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Invasão do duodeno por carcinoma do terço distal do estômago: estudo histopatológico e revisão da literatura

Distal gastric carcinoma with duodenal invasion: a histopathologic study and review

Resumos

A invasão do duodeno pelo carcinoma gástrico é relatada em 11% a 33,3% dos exames de peças cirúrgicas. Apesar dessa alta freqüência, é dificilmente reconhecida durante o ato cirúrgico ou no exame macroscópico da peça. A identificação de fatores de risco de invasão do duodeno, como tipo histológico e estádio da neoplasia, bem como a análise da extensão média de invasão poderão ser úteis na adoção de condutas cirúrgicas que diminuam o risco de recidiva local do tumor. Foram estudados 50 casos de carcinoma do terço distal do estômago, com o objetivo de quantificar a extensão da infiltração neoplásica nas diversas camadas da parede duodenal e de correlacioná-la com características do tumor como tipo histológico, nível de infiltração do tumor na parede gástrica e invasão vascular, procurando-se estabelecer fatores prognósticos para a invasão do duodeno. Observou-se invasão em 27 casos (54%), 17/32 de tipo intestinal (53%), 9/10 de tipo difuso (90%) e 1/8 dos casos não-classificáveis histologicamente (12,5%). O tipo histológico difuso constituiu o principal fator de risco (RC = 11; IC 95%: 1,20 a 254,16; P < 0,01) para a invasão do duodeno. A maioria dos casos (21/27, 77%) encontrava-se em estádios III ou IV. A submucosa duodenal foi a camada mais freqüentemente invadida (22/27 casos, 81%) e em maior extensão (8,21 ± 9,75 mm). Conclui-se que o risco de invasão duodenal é maior nos tumores difusos e em estádios III e IV; a ressecção cirúrgica duodenal deve ser ampliada nessas neoplasias e o exame peroperatório pode ser útil na determinação da margem de ressecção.

Adenocarcinoma; Neoplasias duodenais; Neoplasias gástricas; Invasividade neoplásica


Gastric carcinoma with duodenal invasion is reported in 11% to 33,3% of surgical specimens. In spite of this high frequency, it is not easily recognised during the surgical proceeding or at gross examination. The study of risk factors like histological type, tumor stage and extension of duodenal invasion can be useful in establishing the best surgical approach in order to diminish the risk of local recurrence. We report 50 cases of distal gastric carcinoma in which we analysed the tumor extension in the different layers of the duodenal wall; duodenal invasion was correlated with histological type, level of infiltration in the gastric wall and presence of vascular invasion. Duodenal invasion was observed in 27 cases (54%), 17/32 of intestinal type (53%), 9/10 of diffuse type (90%) e 1/8 of non-classifiable tumours (12,5%). Diffuse type carcinoma was the most important risk factor for invasion (OR = 11; CI 95%: 1,20 to 254,16; P < 0,01). Most of the cases (21/27, 77%) were stage III or IV. The submucosal layer was the most frequent (22/27 cases, 81%) and also most extensively (8,21 ± 9,75 mm) invaded. We conclude that the risk of duodenal invasion is higher in diffuse type tumours and in stage III or IV. Distal surgical resection should be wider in these cases and determined by frozen section biopsy specimen at the point of transection.

Adenocarcinoma; Duodenal neoplasms; Stomach neoplasms; Neoplasm invasiveness


ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

INVASÃO DO DUODENO POR CARCINOMA DO TERÇO DISTAL DO ESTÔMAGO.

Estudo histopatológico e revisão da literatura

Ana Margarida M. F. NOGUEIRA* * Professor Adjunto Doutor do APM - FM-UFMG. , Ana Cristina S. SILVA** * Professor Adjunto Doutor do APM - FM-UFMG. , Edson B. PAIVA** * Professor Adjunto Doutor do APM - FM-UFMG. , Sílvia P. CARVALHO** * Professor Adjunto Doutor do APM - FM-UFMG. e Paulo Guilherme O. SALLES*** * Professor Adjunto Doutor do APM - FM-UFMG.

RESUMO - A invasão do duodeno pelo carcinoma gástrico é relatada em 11% a 33,3% dos exames de peças cirúrgicas. Apesar dessa alta freqüência, é dificilmente reconhecida durante o ato cirúrgico ou no exame macroscópico da peça. A identificação de fatores de risco de invasão do duodeno, como tipo histológico e estádio da neoplasia, bem como a análise da extensão média de invasão poderão ser úteis na adoção de condutas cirúrgicas que diminuam o risco de recidiva local do tumor. Foram estudados 50 casos de carcinoma do terço distal do estômago, com o objetivo de quantificar a extensão da infiltração neoplásica nas diversas camadas da parede duodenal e de correlacioná-la com características do tumor como tipo histológico, nível de infiltração do tumor na parede gástrica e invasão vascular, procurando-se estabelecer fatores prognósticos para a invasão do duodeno. Observou-se invasão em 27 casos (54%), 17/32 de tipo intestinal (53%), 9/10 de tipo difuso (90%) e 1/8 dos casos não-classificáveis histologicamente (12,5%). O tipo histológico difuso constituiu o principal fator de risco (RC = 11; IC 95%: 1,20 a 254,16; P < 0,01) para a invasão do duodeno. A maioria dos casos (21/27, 77%) encontrava-se em estádios III ou IV. A submucosa duodenal foi a camada mais freqüentemente invadida (22/27 casos, 81%) e em maior extensão (8,21 ± 9,75 mm). Conclui-se que o risco de invasão duodenal é maior nos tumores difusos e em estádios III e IV; a ressecção cirúrgica duodenal deve ser ampliada nessas neoplasias e o exame peroperatório pode ser útil na determinação da margem de ressecção.

DESCRITORES - Adenocarcinoma. Neoplasias duodenais. Neoplasias gástricas. Invasividade neoplásica.

INTRODUÇÃO

A invasão do duodeno pelo carcinoma gástrico foi reconhecida pela primeira vez por Briton em 1865 e confirmada posteriormente por vários outros autores(3, 4, 5, 10, 14, 15, 16, 17). Relatam-se percentagens de invasão duodenal de 9,2% a 68,9% em material de necropsia e de 11% a 33,3% em peças cirúrgicas(1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22). Todavia, esse fato é relatado raramente em livros de texto médico e nos mais antigos afirma-se que o carcinoma gástrico pára abruptamente na altura do piloro. É provável que essa falsa impressão se deva ao fato de que, na maior parte das vezes, a invasão duodenal e até mesmo do piloro não seja percebida macroscopicamente, sendo diagnosticada apenas na superfície de corte ou no exame histológico. Na maioria dos casos ocorre infiltração da intimidade da parede duodenal abaixo das glândulas de Brünner, estando estas e a mucosa mais preservadas(3, 6, 7, 17, 22).

Na maioria das casuísticas estudadas, relata-se que a invasão ocorre preferencialmente em neoplasias em estádios III e IV, com padrão de crescimento infiltrativo e classificadas histologicamente como adenocarcinomas pouco diferenciados. É possível que esse tipo de neoplasia corresponda, na maior parte das vezes, ao carcinoma tipo difuso de LAURÉN(9), cujo comportamento biológico é mais agressivo. Por outro lado, estudos mais recentes demonstraram que a sobrevida de 5 anos é significativamente pior nos casos de carcinoma gástrico com invasão duodenal(7, 8, 14), mesmo em pacientes submetidos a cirurgias potencialmente curativas. Além disso, observou-se que a invasão duodenal é fator independente de pior prognóstico no carcinoma do terço distal do estômago(7, 14).

Neste trabalho foram estudados 50 casos de carcinoma do terço distal do estômago, com o objetivo de quantificar a extensão da infiltração neoplásica nas diversas camadas da parede duodenal e de relacioná-la com características do tumor como tipo histológico, nível de infiltração do tumor na parede gástrica e invasão vascular, procurando-se estabelecer fatores prognósticos para a invasão do duodeno.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram estudadas 50 peças cirúrgicas consecutivas provenientes de gastrectomias totais e subtotais de pacientes (26 homens, 24 mulheres, média de idade de 58,1 anos) operados de carcinoma do terço distal do estômago no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. Imediatamente após a retirada cirúrgica, as peças foram encaminhadas ao Laboratório de Anatomia Patológica onde foram processadas como se segue: 1) abertura pela grande curvatura e lavagem cuidadosa para retirada de sangue e muco; 2) exame macroscópico, determinando-se a localização e as dimensões da neoplasia, as medidas das curvaturas maior e menor do estômago, dos segmentos de duodeno e esôfago retirados e das margens cirúrgicas macroscópicas, proximal e distal; 3) distensão em tela e fixação em formol a 10% em solução salina tamponada por 24 horas; 4) fotografia da peça fixada; 5) análise da superfície de corte da neoplasia para identificar a profundidade de invasão da neoplasia na parede gástrica e invasão do piloro e do duodeno; 6) retirada de fragmentos para exame histológico: três áreas diferentes da neoplasia, um fragmento da margem cirúrgica proximal, fragmentos da margem cirúrgica distal em correspondência com as curvaturas gástricas maior e menor, englobando todo o duodeno, piloro e 0,5 cm distais da neoplasia, e dois fragmentos da parede gástrica do antro e o corpo para análise da mucosa gástrica.

O tipo macroscópico da neoplasia foi classificado de acordo com BORRMANN(11). O material foi submetido ao processamento histológico de rotina, com inclusão em parafina e cortes histológicos de 5 mm de espessura, corados em hematoxilina-eosina (HE).

A neoplasia foi classificada histologicamente de acordo com LAURÉN(9). Avaliou-se a profundidade de infiltração da neoplasia na parede gástrica (pT), a presença de invasão vascular linfática ou venosa, a invasão do piloro e duodeno e mediu-se a margem cirúrgica distal. O tumor foi estadiado de acordo com o Sistema TNM(20). Nos casos de invasão do duodeno, mediu-se a extensão da invasão em todas as suas camadas com ocular milimetrada; foram realizadas duas medidas, conferidas por um terceiro observador e, ao valor obtido, acrescentou-se 20% para correção de artefatos de retração por fixação e processamento. O início do duodeno foi considerado a partir de uma linha tirada entre uma tangente à porção distal do piloro e o início das glândulas de Brünner (Fig. 1).


Os fatores de risco para invasão duodenal foram avaliados por análise univariada, estimando-se a razão de chance ("odds ratio") com intervalo de confiança de 95%; o significado estatístico das associações foi avaliado pelo teste de Fisher ou pelo método de c2 com correção de Yates. O nível de significância foi fixado para P <0,05.

RESULTADOS

Observou-se invasão duodenal em 27 (54%) dos 50 casos estudados, nos quais em 13 (50,5%) suspeitou-se de comprometimento do piloro e, em apenas 2 (7%), a neoplasia estendia-se visivelmente ao duodeno. Em um caso observou-se invasão vascular linfática maciça na submucosa duodenal. Na Tabela 1 estão listadas as características de cada caso, com o nível de infiltração pT, seu estadiamento (TNM), o tipo histológico da neoplasia e a extensão da infiltração duodenal nas várias camadas do órgão.

A infiltração do duodeno por continuidade ocorreu, na maioria das vezes, no plano da submucosa (n = 22,81%) (Fig. 2) , seguindo-se a muscular própria (n = 16,59%) e a mucosa (n = 12,44%); a infiltração de todas as camadas do duodeno ocorreu em apenas quatro casos (15%). Da mesma forma, a maior extensão da infiltração ocorreu na submucosa (8,2 ± 9,7 mm). Em apenas três casos, a extensão da infiltração no duodeno foi maior que 3 cm (casos 26, 31 e 32), com uma infiltração máxima de 46 mm.


Os tumores classificados histologicamente como difusos (n = 10) apresentaram invasão do duodeno em praticamente todos os casos (nove casos, 90%), em óbvio contraste com os tumores de padrão intestinal e não-classificáveis (mistos) segundo Laurén, que mostraram infiltração em 53% e 13% dos casos, respectivamente (Tabela 2).

A maioria dos casos nos quais se observou invasão duodenal, era constituída por tumores mais avançados, invasores da serosa (pT3) (n = 21, 77%), sendo estadiados como IIIa (n = 7), IIIb (n = 7) ou IV (n = 7), de acordo com o Sistema TNM (Tabela 3). Os tumores maiores que 5 cm (29 casos, 58%) constituíram o grupo onde a invasão duodenal foi mais freqüente, embora essa diferença não tenha sido estatisticamente significativa (P = 0,29) (Tabela 4). A presença ou não de invasão vascular linfática e/ou venosa (21 casos, 42%) não se correlacionou com a invasão duodenal, nem parece ser fator de risco para tal (RC = 1,24; IC 95%: 0,35 a 4,50; P = 0,7; RR = 1,14) (Tabela 5).

Para determinar os fatores de risco para invasão duodenal foi feita análise univariada do nível de infiltração da pT, o tipo histológico do tumor e a presença ou não de invasão vascular linfática ou venosa. Os fatores prognósticos que se mostraram mais importantes foram o tipo histológico do tumor (carcinoma difuso - RC = 11; IC 95%: 1,20 a 254,16; P < 0,01; RR = 7,67) e o nível de infiltração da parede gástrica pela neoplasia (pT3 - RC = 3,21; IC 95%: 0,81 a 13,15; P = 0,06; RR = 1,49) (Tabela 5). A análise do risco de invasão duodenal por carcinoma difuso estratificada pelo pT não foi possível devido ao tamanho reduzido da amostra.

DISCUSSÃO

O "mito" da ausência de invasão duodenal em casos de carcinoma gástrico foi inicialmente proposto por Rokitansky em 1861, em seu texto clássico Lehrbuch der pathologischen Anatomie. Segundo este autor, "o câncer do piloro é exatamente limitado pelo anel pilórico e nunca se estende além deste, atingindo o duodeno"(3, 5, 6, 12, 13, 15, 16, 18, 19). Essa idéia permaneceu aceita durante muitos anos, sendo corroborada pela maioria dos autores da época(3, 5, 15, 21), que defendiam várias teorias(15) para explicar a "imunidade" do duodeno, como a escassa rede linfática entre os dois órgãos, o fluxo de linfa no sentido duodeno-estômago, o pH alcalino do duodeno e a contração espasmódica do esfíncter pilórico formando uma barreira mecânica.

Brinton, em 1865, foi o primeiro a demonstrar invasão duodenal em 10 de 125 casos (8%) de carcinoma do terço distal do estômago, sugerindo então que as ressecções cirúrgicas do carcinoma gástrico deveriam incluir a primeira porção do duodeno(3, 4, 5, 10, 15, 16). Nos anos seguintes, outros autores(3, 4, 12, 15, 19, 21) publicaram observações semelhantes. Em 1907, Jamieson e Dobson demonstraram experimentalmente a continuidade direta entre os plexos linfáticos da serosa dos dois órgãos, o que foi posteriormente confirmado por outros trabalhos(19).

No presente estudo, observou-se invasão do duodeno em 27 dos 50 carcinomas (54%) do terço distal do estômago. Este dado está de acordo com o descrito em estudos de várias partes do mundo, relatando casos de infiltração duodenal em séries de espécimes cirúrgicos ou de autopsia que variam de 11% a 33,3% e de 9,2% a 68,9%, respectivamente(1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22), com taxa de recurrência na margem duodenal de até 23,8%(16). Em apenas dois casos desta série observou-se, macroscopicamente, invasão duodenal e em 13 (50,5%) suspeitou-se de infiltração do piloro. Estas observações são idênticas às relatadas na literatura e justificam a crença de que o duodeno seria poupado pelo carcinoma gástrico, uma vez que a invasão ocorre na intimidade da parede e passa despercebida ao exame macroscópico.

A infiltração do duodeno ocorreu por continuidade em todos os casos e em apenas um deles havia invasão vascular linfática maciça no duodeno. Além disso, a invasão vascular não constituiu um fator de risco para invasão duodenal (RC = 1,24, P = 0,7) neste estudo. A infiltração ocorreu na maioria das vezes (81%) no plano da submucosa, onde também era mais extensa. A extensão do câncer gástrico ao duodeno pode seguir várias vias: sangüínea, linfática intramural, linfática extramural, como componente de carcinomatose peritoneal e por infiltração direta 3, 7, 12, 15, 17, 19, 22. Considerando essa última via, o anel pilórico é o ponto de contato entre as mucosas gástrica e duodenal (histologicamente bem diferentes), mas as camadas submucosa e subserosa são contínuas; assim, o câncer pode invadir por contiguidade através do tecido conjuntivo frouxo subseroso ou submucoso, onde apenas as glândulas de Brünner parecem agir como uma barreira(7). À semelhança de nossos achados, essa é a via relatada mais freqüentemente em outros estudos, embora haja séries em que a invasão duodenal foi relacionada com invasão linfática maciça do órgão(3, 6, 7, 15, 22). A submucosa é usualmente a camada mais freqüentemente invadida e a mucosa, a menos freqüentemente(3, 6, 17, 22), como também demonstram os dados desta série.

A extensão de parede duodenal invadida é variável, com relato de um caso(15) apresentando invasão de até 22,6 cm. Entretanto, na presente amostra, assim como na maior parte dos casos da literatura, a infiltração raramente ultrapassa 3 cm (3/27 casos em nossa série), sendo este valor considerado como margem de ressecção cirúrgica adequada(3, 6, 13, 15, 17). Embora tenham-se acrescentado 20% às medidas como maneira de compensar as alterações de retração por fixação e processamento, essa variação não é estatisticamente significativa, como tem sido demonstrado(2, 3). Apesar de infiltrações mais extensas não serem comuns, geralmente não são identificadas macroscopicamente(6, 8). A grande maioria das séries refere que a maior parte dos diagnósticos é microscópico, e na presente casuística não foi diferente, com apenas dois casos apresentando alteração macroscópica. Há sugestão na literatura de se realizar avaliação da infiltração duodenal no pré-operatório, durante a propedêutica para diagnóstico/estadiamento do paciente, através de biopsia endoscópica do duodeno(18). Tal conduta, entretanto, não parece a mais adequada, em vista do fato de que, de acordo com os presentes dados e outros já citados, a mucosa é pouco acometida. Seria assim mais eficaz uma avaliação peroperatória, através de exame de congelação da margem de ressecção duodenal(13).

A maior parte dos casos examinados na presente série, que apresentavam infiltração duodenal, eram neoplasias classificadas como pT3 de acordo com o Sistema TNM, ou seja, correspondendo a estádios III ou IV. Nesta casuística, observou-se que o risco de invasão duodenal é significativamente maior nas lesões pT3. Esses dados estão de acordo com os relatados na literatura, que mostram que a infiltração duodenal é mais freqüente em neoplasias de estádio III e IV(4, 5, 6, 7, 8, 21). A forma de apresentação macroscópica e as dimensões do tumor não parecem ser fatores importantes por si só no risco de infiltração do duodeno, embora a maioria dos autores refira que as neoplasias com crescimento infiltrativo são as que mais freqüentemente invadem o duodeno(5, 6). No presente estudo, não observamos associação significativa entre as dimensões da neoplasia e a invasão duodenal (P = 0,29). Quanto a sua localização no estômago, quanto mais próximo ao piloro, maior a freqüência de infiltração(6, 7, 9, 15, 22), fazendo-se ressalva quanto a um caso relatado de tumor na cárdia com invasão do duodeno(6). Parece óbvio que a probabilidade de invasão duodenal aumente com o estádio e dimensões da neoplasia e sua localização mais distal no estômago. Por outro lado, recentemente dois estudos chamaram a atenção de que a invasão duodenal é um fator independente de pior prognóstico no carcinoma do terço distal do estômago, e portanto, independente das dimensões e estádio da neoplasia(7, 14).

O tipo histológico mostrou-se como o mais importante fator prognóstico para a infiltração duodenal: 9/10 carcinomas de tipo difuso (90%) apresentavam invasão duodenal e o risco relativo de um carcinoma difuso invadir o duodeno, em relação aos outros tipos, foi de 7,67. Estes dados confirmam e justificam relatos anteriores de que a maior parte das neoplasias que invade o duodeno é pouco diferenciada(4, 6), embora os autores não tenham usado a classificação de Laurén, amplamente aceita e recomendada atualmente.

Concluindo, a invasão duodenal pelo carcinoma do terço distal do estômago é extremamente freqüente, representando 54% na nossa casuística. O tipo histológico foi o principal fator de risco para a invasão duodenal, muito aumentado no carcinoma difuso, seguindo-se o grau de invasão da parede gástrica. Estas observações permitem-nos sugerir que a ressecção duodenal deve ser ampliada em carcinomas difusos e o exame peroperatório pode ser útil na determinação da margem de ressecção.

Nogueira AMMF, Silva ACS, Paiva EB, Carvalho SP, Salles PGO. Distal gastric carcinoma with duodenal invasion. A histopathologic study and review. Arq Gastroenterol 2000;37(3):168-173.

ABSTRACT - Gastric carcinoma with duodenal invasion is reported in 11% to 33,3% of surgical specimens. In spite of this high frequency, it is not easily recognised during the surgical proceeding or at gross examination. The study of risk factors like histological type, tumor stage and extension of duodenal invasion can be useful in establishing the best surgical approach in order to diminish the risk of local recurrence. We report 50 cases of distal gastric carcinoma in which we analysed the tumor extension in the different layers of the duodenal wall; duodenal invasion was correlated with histological type, level of infiltration in the gastric wall and presence of vascular invasion. Duodenal invasion was observed in 27 cases (54%), 17/32 of intestinal type (53%), 9/10 of diffuse type (90%) e 1/8 of non-classifiable tumours (12,5%). Diffuse type carcinoma was the most important risk factor for invasion (OR = 11; CI 95%: 1,20 to 254,16; P < 0,01). Most of the cases (21/27, 77%) were stage III or IV. The submucosal layer was the most frequent (22/27 cases, 81%) and also most extensively (8,21 ± 9,75 mm) invaded. We conclude that the risk of duodenal invasion is higher in diffuse type tumours and in stage III or IV. Distal surgical resection should be wider in these cases and determined by frozen section biopsy specimen at the point of transection.

HEADINGS - Adenocarcinoma. Duodenal neoplasms. Stomach neoplasms. Neoplasm invasiveness.

Recebido para publicação em 28/10/1999.

Aprovado para publicação em 31/1/2000.

Trabalho realizado no Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal (APM) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM-UFMG)

** Bolsista de Iniciação Científica do APM - FM-UFMG

*** Médico Residente do APM do Hospital das Clínicas da FM-UFMG

Endereço para correspondência: Dra. Ana Margarida M. F. Nogueira - Faculdade de Medicina da UFMG - Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal - Av. Prof. Alfredo Balena 190 - 5o andar - 30130-100 - Belo Horizonte, MG - e-mail: anog@medicina.ufmg.br

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  • *
    Professor Adjunto Doutor do APM - FM-UFMG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      Jul 2000

    Histórico

    • Aceito
      31 Jan 2000
    • Recebido
      28 Out 1999
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