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Goniossinéquia como complicação na esclerectomia profunda não penetrante por uso inadvertido de midriático: relato de caso

Goniosynechiae as a complication of non-penetrating deep sclerectomy by inappropriate use of mydriatic: case report

Resumos

A esclerectomia profunda não penetrante tem sido uma alternativa à trabeculectomia, pois tem como vantagem a redução da pressão intra-ocular (PIO), sem penetrar na câmara anterior. Desta forma, evitando descompressão brusca, câmara anterior rasa. Neste trabalho, descrevemos o caso de uma paciente, 53 anos, negra, com diagnóstico de glaucoma primário de ângulo aberto, com controle clínico insatisfatório e que foi submetida à esclerectomia profunda não penetrante. A paciente evoluiu com formação de goniossinéquia na região da esclerectomia, após uso inadvertido de colírio midriático no pós-operatório, levando ao aumento da PIO e conseqüente falência da cirurgia. O uso de colírio midriático no pós-operatório da esclerectomia profunda não está indicado, pois neste caso, ocasionou o insucesso da cirurgia.

Glaucoma de ângulo aberto; Esclera; Esclerostomia; complicações pós-operatórias; Soluções oftálmicas; Relatos de casos


Non-penetrating deep sclerectomy has been an alternative to trabeculectomy, because it has the advantage of reducing intraocular pressure (IOP), without penetrating the anterior chamber. Thus, it avoids a sudden decompression and a plain anterior chamber. In this paper, we described a case of a female patient, 53 years old, black, with diagnosis of open-angle primary glaucoma, with unsatisfactory clinical control and who was submitted to non-penetrating deep sclerectomy. The patient developed goniosynechiae at the site of the sclerectomy, after inappropriate use of mydriatic eye-drops during the postoperative period, leading to an increase of IOP and, therefore, failure of the surgery. The use of mydriatic eye-drops during the postoperative period of deep sclerectomy is not indicated, because in this case, it led to surgery failure.

Glaucoma, open-angle; Sclera; Sclerostomy; postoperative complications; Ophthalmic solutions; Case reports


RELATOS DE CASOS

Goniossinéquia como complicação na esclerectomia profunda não penetrante por uso inadvertido de midriático: relato de caso

Goniosynechiae as a complication of non-penetrating deep sclerectomy by inappropriate use of mydriatic: case report

Rinalva Tenório VazI; Patricia Capua Vieira da SilvaII; Giovanni Nicola Umberto Italiano ColombiniIII

IEstagiária do Departamento de Glaucoma do Instituto Benjamin Constant - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil

IIResidente do Instituto Benjamin Constant - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil

IIIProfessor Responsável pela Disciplina de Oftalmologia da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro - UNIRIO; Responsável pelo Departamento de Glaucoma do Instituto Benjamin Constant - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rinalva Tenório Vaz Rua Clovis Beviláqua, 163/802 Recife (PE) CEP 50710-330 E-mail: rtvaz2@hotmail.com

RESUMO

A esclerectomia profunda não penetrante tem sido uma alternativa à trabeculectomia, pois tem como vantagem a redução da pressão intra-ocular (PIO), sem penetrar na câmara anterior. Desta forma, evitando descompressão brusca, câmara anterior rasa. Neste trabalho, descrevemos o caso de uma paciente, 53 anos, negra, com diagnóstico de glaucoma primário de ângulo aberto, com controle clínico insatisfatório e que foi submetida à esclerectomia profunda não penetrante. A paciente evoluiu com formação de goniossinéquia na região da esclerectomia, após uso inadvertido de colírio midriático no pós-operatório, levando ao aumento da PIO e conseqüente falência da cirurgia. O uso de colírio midriático no pós-operatório da esclerectomia profunda não está indicado, pois neste caso, ocasionou o insucesso da cirurgia.

Descritores: Glaucoma de ângulo aberto/cirurgia; Esclera/cirurgia; Esclerostomia/métodos, complicações pós-operatórias; Soluções oftálmicas/efeitos adversos; Relatos de casos [Tipo de publicação]

ABSTRACT

Non-penetrating deep sclerectomy has been an alternative to trabeculectomy, because it has the advantage of reducing intraocular pressure (IOP), without penetrating the anterior chamber. Thus, it avoids a sudden decompression and a plain anterior chamber. In this paper, we described a case of a female patient, 53 years old, black, with diagnosis of open-angle primary glaucoma, with unsatisfactory clinical control and who was submitted to non-penetrating deep sclerectomy. The patient developed goniosynechiae at the site of the sclerectomy, after inappropriate use of mydriatic eye-drops during the postoperative period, leading to an increase of IOP and, therefore, failure of the surgery. The use of mydriatic eye-drops during the postoperative period of deep sclerectomy is not indicated, because in this case, it led to surgery failure.

Keywords: Glaucoma, open-angle/surgery; Sclera/surgery; Sclerostomy/methods, postoperative complications; Ophthalmic solutions/adverse effects; Case reports [Publication type]

INTRODUÇÃO

A esclerectomia profunda não penetrante (EPNP) tem sido uma alternativa à trabeculectomia, pois tem como principal vantagem a redução da pressão intra-ocular (PIO) sem penetrar a câmara anterior (CA)(1-2). A maior resistência do humor aquoso (HA) encontra-se no trabeculado justacanalicular e parede interna do canal de Schlemm. O sucesso deste procedimento está em remover fisicamente estas estruturas que provocam resistência ao escoamento do humor aquoso, sem comprometer a integridade estrutural do olho. Desta forma evita-se a descompressão brusca, CA rasa e formação de catarata(1). A indicação formal da cirurgia não penetrante é sempre o glaucoma primário de ângulo aberto.

O objetivo deste trabalho é descrever uma complicação pós-operatória na esclerectomia profunda não penetrante, por uso inadvertido de colírio midriático.

RELATO DE CASO

M. J. C., 53 anos, sexo feminino, negra, natural e procedente do Rio de Janeiro. Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes para o caso.

A paciente procurou o ambulatório geral do Instituto Benjamin Constant em 2004, com diagnóstico de glaucoma, e em tratamento com maleato de timolol 0,5%. Referia baixa visual progressiva em ambos os olhos por progressão da doença, já com cegueira no olho direito.

No exame oftalmológico observou-se acuidade visual de SPL (sem percepção luminosa) no olho direito e 20/160 no olho esquerdo com a melhor correção. À biomicroscopia apresentou córnea transparente, câmara anterior ampla, íris e cristalino sem alterações. O exame de fundo de olho mostrou atrofia óptica glaucomatosa no olho direito e disco óptico glaucomatoso, com escavação 0,9/0,9 no olho esquerdo. A gonioscopia realizada com lente de três espelhos de Goldmann revelou ângulo aberto em 360º com seio camerular livre. A campimetria computadorizada central do olho esquerdo mostrou lesão tubular. MD: 26,6 dB. A paciente fazia uso de colírios hipotensores: associação fixa de maleato de timolol 0,5% com tartarato de brimonidina 0,2% e travoprosta. PIO: 24 mmHg às 10 h medida com tonômetro de aplanação de Goldmann.

Foi indicado tratamento cirúrgico para controle pressórico no olho esquerdo. Em novembro de 2006, a paciente foi submetida à esclerectomia profunda não penetrante (sem implante de colágeno) com aplicação de mitomicina. A cirurgia transcorreu sem intercorrências. No primeiro dia de pós-operatório, com PIO de 8 mmHg, a paciente fez uso inadvertido de colírio midriático (tropicamida 1%), o que levou à formação de goniossinéquia no local da esclerectomia (Figura 1), com conseqüente aumento da PIO e falência da cirurgia. A PIO medida pela manhã no 8º, 15º e 30º dia de pós-operatório foi consecutivamente: 30, 32 e 30 mmHg.


DISCUSSÃO

Trabalhos recentes têm demonstrado a eficácia da esclerectomia profunda como procedimento simples para controle do glaucoma primário de ângulo aberto ou combinado a extração de catarata(3-4). Estes estudos mostram que a redução da PIO por meio da EPNP é comparável aos resultados obtidos com trabeculectomia, em pacientes acompanhados por 12 meses após a cirurgia(4).

Esta nova técnica de cirurgia filtrante consiste em aumentar seletivamente o fluxo de drenagem do aquoso através do trabeculado justacanalicular e canal de Schlemm sem penetrar na câmara anterior(1). O sucesso do procedimento filtrante depende dos seguintes fatores essenciais: profundo conhecimento da anatomia ocular, cuidadosa e precisa técnica de dissecção e instrumentos cirúrgicos de alta precisão(2).

Além das vantagens anteriormente citadas da EPNP, como: preservar a integridade estrutural do olho e evitar descompressão brusca, autores sugerem que a perda de células endoteliais após EPNP é menor que aquela encontrada na trabeculectomia(5).

As principais complicações da EPNP são: ruptura da membrana trabeculado-Descemet, hipertensão ocular pós-operatória, fibrose da bolha filtrante, bolha policística, não identificação do canal de Schlemm e encarceramento da íris(6-7). Grandes rupturas da membrana trabeculado-Descemet são convertidas em procedimento penetrante (trabeculectomia). Outras complicações clássicas de cirurgia filtrante também podem ocorrer, no entanto, com menor prevalência, tais como o descolamento de coróide, hipotonia prolongada, hifema, câmara anterior rasa e o teste de Seidel positivo(5).

Recebido para publicação em 19.10.2007

Última versão recebida em 24.11.2007

Aprovação em 13.12.2007

Trabalho realizado no Departamento de Glaucoma do Instituto Benjamin Constant - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil.

  • 1. Roy S, Mermoud A.[How does nonpenetrating surgery work?]. J Fr Ophtalmol. 2006;29(10):1167-74. French.
  • 2. Roy S, Mermoud A. [Deep nonpenetrating sclerectomy: technical aspects]. J Fr Ophtalmol. 2006;29(10):1160-6. French.
  • 3. Lüke C, Dietlein TS, Lüke M, Konen W, Krieglstein GK. Phaco-trabeculotomy combined with deep sclerectomy, a new technique in combined cataract and glaucoma surgery: complication profile. Acta Ophthalmol Scand. 2007;85(2):143-8.
  • 4. Marek R, Joanna W, Lewczuk K, Siemiatkowska A, Stankiewicz A. Efficacy and safety of deep sclerectomy and phacoemulsification and deep sclerectomy in clinical of Military Health Service Institute-yearly observations. Klin Oczna. 2006;108(10-12):385-91.
  • 5. Arnavielle S, Lafontaine PO, Bidot S, Creuzot-Garcher C, D'Athis P, Bron AM. Corneal endothelial cell changes after trabeculectomy and deep sclerectomy. J Glaucoma. 2007;16(3):324-8.
  • 6. Roy S, Mermoud A. [Complications of deep nonpenetrating sclerectomy]. J Fr Ophtalmol. 2006;29(10):1180-97. French.
  • 7. Hamard P. Management of non penetrating surgery failure. J Fr Ophtalmol. 2003;26(Spec Nº 2):S18-22.
  • Endereço para correspondência:
    Rinalva Tenório Vaz
    Rua Clovis Beviláqua, 163/802
    Recife (PE) CEP 50710-330
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      19 Out 2007
    • Aceito
      13 Dez 2007
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