Acessibilidade / Reportar erro

Displasia no esôfago de Barrett - concordância intra e interobservador no diagnóstico histopatológico

Dysplasia in Barrett's esophagus - intra- and interobserver variability in histopathological diagnosis

Resumos

RACIONAL: O potencial maligno do esôfago de Barrett é bem reconhecido. A vigilância endoscópica e a abordagem terapêutica se baseiam na presença e graduação da displasia. Contudo, a validade do diagnóstico histopatológico pode ser questionada devido à precária reprodutibilidade tanto intra como interobservador. OBJETIVO: Avaliar a concordância intra e interobservador no diagnóstico de displasia no esôfago de Barrett. MATERIAL E MÉTODOS: O material foi constituído por 42 blocos de parafina contendo fragmentos de esôfago provenientes de biopsias endoscópicas de portadores de esôfago de Barrett. Cortes de 3 micrômetros foram corados pela hematoxilina-eosina e pelo PAS-alcian blue. A leitura das lâminas foi realizada de maneira cega, em microscópio óptico. A reprodutibilidade intra e interobservador utilizou o teste kappa. RESULTADOS: O número total de fragmentos foi de 229, com média de 5,45 (1 a 18) fragmentos por paciente. O diagnóstico de displasia de baixo grau firmado pelos diferentes patologistas variou de 21,4% a 52,4%. A concordância intra-observador para o diagnóstico de displasia de baixo grau foi fraca (kappa = 0,30). A concordância interobservador para o diagnóstico de displasia de baixo grau foi pobre, com escore kappa oscilando entre 0,05 e 0,16. O diagnóstico de displasia, firmado pela concordância entre todos os patologistas, foi de 14,3%. CONCLUSÕES: A concordância no diagnóstico histopatológico de displasia de baixo grau no esôfago de Barrett, tanto intra quanto interobservador, é ruim. Idealmente, à semelhança da displasia de alto grau, o diagnóstico de displasia de baixo grau no esôfago de Barrett também deveria ser confirmado por mais de um patologista.

Esôfago de Barrett; Variações dependentes do observador


BACKGROUND: Barrett's esophagus is a well-known pre-malignant condition. Pathologic interpretation of biopsy specimens guides endoscopic surveillance as well as the therapeutic approach that will be carried out. However, the predictive value of histopathologic diagnosis can be questioned due to its poor intra- and interobserver reproducibility. AIMS: To assess intra- and interobserver variability in the diagnosis of Barrett's dysplasia. MATERIAL AND METHODS: Three-micrometer thick sections from biopsy specimens from 42 patients with Barrett's esophagus were stained with hematoxylin-eosin and PAS-alcian blue. The reading of the slides was carried out blindly in a light microscope. Intra and interobserver variability in the interpretation of the slides was determined by kappa statistics. RESULTS: The number of tissue specimens was 229, with average of 5.45 (1 to 18) fragments for patient. Low grade dysplasia was diagnosed by pathologists in 21.4% to 52.4% of the cases. The intra-observer agreement for the diagnosis of low grade dysplasia was slight (kappa = 0.30). The interobserver agreement for the diagnosis of low grade dysplasia was poor, with kappa scores between 0.05 and 0.16. The diagnosis of dysplasia, with agreement for all pathologists examining the same set of slides, was 14.3%. CONCLUSIONS: Pathologic interpretation of Barrett's dysplasia may be subject to marked intra- and interobserver variabiliaty. Interpretation of low grade dysplasia, as high grade dysplasia, should also be considered for review by two or more pathologists.

Barrett esophagus; Observer variation


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Displasia no esôfago de Barrett — concordância intra e interobservador no diagnóstico histopatológico* * Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Patologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Serviços de Gastroenterologia e Patologia da FFFCMPA/Santa Casa e na Fundação Riograndense Universitária de Gastroenterologia (FUGAST), Porto Alegre, RS.

Dysplasia in Barrett's esophagus — intra- and interobserver variability in histopathological diagnosis

César Vivian LopesI; Júlio C. Pereira–LimaII; Antônio Atalíbio HartmannIII; Eunice TonelottoIV; Karina SalgadoIII

IServiço de Clínica Médica da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

IIDepartamentos de Gastroenterologia da FFFCMPA

IIIDepartamento de Patologia da FFFCMPA

IVFUGAST, Porto Alegre, RS

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. César Vivian Lopes Rua Santo Antônio 277/303 90220-011 - Porto Alegre, RS E-mail: cevele@terra.com.br

RESUMO

RACIONAL: O potencial maligno do esôfago de Barrett é bem reconhecido. A vigilância endoscópica e a abordagem terapêutica se baseiam na presença e graduação da displasia. Contudo, a validade do diagnóstico histopatológico pode ser questionada devido à precária reprodutibilidade tanto intra como interobservador.

OBJETIVO: Avaliar a concordância intra e interobservador no diagnóstico de displasia no esôfago de Barrett.

MATERIAL E MÉTODOS: O material foi constituído por 42 blocos de parafina contendo fragmentos de esôfago provenientes de biopsias endoscópicas de portadores de esôfago de Barrett. Cortes de 3 micrômetros foram corados pela hematoxilina-eosina e pelo PAS-alcian blue. A leitura das lâminas foi realizada de maneira cega, em microscópio óptico. A reprodutibilidade intra e interobservador utilizou o teste kappa.

RESULTADOS: O número total de fragmentos foi de 229, com média de 5,45 (1 a 18) fragmentos por paciente. O diagnóstico de displasia de baixo grau firmado pelos diferentes patologistas variou de 21,4% a 52,4%. A concordância intra-observador para o diagnóstico de displasia de baixo grau foi fraca (kappa = 0,30). A concordância interobservador para o diagnóstico de displasia de baixo grau foi pobre, com escore kappa oscilando entre 0,05 e 0,16. O diagnóstico de displasia, firmado pela concordância entre todos os patologistas, foi de 14,3%.

CONCLUSÕES: A concordância no diagnóstico histopatológico de displasia de baixo grau no esôfago de Barrett, tanto intra quanto interobservador, é ruim. Idealmente, à semelhança da displasia de alto grau, o diagnóstico de displasia de baixo grau no esôfago de Barrett também deveria ser confirmado por mais de um patologista.

Descritores: Esôfago de Barrett. Variações dependentes do observador.

ABSTRACT

BACKGROUND: Barrett's esophagus is a well-known pre-malignant condition. Pathologic interpretation of biopsy specimens guides endoscopic surveillance as well as the therapeutic approach that will be carried out. However, the predictive value of histopathologic diagnosis can be questioned due to its poor intra- and interobserver reproducibility.

AIMS: To assess intra- and interobserver variability in the diagnosis of Barrett's dysplasia.

MATERIAL AND METHODS: Three-micrometer thick sections from biopsy specimens from 42 patients with Barrett's esophagus were stained with hematoxylin-eosin and PAS-alcian blue. The reading of the slides was carried out blindly in a light microscope. Intra and interobserver variability in the interpretation of the slides was determined by kappa statistics.

RESULTS: The number of tissue specimens was 229, with average of 5.45 (1 to 18) fragments for patient. Low grade dysplasia was diagnosed by pathologists in 21.4% to 52.4% of the cases. The intra-observer agreement for the diagnosis of low grade dysplasia was slight (kappa = 0.30). The interobserver agreement for the diagnosis of low grade dysplasia was poor, with kappa scores between 0.05 and 0.16. The diagnosis of dysplasia, with agreement for all pathologists examining the same set of slides, was 14.3%.

CONCLUSIONS: Pathologic interpretation of Barrett's dysplasia may be subject to marked intra- and interobserver variabiliaty. Interpretation of low grade dysplasia, as high grade dysplasia, should also be considered for review by two or more pathologists.

Headings: Barrett esophagus. Observer variation.

INTRODUÇÃO

O esôfago de Barrett (EB) é uma condição adquirida, presente em até 2% dos pacientes submetidos a esofagogastroduodenoscopia e em 10% a 15% dos portadores crônicos de sintomas de refluxo gastroesofágico(6, 9, 12), na qual extensão variável do epitélio escamoso esofágico é substituída por epitélio colunar glandular contendo células caliciformes(9, 14, 22).

A importância da metaplasia intestinal no EB reside no fato deste epitélio anômalo possuir capacidade de malignização(2, 3). Uma vez diagnosticado, o prognóstico do adenocarcinoma de esôfago é sombrio, com a doença geralmente sendo constatada em estádios avançados, em geral após o início da sintomatologia, sobretudo disfagia, e com considerável perda ponderal. A sobrevida média não costuma ultrapassar os 12 meses, com menos de 10% dos doentes contando com sobrevida superior a 5 anos(7, 14). Posto isto, atualmente recomenda-se vigilância endoscópica e histológica por toda a vida do paciente com o intuito de detectar precocemente focos de displasia e/ou câncer.

A displasia constitui um diagnóstico microscópico baseado em alterações citológicas e morfológicas, que representam transformação epitelial pré-maligna que não ultrapassa os limites da membrana basal da glândula acometida(10, 16). Especificamente quanto a sua prevalência no EB, em revisão abrangendo 11 estudos com 438 portadores de EB sem adenocarcinoma, células displásicas foram encontradas em 10% dos casos, sendo a maioria portadoras de displasia de baixo grau. Por sua vez, em outra série com portadores de adenocarcinoma abrangendo 16 estudos, a displasia esteve presente, em média, em 78% (59% a 100%) dos casos(10), deixando nítida a correlação entre a displasia e a degeneração maligna(16).

Contudo, embora considerada condição neoplásica inequívoca, padrão-ouro para a identificação de indivíduos de alto risco para a degeneração maligna no EB, a identificação histológica da displasia, sobre certas circunstâncias, apresenta certa ambigüidade no diagnóstico histopatológico, não apresenta nenhuma característica macroscópica específica para dirigir a biopsia endoscópica e é capaz de apresentar resultados falso-negativos por erros de amostragem na coleta das biopsias. Mais ainda, a história natural das displasias, tanto as de baixo, quanto as de alto grau, não está totalmente esclarecida, a diferenciação celular com mudanças reacionais secundárias à inflamação ou ulceração pode ser de difícil avaliação em casos de displasia de baixo grau, e a variação intra e interobservador costuma ser acentuada(1, 10, 13, 15, 18, 22, 24). A este respeito, a reprodutibilidade do diagnóstico histopatológico de displasia no EB demonstra, na maioria das séries, resultados nada promissores, apesar das freqüentes mudanças nos critérios de avaliação morfológica da displasia.

No presente estudo, procurou-se avaliar a concordância intra e interobservador no diagnóstico histopatológico de displasia no EB.

MATERIAL E MÉTODOS

Material

Entre junho de 1996 e julho de 2002, foram incluídos no estudo 42 com EB encaminhados para ablação endoscópica do epitélio metaplásico por eletrocoagulação com argônio. O material foi proveniente de 11 laboratórios de patologia, tendo sido previamente processado pelas técnicas convencionais, com fixação em formalina e emblocamento em parafina. Os critérios de inclusão foram idade superior a 18 anos, presença de epitélio colunar especializado, confirmado pela coloração com hematoxilina-eosina (H-E) e pelo PAS - alcian blue (PAS — AB) a um pH de 2,5, e ausência de adenocarcinoma de esôfago.

Métodos

Do material emblocado em parafina, foram obtidos cortes histológicos através de micrótomo manual (Leica RM2025), com espessura de 3 micrômetros, que foram depositados em banho-maria a 37ºC e posteriormente distendidos em lâminas para coloração com H-E e PAS - AB em pH ácido. A rotina para a coloração do material pela H-E obedeceu a desparafinização e hidratação dos cortes, imersão em hematoxilina de Harris por 2 minutos e contra-coloração em eosina. Por sua vez, para a coloração do material pelo PAS - AB, o material foi imerso no azul de alcian em solução com ácido acético 3%, por 30 minutos, oxidado no ácido periódico de Schiff por 15 minutos e contra-corado em hematoxilina.

A leitura das lâminas para a avaliação da presença e do grau de displasia, quando presente, foi realizada, num primeiro momento, simultaneamente por dois examinadores (C.V.L. e A.A.H.), de maneira cega, em microscópio óptico (Olympus BX 40f-3), com ocular de 10x e objetivas de 10, 20 e 40x. A troca de opiniões só foi permitida quando da ocorrência de diagnósticos divergentes, com o intuito de se atingir um consenso. A avaliação histopatológica foi realizada somente em biopsias endoscópicas intactas, providas de lâmina própria, e nunca em pequenos fragmentos ou material desgarrado. As alterações com suspeita de displasia no epitélio metaplásico contíguo ao epitélio escamoso deveriam estar presentes em, pelo menos, mais de duas glândulas de proximidade ao epitélio adjacente. Quando mais de um fragmento da mesma biopsia endoscópica estivesse presente no mesmo corte, o grau de displasia da peça foi considerado o maior grau presente em qualquer dos fragmentos. Os critérios histopatológicos para a caracterização das lesões seguiram os critérios revisados de MONTGOMERY et al.(13), ou seja:

Displasia de baixo grau (DBG) - núcleos aumentados, hiper-cromáticos, com contornos irregulares, respeitando a polaridade celular, acompanhados pela redução expressiva do número de células caliciformes e da mucina no ápice celular.

Displasia de alto grau (DAG) - perda da polaridade nuclear e ausência de relação consistente entre os núcleos, demonstrando acentuada distorção da arquitetura glandular, com superfície mucosa de configuração viliforme, presença de pontes epiteliais intraglandulares de aspecto cribiforme, além de ausência de células caliciformes.

De posse destes parâmetros, procedeu-se à avaliação intra e interobservador para o diagnóstico histopatológico geral (displasia ou ausência da mesma avaliadas em conjunto) e especificamente para a displasia de baixo grau e para a ausência de alterações displásicas (avaliadas isoladamente).

Para a avaliação da displasia, foram realizadas duas leituras, de maneira cega e sem nenhuma ordem pré-estabelecida das lâminas, com o intuito de avaliar a concordância intra-observador do método. Posteriormente, um segundo patologista (K.S.), também com experiência no tra to gastrointestinal, foi convidado a analisar as mesmas lâminas seguindo os mesmos critérios, a fim de avaliar a concordância interobservador com os diagnósticos dos laboratórios de origem e com as referidas duas leituras. Os casos indefinidos para displasia, quando presentes, foram agrupados com aqueles portadores de DBG, conforme sugerido por MONTGOMERY et al.(13).

Um P <0,05 foi considerado significativo para todos os procedimentos estatísticos do estudo. A comparação da variabilidade intra e interobservador utilizou o teste kappa. Com o emprego deste teste, seis possibilidades de acordo entre diferentes leituras poderiam ser obtidos: excelente (0,93-1,00), muito bom (0,81-0,92), bom (0,61-0,80), razoável (0,41-0,60), fraco (0,21-0,40) e pobre (0,01-0,20)(8). Os dados foram processados e analisados com o auxílio do programa SPSS (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) versão 10.0 para Windows.

O presente estudo foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de Porto Alegre, tendo sido aprovado em 7 de maio de 2002 e protocolado sob nº 434/02.

RESULTADOS

A população do estudo foi constituída por 42 portadores de EB, sendo 27 homens e 15 mulheres, com média etária de 56,4 (19-84) anos.

O número total de fragmentos provenientes das biopsias endoscópicas foi de 229, com média de 5,4 (1 a 18) fragmentos para cada paciente.

Do material analisado, o diagnóstico de displasia fora previamente firmado pelos laboratórios de origem, designados como A, em 22 (52,4%) casos, e houve 1 caso indefinido para displasia. Entre os portadores de displasia, esta foi de baixo grau em 18 (81,8%) casos, moderada em 3 (13,6%) e de alto grau em apenas 1 (4,6%) caso. Para efeito de análise, os 3 casos com displasia moderada e o único caso indefinido para displasia foram agrupados aos portadores de displasia de baixo grau, totalizando 23 (54,8%) casos displásicos, sendo 22 (95,6%) de baixo grau.

Na primeira leitura das lâminas, designada como B, a displasia foi detectada em 15 (35,7%) casos, estando ausente nos 27 (64,3%) casos restantes. Entre os com displasia, esta foi de baixo grau em 14 (93,3%) casos e de alto grau em apenas 1 (6,7%) caso. Por sua vez, na segunda análise, designada como C, a alteração pré-neoplásica foi detectada em 20 (47,6%) pacientes, sendo 18 (90%) casos de baixo grau e 2 casos de alto grau. Houve concordância no diagnóstico em 28 (66,6%) casos, sendo 18 sem displasia, 9 com DBG e com DAG. O escore kappa entre as duas leituras foi fraco tanto para a concordância histopatológica geral (kappa = 0,36), quanto especificamente para a displasia de baixo grau (kappa = 0,30) (Tabelas 1, 2).

Quanto à leitura do terceiro patologista, designada como D, a displasia foi detectada em 9 (21,4%) casos, sendo 8 casos com DBG e 1 com DAG. Houve concordância com os laboratórios de origem em 22 (52,4%) casos, sendo 16 (72,7%) sem displasia, 5 DBG e 1 com DAG. O escore kappa foi pobre (kappa = 0,13). Ao se comparar com a primeira leitura, houve concordância em 28 (66,6%) casos, sendo 23 (82,1%) sem displasia, 4 com DBG e 1 com DAG. O escore kappa também foi pobre (kappa = 0,11). Por sua vez, na avaliação com a segunda leitura, houve concordância em 25 (59,5%) casos, sendo 19 (76%) sem displasia, 5 com DBG e 1 com DAG, ainda mantendo uma pobre concordância (kappa = 0,15) (Tabelas 1, 2, 3).

Comparando os diagnósticos dos demais laboratórios apenas com duas leituras concordantes, houve unanimidade em 16 (38%) casos, sendo 10 sem displasia, 5 com DBG e 1 com DAG. Ao se avaliar apenas com a primeira leitura, houve concordância em 18 (42,8%) casos, sendo 11 sem displasia, 6 com DBG e 1 com DAG. O escore kappa para a concordância no diagnóstico histopatológico geral foi fraco (kappa = 0,23). Na avaliação com a segunda leitura, houve concordância em 28 (66,6%) casos, sendo 14 sem displasia, 13 com DBG e 1 com DAG. O escore kappa geral permaneceu pobre (kappa = 0,20). Por sua vez, em 20 (47,6%) casos, o diagnóstico histopatológico do terceiro patologista e as duas leituras foram idênticos, sendo 17 (85%) casos sem displasia, 2 com DBG e outro com DAG.

Foram considerados como verdadeiramente portadores de displasia os casos concordantes entre os diferentes observadores, ou seja, pelo menos três em quatro leituras, independente da concordância ou não das duas leituras originais. Assim, a displasia foi constatada em seis casos, sendo de baixo grau em cinco casos e de alto grau em apenas um caso, perfazendo 14,3% da amostra desta série.

DISCUSSÃO

Neste estudo, em cada uma das quatro leituras realizadas, a displasia foi detectada, em média, em um terço dos casos (39%), oscilando de 21% a 52%. Quando a displasia esteve presente, esta foi de baixo grau em 92% dos casos. Apesar da plena concordância entre os diferentes observadores para a displasia ser de apenas 14,3%, este índice beira a real prevalência da displasia em diferentes séries(11, 15, 24). KATZ et al.(11), em série com 102 pacientes acompanhados por período mediano de quase 5 anos, encontraram DBG em apenas 19 (18,6%) casos. O'CONNOR et al.(15), acompanhando 125 pacientes sem displasia, em seguimento mediano de 36 meses, encontraram DBG em 24 (19%) pacientes. Já WESTON et al.(24), entre 80 pacientes previamente sem displasia, apenas 3 (4%) apresentavam displasia após 40 meses de seguimento, com 24% da amostra apresentando transitoriamente DBG. Tais cifras não chegam a superar o limiar inferior de displasia diagnosticada pelos diferentes patologistas na avaliação do presente estudo.

A respeito da ampla divergência nos critérios diagnósticos de neoplasias epiteliais do trato gastrointestinal entre os patologistas, uma terminologia comum entre os diferentes critérios da classificação ocidental e da japonesa vem sendo empregada. Consenso entre 31 patologistas de 12 países, baseado nas alterações citológicas e arquiteturais, bem como pela presença ou não de invasão da membrana basal, optou pelo emprego de cinco categorias: negativo para displasia, indefinido para displasia, displasia de baixo grau, displasia de alto grau ou carcinoma in situ e carcinoma invasivo. Esta classificação revisada foi capaz de melhorar o percentual de acordo e o escore kappa entre portadores de neoplasias de esôfago de 14% para 62% e de 0,01 para 0,31, respectivamente. Embora animador, este escore ainda demonstra fraca concordância(21).

Em recente revisão da terminologia vigente, MONTGOMERY et al.(13), em importante estudo multicêntrico americano, avaliaram 250 lâminas de EB, sendo metade antes e a outra metade após a obtenção de um consenso histopatológico. Cada lâmina foi avaliada por 12 patologistas, em duplicata, durante intervalo de 12 meses, perfazendo o total de 24 diagnósticos para cada caso. De maneira geral, os ganhos com o emprego do escore revisado foram modestos, apesar de estatisticamente significativos, e ainda sem alcançar um escore kappa de grau mais elevado. Quanto maior o número de categorias diagnósticas empregadas, menores foram as taxas de concordância intra e interobservador. A concordância intra-observador foi superior a interobservador em qualquer categoria, como também demonstrado no presente estudo. Já a concordância interobservador mostrou-se adequada no adenocarcinoma e muito ruim no grupo indefinido para displasia. Outrossim, a DBG apresentou pequena melhora no escore kappa na avaliação interobservador, de 0,23 para apenas 0,32. Contudo, os próprios autores questionam que a melhora obtida poderia ter sido conseqüência da aquisição de maior experiência por parte dos patologistas e não do emprego da nova terminologia.

Na série presente, também a concordância intra-observador apresentou melhores resultados, embora ainda demonstrando fraca concordância tanto para o diagnóstico histopatológico geral, como especificamente para a displasia de baixo grau. Quanto à DBG, este estudo demonstrou pobre reprodutibilidade, com melhor escore Kappa de 0,16. Tal achado poderia dever-se ao pequeno número de pacientes avaliados e ao fato de apenas dois patologistas (A.A.H. e K.S.) empregarem os critérios de MONTGOMERY et al.(13). O maior índice de concordância foi entre não-portadores de displasia, perfazendo 85% dos casos entre leituras idênticas. Quanto a presente avaliação interobservador, a concordância no diagnóstico histopatológico geral contou com escores kappa oscilando entre 0,11 e 0,23, com índices de concordância entre 42% e 66%. Os melhores índices também foram encontrados entre não-portadores de displasia, oscilando entre 50% a 82%, embora com escores kappa entre 0,07 e 0,20.

Em estudo avaliando especificamente a concordância no diagnóstico de DBG no EB, SKACEL et al.(22) reuniram três patologistas para avaliarem 43 casos previamente diagnosticados como portadores de DBG. O acordo individual para o diagnóstico de DBG oscilou de 16% a 70% e o melhor escore kappa entre as três combinações possíveis, de acordo entre dois patologistas, foi de apenas 0,28. Curiosamente, dos 17 casos previamente diagnosticados como portadores de DBG por algum dos três patologistas, a concordância com o diagnóstico original foi de apenas 65%. Assim, novamente é ressaltado o alto grau de variabilidade intra e interobservador no diagnóstico de DBG no EB, que pode apresentar repercussões importantes no acompanhamento destes pacientes.

Corroborando os achados de SKACEL et al.(22) quanto ao diagnóstico de DBG, neste estudo os índices de acordo entre diferentes observadores oscilou entre 9% e 31%, com escores kappa oscilando entre 0,05 e 0,16. Ao se incluir a concordância intra-observador, o escore se elevou para 0,30. Quanto à ausência de displasia, os índices se mostraram pouco melhores, oscilando entre 26% e 55%, embora mantendo escores kappa entre 0,07 e 0,20.

Quanto ao papel do diagnóstico histopatológico adequado em portadores de EB, no mesmo estudo foram acompanhados 25 pacientes que contaram com seguimento endoscópico, dos quais 7 (28%) evoluíram para DAG ou adenocarcinoma. O diagnóstico histopatológico individual de qualquer patologista não apresentou nenhuma correlação com a progressão da doença. Porém, quando do acordo entre patologistas no diagnóstico de DBG, houve associação significativa com a progressão da doença tanto entre dois (7/17; 41%; P = 0,04), quanto entre três (4/5; 80%; P = 0,012) patologistas. Os autores chegam a sugerir que a presença de DBG, pela alta variabilidade intra-observador, também deveria ser confirmada por, pelo menos, um outro patologista para predição do risco de progressão da doença. Entre os demais pacientes em seguimento, porém sem qualquer acordo para DBG entre os patologistas, nenhum evoluiu para DAG ou câncer. Dos 18 pacientes em acompanhamento sem progressão da doença, após seguimento médio de 44 meses, houve resolução da displasia em 15 casos, persistência em apenas 2 e 1 único caso passou a ser rotulado como indefinido.

Em estudo recente do mesmo grupo(23) a concordância interobservador no diagnóstico de DBG foi comparada à detecção imunoistoquímica da p53 no epitélio displásico para predição da progressão para DAG ou adenocarcinoma. A sensibilidade e a especificidade para a identificação de lesões com potencial para progressão para DAG ou adenocarcinoma da concordância no diagnóstico de DBG no EB por três patologistas foram de, respectivamente, 50% e 100%, perante 88% e 75%, quando da detecção da p53. Talvez mais importante, a associação da imunoistoquímica à avaliação histológica resultou em maior sensibilidade para predição da progressão, embora sem melhora da especificidade. Devido à baixa sensibilidade da histopatologia, a hiperexpressão da p53 complementaria de maneira adequada a avaliação histológica entre portadores de DBG.

Entre outras técnicas auxiliares para a detecção daqueles casos com maior propensão ao câncer, contou-se com os corantes vitais, preferencialmente associados à magnificação de imagens ou com o auxílio de endoscópios de alta resolução, com a maior experiência sendo com o azul de metileno(4, 17). Este corante permite orientar as biopsias endoscópicas a pontos com maior probabilidade de portarem metaplasia intestinal, corados em azul, e a áreas sugestivas de displasia de alto grau ou carcinoma in situ, onde a coloração é perdida ou se mostra de fraca intensidade, com acentuada heterogeneidade, provavelmente pela redução do citoplasma e do número de células caliciformes(4). Em análise multivariada, tanto a fraca intensidade da coloração, como a heterogeneidade da mesma se revelaram importantes preditores independentes para a displasia de alto grau e para o próprio carcinoma in situ(5). No entanto, os resultados com a cromoendoscopia ainda são restritos a pequenas séries de casos, com escassa avaliação de sua reprodutibilidade. Além disso, o emprego de corantes aumenta a duração do procedimento endoscópico, necessita certa prática para a interpretação dos resultados, muitas vezes gera dúvidas quanto à diferenciação da metaplasia intestinal da cárdia e da junção escamo-colunar com o verdadeiro EB e ainda pode gerar resultados falso-negativos na vigência de esofagite péptica, comumente associada ao EB(17, 20).

Outros autores tentam se valer da citometria de fluxo, associada à histopatologia, como preditor de câncer no EB(12). REID et al.(19), no melhor e mais recente estudo sobre o tema, avaliando prospectivamente 327 portadores de EB, detectaram aneuploidia, aumento da fração tetraplóide ou displasia de alto grau à entrada do estudo na totalidade dos pacientes que desenvolveram câncer ao final de 5 anos. Por outro lado, pacientes sem alterações displásicas ou com DBG não-portadores de alterações citométricas contaram com incidência cumulativa de câncer de apenas 5% ao final do estudo, perante 28% daqueles portadores de qualquer uma das referidas alterações à citometria de fluxo. Apesar desse estudo apresentar resultados empolgantes, contando com boa casuística e seguimento prolongado, deve-se tecer algumas considerações. Os demais estudos existentes são antigos, a maioria com mais de uma década, restritos a pequenas séries de casos e com seguimentos mais curtos. Outrossim, a citometria é um procedimento bem mais elaborado e de maior custo não presente na maioria dos laboratórios de patologia, ainda com diferenças metodológicas que terminam por apresentar má correlação com as alterações displásicas(10, 25). Logo, é necessário que estes resultados possam ser reproduzidos por grupos independentes para serem inseridos na prática clínica.

De posse destes dados, os métodos auxiliares, embora promissores, ainda se mostram importantes ferramentas de pesquisa, procurando atuar em conjunto com a histopatologia para a detecção e confirmação da displasia em pacientes com EB, com maior propensão à degeneração maligna.

De maneira geral, cada dupla de observadores manteve um escore kappa semelhante, quando da avaliação da presença ou não de displasia. Nesta série, a concordância quanto à ausência de displasia contou com escores kappa discretamente melhores do que aqueles quanto à presença de displasia de baixo grau. Contudo, tais escores não alcançaram nível significativamente mais elevado. Além disso, apesar dos modestos resultados, embora semelhantes aos da literatura, o escore kappa sabidamente reflete melhor a concordância tanto intra quanto interobservador, quando da aplicação de critérios diagnósticos rígidos, superior a simples concordância percentual entre os diferentes observadores (por ex.: o acordo interobservador pode ser superior a 50% com escore kappa tão baixo quanto 0,07)(8, 13, 21).

CONCLUSÃO

A concordância intra e interobservador para o diagnóstico de displasia de baixo grau ou de ausência da mesma no EB ainda se mostra inadequada mesmo com o emprego de critérios diagnósticos rígidos. Idealmente, à semelhança da displasia de alto grau, os estudos também deveriam tecer suas considerações a respeito do diagnóstico de displasia de baixo grau baseados na interpretação de mais de um patologista.

Recebido em 15/7/2003.

Aprovado em 7/11/2003.

  • 1. Alikhan M, Rex D, Khan A, Rahmani E, Cummings O, Ulbright TM. Variable pathologic interpretation of columnar lined esophagus by general pathologists in community practice. Gastrointest Endosc 1999;50:23-6.
  • 2. Cameron AJ. Epidemiology of columnar-lined esophagus and adenocarcinoma. Gastroenterol Clin North Am 1997;26:487-94.
  • 3. Cameron AJ. Management of Barrett's esophagus. Mayo Clin Proc 1998;73:457-61.
  • 4. Canto MI. Vital staining and Barrett's esophagus. Gastrointest Endosc 1999;49:S12-S6.
  • 5. Canto MI, Setrakian S, Willisje, Chak A, Petras RE, Sivak MV. Methylene blue staining of dysplastic and nondysplastic Barrett's esophagus: an in vivo and ex vivo study. Endoscopy 2001;33:391-400.
  • 6. Castell DO, Katzka DA. Barrett's esophagus: continuing questions and controversy. Gastrointest Endosc 1999;49:S5-S8.
  • 7. Daly JM, Fry WA, Little AG, Winchester DP, Mckee RF, Stewart AK, Fremgen AM. Esophageal cancer: results of an American College of Surgeons Patient Care Evaluation Study. J Am Coll Surg 2000;190:548-59.
  • 8. Dawson B, Trapp RG. Basic & clinical biostatistics. 3rd ed. New York: Lange Medical Books/McGraw-Hill; 2001.
  • 9. DeMeester SR, DeMeester TR. Columnar mucosa and Intestinal metaplasia of the esophagus: fifty years of controversy. Ann Surg 2000;231:303-321.
  • 10. Geboes K, Van Eyken P. The diagnosis of dysplasia and malignancy in Barrett's oesophagus. Histopathology 2000;37:99-107.
  • 11. Katz D, Rothstein R, Schned A, Dunn J, Seaver K, Antonioli D. The Development of dysplasia and adenocarcinoma during endoscopic surveillance of Barrett's esophagus. Am J Gastroenterol 1998;93:536-41.
  • 12. Krishnadath KK, Reid BJ, Wang KK. Biomarkers in Barrett esophagus. Mayo Clin Proc 2001;76:438-46.
  • 13. Montgomery E, Bronner MP, Goldblum JR, Greenson JK, Haber MM, Hart J, Lamps LW, Lauwers GY, Lazenby AJ, Lewin DN, Robert ME, Toledano AY, Shyr Y, Washington K. Reproducibility of the diagnosis of dysplasia in Barrett esophagus: a reaffirmation. Hum Pathol 2001;32:368-78.
  • 14. Morales TG, Sampliner RE. Barrett's esophagus: update on screening, surveillance, and treatment. Arch Intern Med 1999;159:1411-6.
  • 15. O'Connor JB, Falk GW, Richter JE. The incidence of adenocarcinoma and dysplasia in Barrett's esophagus. Am J Gastroenterol 1999;94:2037-42.
  • 16. Ortiz-Hidalgo C, De la Vega G, Aguirre-García J. The histopathology and biologic prognostic factors of Barrett's esophagus. J Clin Gastroenterol 1998;26:324-33.
  • 17. Rajan E, Burgart LJ, Gostout CJ. Endoscopic and histologic diagnosis of Barrett esophagus. Mayo Clin Proc 2001;76:217-25.
  • 18. Reid BJ, Haggitt RC, Rubin CE, Roth G, Surawicz CM, Van Belle G, Lewin K, Weinstein WM, Antonioli DA, Goldman H. Observer variation in the diagnosis of dysplasia in Barrett's esophagus. Hum Pathol 1988;19:166-78.
  • 19. Reid BJ, Levine DS, Longton G, Blount PL, Rabinovitch PS. Predictors of progression to cancer in Barrett's esophagus: baseline histology and flow cytometry identify low- and high-risk patients subsets. Am J Gastroenterol 2000;95:1669-76.
  • 20. Sampliner RE, The Practice Parameters Committee of the American College of Gastroenterology. Updated guidelines for the diagnosis, surveillance, and therapy of Barrett's esophagus. Am J Gastroenterol 2002;97:1888-95.
  • 21. Schlemper RJ, Riddell RH, Kato Y, Borchard F, Cooper HS, Dawsey SM, Dixon MF, Fenoglio-Preiser CM, Flejou JF, Geboes K, Hattori T, Hirota T, Itabashi M, Iwafuchi M, Iwashita A, Kim YI, Kirchner T, Klimpfinger M, Koike M, Lauwers GY, Lewin KJ, Oberhuber G, Offner FA, Price AB, Rubio CA, Shimizu M, Shimoda T, Sipponen P, Solcia E, Stolte M, Watanabe H, Yamabe H. The Vienna Classification of Gastrointestinal Epithelial Neoplasia. Gut 2000;47:251-5.
  • 22. Skacel M, Petras RE, Gramlich TL, Sigel JE, Richter JE, Goldblum JR. The diagnosis of low-grade dysplasia in Barrett's esophagus and its implications for disease progression. Am J Gastroenterol 2000;95:3383-7.
  • 23. Skacel M, Petras RE, Rybicki LA, Gramlich TL, Richter JE, Falk GW, Goldblum JR. p53 expression in low grade dysplasia in Barrett's esophagus: correlation with interobserver agreement and disease progression. Am J Gastroenterol 2002;97:2508-13.
  • 24. Weston AP, Badr AS, Hassanein RS. Prospective multivariate analysis of clinical, endoscopic, and histological factors predictive of the development of Barrett's multifocal high-grade dysplasia or adenocarcinoma. Am J Gastroenterol 1999;94:3413-9.
  • 25. Wijnhoven BPL, Tilanus HW, Dinjens WNM. Molecular biology of Barrett's adenocarcinoma. Ann Surg 2001;233:322-37.
  • Endereço para correspondência
    Dr. César Vivian Lopes
    Rua Santo Antônio 277/303
    90220-011 - Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Patologia da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre (FFFCMPA), Serviços de Gastroenterologia e Patologia da FFFCMPA/Santa Casa e na Fundação Riograndense Universitária de Gastroenterologia (FUGAST), Porto Alegre, RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Recebido
      15 Jul 2003
    • Aceito
      07 Nov 2003
    Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas de Gastroenterologia e Outras Especialidades - IBEPEGE. Rua Dr. Seng, 320, 01331-020 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 3147-6227 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretariaarqgastr@hospitaligesp.com.br