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Criptococose palpebral: relato de caso

Palpebral cryptococcosis: case report

Resumos

Relata-se o caso de uma paciente portadora de síndrome da imunodeficiência adquirida empiricamente tratada com esquema tríplice para tuberculose miliar. Durante a evolução clínica a paciente cursou com lesões comprometendo a pálpebra e conjuntiva tarsal à direita. A hipótese diagnóstica inicial foi de tuberculose ocular com comprometimento conjuntival e palpebral. A biópsia da lesão conjuntival mostrou presença do Criptococcus neoformans. Após o início do tratamento específico com anfotericina B, a paciente apresentou melhora das lesões cutâneas.

Infecções oportunistas relacionadas com a AIDS; Criptococose; Cryptococcus neoformans; Doenças palpebrais; Infecções oculares fúngicas; Anfotericina B; Relatos de casos


This paper is about a patient with acquired immunodeficiency syndrome empirically treated for miliary tuberculosis. During the clinical evolution the patient presented lesions compromising the right eyelid and tarsal conjunctiva. The initial diagnostic hypothesis was ocular tuberculosis with conjunctival and eyelid involvement. The biopsy of the conjuctival lesion identified an encapsulated yeast-like fungus: Criptococcus neoformans. After starting treatment with B anfotericin, the cutaneus lesions cleared.

AIDS-related opportunistic infections; Cryptococcosis; Cryptococcus neoformans; Eyelid diseases; Eye infections, fungal; Amphotericin B; Case reports


RELATOS DE CASOS

Criptococose palpebral: relato de caso

Palpebral cryptococcosis: case report

Murilo Barreto SouzaI; Carlos Sergio Nascimento MeloII; Cristiana Silveira SilvaIII; Ruth Miyuki SantoIV; Suzana MatayoshiIV

IMédico oftalmologista. Docente da Disciplina de Informática Médica da Faculdade de Medicina da Faculdade de Ciência e Tecnologia - FTC - Salvador (BA) - Brasil

IIFellow do Serviço de Retina e Vítreo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil

IIIMédica Dermatologista

IVDoutora em oftalmologia pela USP - São Paulo (SP) - Brasil. Médica Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP - São Paulo (SP) - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Murilo Barreto Souza Rua Alberto Ponde, 109/503 Salvador (BA) CEP 40280-690 E-mail: murilobarreto@ig.com.br

RESUMO

Relata-se o caso de uma paciente portadora de síndrome da imunodeficiência adquirida empiricamente tratada com esquema tríplice para tuberculose miliar. Durante a evolução clínica a paciente cursou com lesões comprometendo a pálpebra e conjuntiva tarsal à direita. A hipótese diagnóstica inicial foi de tuberculose ocular com comprometimento conjuntival e palpebral. A biópsia da lesão conjuntival mostrou presença do Criptococcus neoformans. Após o início do tratamento específico com anfotericina B, a paciente apresentou melhora das lesões cutâneas.

Descritores: Infecções oportunistas relacionadas com a AIDS; Criptococose/microbiologia; Cryptococcus neoformans; Doenças palpebrais/microbiologia; Infecções oculares fúngicas; Anfotericina B/uso terapêutico; Relatos de casos [tipo de publicação]

ABSTRACT

This paper is about a patient with acquired immunodeficiency syndrome empirically treated for miliary tuberculosis. During the clinical evolution the patient presented lesions compromising the right eyelid and tarsal conjunctiva. The initial diagnostic hypothesis was ocular tuberculosis with conjunctival and eyelid involvement. The biopsy of the conjuctival lesion identified an encapsulated yeast-like fungus: Criptococcus neoformans. After starting treatment with B anfotericin, the cutaneus lesions cleared.

Keywords: AIDS-related opportunistic infections; Cryptococcosis/microbiology; Cryptococcus neoformans; Eyelid diseases/microbiology; Eye infections, fungal; Amphotericin B/therapeutic use; Case reports [publication type]

INTRODUÇÃO

A criptococose é uma infecção oportunística, causada pelo Cryptococcus neoformans, um fungo dimorfo e encapsulado, de distribuição universal(1). A infecção primária em indivíduos sadios é possível, porém rara, ocorrendo com maior freqüência em indivíduos imunodeprimidos, quando se apresenta como uma doença grave e potencialmente fatal. O sítio inicial da infecção é geralmente o pulmão, onde a infecção pode permanecer de forma latente ou oligossintomática por um longo período. Em 10% dos casos evolui com disseminação hematogênica, com predileção especial pelo sistema nervoso central(1). O comprometimento ósseo, cutâneo ou ocular é bem menos freqüente(2). É descrito a seguir o caso de uma paciente portadora da síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), com comprometimento palpebral e conjuntival pelo C. neoformans.

RELATO DE CASO

EMS, sexo feminino, 43 anos, negra, natural e procedente de São Paulo, com diagnóstico de SIDA há 7 meses, em uso de terapia anti-retroviral desde então. A paciente apresentava quadro clínico compatível com tuberculose miliar há 4 meses, encontrando-se em uso empírico do esquema tríplice há 3 meses, tendo cursado com discreta melhora do estado geral. Evoluiu com aparecimento de edema em pálpebra superior direita, acompanhado de linfadenopatia cervical e lesões cutâneas na face. Negava secreção ocular ou baixa de acuidade visual.

Ao exame clínico apresentava acuidade visual corrigida de 20/20 em ambos os olhos, motricidade ocular extrínseca, pressão intra-ocular e reflexo fotomotor sem alterações. Exibia edema de terço lateral da pálpebra superior direita acompanhado de nódulo de consistência fibroelástica, e úlcera com bordas elevadas, recoberto por material sero-hemático, associados a pápulas, algumas agrupadas, tendendo a umbilicação central, na pele da região temporal (Figura 1). À biomicroscopia apresentava perda de cílios na borda lateral da pálpebra superior direita, e tumoração envolvendo a mesma região com comprometimento da conjuntiva tarsal (Figura 2). Não foram observadas alterações fundoscópicas. O olho esquerdo era normal. Devido à suspeita clínica inicial de tuberculose miliar, foi feita a hipótese diagnóstica de tuberculose palpebral e indicada a realização de biópsia da lesão conjuntival. O exame anátomo-patológico evidenciou presença de histiócitos e células gigantes multinucleadas após coloração pela hematoxilina-eosina. A pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente pela coloração de Ziehl-Nielsen foi negativa. A coloração com o mucicarmim evidenciou a presença de blastoconídeos com cápsula radiada, compatíveis com C. neoformans (Figura 3). Foi iniciado o tratamento com anfotericina B, 1 mg/kg/d, seguido de fluconazol 400 mg/d. A paciente evoluiu com melhora das lesões 3 semanas após início do tratamento, e permaneceu assintomática durante 7 meses, voltando a apresentar novas lesões cutâneas na face, 1 mês após interrupção do tratamento, quando foi reiniciado o uso de fluconazol.




DISCUSSÃO

A criptococose é uma micose rara e potencialmente fatal, que acomete mais freqüentemente indivíduos adultos imunodeprimidos(1). Desde o surgimento da síndrome da imunodeficiência adquirida a criptococose vem se tornando cada vez mais freqüente, atingindo 5 a 10% destes pacientes ao longo da vida, principalmente na forma de acometimento pulmonar, representando a principal causa de infecção fúngica grave(3). As manifestações cutâneas são observadas em 10 a 20% dos pacientes, e se apresentam clinicamente de várias formas, acometendo principalmente a cabeça e o pescoço(2). Em pacientes portadores de SIDA, as lesões cutâneas da criptococose podem apresentar umbilicação central simulando o molusco contagioso, como aconteceu em algumas lesões cutâneas neste caso. A manifestação ocular mais freqüente é o envolvimento do segmento posterior na forma de atrofia óptica, papiledema, endoftalmite e coroidite(3). Há também descrições de envolvimento iriano(4), da região límbica(5), e comprometimento palpebral(2) e conjuntival(3), como o relatado neste caso. Não há relato específico de comprometimento palpebral isoladamente.

O prognóstico depende do grau de comprometimento imunológico da paciente, da magnitude e sítios de comprometimento da infecção pelo C. neoformans, e do início imediato do tratamento(2). Neste caso observamos a importância do exame anátomo-patológico, uma vez que, na ausência do isolamento do Mycobacterium tuberculosis, a paciente foi empiricamente tratada para tuberculose miliar por 3 meses sem melhora satisfatória do quadro. Com a identificação de um agente etiológico, através da biópsia palpebral e conjuntival, compatível com as lesões estudadas e com o quadro clínico sistêmico, e após iniciado o tratamento específico, a paciente apresentou resolução das lesões da face, pálpebra e conjuntiva, e melhora acentuada do quadro sistêmico. Entre os achados histopatológicos que auxiliam no diagnóstico da criptococose, a identificação da cápsula radiada torna-se mais difícil em pacientes imunossuprimidos, uma vez que esta é formada pela resposta imune do hospedeiro ao parasita(1). A recidiva do quadro após interrupção do tratamento, como observado neste caso, não é rara em pacientes portadores de SIDA.

Recebido para publicação em 11.12.2003

Versão revisada recebida em 24.11.2005

Aprovação em 02.12.2005

Trabalho realizado no Serviço de Plástica Ocular, Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP.

  • 1. Lacaz CS, Porto E, Martins JEC, Heins-Vavvari EM, Melo NT. Criptococose. In: Lacaz CS, Porto E, Martins JEC, Vaccari EMH, Melo NT, editores. Tratado de micologia médica Lacaz. 9ª ed. São Paulo: Sarvier; 2002. p.416-40.
  • 2. Coccia L, Calista D, Boschini A. Eyelid nodule: a sentinel lesion of disseminated cryptococcosis in a patient with acquired immunodeficiency syndrome. Arch Ophthalmol. 1999;117(2):271-2.
  • 3. Kestelyn P, Taelman H, Bogaerts J, Kagame A, Abdel Aziz M, Batungwanayo J, et al. Ophthalmic manifestations of infections with Cryptococcus neoformans in patients with the acquired immunodeficiency syndrome. Am J Ophthalmol. 1993;116(6):721-7.
  • 4. Charles NC, Boxrud CA, Smal EA. Cryptococcosis of the anterior segment in acquired immune deficiency syndrome. Ophthalmology. 1992;99(5):813-6.
  • 5. Muccioli C, Belfort Junior R, Neves R, Rao N. Limbal and choroidal Cryptococcus infection in the acquired immunodeficiency syndrome. Am J Ophthalmol. 1995;122(4):539-40.
  • Endereço para correspondência:

    Murilo Barreto Souza
    Rua Alberto Ponde, 109/503
    Salvador (BA)
    CEP 40280-690
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2006

    Histórico

    • Aceito
      02 Dez 2005
    • Revisado
      24 Nov 2005
    • Recebido
      11 Dez 2003
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