Acessibilidade / Reportar erro

Neovascularização retiniana secundária a obstrução vascular em retinocoroidite por toxoplasmose em paciente HIV positivo: relato de caso

Retinal vascular occlusion and neovascularization in acute toxoplasmic retinochoroiditis in a patient with AIDS: case report

Resumos

Apresentar e discutir o caso de paciente infectado pelo HIV, que desenvolveu quadro de obstrução vascular seguido de neovascularização retiniana e de papila, durante o tratamento específico para retinocoroidite por toxoplasmose e que evoluiu com resolução espontânea da neovascularização sem a necessidade de tratamento associado. Paciente com retinocoroidite por toxoplasmose, que após 4 semanas de tratamento específico (sulfadiazina e pirimetamina) desenvolveu quadro de obstrução vascular, seguido de neovascularização retiniana, apresentou involução espontânea, não havendo necessidade de fotocoagulação a laser, ou de outro tratamento adicional. As lesões retinianas ativas de toxoplasmose podem cursar com complicações vasculares, mesmo na vigência de tratamento específico, e geralmente apresentam bom prognóstico com regressão espontânea dos neovasos, sem necessidade de tratamentos adicionais.

Síndrome de imunodeficiência adquirida; Toxoplasmose ocular; Infecções oportunistas relacionadas com a AIDS; Coriorretinite; Neovascularização retiniana; Oclusão da artéria retiniana; Relato de caso


To present a case of an HIV-infected patient, who presented with active chorioretinal inflammatory lesion suggestive of toxoplasmosis, that during the specific treatment developed a retinal vascular occlusion, and adjacent neovascularization. 35-year-old AIDS patient that, presented with toxoplasmic retinochoroiditis and after 4 weeks of the specific therapy (pyrimethamine and sulfadiazine) developed a vascular occlusion and retinal neovascularization that healed without the need for phototocoagulation or other adjunctive therapy. This case demonstrates that acute toxoplasmic retinochoroiditis that develops vascular complications may present a good result with the specific treatment without the need for adjunctive therapy.

Acquired immunodeficiency syndrome; Ocular toxoplasmosis; Aids-related opportunistic infections; Chorioretinitis; Retinal neovascularization; Retinal artery occlusion; Case report


RELATOS DE CASOS

Neovascularização retiniana secundária a obstrução vascular em retinocoroidite por toxoplasmose em paciente HIV positivo - Relato de caso

Retinal vascular occlusion and neovascularization in acute toxoplasmic retinochoroiditis in a patient with AIDS - Case report

Vânia EwertI; Luciana Peixoto FinamorII; Maria Angélica DimantasI; Cristina MuccioliIII

IEstagiária do Setor de Uveítes e AIDS do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

IIChefe do Setor de Uveítes e AIDS do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

IIIProfessora Afiliada Livre Docente do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Vânia Ewert Rua Botucatu, 822 CEP 04023-062 São Paulo (SP) E-mail: ewert@uol.com.br

RESUMO

Apresentar e discutir o caso de paciente infectado pelo HIV, que desenvolveu quadro de obstrução vascular seguido de neovascularização retiniana e de papila, durante o tratamento específico para retinocoroidite por toxoplasmose e que evoluiu com resolução espontânea da neovascularização sem a necessidade de tratamento associado. Paciente com retinocoroidite por toxoplasmose, que após 4 semanas de tratamento específico (sulfadiazina e pirimetamina) desenvolveu quadro de obstrução vascular, seguido de neovascularização retiniana, apresentou involução espontânea, não havendo necessidade de fotocoagulação a laser, ou de outro tratamento adicional. As lesões retinianas ativas de toxoplasmose podem cursar com complicações vasculares, mesmo na vigência de tratamento específico, e geralmente apresentam bom prognóstico com regressão espontânea dos neovasos, sem necessidade de tratamentos adicionais.

Descritores: Síndrome de imunodeficiência adquirida/complicações; Toxoplasmose ocular/complicações; Infecções oportunistas relacionadas com a AIDS; Coriorretinite; Neovascularização retiniana/etiologia; Oclusão da artéria retiniana; Relato de caso

ABSTRACT

To present a case of an HIV-infected patient, who presented with active chorioretinal inflammatory lesion suggestive of toxoplasmosis, that during the specific treatment developed a retinal vascular occlusion, and adjacent neovascularization. 35-year-old AIDS patient that, presented with toxoplasmic retinochoroiditis and after 4 weeks of the specific therapy (pyrimethamine and sulfadiazine) developed a vascular occlusion and retinal neovascularization that healed without the need for phototocoagulation or other adjunctive therapy. This case demonstrates that acute toxoplasmic retinochoroiditis that develops vascular complications may present a good result with the specific treatment without the need for adjunctive therapy.

Keywords: Acquired immunodeficiency syndrome/complications; Ocular toxoplasmosis/complications; Aids-related opportunistic infections; Chorioretinitis; Retinal neovascularization/etiology; Retinal artery occlusion; Case report

INTRODUÇÃO

A retinocoroidite causada pela toxoplasmose é a segunda maior causa de acometimento ocular em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) no Brasil, tendo incidência de aproximadamente 8%(1). Nesses pacientes, a toxoplasmose ocular apresenta um quadro clínico muito variável, com lesões extensas ou pequenas e isoladas em um ou ambos os olhos, ou múltiplas lesões de retinocoroidite(2).

A obstrução vascular retiniana é descrita como complicação rara associada a retinocoroidite por toxoplasmose ativa(3), podendo levar ao desenvolvimento de neovascularização retiniana e de papila(4), o que compromete gravemente a acuidade visual.

A obstrução venosa de ramo associada a retinocoroidite ocorre devido a um bloqueio da circulação retiniana nos vasos que passam através da lesão ativa ou devido à presença de vasculite perilesional, gerando uma área de obstrução vascular, que pode produzir um grau de má perfusão suficiente para o desenvolvimento de neovascularização intra-retiniana(3).

Neste relato de caso, os autores apresentam um caso de obstrução vascular seguida de neovascularização, secundária a retinocoroidite toxoplásmica em paciente infectado pelo HIV, onde após tratamento específico, ocorreu a cicatrização da lesão com regressão espontânea dos neovasos, não havendo necessidade de tratamento da neovascularizaçao.

RELATO DE CASO

Paciente masculino, 35 anos, com diagnóstico de síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) há 6 anos, procurou nosso serviço em setembro de 2001 com queixa de baixa de acuidade visual, dor e hiperemia no olho esquerdo com início há 3 dias. Referia tratamento com antivirais altamente potente para o tratamento do HIV (Highly Active Antiretrovirus Therapy - HAART) desde o diagnóstico da AIDS, contagem de linfócitos T CD4+ 90 cel/mm³, carga viral 20.000 cópias /ml, sorologia para toxoplasmose IgG positivo IgM negativo, referia tratamento para tuberculose pulmonar há 2 anos.

Ao exame oftalmológico apresentava acuidade visual de 20/20 no olho direito (OD) e não apresentava alterações à biomicroscopia e à fundoscopia, no olho esquerdo (OE), apresentava acuidade visual de movimentos de mãos, e à biomicroscopia presença de precipitados ceráticos (pKs) granulomatosos, reação de câmara anterior com 2+ de células e 2+ "flare". À fundoscopia apresentava lesão retiniana necrosante, branco-amarelada, em arcada temporal superior com borramento das bordas da papila, presença de hemorragias superficiais perilesionais e vitreíte leve (Figura 1). Diante do quadro foi feita hipótese diagnóstica de retinocoroidite por toxoplasmose, e iniciado tratamento específico para toxoplasmose (sulfadiazina + pirimetamina + ácido folínico). O paciente evoluiu com melhora do quadro ocular, sendo que após 4 semanas de tratamento apresentava acuidade visual de 20/200 no olho esquerdo. Ao exame fundoscópico mostrou delimitação da lesão retiniana (em cicatrização) com piora das hemorragias e aparecimento de exsudatos algodonosos e neovascularização adjacente (Figura 2). O paciente foi submetido ao exame de angiofluoresceínografia sendo observados hipofluorescência na fase venosa precoce (área de necrose) e vazamento na fase tardia em região papilar e peripapilar, caracterizando presença de neovascularização neste local (Figura 3). Optou-se pela manutenção do tratamento específico para toxoplasmose e observação semanal, e o paciente evoluiu com melhora da acuidade visual para 20/125, e regressão espontânea das hemorragias e dos neovasos (Figura 4).





DISCUSSÃO

A retinocoroidite por toxoplasmose pode causar uma variedade de alterações vasculares retinianas(5), incluindo obstrução de ramo arterial, obstrução venosa de ramo, anastomose cório-retiniana, neovascularização subretiniana, periarterite, e periflebite, entre outros(3).

Nos casos agudos, o envolvimento causado pela necrose retiniana adjacente ao vaso, pode levar a um quadro de vasculite e conseqüentemente o desenvolvimento de obstruções vasculares. Embora, os casos de obstrução vascular seguido de neovascularização tenham indicação para tratamento com fotocoagulação a laser(6), optamos pelo acompanhamento clínico e manutenção do tratamento específico para toxoplasmose, pois o paciente apresentou melhora do quadro clínico.

Há poucos relatos na literatura da ocorrência de obstrução vascular seguido de neovascularização retiniana pós retinocoroidite toxoplásmica aguda em pacientes infectados pelo HIV, embora a neovascularização retiniana seja uma complicação freqüentemente observada em obstruções venosas de ramo(6).

Nesse caso o tratamento específico da doença de base levou à regressão espontânea dos neovasos retinianos secundários a obstrução venosa de causa inflamatória; portanto, a presença de neovascularização retiniana e/ou de papila, nos casos de toxoplasmose ocular, deve ser cuidadosamente observada e acompanhada, e a fotocoagulação a laser deverá ser indicada quando não houver melhora com tratamento específico, ou quando ocorrer piora das lesões, ou complicações associadas.

Recebido para publicação em 04.07.2003

Versão revisada recebida em 05.09.2003

Aprovação em 19.10.2003

Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Oftalmologia, Rua Botucatu, 820 CEP 04023-062 São Paulo (SP)

  • 1
    Muccioli C, Belfort Junior R, Lottenberg C, Lima J, Santos P, Kim M, et al. Achados oftalmológicos em AIDS: avaliação de 445 casos atendidos em um ano. Rev Assoc Méd Bras. 1994;40(3):155-8.
  • 2
    Pinheiro SRAA. AIDS Ocular. Parte I. In Oréfice F. Uveíte clínica e cirúrgica: atlas e texto. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2000. vol 1 p. 532-5.
  • 3
    Gentile RC, Berinstein DM, Oppenheim R, Wallsh JB. Retinal vascular occlusions complicating acute toxoplasmic retinochoroiditis. Can J Ophthalmol. 1997;32(5):354-8.
  • 4
    Rose GE. Papilitis, retinal neovascularization and recurrent retinal vein occlusion in Toxoplasma retinochoroiditis: a case report with uncommon clinical signs. Aust N Z J Ophthalmol. 1991;19(2):155-7.
  • 5
    Tabbara KF. Disruption of chorioidoretinal interface by Toxoplasma. Eye.1990;4 (Pt 2):366-73.
  • 6
    Gaynon MW, Boldrey EE, Strahlman ER, Fine SL, Retinal neovascularization and ocular toxoplasmosis. Am J Ophthalmol. 1984;98(5):585-9.
  • Endereço para correspondência
    Vânia Ewert
    Rua Botucatu, 822
    CEP 04023-062 São Paulo (SP)
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Ago 2004

    Histórico

    • Aceito
      19 Out 2003
    • Recebido
      04 Jul 2003
    • Revisado
      05 Jun 2003
    Conselho Brasileiro de Oftalmologia Rua Casa do Ator, 1117 - cj.21, 04546-004 São Paulo SP Brazil, Tel: 55 11 - 3266-4000, Fax: 55 11- 3171-0953 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: abo@cbo.com.br