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Reversão de amaurose por neuropatia óptica em orbitopatia de Graves após descompressão orbitária: relato de caso

Reversal of blindness due to Graves' optic neuropathy after orbital decompression: case report

Resumos

OBJETIVO: Descrever o caso de uma paciente portadora de orbitopatia de Graves com baixa visual no olho esquerdo há 9 meses e amaurose no direito há 20 dias secundária à neuropatia óptica. MÉTODOS: Foi realizada descompressão orbitária bilateral ínfero-medial por via transconjuntival. RESULTADOS: Após a cirurgia a paciente evoluiu lentamente com melhora progressiva da acuidade visual, obtendo 20/20 em ambos os olhos ao cabo de 10 meses. CONCLUSÕES: A descompressão orbitária é eficaz em restabelecer a visão em casos de amaurose por neuropatia óptica da orbitopatia de Graves com até 20 dias de instalação.

Doenças do nervo óptico; Descompressão cirúrgica; Doença de Graves; Acuidade visual; Cegueira; Adulto; Feminino; Relato de caso


PURPOSE: To describe a patient with Graves' orbitopathy who presented with loss of vision of the left eye for 9 months and amaurosis of the right eye for 20 days. METHODS: Bilateral inferomedial transnconjunctival orbital decompression was performed. RESULTS: After orbital decompression, vision slowly improved and ten months after the surgery the vision was normal in both eyes. CONCLUSIONS: Orbital decompression can reestablish optic nerve function at least 20 days after amaurosis.

Optic nerve diseases; Decompression, surgical; Graves' disease; Visual acuity; Blindness; Adult; Female; Case report


RELATO DE CASOS

Reversão de amaurose por neuropatia óptica em orbitopatia de Graves após descompressão orbitária – Relato de caso

Reversal of blindness due to Graves' optic neuropathy after orbital decompression – Case report

Valmor Rios LemeI; Patrícia Mitiko Santello AkaishiI; Antonio Augusto V. CruzII

IPós-graduandos do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo – USP

IIProfessor Associado do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo – USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Antonio Augusto Velasco e Cruz Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP - Hospital das Clínicas - Campus Av. Bandeirantes, 3900 Ribeirão Preto (SP) CEP 14049-900 E-mail: aavcruz@fmrp.usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o caso de uma paciente portadora de orbitopatia de Graves com baixa visual no olho esquerdo há 9 meses e amaurose no direito há 20 dias secundária à neuropatia óptica.

MÉTODOS: Foi realizada descompressão orbitária bilateral ínfero-medial por via transconjuntival.

RESULTADOS: Após a cirurgia a paciente evoluiu lentamente com melhora progressiva da acuidade visual, obtendo 20/20 em ambos os olhos ao cabo de 10 meses.

CONCLUSÕES: A descompressão orbitária é eficaz em restabelecer a visão em casos de amaurose por neuropatia óptica da orbitopatia de Graves com até 20 dias de instalação.

Descritores: Doenças do nervo óptico/fisiopatologia; Descompressão cirúrgica/métodos; Doença de Graves/cirurgia; Acuidade visual; Cegueira; Adulto; Feminino; Relato de caso

ABSTRACT

PURPOSE: To describe a patient with Graves' orbitopathy who presented with loss of vision of the left eye for 9 months and amaurosis of the right eye for 20 days.

METHODS: Bilateral inferomedial transnconjunctival orbital decompression was performed.

RESULTS: After orbital decompression, vision slowly improved and ten months after the surgery the vision was normal in both eyes.

CONCLUSIONS: Orbital decompression can reestablish optic nerve function at least 20 days after amaurosis.

Keywords: Optic nerve diseases/physiopathology; Decompression, surgical; Graves' disease/surgery; Visual acuity; Blindness; Adult; Female; Case report

INTRODUÇÃO

A orbitopatia de Graves (OG) pode ser definida como uma doença auto-imune órgão-específica, clinicamente caracterizada por retração palpebral superior e/ou inferior, proptose e estrabismo(1-2). Na grande maioria dos casos a OG está associada ao hipertireoidismo decorrente do bócio difuso tóxico(3-4) sendo, portanto, uma das principais manifestações da doença de Graves, descrita na literatura européia no século XIX por Flajani, Parry, Graves e Basedow(5). Embora ocorra mais freqüentemente em mulheres adultas entre 30 e 50 anos de idade, a OG pode acometer pacientes de ambos sexos de diferentes faixas etárias, incluindo neonatos, crianças e adultos acima de cinqüenta anos de idade(1,4,6). Na população adulta, a OG é a causa mais comum de proptose, uni ou bilateral(1).

As principais estruturas orbitárias envolvidas no complexo processo auto-imune da doença são os músculos extra-oculares e o tecido adiposo, ambos passíveis de avaliação por exames de imagem como a ultra-sonografia, ressonância nuclear magnética e a tomografia computadorizada(7-8). O aumento das dimensões da musculatura extraocular é um achado freqüente, podendo variar desde um incremento mínimo de alguns músculos, até enorme alargamento de todos os músculos, especialmente os retos medial e inferior(9). Além de estrabismo restritivo, a hipertrofia muscular está fortemente associada à neuropatia óptica, que é uma das mais temidas complicações da OG, pelo risco de deficiência visual grave e permanente(10).

O objetivo deste trabalho é descrever uma paciente com neuropatia óptica bilateral e amaurose no olho direito há 20 dias devido a OG, que teve completa recuperação da acuidade visual em ambos os olhos após cirurgia descompressiva.

RELATO DE CASO

RSP, 33a, feminina, portadora de doença de Graves com orbitopatia há 1 ano. Fazia uso de propiltiuracil (100 mg/dia) e estava descontinuando um esquema de corticoterapia sistêmica (usava prednisona 20 mg/dia). No momento do exame oftalmológico estava com os hormônios tireoidianos normalizados. Referia perda visual progressiva em ambos os olhos há 9 meses e há 20 dias perda total da visão em OD. O exame oftalmológico mostrava retração palpebral superior em ambos os olhos e moderada proptose (exoftalmometria de Hertel 28 mm em OD e 26 mm em OE). O segmento anterior, fundoscopia e pressão intra-ocular eram normais. O exame dos reflexos pupilares revelava defeito pupilar aferente em OD (sinal de Marcus Gunn). A acuidade visual do olho esquerdo era igual a 0,5. No olho direito não havia percepção luminosa. A tomografia computadorizada de órbitas revelou importante espessamento muscular bilateral, com compressão do nervo óptico no ápice orbitário ("apical crowding") à direita (Figura 1). Devido à gravidade do quadro do olho direito, foi imediatamente indicado tratamento cirúrgico descompressivo. Outros testes psicofísicos como campimetria computadorizada e visão de cores, não foram realizados no olho esquerdo antes da cirurgia.


A paciente foi submetida à descompressão orbitária bilateral, por via transconjuntival ínfero-medial bilateral. A técnica usada combinava o acesso para o soalho(11-12) com a abordagem transcaruncular(13). Após a cirurgia a paciente evoluiu, com restabelecimento paulatino da visão em ambos os olhos. Dez meses após a cirurgia a visão era 20/20 em ambos em olhos e 1 ano após, a campimetria revelava no OD apenas uma perda generalizada da sensibilidade [desvio médio (MD) de -5,72 dB, p < 0,005], sendo normal no olho esquerdo.

DISCUSSÃO

A neuropatia óptica da OG é diagnosticada através de exames psicofísicos clássicos, dentre os quais os principais são a campimetria, e os estudos do sentido cromático e da sensibilidade ao contraste(14-18). A medida da acuidade visual não é considerada um exame sensível para a detecção da neuropatia óptica da OG(18) e, dessa maneira, déficits de acuidade visual são interpretados como indicadores de grave perda visual.

Não existem muitas opções para o tratamento da neuropatia óptica da OG. Se ela ocorre num contexto de orbitopatia aguda, isto é, acompanhada de sinais flogísticos (quemose, edema palpebral, hiperemia conjuntival) e sintomas como dor e lacrimejamento, a modalidade inicial de tratamento é o clínico com drogas imunossupressoras (esteróides sistêmicos) e radioterapia orbitária. Já nos casos crônicos ou não responsivos ao tratamento clínico, a descompressão orbitária é a única opção viável(19-20).

A descompressão orbitária é um procedimento cirúrgico que atua na relação continente/conteúdo da órbita. Na maioria dos casos, a cirurgia visa o aumento das dimensões orbitárias por meio da remoção de porções ou, até mesmo, partes inteiras das paredes orbitais(21). Quando o continente orbitário é aumentado, a pressão intra-orbitária é reduzida e o seu conteúdo é mais bem acomodado. Esses dois efeitos explicam a melhora das funções visuais nos casos de neuropatia óptica da OG após descompressões bem sucedidas.

O resultado cirúrgico mais valorizado é o aumento das dimensões do ápice orbitário. Levando-se em conta que o principal mecanismo aventado para a perda visual na OG é a compressão do nervo óptico no ápice orbitário pela musculatura alargada ("apical crowding")(22), é fácil aceitar a noção de que a descompressão orbitária pode realmente beneficiar os pacientes com neuropatia óptica por doença de Graves.

Embora, não haja um consenso do ganho visual que se consegue com a cirurgia, a melhoria das funções visuais após a descompressão orbitária é bem documentada na literatura(19-20). De uma maneira geral, pode-se dizer que déficits campimétricos periféricos são bem revertidos cirurgicamente. O caso em questão difere dos já apresentados na literatura(19-20), pela magnitude da melhora da acuidade visual conseguida com a descompressão, pois não temos conhecimento de nenhum caso publicado de amaurose por OG completamente revertida após a cirurgia descompressiva.

Em resumo, o caso relatado indica que, na neuropatia óptica da OG, o nervo óptico pode ter função restabelecida pela cirurgia descompressiva mesmo após 20 dias de amaurose.

Recebido para análise em 18.04.2002

Versão revisada recebida em 28.01.2003

Aprovação em 09.05.2003

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo – USP.

Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Alexandre Chater Taleb.

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  • Endereço para correspondência

    Antonio Augusto Velasco e Cruz
    Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP - Hospital das Clínicas - Campus
    Av. Bandeirantes, 3900
    Ribeirão Preto (SP) CEP 14049-900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      09 Maio 2003
    • Revisado
      28 Jan 2003
    • Recebido
      18 Abr 2002
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