Acessibilidade / Reportar erro

Consumo de fibra alimentar e de macronutrientes por crianças com constipação crônica funcional

Fiber and nutrients intake in constipated children

Resumos

OBJETIVOS: Estimar o consumo de fibra alimentar e de macronutrientes por crianças com constipação crônica funcional atendidas em ambulatório especializado. CASUÍSTICA E MÉTODOS: O estudo caso-controle foi desenvolvido no Hospital de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. Foram analisadas 54 crianças na faixa etária de 2 a 12 anos com constipação crônica funcional, pareadas por sexo e faixa etária com 50 crianças sem constipação (grupo-controle). A avaliação do consumo alimentar foi feita através do registro alimentar de 3 dias e a análise e adequação das dietas foram realizadas por programa informatizado. RESULTADOS: Em 59,3% dos casos a constipação teve início nos dois primeiros anos de vida. Não houve diferença quanto ao sexo no grupo com constipação, nem associação entre constipação e desnutrição nas crianças estudadas. A quantidade de alimentos ingerida por crianças com constipação foi menor quando comparada à do grupo-controle. O consumo médio diário de energia, proteínas, carboidratos e lipídios foi significativamente menor no grupo de crianças com constipação, assim como os percentuais de adequação calórica e protéica. A ingestão média de fibra alimentar total (g/dia) foi estatisticamente menor no grupo com constipação (6,9 + 3,4) do que no grupo controle (8,6 + 4,2). A proporção de crianças consumindo menos fibra alimentar em relação ao mínimo recomendado pela Fundação Americana de Saúde (idade + 5 g) foi maior no grupo com constipação (83,3%) do que no grupo controle (66,0%). A odds ratio foi igual a 2,6. CONCLUSÕES: Houve menor consumo de fibra alimentar, de energia, proteínas, carboidratos e lipídios por crianças com constipação, assim como menor percentual de adequação calórica e protéica. O baixo consumo de fibra alimentar foi considerado como fator de risco para o desenvolvimento de constipação crônica funcional.

Fibra na dieta; Constipação; Criança


OBJECTIVES: The aim of this case-control study was to evaluate the intake of fiber alimentary and macronutrients in constipated children. METHODS: Fifty-four children (aged 2-12 yr) with diagnosis of chronic functional constipation were investigated at the Pediatric Hospital, "Universidade Federal do Rio Grande do Norte", Natal, RN, Brazil. They were age and sex matched with 50 patients without constipation. A standard questionnaire was applied to both groups and a 3 day dietary record was analyzed by computer software. RESULTS: The mean age at onset of symptoms was 29,0 ± 26,1 months. There was not sex predominance and no difference about nutritional condition between the groups. Constipated children ate less fiber, proteins, lipids, carbohydrates and less caloric and protein adequated percentuals. The proportion of children who ate less dietary fiber than recommended (age + 5 g /day) was greater in the constipated group (83,3%) than in controls (66,6%); odds ratio 2,6. CONCLUSION: Constipated children ate less fiber and macronutrients than children without constipation. Intake of dietary fiber below the minimum recommendation is a risk factor for chronic functional constipation in children.

Dietary fiber; Constipation; Child


PEDIATRIC GASTROENTEROLOGY GASTROENTEROLOGIA PEDIÁTRICA

Consumo de fibra alimentar e de macronutrientes por crianças com constipação crônica funcional

Fiber and nutrients intake in constipated children

Rosane C. GomesI; Hélcio S. MaranhãoI; Lúcia de Fátima C. PedrosaII; Mauro B. MoraisIII

IDepartamento de Pediatria do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN

IIDepartamento de Nutrição do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN

IIIDisciplina de Gastroenterologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Rosane Costa Gomes Rua Dionísio Filgueira, 770 – ap. 610 Bairro Petrópolis – 50014-020 – Natal, RN E-mail: rosane@digi.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Estimar o consumo de fibra alimentar e de macronutrientes por crianças com constipação crônica funcional atendidas em ambulatório especializado.

CASUÍSTICA E MÉTODOS: O estudo caso-controle foi desenvolvido no Hospital de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil. Foram analisadas 54 crianças na faixa etária de 2 a 12 anos com constipação crônica funcional, pareadas por sexo e faixa etária com 50 crianças sem constipação (grupo-controle). A avaliação do consumo alimentar foi feita através do registro alimentar de 3 dias e a análise e adequação das dietas foram realizadas por programa informatizado.

RESULTADOS: Em 59,3% dos casos a constipação teve início nos dois primeiros anos de vida. Não houve diferença quanto ao sexo no grupo com constipação, nem associação entre constipação e desnutrição nas crianças estudadas. A quantidade de alimentos ingerida por crianças com constipação foi menor quando comparada à do grupo-controle. O consumo médio diário de energia, proteínas, carboidratos e lipídios foi significativamente menor no grupo de crianças com constipação, assim como os percentuais de adequação calórica e protéica. A ingestão média de fibra alimentar total (g/dia) foi estatisticamente menor no grupo com constipação (6,9 + 3,4) do que no grupo controle (8,6 + 4,2). A proporção de crianças consumindo menos fibra alimentar em relação ao mínimo recomendado pela Fundação Americana de Saúde (idade + 5 g) foi maior no grupo com constipação (83,3%) do que no grupo controle (66,0%). A odds ratio foi igual a 2,6.

CONCLUSÕES: Houve menor consumo de fibra alimentar, de energia, proteínas, carboidratos e lipídios por crianças com constipação, assim como menor percentual de adequação calórica e protéica. O baixo consumo de fibra alimentar foi considerado como fator de risco para o desenvolvimento de constipação crônica funcional.

Descritores: Fibra na dieta. Constipação. Criança.

ABSTRACT

OBJECTIVES: The aim of this case-control study was to evaluate the intake of fiber alimentary and macronutrients in constipated children.

METHODS: Fifty-four children (aged 2-12 yr) with diagnosis of chronic functional constipation were investigated at the Pediatric Hospital, "Universidade Federal do Rio Grande do Norte", Natal, RN, Brazil. They were age and sex matched with 50 patients without constipation. A standard questionnaire was applied to both groups and a 3 day dietary record was analyzed by computer software.

RESULTS: The mean age at onset of symptoms was 29,0 ± 26,1 months. There was not sex predominance and no difference about nutritional condition between the groups. Constipated children ate less fiber, proteins, lipids, carbohydrates and less caloric and protein adequated percentuals. The proportion of children who ate less dietary fiber than recommended (age + 5 g /day) was greater in the constipated group (83,3%) than in controls (66,6%); odds ratio 2,6.

CONCLUSION: Constipated children ate less fiber and macronutrients than children without constipation. Intake of dietary fiber below the minimum recommendation is a risk factor for chronic functional constipation in children.

Headings: Dietary fiber. Constipation. Child.

INTRODUÇÃO

A constipação intestinal é distúrbio comum na população pediátrica, responsável por 3% das consultas de pediatria e 10% a 25% das consultas de gastroenterologia pediátrica em países desenvolvidos(12, 13, 17). No Brasil, a alta prevalência de constipação na infância que chega a atingir 38% demonstra a importância do problema no nosso país(16, 22, 26, 35). A maioria dos casos deve-se à constipação crônica funcional, cuja etiologia não está plenamente esclarecida(11, 13, 14, 21). Acredita-se que vários fatores estejam envolvidos na sua gênese, destacando-se a importância da fibra alimentar pelo efeito que exerce no trânsito intestinal(3, 10).

Nas últimas décadas, a fibra alimentar vem recebendo atenção crescente no estudo de constipação em crianças(1, 7, 32, 33). As pesquisas que estimam o consumo de fibra alimentar têm demonstrado menor ingestão por crianças com constipação quando comparadas àquelas sem constipação(18, 19, 23, 25), assim como se observa baixo consumo por crianças com constipação, nos estudos sem grupo-controle(15, 21, 27, 30).

Entretanto, ainda há controvérsias em relação ao papel da fibra nesta enfermidade, pois algumas crianças com constipação ingerem quantidades adequadas de fibra alimentar, assim como crianças sem constipação podem consumir fibra inadequadamente(18, 19), conforme a recomendação preconizada(32). Além disso, é possível não se encontrar diferença no consumo de fibra entre crianças com e sem constipação, como descrito por MOREEN et al.(20), em 1998. Portanto, mais estudos sobre fibra alimentar na infância são necessários para acrescentar conhecimentos à etiopatogenia da constipação intestinal.

Não se dispõe de qualquer estudo no nordeste do Brasil que analise as características da dieta e o consumo de fibra alimentar por crianças com e sem constipação. Deve-se considerar que particularidades dos hábitos alimentares regionais podem influenciar no seu consumo. Isso motivou a presente investigação, na qual se estimou o consumo de fibra alimentar e de macronutrientes por crianças com constipação crônica funcional atendidas em ambulatório especializado, comparadas a crianças com hábito intestinal normal.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Casuística

O estudo caso-controle foi desenvolvido no ambulatório do Hospital de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na cidade do Natal, RN, Brasil, no período de outubro de 1997 a abril de 1999. Foram analisados dois grupos de crianças com idade entre 2 e 12 anos, que não recebiam alimentação em creches e cujos pais ou responsáveis eram alfabetizados. O primeiro grupo era constituído por crianças com diagnóstico de constipação intestinal crônica funcional (grupo com constipação) e o segundo por crianças com hábito intestinal normal (grupo-controle), pareadas ao primeiro de acordo com o sexo e a faixa etária.

O consentimento esclarecido foi obtido dos pais ou responsáveis e o projeto foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP.

Grupo com constipação intestinal crônica funcional

Foram estudadas 54 crianças de ambos os sexos, atendidas consecutivamente, pela primeira vez, no ambulatório de constipação intestinal do setor de Gastroenterologia do Hospital de Pediatria da UFRN e que, até o momento, não haviam sido orientadas quanto à modificação da dieta como forma de tratamento da enfermidade. A faixa etária variou de 2 a 12 anos de idade, estando 46,3% das crianças na faixa de 24 a 48 meses.

Constipação intestinal crônica funcional foi definida como a eliminação, com dor ou dificuldade, de fezes endurecidas, ressecadas, associadas ou não à freqüência menor do que três vezes por semana, há pelo menos 30 dias e sem causa orgânica subjacente(15). Foram considerados os seguintes critérios de exclusão: constipação com início no primeiro mês de vida, antecedente de retardo na eliminação de mecônio (após 48 horas de vida), distúrbios endócrinos associados à constipação, anormalidades neurológicas, malformações anorretais e uso de medicamentos.

Grupo-controle

Foram selecionadas 50 crianças pareadas aos casos segundo o sexo e a faixa etária (com variação de até mais ou menos 3 meses), não-portadoras de constipação intestinal ou de outra entidade aguda ou crônica que pudesse ocasionar alterações na dieta ou no apetite. As crianças eram provenientes do ambulatório de pediatria geral do Hospital de Pediatria da UFRN e atendiam aos seguintes critérios: eliminação de fezes de consistência pastosa, de formato cilíndrico ou amorfa, sem aumento aparente de calibre e não-ressecadas, freqüência de pelo menos três evacuações por semana, ausência de dor ou dificuldade durante o ato evacuatório, ausência de manifestações que pudessem estar relacionadas com constipação, como sangue na superfície das fezes, escape fecal ou dor abdominal recurrente.

Métodos

Aplicação de questionário e exame físico

Aplicou-se questionário padronizado a ambos os grupos, para a coleta de informações relativas às características do hábito intestinal, início dos sintomas e período de aleitamento materno exclusivo.

O exame físico completo, incluindo a inspeção da região anal e o exame digital do reto em decúbito lateral esquerdo, foi realizado em todos os pacientes pertencentes ao grupo com constipação. O grupo-controle não foi submetido ao exame digital do reto. Em ambos os grupos, foram verificados o peso (kg), através de balança mecânica marca Filizola, com capacidade até 150 kg e graduação a cada 100 g; a estatura, com régua graduada em cm, em posição deitada nas crianças até 3 anos de idade e em posição ereta naquelas acima dessa idade. A avaliação antropométrica dos pacientes foi realizada pelo programa informatizado Epi Nutri 6.0, que utiliza como referência para peso e estatura as curvas-padrão do National Center for Health Statistics (NCHS)(28). A classificação do estado nutricional seguiu os critérios de WATERLOW(31).

Avaliação do consumo de fibra alimentar e de macronutrientes

Em ambos os grupos, foi aplicado inquérito alimentar com a técnica do registro de alimentos durante 3 dias consecutivos, sendo 2 dias úteis da semana e 1 dia do final de semana(2, 4, 9). Nesta etapa do estudo, trabalhou-se em conjunto com profissional nutricionista. As mães ou responsáveis recebiam formulário padrão, contendo as especificações: horário, alimento e quantidade ingerida para cada dia do registro; eram orientadas sobre a forma correta de anotar as refeições e como discriminar as preparações e medidas caseiras, a ingestão de frutas com ou sem casca, tomando-se o cuidado, inclusive, de anotar as quantidades de alimentos não ingeridos ou restantes das refeições.

Os inquéritos foram analisados pelo programa informatizado Virtual Nutri versão 1.0 desenvolvido pelo Centro de Informática do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo(24). Para quantificar o teor de fibra alimentar total e os nutrientes presentes nos alimentos, o programa utiliza como referência uma compilação de dados provenientes de diversas tabelas de composição de alimentos (Watt e Merril 1963; Endef 1977; Pennington 1989; Souci, Fachman, Kraut, 1989; McCance e Winddowson's 1991)(24). O software permite a avaliação individualizada da dieta, calcula separadamente as refeições do dia quanto à quantidade de alimentos, valor energético total e a distribuição percentual calórica em proteínas, carboidratos e lipídios, como também avalia o percentual de adequação nutricional para energia e proteínas, de acordo com as recomendações do Recommended Dietary Allowances(8).

A adequação da ingestão de fibra alimentar foi calculada com base na recomendação atual da American Health Foundation, que corresponde à ingestão mínima de fibra por dia igual a 5 g mais a idade em anos (idade + 5 g)(32). Os resultados da quantidade de fibra alimentar e de macronutrientes foram apresentados considerando-se a média do consumo dos 3 dias. Também foram observados o volume consumido de leite, tanto na forma in natura como em pó, além da freqüência com que os alimentos estiveram presentes na dieta.

Análise estatística

Utilizou-se o teste t de Student para a comparação de médias entre os dois grupos. O teste do Qui-quadrado foi realizado para comparar proporções. Os cálculos foram realizados pelo programa EPI-INFO, versão 6.0(6). Adotou-se o valor do alfa igual a 0,05 e os valores de P calculado foram considerados significativos quando menores do que 0,05 e assinalados com asterisco(*). Calculou-se ainda a odds ratio para constipação intestinal em relação ao consumo de fibra alimentar e respectivo intervalo de confiança (95%).

RESULTADOS

Das 54 crianças com constipação, 28 (51,9%) eram do sexo masculino e 26 (48,1%) do feminino (P = 0,785). A média de idade por ocasião da consulta e de início dos sintomas foi, respectivamente, 57,7 + 30,6 e 29,0 + 26,1 meses. Em 59,3% das crianças, a constipação teve início nos dois primeiros anos de vida, sendo 33,3% no primeiro ano. A Tabela 1 apresenta o estado nutricional e o período de aleitamento natural exclusivo nos grupos estudados. Dentre as crianças desnutridas do grupo com constipação (12) cinco tinham desnutrição aguda, uma desnutrição crônica e seis com desnutrição pregressa. Do grupo-controle (sete), duas apresentavam desnutrição aguda, uma crônica e quatro tinham desnutrição pregressa, conforme classificação empregada(31).

A quantidade de alimentos ingerida pelo grupo com constipação foi significativamente menor quando comparada à do grupo-controle, embora o número de refeições não tenha apresentado diferença entre estes. O consumo médio diário de energia, proteínas, carboidratos e lipídios foi significativamente maior no grupo-controle, assim como a adequação calórica e protéica. O percentual calórico proveniente dos carboidratos e lipídios não foi diferente entre os grupos, porém, em relação à proteína, este foi de maior significância no grupo-controle (Tabela 2).

A Tabela 3 demonstra o número de vezes em que os alimentos estiveram presentes em todos os registros alimentares de 3 dias. Houve tendência para maior consumo de leite in natura(mL) pelo grupo com constipação (161,7 + 197,8) em relação ao grupo-controle (102,6 + 153,6) (P = 0,096), o que não ocorreu para a quantidade de leite em pó (g), respectivamente 39,3 + 46,7 e 44,2 + 48,0 (P = 0,598).

Em relação à fibra alimentar total, sua ingestão e adequação pelo grupo com constipação foram significativamente menores em relação ao grupo-controle. A proporção de crianças consumindo menos fibra do que o mínimo recomendado para a idade foi significativamente maior no grupo com constipação (83,3%) do que no grupo-controle (66,0%). A odds ratio foi igual a 2,6 (intervalo de confiança 95% : 1,02; 6,49) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Este estudo foi realizado no ambulatório do Hospital de Pediatria da UFRN, instituição que atende ao Sistema Único de Saúde e constitui referência para o Estado do Rio Grande do Norte.

A maioria das crianças com constipação (77,8%), assim como as do grupo-controle (86,0%), eram eutróficas e não houve associação entre constipação e desnutrição, sugerindo que a constipação crônica funcional não interferiu no estado nutricional. Verificou-se que entre o grupo com constipação não houve predomínio por sexo e a idade de início dos sintomas prevaleceu no primeiro ano de vida (33,0%). Ainda não há consenso entre os autores quanto à distribuição por sexo na constipação funcional e o início precoce dessa enfermidade já foi evidenciado em diferentes estudos(6, 13, 15, 18, 19, 23, 34). Houve tendência de o período de aleitamento materno exclusivo ser maior no grupo de crianças sem constipação, o que pode demonstrar a importância do leite materno no papel protetor ao desenvolvimento de constipação.

Analisando-se os 104 registros de alimentos de crianças com e sem constipação, cujos hábitos dietéticos são próprios de região de clima tropical, constatamos resultados semelhantes a outros estudos com grupo-controle realizados no Brasil e na Grécia, em relação à fibra alimentar(18, 19, 25, 30), o que não ocorreu em relação à ingestão de macronutrientes.

O grupo com constipação quando comparado ao grupo-controle, apresentou menor ingestão diária de todos os macronutrientes, menor consumo energético global e de adequação calórica. Verificou-se que a alimentação dos constipados foi nutricionalmente de qualidade inferior ao se analisar a freqüência com que os alimentos foram consumidos e ao se observar a maior freqüência de guloseimas ou beliscos (biscoitos e pipocas) neste grupo, o que caracteriza a presença marcante de lanches (Tabela 3).

Em relação à adequação de proteínas, ambos os grupos apresentaram níveis acima do recomendado (Tabela 2), fato que pode ser explicado pelo maior consumo de fontes protéicas como, leite, feijão e carnes. A ingestão de leite constitui hábito muito comum na alimentação destas crianças, tanto que a freqüência não foi diferente entre os grupos (Tabela 3).

Quanto à distribuição percentual do valor calórico dos nutrientes, verificou-se que ambos os grupos estavam dentro das recomendações preconizadas pela Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, ou seja, 25%-30% são provenientes dos lipídios, 55%-65% dos carboidratos e 12%-15% das proteínas(29).

Apesar de o consumo energético e a adequação calórica terem sido menores pelo grupo com constipação, não houve diferença ao se comparar o estado nutricional com o grupo-controle. Este fato pode ser explicado pelos índices de adequação energética apresentarem-se bem próximos do recomendado no grupo com constipação e pela equilibrada distribuição calórica dos nutrientes em ambos os grupos (Tabela 2).

Quanto à fibra alimentar, os registros alimentares demonstraram que as crianças com constipação consumiram quantidade de fibra total significativamente menor do que as crianças do grupo-controle, assim como apresentaram menor percentual de adequação em relação à recomendação mínima preconizada pela American Health Foundation(32) (Tabela 4). Esses achados também foram observados nos estudos com grupo-controle no Brasil, por MORAIS et al.(18, 19) e na Grécia por ROMA et al.(25), confirmando a associação entre baixa ingestão de fibra e constipação funcional.

Ao se calcular a percentagem de crianças que ingeriram fibra de forma adequada para a idade, encontrou-se que 83,3% das crianças com constipação tinham consumo inferior à recomendação mínima para a idade(32). A odds ratio demonstra que as crianças que ingeriram pouca fibra tiveram 2,6 vezes mais chance de ser constipada do que aquelas que ingeriram quantidades adequadas de fibra, ou seja, a baixa ingestão de fibra alimentar constituiu fator de risco para constipação intestinal (Tabela 4). Esses resultados foram semelhantes aos observados por MORAIS et al.(18), que encontraram baixa ingestão de fibra em 75,0% das crianças constipadas, com odds ratio = 4,1. ROMA et al.(25) também verificaram que, ao se diminuir a ingestão de fibra alimentar, havia aumento progressivo do risco relativo para constipação.

Por outro lado, no presente estudo, chama a atenção que 66,0% das crianças sem constipação (grupo-controle) ingeriram fibra de forma inadequada, porém com melhor adequação em relação à recomendação mínima preconizada (P = 0,045*). Este fato apóia a teoria de que vários fatores podem estar implicados na gênese da constipação funcional.

Verificando-se a freqüência com que os alimentos foram consumidos, pôde-se avaliar a contribuição de cada alimento para a quantidade total de fibra na dieta. Entre estes, destacam-se as frutas, algumas ingeridas com casca (maçã e uva), e como boas fontes de fibra insolúvel, foram mais consumidas pelas crianças do grupo-controle, contribuindo, de forma significativa, para maior ingestão de fibra por este grupo. Para o grupo com constipação, destacam-se os sucos e as pipocas que foram consumidos significativamente em maior quantidade do que os controles (Tabela 3). Vale salientar que o milho é fonte de fibra alimentar, porém, predominou, quanto ao tipo de pipoca consumida, uma marca comercial que é feita com milho desgerminado, portanto, não se constituindo em boa fonte de fibra.

Observou-se tendência estatística para maior consumo de leite de vaca in natura pelas crianças com constipação. Como o leite é alimento isento de fibra alimentar, pode então ter contribuído para menor ingestão de fibra por essas crianças. CRUZ et al.(5) verificaram que o consumo de leite em excesso pode ser considerado fator de risco para constipação.

Em relação ao grupo das hortaliças, o consumo foi semelhante em ambos os grupos (P = 0,8608), porém, com freqüência inferior aos outros alimentos consumidos, o que pode sugerir que as hortaliças não fazem parte do hábito alimentar das crianças analisadas e, por conseguinte, pouco contribuindo à quantidade de fibra nas suas dietas.

Com base nesses resultados, recomenda-se que a orientação alimentar no tratamento da constipação crônica funcional deve compreender esquema alimentar adequado para a idade, com horário regular, diminuição do número de lanches e guloseimas, além do incentivo ao consumo de verduras, legumes e frutas, uma vez que constituem fontes mais ricas de fibra alimentar. A orientação e a intervenção dietética precoce e adequada certamente desempenham importante papel preventivo contra a ocorrência de constipação. Outrossim, a dieta da criança portadora de constipação deve ser avaliada de forma global para que a orientação alimentar pertinente ao tratamento não enfatize apenas a importância da fibra alimentar, mas também a distribuição calórica adequada de macronutrientes.

CONCLUSÕES

Houve menor ingestão de macronutrientes pelas crianças com constipação quando comparadas ao grupo-controle, assim como menor consumo de fibra alimentar e menor percentual de adequação em relação ao mínimo recomendado para a idade. A menor ingestão de fibra alimentar pode ser considerada como fator de risco para o desenvolvimento de constipação crônica funcional.

Recebido em 30/7/2002.

Aprovado em 10/2/2003.

  • 1. American Academy of Pediatrics. Committee on Nutrition. Carbohydrate and dietary fiber. In: Barness LA, editor. Pediatric nutrition handbook. 3th ed. Elk-Grove Village; 1993. p.100-6.
  • 2. Basiotis PP, Welsh SO, Cronin FJ, Kelsay JL. Number of days of food intake records required to estimate individual and group nutrient intakes with defined confidence. J Nutr 1987;117:1638-41.
  • 3. Burkitt DP, Walker AR, Painter NS. Effect of dietary fibre on stools and transit time and role in the causation of disease. Lancet 1972;2:1408-12.
  • 4. Cintra IP, Von der Heyde MED, Schmitz BAS, Franceschini SCC, Taddei JAAC, Sigulem DM. Métodos de inquéritos dietéticos. Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição; 1977. Cadernos de Nutrição, v.13. p.11-23.
  • 5. Cruz AS, Dias CZ, Zelia MJ, Tarastchuk ARV. Consumo de grande volume de leite como fator de risco para constipação crônica no pré-escolar. In: Anais do XII Congresso Latino-Americano de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição, São Paulo, 1998. p. 160.
  • 6. Dean AG, Dean JA, Coulombier D, Brendel KA, Smith DC, Burton AH, Dicker RC, Sullivan K, Fagan RF, Arner TG. Epi-info [computer program]. Version 1.0: a word processor database and statistics program for epidemiology on microcomputers. Atlanta, Georgia: Center of Disease Control and Prevention; 1994.
  • 7. Dwyer JT. Dietary fibre for children: how much? Pediatrics 1995;96:1019-22.
  • 8
    Food and Nutrition Board. National Research Council. National Academy of Sciences. Recommended dietary allowances. 10th ed. Washington DC: National Academy Press; 1989.
  • 9. Gunthrie HA, Crocetti AF. Variability of nutrient intake over a 3-day period. J Am Diet Assoc 1985;85:325-7.
  • 10. Hillemeier C. An overview of the effects of dietary fiber on gastrointestinal transit. Pediatrics 1995;96:997-9.
  • 11. Leung AKC, Chan PYH, Cho HYH. Constipation in children. Am Fam Physician 1996;54:611-6.
  • 12. Levine MD. Children with encopresis. Pediatrics 1975;56:412-6.
  • 13. Loening-Baucke V. Chronic constipation in children. Gastroenterology 1993;105:1557-64.
  • 14. Loening-Baucke V. Encoprese e incontinência fecal. In: Lebenthal E, editor. Clin Pediatr Am Norte - Gastroenterologia Pediátrica I. Rio de Janeiro: Interlivros; 1996. p. 279-98.
  • 15. Maffei HVL, Moreira FL, Kissimoto M, Chaves SM, El Faro S, Aleixo AM. História clínica e alimentar de crianças atendidas em ambulatório de gastroenterologia pediátrica com constipação intestinal crônica funcional e suas possíveis complicações. J Pediatr 1994;70:280-6.
  • 16. Maffei HVL, Moreira FL, Oliveira Jr WM, Sanini V. Prevalência de constipação intestinal em escolares do ciclo básico. J Pediatr 1997;3:340-4.
  • 17. Molnar D, Taitz LS, Urwin OM, Wales JKH. Anorectal manometry results in defecation disorders. Arch Dis Child 1983;58:257-61.
  • 18. Morais MB, Vítolo MR, Aguirre ANC, Medeiros EHGR, Antoneli EMAL, Fagundes-Neto U. Teor de fibra alimentar e de outros nutrientes na dieta de crianças com e sem constipação intestinal crônica funcional. Arq Gastroenterol 1996;33:93-101.
  • 19. Morais MB, Vítolo MR, Aguirre ANE, Fagundes-Neto U. Measurement of low dietary fiber intake as a risk factor for chronic constipation in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1999;29:132-5.
  • 20. Moreen GCA, Van der Plas RN, Bsosuyt PM, Taminiau JAJM, Buller HA. Dietary fibers and childhood constipation. Ned Tijdschr Geneesk 1996;140:2036-9.
  • 21. Moreira FL, Coelho CAR, Maffei HVL. Constipação intestinal crônica em crianças atendidas no ambulatório de Gastroenterologia Infantil da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP (1977-1980). J Pediatr 1984;57:62-5.
  • 22. Motta MEFA, Silva GAP. Constipação intestinal crônica funcional na infância: diagnóstico e prevalência em uma comunidade de baixa renda. J Pediatr 1998;74:451-4.
  • 23. Pereira AC, Maffei HVL. Recordatório de 24 horas e questionário de freqüência alimentar semiquantitativo: estudo comparativo avaliando ingestão de fibra alimentar solúvel e insolúvel em crianças com e sem constipação intestinal crônica funcional. In: Anais da Conferência Internacional de Gastroenterologia Pediátrica. São Paulo; 1999.
  • 24. Philippi ST, Szarfarc SC, Latterza AR. Virtual nutri [programa de computador]. Versão 1.0, for Windows. São Paulo: Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 1996.
  • 25. Roma E, Adamidis D, Nikolara R, Constantopoulos A, Messaritakis J. Diet and chronic constipation in children: the role of fiber. J Pediatr Gastroenterol Nutr 1999;28:169-74.
  • 26. Sant'anna AMGA, Oliveira NA, Gracia J, Guerra SRNP, Barbosa SS, Bonfim MCPO, Calçado AC. Constipação intestinal funcional na infância, um estudo de prevalência. In: Anais do 8o Congresso Brasileiro de Gastroenterologia Pediátrica, Londrina, PR, 1995.
  • 27. Speridião PGL. Intervenção dietética rica em fibras alimentares e evolução antropométrica de crianças portadoras de constipação crônica funcional (dissertação). São Paulo: Escola Paulista de Medicina; 1998.
  • 28. Sullivan K, Jonathan G. Nutricional antropometry. In: Dean AG, editor. Epi-info [computer program]. Version 1.0: a word processor database and statistics program for epidemiology on microcomputers. Atlanta, Georgia: Center of Disease Control and Prevention; 1994. p. 165-80.
  • 29. Vannucchi H, Menezes EW, Campana AO, Lajolo FM, editores. Aplicações das recomendações nutricionais adaptadas à população brasileira. In: [S.l.]: Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição; 1990. (Cadernos de Nutrição SBAN, v.2).
  • 30. Vítolo MR, Aguirre ANC, Fagundes-Neto U, Morais MB. Estimativa do consumo de fibra alimentar por crianças de acordo com diferentes tabelas de composição de alimentos. Arq Latinoam Nutr 1998;48:141-5.
  • 31. Waterlow JC. Classification and definition of protein-calorie malnutrition. Br Med J 1972;3:566-9.
  • 32. Williams CL, Bollella M, Wynder ELA. A new recommendation for dietary fiber in childhood. Pediatrics 1995;96:985-8.
  • 33. Williams CL. Importance of dietary fiber in childhood. J Am Diet Assoc 1995;95:1140-9.
  • 34. Zaslavsky C. Constipação intestinal crônica na infância: considerações clínicas. Rev AMRIGS 1986;30:7-14.
  • 35. Zaslavsky C, Ávila LE, Araújo MA, Pontes MRN, Lima NE. Constipação intestinal na infância: um estudo de prevalência. Rev. AMRIGS 1988;32:100-2.
  • Endereço para correspondência

    Dra. Rosane Costa Gomes
    Rua Dionísio Filgueira, 770 – ap. 610
    Bairro Petrópolis – 50014-020 – Natal, RN
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2003

    Histórico

    • Recebido
      30 Jul 2002
    • Aceito
      10 Fev 2003
    Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas de Gastroenterologia e Outras Especialidades - IBEPEGE. Rua Dr. Seng, 320, 01331-020 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 3147-6227 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretariaarqgastr@hospitaligesp.com.br