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Plágio e condutas inadequadas em pesquisa: onde chegamos e o que podemos fazer

EDITORIAL

Médico, Departamento de Oftalmologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

A comunidade científica tem demonstrado há alguns anos grande preocupação com os relatos de condutas inadequadas. Esse assunto é abordado diariamente nos mais diversos meios de comunicação, científicas ou não. Uma rápida busca na literatura pelos termos "plagiarism" ou "misconduct" (plágio ou conduta inadequada) gera mais de 8.000 artigos na língua inglesa no PubMed. A figura 1 demonstra que a grande maioria destas publicações ocorreu nos últimos 20 anos.


O desperdício com a conduta científica inadequada é difícil de ser estimado. Em resumo, devemos assumir que os resultados científicos advindos destas pesquisas são inúteis e, portanto, os gastos diretos e indiretos da pesquisa são custos e não investimentos. Os custos diretos são mais tangíveis por serem relacionados ao financiamento da pesquisa (serviços, equipamentos, insumos, viagens, etc.). Os custos indiretos podem assumir magnitudes enormes, pois se relacionam aos danos causados aos pacientes e às futuras pesquisas por causa dos dados e conclusões inadequadas apresentados(1). O dano humano é ainda mais importante quando consideramos a repetição de resultados fraudulentos. Em 2009, um mesmo investigador foi considerado culpado na publicação de mais de 20 artigos, a maioria sobre o uso de drogas anti-inflamatórias não hormonais no perioperatório, estima-se que milhões de pacientes tenham sido tratados inadequadamente com base nesses resultados(2). O desperdício com pesquisa inadequada foi estimado em mais de meio milhão de dólares em um caso específico e em mais de cem milhões de dólares em um ano apenas, nos Estados Unidos(3). Se assumirmos que o número de artigos publicados anualmente praticamente dobrou nos últimos 10 anos, atingindo a marca de quase 2 milhões em 2010(4) e que a porcentagem de artigos com conduta inadequada pode chegar a mais de 20%(5), podemos perceber que a ética em pesquisa deve ser uma preocupação da população, das fontes pagadoras e dos pesquisadores sérios(6,7).

Este prejuízo reflete até mesmo nas indústrias privadas que não conseguiram reproduzir a maioria dos resultados publicados em periódicos científicos, fazendo com que drogas aparentemente promissoras nunca tenham sido disponibilizadas comercialmente para a população(8-10).

Recentemente, a revista Science publicou o que parece ser a situação mais vergonhosa para a ciência(11,12). Neste artigo foi revelado um esquema de venda de autorias em trabalhos já aceitos para publicação em revistas científicas indexadas e com bom fator de impacto. Por até 26.000 dólares o pesquisador pode comprar a co-autoria em um manuscrito. Tal valorização do fator de impacto na promoção de cientistas levou à Sociedade Americana de Biologia Celular a criar, em 2012, a Declaração sobre Avaliação em Pesquisa de São Francisco (do Inglês, San Francisco Declaration on Research Assessment, DORA), afirmando que o fator de impacto não deve ser utilizado na avaliação da qualidade de artigos científicos(13,14). Postura semelhante apresentou Randy Schekman, ganhador do prêmio Nobel em fisiologia ou medicina de 2013(15).

A detecção do plágio é uma das difíceis tarefas do corpo editorial de uma revista científica. Editores e revisores muitas vezes têm que fazer buscas especializadas nos diferentes bancos de dados tentando identificar se o texto apresentado para publicação já foi divulgado pelos mesmos ou por outros autores. O ABO iniciará em breve uma parceria com a empresa iThenticate, por meio da SciELO para tornar a pesquisa automatizada por plágio parte da avaliação dos manuscritos submetidos. Tal parceria só se tornou possível graças ao apoio incondicional da SciELO para a melhora da qualidade científica dos periódicos brasileiros.

A iThenticate foi criada em 1996, o número de editoras científicas que utilizam este programa aumentou em mais de dez vezes entre 2008 e 2011, atingindo, atualmente, dezenas de milhares de revistas. Atualmente 1/3 das revistas científicas acadêmicas tem acesso a esse programa de detecção de plágio e mais de 2 milhões de artigos são avaliados por ano.

O ABO tem orgulho de ser a primeira revista médica brasileira a utilizar o programa iThenticate!

Submetido para publicação: 20 de dezembro de 2013

Aceito para publicação: 20 de dezembro de 2013

Financiamento: Não houve financiamento para este trabalho.

Divulgação de potenciais conflitos de interesse: W.Chamon, Nenhum.

  • 1
    Steen RG. Retractions in the medical literature: how many patients are put at risk by flawed research? J Med Ethics. 2011;37(11):688-92.
  • 2
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  • 3
    Michalek AM, Hutson AD, Wicher CP, Trump DL. The costs and underappreciated consequences of research misconduct: a case study. PLoS Med. 2010;7(8):e1000318.
  • 4
    Naik G. Scientists' Elusive Goal: reproducing study results. Wall Street Journal [Internet]. 2011 December 2. [cited 2012 Jan 2] Available from: http://online.wsj.com/news/articles/SB10001424052970203764804577059841672541590
  • 5
    Butler D. Journals step up plagiarism policing. Nature. 2010;466(7303):167. Comment in: Nature. 2010;467(7312):153.
  • 6
    Ioannidis JP. Why most published research findings are false. PLoS Med. 2005;2(8): e124. Comment in: PLoS Med. 2005;2(11):e361; PLoS Med. 2005;2(11):e386; author reply e398; PLoS Med. 2005;2(11):e395; Virtual Mentor. 2013;15(1):29-33; PLoS Med. 2007;4(4):e168; PLoS Med. 2005;2(8):e272.
  • 7
    Oransky I, Marcus A. Retraction Watch 2010 [cited 2013 Dec 15]. Available from: http://retractionwatch.com
  • 8
    Arrowsmith J, Miller P. Trial watch: phase II and phase III attrition rates 2011-2012. Nat Rev Drug Discov. 2013;12(8):569.
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  • 10
    Arrowsmith J. Trial watch: Phase II failures: 2008-2010. Nat Rev Drug Discov. 2011; 10(5):328-9.
  • 11
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  • 12
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  • 15
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  • Plágio e condutas inadequadas em pesquisa: onde chegamos e o que podemos fazer

    Wallace Chamon
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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