graduanda em nível Doutorado em Oftalmologia na UNIFESP. 4 Prof. Assistente de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. 5 Médica.

Danielle B. Sessino3 1 Prof. Adjunto de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitoria. 2 Médica Oftalmologista. 3 Pós-graduanda em nível Doutorado em Oftalmologia na UNIFESP. 4 Prof. Assistente de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. 5 Médica.

João Nestor Rodrigues de Miranda4 1 Prof. Adjunto de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitoria. 2 Médica Oftalmologista. 3 Pós-graduanda em nível Doutorado em Oftalmologia na UNIFESP. 4 Prof. Assistente de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. 5 Médica.

Michelle Boni5 1 Prof. Adjunto de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitoria. 2 Médica Oftalmologista. 3 Pós-graduanda em nível Doutorado em Oftalmologia na UNIFESP. 4 Prof. Assistente de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória. 5 Médica.

RESUMO

A rinosporidiose é infecção fúngica rara, especialmente quando compromete o olho. O agente etiológico é o Rhinosporidium seeberi, que produz lesões elevadas e polipóides, com característica de inflamação granulomatosa, rica em parasitos. Os autores relatam um caso de comprometimento da conjuntiva tarsal em paciente jovem de 22 anos. É o primeiro caso de rinosporidiose ocular no estado do Espírito Santo comprometendo o olho. As características clínicas, a etiologia, a patogênese, o diagnóstico e a terapêutica são discutidos.

Descritores: Rinosporidiose; Rhinosporidium; Infecções oculares fúngicas; Relato de caso

INTRODUÇÃO

Rinosporidiose é infecção produzida pelo Rhinosporidium seeberi e caracteriza-se por lesões elevadas, lembrando pólipos ou papilomas, com pontilhado branco-amarelado na mucosa(1,2). É mais freqüente na mucosa respiratória da cavidade nasal e menos freqüente no olho, quando é denominada de oculosporidiose, a qual representa cerca de 15% dos casos da doença(3). Mais raramente pode estar presente em outros locais do corpo, já tendo sido descritos acometimentos de vagina, reto, pênis e conduto auditivo externo(4).

No olho, a conjuntiva e o saco lacrimal são os locais preferidos, sendo menos freqüente o comprometimento da esclera e dos canalículos(2).

O primeiro caso de rinosporidiose foi descrito em 1900(5), em um trabalhador rural de 19 anos com lesão na cavidade nasal. Em 1910 foi relatado o primeiro caso de comprometimento ocular(6). No Brasil, o primeiro caso da doença foi relatado em São Paulo por Montenegro em 1930, que não o publicou, sendo a primeira publicação feita em 1933(7). No Espírito Santo, o primeiro caso autóctone foi por nós publicado em 1986, e seu comprometimento se limitava à cavidade nasal(8). Não existia até então relato de casos de rinosporidiose ocular no Espírito Santo.

O objetivo do trabalho é descrever o primeiro caso de rinosporidiose ocular no estado do Espírito Santo e discutir as principais características clínicas, a etiologia, a patogênese, o diagnóstico e a terapêutica.

RELATO DO CASO

Paciente masculino, 22 anos de idade, natural de Canavieiras (Bahia), residente há 3 anos em Vitória, Espírito Santo. Exerceu várias atividades em sua cidade de origem, entre elas o transporte e manuseio de palha de piaçaba, utilizadas na confecção de vassouras. Tinha hábito de banhar-se freqüentemente em rios e lagos da região. Atualmente exerce a profissão de garçom.

Dois meses antes do atendimento, o paciente apresentou lesão no olho esquerdo, com crescimento progressivo, acompanhada de prurido e turvação da visão, causada por sangramento após esfregar o olho.

O exame clínico com o biomicroscópio em lâmpada de fenda mostrou lesão polipóide, pedunculada, lobulada, móvel, mole, de coloração vermelha e brilhante, localizada na conjuntiva tarsal superior esquerda, que se exteriorizava sobre a córnea e distava 2 mm do limbo superior. O exame do olho contralateral não evidenciou qualquer alteração clínica ou morfológica.

Foi feita a ressecção cirúrgica da lesão, seguida de cauterização da superfície sangrante, sendo a peça enviada para exame anatomopatológico. Ao exame macroscópico, a peça media 7 mm de comprimento e 5 mm de largura, mostrava aspecto polipóide e era constituída por tecido de cor pardacenta, de consistência firme e elástica. O exame histológico das lâminas (coradas por hematoxilina-eosina, PAS, Grocott e tricrômio de Gomori) mostrou estrutura polipóide, revestida externamente de epitélio pavimentoso estratificado, sustentado por tecido conjuntivo, com inúmeros parasitos, processo inflamatório crônico granulomatoso e neoformação conjuntivo-vascular (Figura 1). O infiltrado inflamatório era de forma predominante, constituído por linfócitos, histiócitos e plasmócitos, com presença de polimorfonucleares e alguns eosinófilos, além de células gigantes do tipo corpo estranho (Figura 2). Em meio ao infiltrado inflamatório, foram observadas inúmeras formas fúngicas esféricas ou ovóides, com características morfológicas do Rhinosporidium seeberi, representadas por esporângios maduros, com membrana quitinóide, cheios de esporangiósporos (zoósporos) que por vezes eram cercados por células gigantes do tipo corpo estranho. Em alguns locais, os esporângios penetravam o epitélio e apresentavam-se rotas com eliminação de seu conteúdo através de um poro. Grande número dos esporângios observados mostrava-se atrófico, colapsado ou degenerado (Figura 3). O diagnóstico anatomopatológico foi de rinosporidiose ocular.




Com o resultado de rinosporidiose, foi feita a rinoscopia, que não evidenciou lesões na cavidade nasal. Foram realizados testes anti-HIV, que foram todos negativos.

No período pós-operatório não houve queixas ou complicações, obteve-se bom resultado, sem sinais de recidiva. Permaneceu apenas cicatriz linear esbranquiçada de 1,5 mm na conjuntiva tarsal, identificada ao exame com a lâmpada de fenda.

DISCUSSÃO

Os mecanismos da infecção do Rhinosporidium seeberi, não são bem conhecidos(4,9). A hipótese da transmissão direta, pela exposição à água contaminada de lagos, rios e poços ou pela exposição a poeiras, especialmente poeiras dos campos, é a hipótese mais aceita(4). A contaminação das águas se faria diretamente por esporos presentes em poeiras ou fezes de animais. Outra porta de entrada é a mucosa nasal, por inalação direta de poeiras contaminadas pelos esporos. Da mesma forma, a contaminação da conjuntiva pode ocorrer pelo contato direto com água contaminada e as poeiras. Nenhum dos casos na literatura sugere a transmissão pessoa a pessoa(10).

As tentativas de reproduzir experimentalmente a infecção não têm obtido sucesso, bem como o isolamento e cultura do agente etiológico em laboratório(4,9).

Uma vez na mucosa, o esporo penetra o epitélio e, ao alcançar o tecido conjuntivo, desencadeia o processo inflamatório.

No caso relatado, estava presente a história de banhos em rios e principalmente o trabalho com palha de piaçaba, que produz poeira vegetal.

O diagnóstico diferencial das lesões polipóides da conjuntiva, inclui além da rinosporidiose, o granuloma piogênico, epiteliomas, papilomas, angiomas, angiofibromas, inflamações (paracoccidioidomicose, criptococose, aspergilose) e mais raramente a amiloidose.

A terapêutica da rinosporidiose é predominantemente cirúrgica com a excisão da lesão, com resultados satisfatórios na maioria dos casos(2,11). As recidivas são raras e decorrentes da excisão incompleta da lesão. Por isto, para a prevenção das recidivas, sugere-se a cauterização ou crioterapia da base das lesões(2,10). De maneira coadjuvante, alguns autores tem proposto o uso de drogas alopáticas, inclusive em injeções locais, entre elas a anfotericina B, mas não há suficiente comprovação de sua eficácia(4,10-12).

CONCLUSÃO

A rinosporidiose é doença rara e os autores relatam o primeiro caso de comprometimento ocular da doença no Estado do Espírito Santo. O caso relatado, embora seja considerado autóctone, contribuirá para o estudo epidemiológico do fungo, mesmo que de maneira informativa. O relato tem também a finalidade de alertar e orientar os médicos para a possibilidade de tal diagnóstico. Apesar da baixa incidência, a rinosporidiose ocular deve sempre constar no diagnóstico diferencial das lesões polipóides da conjuntiva.

ABSTRACT

Rhinosporidiosis is a rare fungal infection, specially when it involves the eye. Its etiologic agent is Rhinosporidium seeberi, which produces elevated and polypoid lesions, with features of granulomatous inflammation, rich in parasites. The authors report a case with tarsal conjunctival impairment in a 22-year-old patient. This is the first case of the ocular disease in the state of Espirito Santo. The clinical features, etiology, pathogenesis, diagnosis and therapy are discussed.

Keywords: Rhinosporidiosis; Rhinosporidium; Eye infections fungal; Case report

Trabalho realizado no Laboratório de Patologia LAPACI e no Departamento de Patologia da EMESCAM em Vitória - Espírito Santo.

Endereço para correspondência: Departamento de Patologia da EMESCAM - Vitória (ES) Caixa Postal 15135 CEP 29045-102. E-mail: patologia@emescam.br

Recebido para publicação em 04.12.2000

Aceito para publicação em 20.08.2001

  • 1. Allen FRWK, Dave ML. The treatment of rhinosporidiosis in man based on study of sixty cases Indian. Med Gaz 1936;71:376-94.
  • 2. Kuriakose ET. Oculosporidiosis. Rhinosporidiosis of the eye. Br J Ophthalmol 1963;47:346-9.
  • 3. Rippon JW. Medical mycology of pathogenic fungi and the pathogenic actinomicetes. 3rd. Philadelphia: WB Saunders; 1988. p.362-72.
  • 4. Lacaz CS, Porto E, Martins JEC. Micologia médica. 8a ed. São Paulo: Sarvier; 1991.
  • 5. Seeber GR. Un nuevo esporozoario parasito del hombre: dos casos encontrados em pólipos nasales [Tesis]. Buenos Aires: Univ Nac de Buenos Aires. 1900. p.1-62.
  • 6. Ingram AC, Cantab BC. Rhinosporidium kinealyi in unusual situations. Lancet 1910;2:72.
  • 7. Almeida FP de. As blastomycosis no Brasil. An Fac Med São Paulo 1933;9: 69-164.
  • 8. Mattede MGS, Cunha A, Boni ES, Palhano Junior L. Rinosporidiose nasal: relato de caso. An Bras Dermatol 1986;61:141-4.
  • 9. Grover S. Rhinosporidium seeberi: a preliminary study of the morphology and life cycle. Sabouraudia 1970;7:249-51.
  • 10. Reidy JJ, Sudesh S, Klafter AB, Olivia C. Infection of the conjunctiva by Rhinosporidium seeberi Surv Ophthalmol 1997;41:409-13.
  • 11. De Doncker RM, de Keizer RJ. Oosterhuis JA, Maes A. Scleral melting in a patient with conjuntival rhinosporidiosis. Br J Ophthalmol 1990;74:635-7.
  • 12 . Job A,Venkateswaran S, Mathan M, Krishnaswamih RR. Medical therapy of rhinosporidiosis with dapsone. J Laryngol Otol 1993;107:809-12.
  • 1
    Prof. Adjunto de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitoria.
    2
    Médica Oftalmologista.
    3
    Pós-graduanda em nível Doutorado em Oftalmologia na UNIFESP.
    4
    Prof. Assistente de Patologia da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória.
    5
    Médica.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2002
    • Data do Fascículo
      Jan 2002

    Histórico

    • Aceito
      20 Ago 2001
    • Recebido
      04 Dez 2000
    Conselho Brasileiro de Oftalmologia Rua Casa do Ator, 1117 - cj.21, 04546-004 São Paulo SP Brazil, Tel: 55 11 - 3266-4000, Fax: 55 11- 3171-0953 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: abo@cbo.com.br