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Os anti-secretores alteram a distribuição do Helicobacter pylori no estômago

EDITORIAL

OS ANTI-SECRETORES ALTERAM A DISTRIBUIÇÃO DO Helicobacter pylori NO ESTÔMAGO

DESCRITORES ¾ Antagonistas dos receptores H2 da histamina. Infecções por helicobacter.

Helicobacter pylori. Antro pilórico, microbiologia.

Os anti-secretores são medicamentos de primeira linha no tratamento da úlcera péptica (UP) e da doença do refluxo gastroesofagiano (DRGE). Têm sido também utilizados no tratamento de sintomas digestivos altos em pacientes considerados funcionais. Dois grupos de medicamentos são, atualmente, prescritos nas situações citadas: os bloqueadores dos receptores da histamina (BlH2) e os inibidores da bomba de prótons (IBP). Estes últimos são considerados como praticamente obrigatórios nos esquemas de tratamento para a erradicação do Helicobacter pylori (Hp), bem como os preferidos para o tratamento tanto da UP como da DRGE.

No Brasil, infelizmente, a prática da auto-medicação e a facilidade da obtenção de medicamentos sem a receita médica constitui a regra. É freqüente o paciente, ao procurar o seu médico, já estar utilizando medicamentos que bloqueiam a produção do ácido clorídrico (HCl). A atual tendência da substituição de medicamentos considerados como habituais no controle de sintomas dispépticos (particularmente os antiácidos) pelos anti-secretores, ampliou ainda mais o uso dos BlH2 e dos IBP.

Que conseqüências eventuais poderia originar este tipo de conduta? O trabalho do Serviço de Gastroenterologia de Juiz de Fora, MG(2), publicado no presente número dos ARQUIVOS de GASTROENTEROLOGIA, aborda as alterações no diagnóstico da infecção pelo Hp (teste ultra rápido da urease e exame histológico). Para o teste ultra rápido da urease (Arvind et al., 1988), utilizaram dois fragmentos do antro e dois do corpo e, para o exame anatomopatológico, um fragmento do antro e um do corpo (coloração pelo Giemsa). O uso da ranitidina não resultou em alterações na positividade do teste da urease, nem do exame histológico, tanto no antro, como no corpo. No entanto, naqueles pacientes que receberam o omeprazol, observou-se significativa queda da positividade em antro, tanto para o teste da urease (antes 100%, após tratamento 64%), como para o exame histológico (antes 92%, depois 40%). No corpo gástrico, o achado foi de certo modo conflitante pois, enquanto no teste da urease a positividade aumentou (de 64% para 76%), o exame histológico anteriormente positivo em 21 pacientes (84%) após tratamento permitiu demonstrar a presença de bactérias somente em 14 pacientes (56%).

Ainda que os autores comentem que a redução da positividade foi observada só no antro, não ocorrendo no corpo, a histologia mostrou acentuada redução da positividade do Hp, tanto no antro (antes 92%, depois 40%), como no corpo (antes 84%, depois 56%). As observações de FERREIRA et al.(2) confirmam as da literatura em relação ao comportamento da bactéria no antro frente ao tratamento com IBP, mas conflita com o relatado à migração (ou florescimento) do Hp no corpo(4).

O primeiro grupo a chamar a atenção para o efeito do IBP sobre a colonização das diferentes áreas do estômago pelo Hp foi o de Pádua, Itália. VIGNERI et al.(7), em carta enviada ao Am J Gastroenterol, em 1991, utilizando o omeprazol na dose de 40 mg por 4 a 8 semanas em 29 pacientes com úlcera duodenal refratária, observaram que a presença no antro do Hp que, inicialmente, era de 89,7%, ao final do tratamento passou a ser de 20,7; no terço inferior do corpo passou de 65,5% para 75,9% e no terço superior de 44,8% para 82,8%. Os autores comentam que, em razão da alteração da produção de HCl pelo uso do IBP, ocorria migração da bactéria do antro para o corpo. Salientam a importância da realização da biopsia no corpo gástrico em pacientes que recebem IBP pois, sendo a pesquisa realizada em fragmentos somente do antro, falsos negativos serão reportados. Na observação deles, a limitação do teste a biopsias do antro resultaria em uma negativação de 69,0%, valores comparáveis aos relatados por outros observadores que limitaram a pesquisa da presença da bactéria ao antro, como por exemplo, BIASCO et al.(1).

Outros pesquisadores não só confirmaram as observações de VIGNERI et al.(7), como a correlacionaram com o grau de inflamação(5) e com a evolução para a atrofia da mucosa com o seu uso prolongado(3). MARZIO et al.(6) mostraram que após 4 semanas de omeprazol ocorria significativa diminuição da colonização do antro e o aumento no fundo gástrico; no entanto, somente em pacientes que recebiam o IBP diariamente esta situação persistia. Naqueles randomizados para o uso do omeprazol em dias alternados ou que receberam placebo, ocorria gradativo retorno às condições anteriores e, após 8 meses, a distribuição do Hp voltava a ser igual à observada antes do tratamento. Em 30% dos pacientes que receberam o omeprazol diariamente por 12 meses, observou-se supressão do Hp, porém 2 meses após a suspensão da medicação, todos os pacientes positivaram. As observações desses autores mostram que na realidade, o omeprazol não tem ação bactericida, mas suprime a capacidade de replicação da bactéria nas regiões de baixa acidez, diminuindo a população bacteriana e/ou induzindo a bactéria a adotar a sua forma cocóide de hibernação. Retornando as condições secretórias do estômago ao seu estado original, maior acidez no corpo e menor no antro, o Hp volta a florescer em seu nicho ecológico preferencial ¾ o antro gástrico.

Qual a importância das observações de FERREIRA et al.(2) em relação ao que já havia sido sobejamente demonstrado na literatura? As observações do grupo de Juiz de Fora mostram que mesmo um período curto de utilização do IBP (7 dias) é suficiente para suprimir significativamente a presença do Hp no antro. Portanto, impõe-se a pesquisa da bactéria em antro e corpo, mesmo após a administração a curto prazo de potentes anti-secretores. A supressão do Hp no antro pelo omeprazol (teste da urease e exame histológico), confirmou os dados da literatura. No entanto, contrapondo-se ao demonstrado por outros investigadores, no corpo gástrico o exame histológico mostrou diminuição acentuada de casos positivos (de 84% para 56%).

Quais seriam as razões para esta discrepância? Duas possibilidades podem ser aventadas: os testes utilizados para verificar a presença do Hp não foram adequados para aquela situação em particular ou o material para a execução do teste foi qualitativamente ou quantitativamente inadequado. Tudo parece indicar que a utilização de um único fragmento para o exame histológico possa ter sido a razão dos baixos valores de positividade observados no corpo gástrico. Ainda que na rotina seja aceitável (porém não desejável) a utilização de um único fragmento, tanto para o teste da urease, como para o exame histológico, em trabalhos de investigação o mínimo de dois fragmentos de cada região do estômago deve ser preferencialmente obtido.

A distribuição irregular do Hp no estômago e por vezes o pequeno número de bactérias são situações que podem levar a resultados falsos negativos quando o número de biopsias é pequeno. Seria interessante se os autores pudessem realizar em um número adicional de pacientes o exame histológico para constatação do Hp em corpo baixo, médio e alto em um mínimo de dois fragmentos de cada região, estudando possível correlação com a atividade inflamatória nas diferentes áreas do corpo/fundo gástrico. Demonstrando que um período curto de IBP resulta em diminuição significativa da presença do Hp no antro, FERREIRA et al.(2) dão importante contribuição para os que se preocupam com o diagnóstico da infecção pela bactéria, enfatizando que curtos períodos de intensa supressão ácida são suficientes para alterar a sua distribuição no estômago.

Schlioma ZATERKA* * Professor Convidado da Disciplina de Gastroenterologia e do Gastrocentro da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Presidente do Núcleo Brasileiro para o Estudo do H. pylori.

Zaterka S. Antisecretors modify the gastric localization of Helicobacter pylori. Arq Gastroenterol 2001;38(1):1-2.

HEADINGS ¾ Histamine H2 antagonists. Helicobacter infections. Helicobacter pylori. Pyloric antrum, microbiology.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Biasco G, Miglioli M, Barbara L, Corinaldesi R, di Febo G. Omeprazole, Helicobacter pylori, gastritis, and duodenal ulcer [letter]. Lancet 1989;9:1403.

2. Ferreira LEVV de C, Alterações no teste ultra-rápido da urease e no exame anatomopatológico para Helicobacter Pylori induzidas por drogas anti-secretoras. Arq Gastroenterol 2001;38:3-8.

3. Kuipers EJ, Uyterlinde AM, Pena AS, Hazenberg HJ, Bloemena E, Linderman J, Klinkenberg-Knol EC, Meuwissen SG. Increase of Helicobacter pylori-associated corpus gastritis during acid supressive therapy: implications for long-term safety. Am J Gastroenterol 1995;90:1401-6.

4. Lee A, Mellgard B, Larsson H. Effect of gastric acid on Helicobacter pylori ecology. In: Hunt RH, Tytgat GNJ, editors. Helicobacter pylori. Basic mechanisms to clinical cure. Dordrecht: Academic Publ.; 1996. p.50-63.

5. Logan RP, Walker MM, Misiewicz JJ, Gummett PA, Karim QN, Baron JH. Changes in intragastric distribution of Helicobacter pylori during treatment with omeprazole. Gut 1995;36:12-6.

6. Marzio L, Biasco G, Cifani F, DeFanis C, Falcucci M, Ferrini G, Grossi L, Iannetti G, Larcinese G, Lattanzio R, et al. Short- and long-term omeprazole for the treatment and prevention of duodenal ulcer, and effect on Helicobacter pylori. Am J Gastroenterol 1995;90:2172-6.

7. Vigneri S, Termini R, Scialabba A, Pisciotta G. Omeprazole therapy modifies the gastric localization of Helicobacter pylori. Am J Gastroenterol 1991;86:1276.

  • *
    Professor Convidado da Disciplina de Gastroenterologia e do Gastrocentro da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Presidente do Núcleo Brasileiro para o Estudo do
    H. pylori.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2001
    • Data do Fascículo
      Jan 2001
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