Acessibilidade / Reportar erro

Metano no ar expirado de crianças com constipação crônica funcional

Breath methane in children with chronic constipation

Resumos

Racional - Metano é um gás intestinal que pode estar presente no ar expirado de cerca de 10% das crianças. Objetivo - Pesquisar a produção de metano em crianças com constipação crônica funcional e a concentração de metano no ar expirado antes e depois de evacuação induzida por enema retal. Material e Métodos - Foram estudadas 75 crianças com idades entre 3 e 13 anos com constipação crônica funcional. O metano foi determinado em amostras de ar coletado no final de expiração voluntária em cromatógrafo de gás Quintron (modelo 12i). Foram consideradas produtoras as crianças com metano em concentração maior ou igual a 3 partes por milhão (ppm). Resultados - Produção de metano foi caracterizada em 44 (86,3%) dos 51 pacientes com constipação e escape fecal e em apenas 7 (29,2%) dos 24 com constipação sem escape fecal. Na 6ª semana de tratamento, constatou-se redução de 65,2% no número de produtores de metano. A produção de metano foi avaliada também em 10 crianças com hábito intestinal normal e nenhuma delas era produtora de metano. No grupo de 20 crianças com fecaloma secundário à constipação crônica, foi avaliada a concentração de metano antes e depois da evacuação induzida por enema de fosfato hipertônico. Destes 20 pacientes, 12 eram produtores de metano. A mediana (percentis 25 e 75 entre parênteses) de metano no ar expirado diminui de 21,5 (15,0-25,5) ppm antes, para 11,0 (4,0 e 12,5) ppm após a evacuação. Conclusão - A produção de metano associa-se com constipação com escape fecal e diminui com a redução da impacção fecal.

Metano; Constipação; Criança


Rational- Methane is an intestinal gas which may be excreted in the expired air of about 10% of children. Objective - The aims of this study were to investigate methane production by children with functional chronic constipation and methane concentration in the expired air before and after a bowel movement induced by a phosphate enema. Methods- Seventy-five patients with functional chronic constipation aged from 3 to 13 years were studied. Methane concentration in the expired air was determined using a gas chromatograph (Quintron, model 12i). Methane production was considered present if the breath methane concentration was equal or greater than 3 ppm. Results -Methane production was present in 44 (86,3%) of 51 patients with constipation and fecal soiling versus only 7 (29,2%) of 24 patients with constipation without fecal soiling. After six weeks of therapy for constipation, the number of methane producers decreased by 65,2%. None of the 10 children with normal intestinal habit produced methane. Expired air methane concentration was determined before and after a bowel movement induced by a phosphate enema in 20 patients with impacted stool. From these 20 patients, 12 were methane producers. The median (percentiles 25 and 75 between parenthesis) of methane concentration decreased from 21.5 (15.0-25.5) ppm before to 11.0 (4.0-12.5) ppm after the bowel movement. Conclusion - Methane production was associated with chronic constipation with soiling and decreased when impacted stool decreased.

Methane; Constipation; Child


ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

METANO NO AR EXPIRADO DE CRIANÇAS COM CONSTIPAÇÃO CRÔNICA FUNCIONAL

Ana Cristina Fontenele SOARES, Soraia TAHAN Ulysses FAGUNDES-NETO e Mauro Batista de MORAIS

RESUMO –Racional – Metano é um gás intestinal que pode estar presente no ar expirado de cerca de 10% das crianças. Objetivo - Pesquisar a produção de metano em crianças com constipação crônica funcional e a concentração de metano no ar expirado antes e depois de evacuação induzida por enema retal. Material e Métodos - Foram estudadas 75 crianças com idades entre 3 e 13 anos com constipação crônica funcional. O metano foi determinado em amostras de ar coletado no final de expiração voluntária em cromatógrafo de gás Quintron (modelo 12i). Foram consideradas produtoras as crianças com metano em concentração maior ou igual a 3 partes por milhão (ppm). Resultados - Produção de metano foi caracterizada em 44 (86,3%) dos 51 pacientes com constipação e escape fecal e em apenas 7 (29,2%) dos 24 com constipação sem escape fecal. Na 6a semana de tratamento, constatou-se redução de 65,2% no número de produtores de metano. A produção de metano foi avaliada também em 10 crianças com hábito intestinal normal e nenhuma delas era produtora de metano. No grupo de 20 crianças com fecaloma secundário à constipação crônica, foi avaliada a concentração de metano antes e depois da evacuação induzida por enema de fosfato hipertônico. Destes 20 pacientes, 12 eram produtores de metano. A mediana (percentis 25 e 75 entre parênteses) de metano no ar expirado diminui de 21,5 (15,0-25,5) ppm antes, para 11,0 (4,0 e 12,5) ppm após a evacuação. Conclusão - A produção de metano associa-se com constipação com escape fecal e diminui com a redução da impacção fecal.

DESCRITORES – Metano. Constipação. Criança.

INTRODUÇÃO

Metano e hidrogênio são gases produzidos no intestino pela microflora bacteriana e são parcialmente eliminados no ar expirado. No ser humano, o metano, que tem sido menos investigado que o hidrogênio, é produzido principalmente pela bactéria Methanobrevibacter smithii(16) Parcela do metano produzida no cólon é eliminada nos flatos. Por outro lado, cerca de 20% é absorvido através da mucosa colônica e, após ser transportado pela circulação portal, é finalmente excretado pelos pulmões. Pode, portanto, ser coletado no ar expirado e mensurado por cromatografia gasosa. A produção de metano independe de fontes exógenas, está presente no jejum e sua concentração não varia de forma significante após a alimentação(11, 15).

A concentração de metano no ar atmosférico é inferior a duas partes por milhão (ppm). Na população, a prevalência de produtores de metano pode variar com a idade, o sexo e as condições ambientais(3). De acordo com a concentração de metano no ar expirado é possível classificar a população em produtores e não-produtores de metano. Produtores são os indivíduos que eliminam o metano em concentração maior ou igual a 3 ppm (1 ppm acima da concentração de metano no ar ambiente) e os não-produtores de metano são os que apresentam metano no ar expirado em concentração menor que 3 ppm(12).

No mundo, até o presente momento, foram realizados poucos estudos(2, 3, 21, 24) avaliando a prevalência de produtores de metano. Nos adultos, esta prevalência varia entre 33,0% e 70,0%(2, 3, 9, 24). A prevalência de produtores de metano na infância é menor do que nos adultos. Antes dos 3 anos de idade, é raro encontrar crianças produtoras de metano. A prevalência aumenta com a idade, atingindo valores similares aos dos adultos no início da adolescência(3, 21). Em indivíduos portadores de câncer de cólon(8, 10, 22, 23), fibrose cística(5) e polipose colônica(8) a prevalência de produtores de metano é maior. Em uma única publicação(7) constatou-se elevada prevalência de produtores de metano em um grupo de crianças portadoras de constipação crônica funcional com escape fecal.

O objetivo deste estudo foi pesquisar a produção de metano em crianças com constipação crônica funcional. Foi avaliada, também, a concentração de metano no ar expirado antes e depois de evacuação induzida por enema retal para esvaziamento de impacção fecal.

PACIENTES E MÉTODOS

Foram avaliados 75 pacientes, atendidos consecutivamente no Ambulatório de Constipação da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM), com diagnóstico clínico de constipação crônica funcional, desde que apresentassem capacidade de realizar coleta de amostra de ar expirado por expiração voluntária. Quanto ao gênero, 49 eram do sexo masculino e 26 do sexo feminino. A idade variou de 3 a 13 anos.

Constipação crônica funcional foi caracterizada pela eliminação de fezes endurecidas, com esforço, dor ou dificuldade, associada ou não a aumento no intervalo entre as evacuações, sangramento em torno das fezes e escape fecal ou "soiling", por período superior a 3 meses(14, 17, 18, 19, 20). Não foram incluídos no estudo pacientes que utilizaram antibiótico nas 4 semanas anteriores aos exames e pacientes com doença de Hirschsprung, anormalidades da medula espinhal ou anormalidades na região anal, doenças metabólicas e/ou retardo mental. Escape fecal ("soiling") foi definido como a perda involuntária de parcela do conteúdo retal nas vestes por portadores de constipação crônica, conseqüente à presença de impacção fecal no reto(20).

Foi preenchida ficha individual padronizada, incluindo os seguintes parâmetros clínicos: freqüência de evacuações, ocorrência de dor, esforço e medo para evacuar, comportamento de retenção, consistência e forma das fezes, presença de escape fecal, sangue em torno das fezes, distensão e dor abdominal. Foram anotadas, também, informações do exame físico.

Para 34 destes 75 pacientes planejou-se avaliar se o tratamento da constipação apresentava influência na produção de metano, uma vez que, na análise dos resultados dos primeiros 41 pacientes do estudo observou-se associação entre escape fecal por constipação crônica e produção de metano. Assim, após 6 semanas de tratamento padronizado, foi coletada uma segunda amostra de ar expirado para análise da concentração de metano em 34 pacientes.

O tratamento padronizado da constipação crônica funcional constou, inicialmente, do esvaziamento retal e colônico, quando se caracterizou a presença de impacção fecal. A desimpacção foi realizada com enemas de fosfato hipertônico (Fleet enema®) na dose de 3 a 5 mL/kg, diariamente, por período de 3 a 5 dias. Foi recomendado que os pacientes permanecessem sentados no vaso sanitário por 10 ou 15 minutos, após uma ou duas refeições, com a finalidade de resgatar ou de se estabelecer padrão de evacuações normais. Foi recomendada, também, dieta com maior quantidade de alimentos com alto teor de fibra alimentar e aumento da ingestão de líquidos(13, 18, 20). A prescrição de laxante foi estabelecida de acordo com o peso da criança, sendo prescrito óleo mineral (Nujol®) na dose de 1 a 2 mL/kg/dia, distribuída em duas ou três tomadas. Este óleo mineral foi fornecido gratuitamente durante o transcorrer do estudo, por doação da Indústria Química e Farmacêutica Schering-Plough do Brasil S.A. O acompanhamento clínico foi realizado com consultas a cada 14 dias pelo período de 6 semanas. Após este período, independentemente da evolução clínica, foi realizada a segunda determinação da concentração de metano no ar expirado.

Foram avaliadas, como grupo controle, 10 crianças com hábito intestinal normal que apresentavam pelo menos uma evacuação diária de fezes com consistência pastosa, sem dor, esforço ou medo para evacuar, além de não apresentarem antecedente pessoal de constipação ou escape fecal, dor abdominal, retenção urinária e sangue em torno das fezes que podem ser manifestações de constipação oculta(14, 17, 19). A idade destas 10 crianças variou de 3 a 13 anos, sendo 5 do sexo masculino e 5 do feminino.

A determinação da concentração de metano no ar expirado foi realizada após jejum de 12 horas. Inicialmente, foi realizada limpeza da cavidade oral com clorhexidine 0,05% e, a seguir, foi coletado o ar expirado, com dispositivo especial ("no rebreathing valve set up", da Quintron Instrument Co. Inc. Menomonee Falls, Wisconsin, EUA). Este dispositivo contém uma válvula interna que só permite a passagem de ar por uma única via, em direção ao interior do saco de coleta. Numa das extremidades, um bocal adaptado ao dispositivo é acoplado à boca do paciente e na outra extremidade, fica o saco com capacidade máxima de 250 mL, para coleta do ar do final da expiração. Este saco é hermeticamente fechado, contendo apenas uma válvula para retirada da amostra de ar a ser analisada. No bocal, é acoplado outro saco, com maior complacência do que o saco destinado a coleta da amostra. A finalidade deste segundo saco é que o mesmo seja preenchido pelo ar eliminado no início da expiração, correspondente ao ar do espaço morto. Após a realização de expiração voluntária pelo paciente, amostras de ar foram retiradas com seringas de polietileno com capacidade de 20 mL. As seringas continham uma torneira fechada que impedia a saída do ar. A amostra foi analisada imediatamente em um cromatógrafo de gás Quintron Microlyser modelo 12i (Quintron Instrument Co. Inc. Menomonee Falls, Wisconsin, EUA), sendo o resultado expresso em ppm. A calibragem do cromatógrafo foi realizada no início do teste com gás padrão fornecido pela empresa White Martins Gases Industriais S.A. contendo 92 ppm de hidrogênio e 54 ppm de metano em ar sintético.

Amostras de ar ambiente foram coletadas antes de cada teste, confirmando-se que no ar ambiente onde foram realizados os exames a concentração de metano era inferior a 2 ppm, conforme definido na literatura(3).

As crianças foram caracterizadas quanto à excreção de metano no ar expirado em:

1. Produtoras de metano - quando a concentração de metano no ar expirado foi maior ou igual a 3 ppm (1 ppm acima da concentração de metano no ar ambiente) de acordo com a recomendação de BOND et al.(3).

2. Não-produtoras de metano - quando o metano foi excretado no ar expirado em concentração inferior a 3 ppm(3).

Na fase final do projeto, face aos resultados que vinham sendo obtidos, decidiu-se avaliar o efeito imediato do enema retal de esvaziamento na concentração de metano no ar expirado. Assim, em 20 dos 75 pacientes que apresentavam constipação crônica e impacção fecal, foi obtida amostra de ar expirado antes da realização do enema, que correspondeu à amostra inicial. A seguir, foi realizado enema com fosfato hipertônico (Fleet enema®) na dose de 3 a 5 mL/kg. Após a evacuação induzida pelo enema retal, nova amostra de ar expirado foi obtida. Esta segunda amostra correspondeu à amostra final.

Método Estatístico

As variáveis contínuas foram expressas em termos de mediana e percentis 25 e 75. As proporções referentes às variáveis categóricas foram comparadas por meio dos testes do qui-quadrado e exato de Fisher. As discordâncias das variáveis categóricas no início e na 6ª semana do tratamento foram estudadas com o teste de McNemar. O teste de Wilcoxon foi utilizado para comparação de variáveis contínuas antes e na 6ª semana de tratamento. Os cálculos estatísticos foram realizados pelo programa Jandel Sigma Stat. Em todos os casos, o nível de rejeição para hipótese de nulidade foi fixado em um valor de P igual ou menor do que 0,05 (5,0%).

O projeto foi analisado e aprovado pela Comissão de Ética da UNIFESP-EPM. Foi obtido consentimento esclarecido, por escrito, dos responsáveis pelas crianças incluídas no estudo.

RESULTADOS

A idade das 75 crianças com constipação e 10 das com hábito intestinal normal variou de 3 a 13 anos, sendo as medianas e as dispersões dos valores semelhantes nos dois grupos.

Dos 75 pacientes com constipação crônica, 46 (61,3%) foram caracterizados como produtores de metano. Escape fecal foi observado em 51 (68,0%) destes 75 pacientes. Produção de metano foi observada em 44 dos 51 (86,2%) pacientes com escape fecal e em apenas 7 (29,2%) dos 24 pacientes sem escape fecal (c² = 38,5; P<0,001). Nenhuma das 10 crianças com hábito intestinal normal foi caracterizada como produtora de metano.

As características clínicas dos pacientes com constipação crônica de acordo com a produção ou não de metano, estão apresentadas na Tabela 1. A comparação da mediana da idade dos pacientes com constipação produtores e não-produtores de metano não revelou diferença estatisticamente significativa. Com relação ao gênero, embora o masculino tenha sido mais freqüente entre os produtores de metano, esta diferença não atingiu significância estatística. Quanto às características clínicas, a presença de escape fecal e dor durante a evacuação foram mais freqüentes nos produtores de metano, sendo estas diferenças estatisticamente significativas. Com relação às outras características clínicas, não se observou diferença com significância estatística na comparação entre os produtores e não-produtores de metano. A presença de fezes na ampola retal e massa abdominal foi freqüente tanto nos produtores de metano, quanto nos não-produtores. Levando em consideração que o escape fecal é mais freqüente no sexo masculino(14) e que os resultados deste estudo apontaram associação entre escape fecal e produção de metano e tendência de associação entre o sexo masculino e a presença de metano (Tabela 1), foi realizada análise de regressão logística para avaliar a relação entre sexo masculino, escape fecal e produção de metano. Obteve-se odds ratio igual a 4,7 (intervalo de confiança de 95%: 1,9 e 11,7; P = 0,007) entre escape fecal e produção de metano. A odds ratio entre o gênero e a produção de metano foi igual a 1,8 (intervalo de confiança de 95%: 0,8 e 4,4; P = 0,264). Portanto, não existe associação entre produção de metano e gênero na análise conjunta destas três variáveis.

A concentração de metano no ar expirado foi reavaliada na 6a semana em 33 pacientes dos 34 para os quais estava programada a segunda avaliação. Todos os 33 pacientes ainda estavam em uso de laxante na coleta da segunda amostra de ar expirado. Um paciente que mudou para outra cidade não pode ser acompanhado. Quanto à evolução clínica destes 33 pacientes, observou-se melhora expressiva de praticamente todos os pacientes, conforme pode ser constatado pela redução, estatisticamente significativa, nas proporções de todas as manifestações clínicas (Tabela 2). Evolução clínica não satisfatória ocorreu com um único paciente que não apresentou adesão adequada ao tratamento.

A Tabela 3 mostra a freqüência de pacientes produtores de metano antes e após 6 semanas de tratamento. Destes 33 pacientes, 23 (69,7%) eram produtores de metano antes do tratamento. Na 6ª semana de tratamento, 15 pacientes deixaram de apresentar metano no ar expirado. Assim, o tratamento padronizado acompanhou-se de diminuição de 65,2% na número de produtores de metano (P <0,001).

Dos 20 pacientes com impacção fecal para os quais foi avaliada a produção de metano antes e após a realização do enema de esvaziamento, 12 (60,0%) eram produtores de metano. A tabela 1 representa a concentração de metano antes e depois da evacuação induzida pelo enema retal nos 12 pacientes produtores de metano. O teste de Wilcoxon mostrou redução estatisticamente significativa na concentração de metano no ar expirado após a evacuação induzida pelo enema retal, sendo que a mediana (percentis 25 e 75 entre parênteses) diminuiu de 21,5 (15,0 e 25,5) ppm para 11,0 (4,0 e 12,5) ppm (P<0,001).

DISCUSSÃO

Os resultados desta série mostraram que 86,3% (44/51) dos pacientes com constipação crônica e escape fecal eram produtores de metano, enquanto apenas 29,2% (7/24) dos pacientes com constipação sem escape fecal apresentava metano no ar expirado. Nenhuma das 10 crianças com hábito intestinal normal avaliadas neste estudo eliminou metano no ar expirado. Estes resultados são compatíveis com o único estudo(7) da literatura no qual foi avaliada a produção de metano em crianças com constipação e que demonstrou produção de metano em 65,0% dos 40 pacientes com constipação e escape fecal, em 11,1% dos 26 pacientes com constipação crônica sem escape fecal e em 15,0% das crianças com hábito intestinal normal. Assim, é possível afirmar que os pacientes com constipação e escape fecal apresentam maior prevalência de produção de metano em comparação com crianças com hábito intestinal normal e com constipação crônica sem escape fecal.

As manifestações clínicas dos pacientes com constipação crônica avaliados no presente estudo são semelhantes às características de grupos estudados em ambulatórios especializados em Gastroenterologia Pediátrica de nosso meio(14, 17) e do exterior(1, 13). Estes pacientes freqüentemente apresentam complicações da constipação como escape fecal, dor abdominal, intervalo entre as evacuações superior a 3 dias, massa abdominal palpável e impacção fecal no reto, conforme pode ser constatado na Tabela 1. A resposta ao tratamento no grupo de pacientes para os quais foi planejado acompanhamento clínico durante o tratamento padronizado, pode ser considerada muito boa, uma vez que, na 6ª semana de tratamento, 32 (94,1%) dos 34 pacientes apresentaram expressiva regressão do quadro de constipação e de suas complicações (Tabela 2). Um dos pacientes não foi acompanhado em função de mudança de cidade e outro, apesar do acompanhamento clínico quinzenal, não apresentou adesão ao tratamento, o que pode explicar a evolução clínica não satisfatória. Deve ser mencionado, que o atendimento personalizado oferecido aos pacientes e seus familiares pode ter sido fator importante para o sucesso do programa terapêutico. Outro aspecto importante foi a distribuição gratuita do óleo mineral. Este resultado demonstra, ainda, que a quase totalidade dos pacientes com constipação crônica, mesmo com complicações, pode apresentar evolução clínica favorável quando o tratamento é realizado adequadamente. Assim, foi possível acompanhar 33 dos 34 pacientes para os quais foi programada a segunda determinação do metano no ar expirado na 6ª semana de tratamento. No início do tratamento, produção de metano foi caracterizada em 23 (69,7%) desses 33 pacientes, sendo que 15 deixaram de ser produtores de metano na 6ª semana, indicando que o tratamento associou-se a redução de 65,2% no número de produtores de metano. Nenhum paciente passou de não-produtor para produtor de metano durante o tratamento (Tabela 3). Por sua vez, no estudo publicado previamente(7), os autores obtiveram boa resposta clínica em oito pacientes que produziam metano no início do tratamento. Destes, cinco (62,5%) deixaram de produzir metano. É interessante mencionar que apesar da boa evolução clínica, alguns pacientes persistiram com produção de metano, mesmo após o desaparecimento do escape fecal.

Em adultos foi demonstrado que a realização de enema para esvaziamento do intestino grosso se associava com diminuição na concentração de metano no ar expirado, um dia depois deste procedimento(4). Na presente casuística, os 12 pacientes produtores de metano apresentaram diminuição da concentração deste gás no ar expirado logo após a evacuação induzida pelo enema com fosfato hipertônico. É possível especular que a quantidade de fecaloma seja fator determinante na concentração de metano. O fecaloma pode alterar o pH no cólon e favorecer o aparecimento de anaerobiose. Estas alterações poderiam explicar a produção de metano nos pacientes com constipação crônica funcional, principalmente com escape fecal. Assim, diminuição da massa fecal impactada poderia se associar com diminuição na produção de metano. Entretanto, ao analisar em nosso estudo a freqüência de massa abdominal palpável e de fezes na ampola retal, observa-se que tanto produtores, como não-produtores apresentam elevada freqüência destes sinais clínicos (Tabela 1). Por outro lado, o escape fecal apresentou forte associação com produção de metano. É possível especular que os pacientes com escape fecal apresentem maior quantidade de impacção de fezes em relação aos que não apresentam escape fecal. Apesar desta afirmação parecer lógica, não se tem nenhum dado neste estudo ou da literatura consubstanciando esta possibilidade. A maior freqüência de dor para evacuar nas crianças com produção de metano poderia ser um indício de fezes mais volumosas neste grupo, no entanto, esta manifestação clínica ocorreu em 82,7% dos pacientes não produtores de metano. Outro aspecto importante na constipação é o aumento no tempo de trânsito colônico. Estudos prévios demonstraram que o aumento no tempo de trânsito intestinal se associa com maior produção de metano(4, 25). Por sua vez, estudo realizado em nosso meio(6), mostrou tendência de ser mais longo o tempo de trânsito colônico médio em crianças com constipação e escape fecal, do que naquelas com constipação sem escape. Estudo realizado na Holanda(1) também demonstrou associação entre aumento do tempo de trânsito intestinal total e escape fecal. Assim, aumento no tempo de trânsito intestinal, escape fecal e produção de metano são condições que coexistem em crianças com constipação crônica grave, apesar de não se saber a forma exata como estes fatores interagem.

Os resultados obtidos neste estudo confirmaram a associação entre produção de metano e constipação crônica funcional com escape fecal. Demonstrou-se, também, que o controle clínico da constipação e do escape fecal se acompanha de diminuição no número de pacientes com produção de metano. Mostrou-se, ainda, que a evacuação induzida por enema retal também se acompanha de imediata diminuição da excreção de metano no ar expirado. É necessário, no entanto, que novos estudos sejam realizados para esclarecer o significado da concentração de metano no ar expirado e se sua produção no cólon possa representar alguma desvantagem para a saúde do indivíduo.

AGRADECIMENTOS

À CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pela concessão de bolsa de Pós-Graduação. À Indústria Química e Farmacêutica Shering-Plough do Brasil pela doação do óleo mineral (Nujol®) utilizado no tratamento dos pacientes. Ao Prof. Elias Rodrigues Paiva pela revisão da análise estatística.

Soares ACF, Tahan S, Fagundes-Neto U, Morais MB. Breath methane in children with chronic constipation. Arq Gastroenterol 2002;39(1):66-72.

ABSTRACT –Rational– Methane is an intestinal gas which may be excreted in the expired air of about 10% of children. Objective - The aims of this study were to investigate methane production by children with functional chronic constipation and methane concentration in the expired air before and after a bowel movement induced by a phosphate enema. Methods- Seventy-five patients with functional chronic constipation aged from 3 to 13 years were studied. Methane concentration in the expired air was determined using a gas chromatograph (Quintron, model 12i). Methane production was considered present if the breath methane concentration was equal or greater than 3 ppm. Results -Methane production was present in 44 (86,3%) of 51 patients with constipation and fecal soiling versus only 7 (29,2%) of 24 patients with constipation without fecal soiling. After six weeks of therapy for constipation, the number of methane producers decreased by 65,2%. None of the 10 children with normal intestinal habit produced methane. Expired air methane concentration was determined before and after a bowel movement induced by a phosphate enema in 20 patients with impacted stool. From these 20 patients, 12 were methane producers. The median (percentiles 25 and 75 between parenthesis) of methane concentration decreased from 21.5 (15.0-25.5) ppm before to 11.0 (4.0-12.5) ppm after the bowel movement. Conclusion - Methane production was associated with chronic constipation with soiling and decreased when impacted stool decreased.

HEADINGS – Methane. Constipation. Child.

Recebido em 29/1/2001.

Aprovado em 28/6/2001.

Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.

Endereço para correspondência: Dr. Mauro Batista de Morais - Rua Pedro de Toledo, 441 - 04039-031 - São Paulo, SP. e-mail: mbmorais.dped@epm.br

  • 1. Benninga MA, Buller HA, Tytgat GNJ, Akkermans IMA, Bossuyt PM, Taminiau JAJM. Colonic transit time in constipated children: does pediatric slow-transit constipation exist? J Pediatr Gastroenterol Nutr 1996;23:241-51.
  • 2. Bjorneklett A, Jenssen E. Relationships between hydrogen and methane production in man. Scand J Gastroenterol 1982;17:985-92.
  • 3. Bond JH, Engel RR, Levitt MD. Factors influencing pulmonary methane excretion in man. J Exp Med 1971;133:572-88.
  • 4. Bond JH, Levitt MD. Factors affecting the concentrations of combustible gases in the colon during colonoscopy. Gastroenterology 1975;68:1445-8.
  • 5. Bujanover Y, Peled Y, Blau H, Yahav J, Katzenelson D, GTiliat. Methane production in patients with cystic fibrosis. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1987;6:377-80.
  • 6. Carvalho MA. Retenção fecal e motilidade colônica em crianças com síndrome do cólon irritável ou constipação intestinal crônica. Avaliação pelo escore de Baar e tempo de trânsito colônico total e segmentar com marcoadores radiopacos [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista; 1999.
  • 7. Fiedorek SC, Cindy LP, Casteel HB. Breath methane production in children with constipation and encopresis. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1990;10:473-7.
  • 8. Haines A, Metz G, Dlawari J, Blendis I, Wiggins H. Breath-methane in patients with cancer of the large bowel. Lancet 1977;2:481-3.
  • 9. Hudson MJ, Tomkins AM, Wiggins HS, Drassar BS. Breath methane excretion and intestinal methanogenesis in children and adults in rural Nigeria. Scand J Gastroenterol 1993;28:993-8.
  • 10. Karlin DA, Jones RD, Stroehlein JR, Mastromarino AJ, Potter GD. Breath methane excretion in patients with unresected colorectal cancer. J Natl Cancer Inst 1982;69:573-6.
  • 11. Levitt MD. Production and excretion of hydrogen gas in man. N Engl J Med 1969;281:122-7.
  • 12. Levitt MD, Bond JH. Volume, composition, and source of intestinal gas. Gastroenterology 1970;59:921-9.
  • 13. Loennig-Baucke V. Encopresis and soiling. Pediatr Clin North Am 1996;43:279-98.
  • 14. Maffei HVL, Moreira FL, Kissimoto M, Chaves SM, Elfaro S, Aleixo AM. História clínica e alimentar de crianças atendidas em ambulatório de gastroenterologia pediátrica com constipação intestinal crônica funcional e suas possíveis complicações. J Pediatr (Rio de J) 1994;70:280-6.
  • 15. Mah RA, Ward DM, Baresi l, Glass TL. Biogenesis of methane. Annu Rev Microbiol 1977;31:309-41.
  • 16. Miller TL, Wolin MJ. Enumeration of Methanobrevibacter smithii inhuman feces. Arch Microbiol 1982;131:14-8.
  • 17. Morais MB, Vitolo MR, Aguirre ANC, Medeiros EHGR, Antonelli EMAL, Fagundes-Neto U. Teor de fibra alimentar e de outros nutrientes na dieta de crianças com e sem constipação crônica funcional. Arq Gastroenterol 1996;33:93-101.
  • 18. Morais MB, Tahan S, Speridião PGL, Fagundes-Neto U. Constipação em pediatria. Pediatr Mod 1999;31:1030-42.
  • 19. Morais MB, Vítolo MR, Aguirre ANC, Fagundes-Neto U. Measurement of low dietary fiber intake as a risk factor for chronic constipation in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1999;29:132.
  • 20. Morais MB, Maffei HVL. Constipação intestinal. J Pediatr (Rio de J) 2000;76:S147-S56.
  • 21. Peled Y, Gilat T, Liberman E, Bujanover Y. The development of methane production in childhood and adolescence. J Pediatr 1994;153:560-6.
  • 22. Perman JA. Methane and colorectal cancer. Gastroenterology 1984;87:728-30.
  • 23. Piqué JM, Pallares M, Cuso E, Vilar-Bonet J, Gassull MA. Methane production and colon cancer. Gastroenterology 1984;87:601-5.
  • 24. Pitt P, Debruijn KM, Beeching MF, Goldeberg E, Blendis IM. Studies on breath methane: the effects of ethics origins and lactulose. Gut 1980;21:951-9.
  • 25. Stephen AM, Wiggins HS, Englyst HN, Cole TJ, Wayman BJ, Cummings JH. The effect of age, sex and level of intake of dietary fiber from wheat on large-bowel function in thirty healthy subjects. Br J Nutr 1986;56:349-61.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2003
  • Data do Fascículo
    Mar 2002

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2001
  • Aceito
    28 Jun 2001
Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas de Gastroenterologia e Outras Especialidades - IBEPEGE. Rua Dr. Seng, 320, 01331-020 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 3147-6227 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: secretariaarqgastr@hospitaligesp.com.br