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Transplante de córnea em ceratite por herpes simples

Corneal transplantation for herpes simplex keratitis

Resumos

Objetivo: Avaliação de transplante de córnea em ceratite por herpes simples. Métodos: Foram revisados os prontuários de 38 pacientes submetidos a transplante de córnea por herpes simples, no período de 1993 a 1998. Todos os pacientes tinham apenas um olho acometido. Foi avaliada a transparência do botão corneano, reação de rejeição, recidiva da infecção herpética e acuidade visual final. Pacientes que usaram profilaxia antiviral foram comparados com os que não usaram. O seguimento pós-operatório variou de 6 a 68 meses (média de 21). Resultados: Trinta e um enxertos (81,6%) permaneceram transparentes. Reação de rejeição ocorreu em 14 pacientes (36,8%) e recidiva da ceratite herpética em 4 (10,5%). A acuidade visual pós-operatória foi melhor ou igual a 0,25 em 60% dos pacientes. Não houve diferença estatisticamente significante na sobrevivência do enxerto entre o grupo que usou e o que não usou antiviral sistêmico profilático. Conclusão: Melhores resultados têm sido alcançados no transplante de córnea em ceratite herpética.

Transplante de córnea; Ceratite herpética; Rejeição de enxerto; Complicações pós-operatórias; Recidiva; Estudos retrospectivos


Purpose: To evaluate the results of corneal transplantation for herpes simplex keratitis. Methods: The records of thirty-eight patients who underwent penetrating keratoplasty for herpes simplex keratitis, from 1993 to 1998 were retrospectively reviewed. Postoperative follow-up periods ranged from 6 to 68 months (mean 21). Results: The survival rate of a clear graft was 81.6%. Allograft rejection was observed in 36.8% and herpetic recurrence occurred in 10.5%. Visual acuities of 20/80 or better were achieved in 60%. Prophylactic antiviral treatment was not associated with increase in corneal graft survival rate. Conclusion: Better results have been achieved on keratoplasty for herpetic keratitis.

Corneal transplantation; Keratitis herpetic; Graft rejection; Postoperative complications; Recurrence; Retrospective studies


Transplante de córnea em ceratite por herpes simples

Corneal transplantation for herpes simplex keratitis

Maria Emília Xavier dos Santos Araújo1 1 Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. 2 Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. 3 Doutora em Medicina, Professora Livre Docente da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Namir Clementino Santos2 1 Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. 2 Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. 3 Doutora em Medicina, Professora Livre Docente da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Denise de Freitas3 1 Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. 2 Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. 3 Doutora em Medicina, Professora Livre Docente da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.

RESUMO

Objetivo: Avaliação de transplante de córnea em ceratite por herpes simples. Métodos: Foram revisados os prontuários de 38 pacientes submetidos a transplante de córnea por herpes simples, no período de 1993 a 1998. Todos os pacientes tinham apenas um olho acometido. Foi avaliada a transparência do botão corneano, reação de rejeição, recidiva da infecção herpética e acuidade visual final. Pacientes que usaram profilaxia antiviral foram comparados com os que não usaram. O seguimento pós-operatório variou de 6 a 68 meses (média de 21). Resultados: Trinta e um enxertos (81,6%) permaneceram transparentes. Reação de rejeição ocorreu em 14 pacientes (36,8%) e recidiva da ceratite herpética em 4 (10,5%). A acuidade visual pós-operatória foi melhor ou igual a 0,25 em 60% dos pacientes. Não houve diferença estatisticamente significante na sobrevivência do enxerto entre o grupo que usou e o que não usou antiviral sistêmico profilático. Conclusão: Melhores resultados têm sido alcançados no transplante de córnea em ceratite herpética.

Descritores:Transplante de córnea; Ceratite herpética/cirurgia; Rejeição de enxerto; Complicações pós-operatórias; Recidiva; Estudos retrospectivos

INTRODUÇÃO

A ceratite herpética recorrente causa, freqüentemente, cicatriz corneana, sendo uma das principais causas de perda visual unilateral(1). A recorrência ocorre através da reativação do vírus no gânglio trigeminal, que, pelos nervos da divisão oftálmica do trigêmio, alcança os tecidos periféricos, como a córnea, e aí se replica. Segundo relato, a córnea pode ser o local de latência do vírus(2). O uso de aciclovir oral, 400 mg 2 vezes ao dia, tem reduzido, significantemente, a taxa de recorrência da doença herpética genital(3-4), orofacial(5-6) e ocular(7).

O transplante penetrante de córnea muitas vezes é necessário não somente para a reabilitação da visão, mas com objetivo tectônico e ou terapêutico, nos casos em que a resposta ao tratamento específico e de suporte não forem suficientes. Embora alguns estudos revelem que transplante em herpes esteja associado a maior taxa de rejeição e falência(1,8), a taxa de sobrevivência pode chegar a 71% em 5 anos(9).

Foram avaliados os resultados dos transplantes de córnea em ceratite por herpes simples realizados no período de janeiro de 1993 a outubro de 1998, na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

MÉTODOS

Foram revisados os prontuários de 38 pacientes submetidos a transplante de córnea por ceratite herpética no Setor de Doenças Externas Oculares e Córnea do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP. O estudo compreendeu todos os pacientes com um mínimo de 6 meses de seguimento pós-operatório e acometimento ocular unilateral, no período de janeiro de 1993 a outubro de 1998. O diagnóstico de ceratite herpética foi baseado na história, exame clínico e resposta terapêutica ao tratamento específico. Foram 24 pacientes do sexo masculino e 14 do feminino, com idade média de 32 anos (5 a 74 anos) e tempo médio de doença herpética de 4,7 anos (2 meses a 18 anos). Segundo a classificação proposta por Holland e Schwartz(10), as indicações para ceratoplastia penetrante incluíram: ceratite epitelial infecciosa com evolução para cicatriz estromal em 25 olhos (65,7%), ceratite estromal necrosante em 8 olhos (21,1%), destes, 7 apresentavam perfuração corneana ou descemetocele, e endotelite disciforme em 5 (13,2%). Foram realizados 31 transplantes penetrantes eletivos (sem atividade da doença por um mínimo de 6 meses), destes, 5 cirurgias tríplices (transplante associado à facectomia com implante intra-ocular) e 7 tectônicos e terapêuticos, ou seja, com doença ativa. Todos os casos tinham indicação de profilaxia antiviral, mas 16 pacientes não usaram antiviral por falta de recursos econômicos e 22 fizeram uso profilático de aciclovir oral na dose de 800 mg/dia, em média, por 4 meses (1 a 12 meses) de pós-operatório. Todos usaram corticóide tópico, no mínimo por 6 meses, e em 11 pacientes foi associado corticóide oral. Rejeição endotelial, diagnosticada com o achado da linha endotelial no botão doador, foi tratada com corticóide tópico e subconjuntival e profilaxia com antiviral oral, e a recidiva herpética com aciclovir tópico ou oral. O período de seguimento variou de 6 a 68 meses (média de 21 meses).

A sobrevivência do enxerto foi analisada usando o método de Kaplan-Meier. O teste exato de Fisher foi realizado para avaliar a associação de sobrevivência do enxerto e uso de antiviral profilático, associação de sobrevivência do enxerto e rejeição, rejeição do enxerto e recidiva do herpes no transplante e recidiva e uso do antiviral. O teste do Qui-quadrado foi usado para analisar a associação de rejeição e uso de antiviral. Foi fixado em 5% o nível para rejeição da hipótese de nulidade.

RESULTADOS

Dos 38 transplantes realizados, 31 permaneceram transparentes (81,6%) e 7 (18,4%) evoluíram com insucesso no período de acompanhamento entre 6 e 68 meses (média de 21 meses). A taxa de sobrevivência dos enxertos foi de 76,7% em 28 meses (Gráfico 1). Dos sete transplantes tectônicos, 6 mantiveram enxertos transparentes. As causas de insucesso incluíram rejeição endotelial (3 casos), recidiva da ceratite herpética seguida de rejeição (1), ceratite bacteriana secundária (1), falência primária do enxerto (1) e glaucoma (1).


A análise, através do teste exato de Fisher, da associação de sobrevivência dos transplantes e o uso ou não de antiviral profilático, não mostrou diferença estatisticamente significante entre os dois grupos (p=0,32) (Tabela 1).

Reação de rejeição ocorreu em 14 pacientes (36,8%), sendo que em 11 destes no 1º ano pós-operatório. A avaliação através do teste exato de Fisher mostrou associação estatisticamente significante entre rejeição e falência do transplante (p=0,006) (Tabela 2). Também foi analisada, através do teste do Qui-quadrado, a associação de rejeição e uso ou não de antiviral e não houve diferença significante.

Quatro pacientes (10,5%) apresentaram recidiva da ceratite herpética, localizada na transição do botão do receptor com doador. Nenhum paciente estava usando antiviral no momento da recidiva. Um paciente usou antiviral profilático por 7 meses no período pós-operatório e a recidiva herpética ocorreu no 8º mês. Todos os pacientes com recidiva tiveram episódios de rejeição, entre 2 a 8 semanas após. A associação de recidiva e rejeição foi estatisticamente significante avaliada pelo teste exato de Fisher (p=0,0136) (Tabela 3). A associação de falência do enxerto com recidiva herpética também foi estatisticamente significante (teste exato de Fisher, p= 0,0140).

As complicações mais freqüentes, além de rejeição e recidiva herpética, foram: glaucoma (13,1%), defeito epitelial persistente (7,9%), ceratite bacteriana secundária (5,7%), catarata (5,7%) e membrana pupilar (2,6%). Em 2 transplantes, com defeito epitelial persistente, foi realizado recobrimento conjuntival.

A acuidade visual pré-operatória variou de projeção luminosa (PL) a 0,2 e a acuidade visual pós-operatória de PL a 1,0 (Gráfico 2). Em 60% dos pacientes a acuidade visual foi melhor ou igual a 0,25 e em 36,8%, maior que 0,5.


DISCUSSÃO

Transplante de córnea é uma alternativa no tratamento de ceratite por herpes simples para restabelecer a visão, manter a integridade do globo ocular e ou com finalidade terapêutica. A sobrevivência do enxerto em doença herpética é variável, com taxas de 71% em 5 anos e 58% em 10 anos(9). Nesta pesquisa foi observado 76,7% de sobrevivência do enxerto em 28 meses de pós-operatório; este achado está de acordo com o descrito na literatura. A taxa encontrada de 39,4% em 47 meses de seguimento, demonstrado na curva de sobrevivência estimada de Kaplan-Meier (Gráfico 1), é, provavelmente, devido ao fato de que poucos pacientes foram acompanhados até este período, além disso, esses pacientes estavam mais gravemente acometidos.

Vários estudos revelaram que o uso de antiviral (aciclovir) oral reduz a recorrência da doença herpética(7-9,11). O HEDS (Herpetic Eye Disease Study Group)(7) utilizou, como profilaxia, 400 mg 2 vezes ao dia pelo período de um ano pós-operatório de transplante de córnea. Neste presente estudo, não houve diferença estatisticamente significante na sobrevivência do enxerto com o uso ou não de antiviral profilático, provavelmente pelo tamanho da amostra, pelo tempo do uso do aciclovir (média de 4 meses) e porque a escolha dos pacientes que usaram o aciclovir não foi randomizada.

Reação de rejeição ao enxerto em herpes é descrito em 20 a 56% dos casos(1,8). A taxa de rejeição endotelial nesta pesquisa foi de 36,8% e não houve diferença significante entre os dois grupos (uso e não uso de antiviral), semelhante ao encontrado em outro trabalho(8). Rejeição está associada à falência do transplante, por estar relacionada à recorrência do herpes assim como à infecção bacteriana(11) no enxerto. Dos 14 pacientes que apresentaram reação de rejeição, 5 (35,7%) evoluíram para falência. No grupo que não apresentou rejeição (25 pacientes) apenas dois (8%) evoluíram para falência, sendo a associação de falência e rejeição estatisticamente significante.

Estudos revelam que a recidiva da ceratite herpética no enxerto varia de 0 a 39%(8,12-14) aumentando com o tempo de seguimento(15), ocorrendo caracteristicamente na transição do bordo do doador com o receptor. Foi encontrado, neste grupo avaliado, em 10,5% dos casos e todos apresentaram rejeição, sendo a associação estatisticamente significante. Dos 4 pacientes, apenas um usou antiviral profilático. O tamanho da amostra não permitiu avaliar estatisticamente a associação de recidiva herpética com o uso ou não do antiviral.

Com os antivirais disponíveis, poucos olhos são submetidos a transplante à quente, nos quais o prognóstico é pobre, com apenas 44% dos enxertos transparentes em 2 anos(15), e, embora o resultado nesta série tenha sido bom (apenas 1 caso evoluiu para falência), o número de transplantes com úlcera ativa foi pequeno (7 casos). Nestes casos tentamos inicialmente tratar a úlcera usando medidas conservadoras como adesivo tecidual, lente de contato terapêutica ou mesmo recobrimento conjuntival, antes de indicar o transplante.

O prognóstico visual é bom em olhos com doença inativa(12), e podemos confirmar com nossos resultados nos quais a acuidade visual foi melhor que 0,25 em 60% dos pacientes.

ABSTRACT

Purpose: To evaluate the results of corneal transplantation for herpes simplex keratitis. Methods: The records of thirty-eight patients who underwent penetrating keratoplasty for herpes simplex keratitis, from 1993 to 1998 were retrospectively reviewed. Postoperative follow-up periods ranged from 6 to 68 months (mean 21). Results: The survival rate of a clear graft was 81.6%. Allograft rejection was observed in 36.8% and herpetic recurrence occurred in 10.5%. Visual acuities of 20/80 or better were achieved in 60%. Prophylactic antiviral treatment was not associated with increase in corneal graft survival rate. Conclusion: Better results have been achieved on keratoplasty for herpetic keratitis.

Keywords: Corneal transplantation; Keratitis herpetic/surgery; Graft rejection; Postoperative complications; Recurrence; Retrospective studies

Endereço para correspondência: Rua Huitacá 96/103 - São Paulo (SP) CEP 04677-020.

E-mail: jodemil@osite.com.br

Recebido para publicação em 26.06.2000

Aceito para publicação em 01.04.2002

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  • 1
    Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
    2
    Doutora em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
    3
    Doutora em Medicina, Professora Livre Docente da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      Set 2002

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2000
    • Aceito
      01 Abr 2002
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