Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência da infecção por Helicobacter pylori e das lesões precusoras do câncer gástrico em pacientes dispéticos

Prevalence of Helicobacter pylori infection and gastric cancer precursor lesions in patients with dyspepsia

Resumos

RACIONAL: A infecção pelo Helicobacter pylori é fator importante no desenvolvimento da carcinogênese gástrica, mas somente uma fração dos pacientes infectados irá desenvolver câncer gástrico. A infecção pelo H. pylori determina gastrite crônica não-atrófica, que pode evoluir para gastrite atrófica e metaplasia intestinal e, finalmente, para displasia e adenocarcinoma. OBJETIVO: Estudar a prevalência da infecção pelo H. pylori e das lesões precursoras de câncer gástrico e sua associação, em pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta em serviço de referência da região central do Estado do Rio Grande do Sul. MÊTODOS: Foram analisadas retrospectivamente biopsias de corpo e antro gástrico obtidas de pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta no período entre 1994 e 2003, nas quais foi realizada pesquisa de H. pylori. As lâminas foram coradas pelo método da hematoxilina-eosina e os achados histológicos foram classificados de acordo com o sistema de Sydney em mucosa normal, gastrite crônica não-atrófica, gastrite atrófica e metaplasia intestinal. As alterações histológicas encontradas foram relacionadas com a presença de infecção pelo H. pylori. RESULTADOS: Biopsias de 2.019 pacientes foram incluídas no estudo. A idade média dos pacientes foi de 52 (±15) anos e 59% eram do sexo feminino. A pesquisa de H. pylori foi positiva em 76% dos pacientes. Mucosa normal, gastrite crônica não-atrófica, gastrite atrófica e metaplasia intestinal foram diagnosticadas em 5%, 77%, 3% e 15% das biopsias, respectivamente. A infecção por H. pylori determinou uma razão de chances 10 vezes (IC95% 6.50 - 17%) maior de se encontrar algum grau de alteração histológica na mucosa gástrica. A razão de chances dos pacientes infectados apresentarem gastrite crônica não-atrófica, foi igual a 3 (IC95% 2,2 - 3,4). A razão de chances dos pacientes infectados apresentarem gastrite atrófica e metaplasia intestinal foi menor que 1. CONCLUSÃO: A prevalência da infecção por H. pylori foi alta (76%) e os indivíduos infectados apresentaram probabilidade 10 vezes maior para a ocorrência de lesão da mucosa gástrica. Gastrite crônica não-atrófica apresentou prevalência de 77%, gastrite atrófica 3% e metaplasia intestinal 15%. A infecção pelo H. pylori determinou uma probabilidade 3 vezes maior para o desenvolvimento de gastrite crônica não-atrófica e não determinou risco para a ocorrência de gastrite atrófica e metaplasia intestinal, sugerindo que possivelmente outros fatores de risco, além do H. pylori, estejam envolvidos no processo da carcinogênese gástrica.

Infecções por Helicobacter; Neoplasias gástricas; Condições pré-cancerosas; Dispepsia


BACKGROUND: Helicobacter pylori infection has been considered to play significant role in gastric carcinogenesis, but only a minority of people who harbor this organism will develop gastric cancer. H. pylori infection first causes chronic non atrophic gastritis. Chronic non atrophic gastritis may evolve to atrophic gastritis and intestinal metaplasia and finally to dysplasia and adenocarcinoma. AIMS: To estimate the prevalence of H. pylori infection and the precancerous gastric lesions and their relationship, in patients with dyspeptic symptoms who underwent upper gastrointestinal endoscopy at a reference center in the central region of Rio Grande do Sul state, Brazil. METHODS: We analyzed gastric biopsies taken from corpus and antrum of patients who underwent upper gastrointestinal endoscopy for H. pylori detection, between 1994 and 2003. According to Sydney system, chronic non atrophic gastritis, atrophic gastritis and intestinal metaplasia were diagnosed by histological examination (H-E stain). The histological diagnoses were related to H. pylori infection status. RESULTS: Biopsies from 2,019 patients were included in the study. Patients mean age was 52 (±15) and 59% were female. Seventy six percent had H. pylori infection. Normal mucosa, chronic non atrophic gastritis, atrophic gastritis and intestinal metaplasia were diagnosed in 5%, 77%, 3% and 15%, respectively. The OR for any degree of gastric mucosa lesion in infected patients was 10 (CI95% 6.50 - 17%). The OR for infected patients had chronic non atrophic gastritis was 3 (CI95% 2,2 - 3,4). The OR for infected patients had atrophic gastritis or intestinal metaplasia was less than 1. CONCLUSIONS: The prevalence of H. pylori infection in this population was high (76%) and infected individuals had the probability 10 folds greater than non infected individuals to have any lesion of gastric mucosa. The prevalence of precancerous lesions was 77% for non atrophic chronic gastritis, 3% for atrophic gastritis and 15% for intestinal metaplasia. Infected patients had risk 3 folds greater than non-infected for the occurrence of non atrophic chronic gastritis. H. pylori infection did not show risk for occurrence of atrophic gastritis and intestinal metaplasia, suggesting that other risk factors should be involved in the carcinogenesis process.

Helicobacter infections; Stomach neoplasms; Precancerous conditions; Dyspepsia


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Prevalência da infecção por Helicobacter pylori e das lesões precusoras do câncer gástrico em pacientes dispéticos

Prevalence of Helicobacter pylori infection and gastric cancer precursor lesions in patients with dyspepsia

Leandro Bizarro MullerI; Renato Borges FagundesI, II; Claudia Carvalho de MoraesI; Alexandre RampazzoI

IServiço de Gastroenterologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Maria, RS

IIPrograma de Pós-graduação: Gastroenterologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Dr. Renato Borges Fagundes Departamento de Clínica Médica / Centro de Ciências da Saúde – Universidade Federal de Santa Maria – Campus Universitário 97105-900 – Santa Maria, RS E-mail: rfagundes@pro.viars.com.br

RESUMO

RACIONAL: A infecção pelo Helicobacter pylori é fator importante no desenvolvimento da carcinogênese gástrica, mas somente uma fração dos pacientes infectados irá desenvolver câncer gástrico. A infecção pelo H. pylori determina gastrite crônica não-atrófica, que pode evoluir para gastrite atrófica e metaplasia intestinal e, finalmente, para displasia e adenocarcinoma.

OBJETIVO: Estudar a prevalência da infecção pelo H. pylori e das lesões precursoras de câncer gástrico e sua associação, em pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta em serviço de referência da região central do Estado do Rio Grande do Sul.

MÊTODOS: Foram analisadas retrospectivamente biopsias de corpo e antro gástrico obtidas de pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta no período entre 1994 e 2003, nas quais foi realizada pesquisa de H. pylori. As lâminas foram coradas pelo método da hematoxilina-eosina e os achados histológicos foram classificados de acordo com o sistema de Sydney em mucosa normal, gastrite crônica não-atrófica, gastrite atrófica e metaplasia intestinal. As alterações histológicas encontradas foram relacionadas com a presença de infecção pelo H. pylori.

RESULTADOS: Biopsias de 2.019 pacientes foram incluídas no estudo. A idade média dos pacientes foi de 52 (±15) anos e 59% eram do sexo feminino. A pesquisa de H. pylori foi positiva em 76% dos pacientes. Mucosa normal, gastrite crônica não-atrófica, gastrite atrófica e metaplasia intestinal foram diagnosticadas em 5%, 77%, 3% e 15% das biopsias, respectivamente. A infecção por H. pylori determinou uma razão de chances 10 vezes (IC95% 6.50 – 17%) maior de se encontrar algum grau de alteração histológica na mucosa gástrica. A razão de chances dos pacientes infectados apresentarem gastrite crônica não-atrófica, foi igual a 3 (IC95% 2,2 – 3,4). A razão de chances dos pacientes infectados apresentarem gastrite atrófica e metaplasia intestinal foi menor que 1.

CONCLUSÃO: A prevalência da infecção por H. pylori foi alta (76%) e os indivíduos infectados apresentaram probabilidade 10 vezes maior para a ocorrência de lesão da mucosa gástrica. Gastrite crônica não-atrófica apresentou prevalência de 77%, gastrite atrófica 3% e metaplasia intestinal 15%. A infecção pelo H. pylori determinou uma probabilidade 3 vezes maior para o desenvolvimento de gastrite crônica não-atrófica e não determinou risco para a ocorrência de gastrite atrófica e metaplasia intestinal, sugerindo que possivelmente outros fatores de risco, além do H. pylori, estejam envolvidos no processo da carcinogênese gástrica.

Descritores: Infecções por Helicobacter. Neoplasias gástricas. Condições pré-cancerosas. Dispepsia.

ABSTRACT

BACKGROUND: Helicobacter pylori infection has been considered to play significant role in gastric carcinogenesis, but only a minority of people who harbor this organism will develop gastric cancer. H. pylori infection first causes chronic non atrophic gastritis. Chronic non atrophic gastritis may evolve to atrophic gastritis and intestinal metaplasia and finally to dysplasia and adenocarcinoma.

AIMS: To estimate the prevalence of H. pylori infection and the precancerous gastric lesions and their relationship, in patients with dyspeptic symptoms who underwent upper gastrointestinal endoscopy at a reference center in the central region of Rio Grande do Sul state, Brazil. METHODS: We analyzed gastric biopsies taken from corpus and antrum of patients who underwent upper gastrointestinal endoscopy for H. pylori detection, between 1994 and 2003. According to Sydney system, chronic non atrophic gastritis, atrophic gastritis and intestinal metaplasia were diagnosed by histological examination (H-E stain). The histological diagnoses were related to H. pylori infection status.

RESULTS: Biopsies from 2,019 patients were included in the study. Patients mean age was 52 (±15) and 59% were female. Seventy six percent had H. pylori infection. Normal mucosa, chronic non atrophic gastritis, atrophic gastritis and intestinal metaplasia were diagnosed in 5%, 77%, 3% and 15%, respectively. The OR for any degree of gastric mucosa lesion in infected patients was 10 (CI95% 6.50 – 17%). The OR for infected patients had chronic non atrophic gastritis was 3 (CI95% 2,2 – 3,4). The OR for infected patients had atrophic gastritis or intestinal metaplasia was less than 1.

CONCLUSIONS: The prevalence of H. pylori infection in this population was high (76%) and infected individuals had the probability 10 folds greater than non infected individuals to have any lesion of gastric mucosa. The prevalence of precancerous lesions was 77% for non atrophic chronic gastritis, 3% for atrophic gastritis and 15% for intestinal metaplasia. Infected patients had risk 3 folds greater than non-infected for the occurrence of non atrophic chronic gastritis. H. pylori infection did not show risk for occurrence of atrophic gastritis and intestinal metaplasia, suggesting that other risk factors should be involved in the carcinogenesis process.

Headings:Helicobacter infections. Stomach neoplasms. Precancerous conditions. Dyspepsia.

INTRODUÇÃO

O câncer gástrico é a segunda causa mais comum de morte por câncer no mundo e quase dois terços dos casos ocorrem em países em desenvolvimento(28). Progresso significante na etiologia do câncer gástrico foi a identificação do Helicobacter pylori (H. pylori) e as evidências acumuladas que levaram a sua classificação como fator importante ligado ao processo da carcinogênese gástrica. No entanto, tem-se observado grande heterogeneidade entre as populações, no que diz respeito ao risco do desenvolvimento de câncer gástrico associado à infecção pelo H. pylori, notando-se que nas populações com alta prevalência da infecção somente uma fração da mesma irá desenvolver câncer gástrico(15).

Estudos da mucosa gástrica em populações de alto risco têm revelado uma série de lesões que, seqüencialmente, evoluiriam da condição normal para gastrite crônica não-atrófica (GCNA), que evoluiria para gastrite atrófica (GA) e metaplasia intestinal (MI) e, finalmente, para displasia e adenocarcinoma(7, 8, 10, 35). Portanto, a infecção pelo H. pylori determina a ocorrência de inflamação crônica da mucosa gástrica que pode persistir por décadas e conferir risco aumentado para o desenvolvimento do câncer gástrico(17).

Do ponto de vista epidemiológico, tanto a prevalência do H. pylori, quanto a sua relação com lesões precursoras do câncer gástrico, apresentam distribuição variável em todo o mundo. Estima-se que cerca de 50% da população mundial esteja infectada pelo H. pylori, sendo que esta prevalência é maior nos países em desenvolvimento. No Brasil a prevalência do H. pylori tem sido relatada, entre adultos e crianças, em taxas que variam de 34% a 80%(4, 5, 27, 32) e a prevalência das lesões precursoras do câncer gástrico, até onde se conhece, só foi relatada em indivíduos infectados pelo H. pylori, familiares em primeiro grau de pacientes com câncer gástrico, na região nordeste(24).

O objetivo do presente estudo foi investigar a prevalência da infecção pelo H. pylori e a prevalência das alterações histológicas precursoras do câncer gástrico, bem como a associação da infecção com as lesões precursoras, em pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta em serviço de referência da região central do Estado do Rio Grande do Sul.

MÉTODOS

Foram revisadas biopsias gástricas obtidas por endoscopia digestiva alta, de pacientes nos quais foi pesquisada a presença do H. pylori, no período compreendido entre 1994 e 2003. Incluiram-se, no estudo, as biopsias realizadas em pacientes dispépticos que apresentavam no exame endoscópico, pelo menos, uma das seguintes situações: 1) presença de lesões da mucosa gastroduodenal como erosões e úlceras, 2) história prévia de úlcera péptica, 3) pacientes gastrectomizados, 4) diagnóstico histológico prévio de metaplasia intestinal ou gastrite crônica, 5) história de câncer gástrico em familiar de primeiro grau, 6) por solicitação do médico-assistente, mesmo na ausência de lesões ao exame endoscópico. As biopsias foram realizadas no antro e no corpo gástricos e foram obtidos dois fragmentos de cada região. As lâminas foram todas coradas pelo método da hematoxilina-eosina (H-E) e os diagnósticos histológicos foram classificados como mucosa normal, GCNA, GA e MI, de acordo com o sistema de Sydney(34, 36), detalhados a seguir.

GCNA (Figura 1) foi diagnosticada quando se identificou processo inflamatório linfoplasmocitário na lâmina própria; neutrófilos na camada superficial e ausência de atrofia. GA (Figura 2) foi caracterizada por perda de glândulas, infiltrado inflamatório linfocitário, hiperplasia dos cólons glandulares e depleção de mucina. MI (Figura 3) foi diagnosticada quando a mucosa se assemelhava à do intestino delgado com células caliciformes, com ou sem distorção das glândulas.




Foram excluídas as biopsias cujos laudos eram inconclusivos e não permitiam a classificação nas categorias descritas acima. Nos pacientes com mais de um exame endoscópico com biopsia, foi incluída no estudo a amostra mais recente, ou com o estágio mais avançado de diagnóstico histológico e/ou aquele em que a pesquisa de H. pylori era positiva. Foi calculada a razão de chances para cada categoria diagnóstica em relação à presença da infecção pelo H. pylori. A significância estatística foi obtida através do teste do qui-quadrado, com intervalo de confiança de 95%.

RESULTADOS

Preencheram os critérios de inclusão biopsias de 2.019 pacientes. A idade média foi de 52 + 14,9 anos, com predomínio do sexo feminino (59%) e da raça branca (92%). A presença de H. pylori foi constatada em 1.548 pacientes, determinando prevalência da infecção na população estudada de 76%. O diagnóstico histopatológico de GCNA foi encontrado em 1.555 pacientes (77%), GA em 55 pacientes (3%) e MI foi verificada em 309 pacientes (15%). Mucosa com padrão histológico normal esteve presente em 100 pacientes (5%). A relação das alterações histológicas com a faixa etária dos pacientes estudados encontra-se na Tabela 1 e não foi encontrada diferença estatística na prevalência do H. pylori entre os grupos etários estudados, assim como não foi observada relação significativa entre os sexos.

A relação da infecção pelo H. pylori com os diagnósticos histológicos está detalhada na Tabela 2. Os pacientes com infecção pelo H. pylori apresentaram razão de chances 10 vezes maior (IC 95% = 6.50%–17%) de apresentar algum dos graus de lesão da mucosa gástrica do que aqueles com ausência de infecção pelo H. pylori. A prevalência global de GCNA foi de 77% com 82% dos pacientes infectados. A prevalência de GA foi de 3% com a infecção presente em 71% das mesmas. MI apresentou prevalência global de 15% com infecção presente em 66% dos pacientes. Em 34% dos pacientes com MI não foi identificada infecção por H. pylori. A razão de chances para a ocorrência de GCNA associada à presença da infecção pelo H. pylori foi igual a 3 (IC95% = 2,2-3,4). A razão de chances para GA e MI foi inferior a 1 (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Embora a incidência do câncer gástrico venha diminuindo, estima-se que o declínio no número de casos novos não seja tão acentuado devido ao aumento da longevidade e ao crescimento populacional(28). No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que 14.970 novos casos de adenocarcinoma gástrico surgirão em 2006, com taxa de incidência equivalente a 16 casos por 100.000 hab e 9 casos por 100.000 hab no mesmo período para homens e mulheres, respectivamente(16).

Estudos epidemiológicos têm demonstrado risco aumentado de até 6 vezes para o desenvolvimento de adenocarcinoma gástrico em indivíduos infectados pelo H. pylori(2, 13, 14, 29). O adenocarcinoma gástrico atinge altas taxas de incidência em países orientais como China e Japão, especialmente quando comparadas com as taxas encontradas no ocidente. UEMURA et al.(41)encontraram incidência de 2,9% de câncer gástrico em 1.246 pacientes japoneses infectados pelo H. pylori, acompanhados prospectivamente e nenhum caso em 280 pacientes H. pylori negativos. Outros estudos têm mostrado associação entre a infecção pelo H. pylori e as lesões gástricas precursoras de neoplasia(11, 44, 45).

No presente estudo a prevalência da infecção pelo H. pylori foi elevada, situando-se entre os níveis mais altos encontrados em estudos anteriores realizados no Brasil, cujos relatos têm variado de 34,1% a 80%(4, 5, 27, 32). A presença da infecção pelo H. pylori determinou uma probabilidade 3 vezes maior de ocorrência de GCNA, o que está de acordo com os dados existentes sobre o papel do H. pylori na gênese da gastrite crônica. No entanto, a presença do H. pylori não apresentou associação de risco com GA e MI. Além disso, verificou-se que, embora a ocorrência de MI em pacientes infectados tenha sido maior em números absolutos (205/104), a prevalência global de MI foi maior nos pacientes H. pylori negativos (104/482 - 21%), do que nos pacientes H. pylori positivos (205/1537 - 13%). Há divergência desses resultados com outros encontrados na literatura mundial. CU et al.(11) encontraram prevalência significativamente maior de MI em pacientes H. pylori positivos (35% vs. 11,1%), em estudo envolvendo 347 pacientes dispépticos. Achados semelhantes foram encontrados por UEMURA et al. (37% vs. 2%)(41). Os estudos publicados na literatura mundial que demonstram esta forte relação entre a presença do H. pylori e a ocorrência de MI e de câncer gástrico são, em sua maioria, realizados em áreas de alta incidência de neoplasia gástrica, especialmente Japão, China e outros países orientais. Porém, a heterogeneidade na associação entre infecção pelo H. pylori e o desenvolvimento de câncer de estômago entre as populações já foi sugerida(15) e alguns estudos realizados em áreas de menor incidência de câncer gástrico não foram capazes de demonstrar de forma significativa esta associação(1, 12, 22, 33, 37).

Por um lado, sabe-se que o método de coloração pela H-E apresenta limitações na identificação do H. pylori em casos de GA e MI, quando a colonização da mucosa gástrica pela bactéria apresenta densidade baixa(3, 6, 21, 39), sendo necessário o uso de colorações com maior sensibilidade. Métodos especiais de coloração como Warthin-Starry Silver e Genta têm sido propostos para melhorar a identificação do H. pylori, porém são métodos muito complexos para serem usados de rotina. Como as biopsias analisadas no presente estudo foram coradas pela H-E, talvez se possa estar subestimando a prevalência da infecção. Além disso, a falha na identificação da bactéria é significativa nos casos em que porções extensas de mucosa atrófica ou metaplásica estão presentes. A MI deve ser considerada condição que marcadamente reduz a chance de identificação do H. pylori em biopsias, mesmo quando é coletado grande número de amostras, como sugerido pelo sistema Sydney(38). Essa pode ser uma razão que explicaria o fato da infecção pelo H. pylori não ter determinado risco para a ocorrência de GA e MI neste grupo de pacientes.

Por outro lado, sabe-se também, que o câncer gástrico e suas lesões precursoras têm origem multifatorial e neste caso, parece lógico se pensar que outros fatores, além do H. pylori, possam estar relacionados à ocorrência destas lesões.

A redução ou ausência de relação encontrada entre a presença do H. pylori e a ocorrência de lesões neoplásicas e pré-neoplásicas gástricas em alguns estudos, pode ser decorrente de diferenças entre fatores ambientais, características do hospedeiro ou infecção por diferentes cepas de H. pylori. Ingesta de compostos nitrogenados, dieta rica em sal e pobre em frutas, verduras e vitamina C, bem como tabagismo e ocorrência de refluxo biliar parecem estar relacionados a maior ocorrência de lesões pré-neoplásicas e câncer gástrico(9, 18, 19, 25, 42, 43).

Tem sido hipotetizado que somente uma parcela dos indivíduos infectados pelo H. pylori desenvolverão doenças gastroduodenais porque algumas cepas do H. pylori são mais patogênicas que outras. Vários estudos têm demonstrado que a infecção com H. pylori cag-A positivo é associada a alterações no ciclo celular e apoptose do epitélio gástrico e com níveis mais acentuados de inflamação(23, 31). O H. pylori cag-A positivo também tem sido associado com maior intensidade de atrofia e MI(20, 26, 30).

As condições mencionadas acima e as interações entre o H. pylori e outros fatores ambientais, tais como tabagismo e hábitos alimentares(19, 40), que podem influenciar na prevalência das lesões investigadas, não foram acessadas pelo estudo presente devido ao seu próprio desenho (estudo transversal retrospectivo) e, por isso, o mesmo apresenta algumas limitações.

A primeira limitação é que a amostra foi constituída por indivíduos que possuíam alguma indicação para a realização de endoscopia digestiva alta, não sendo uma amostra representativa da população geral, o que justifica a alta prevalência encontrada de infecção por H. pylori. Por outro lado, não se pode deixar de levar em conta que os pacientes atendidos na região aqui em destaque são, na sua maioria, de baixo nível socioeconômico, importante fator de risco para a infecção pelo H. pylori. A idade é outro fator sabidamente associado à infecção pelo H. pylori e o desenvolvimento de lesões precursoras, porém não se encontrou diferença na sua prevalência entre os grupos etários. Esse achado pode estar associado ao fato de que a amostra estudada é constituída predominantemente de população de nível socioeconômico mais baixo, onde a infecção por H. pylori é freqüentemente mais precoce. Outro fator importante a ser considerado é o fato de todos os pacientes possuírem indicação para a pesquisa de H. pylori, o que poderia anular as diferenças entre as faixas de idade. A segunda limitação é a dificuldade de um estudo transversal, como o presente, inferir relação de causalidade para as associações estudadas devido a inexistência de relação temporal entre a exposição e os desfechos. As informações obtidas podem ser utilizadas para explorar relação entre variáveis, mas as mesmas devem ser interpretadas com cautela porque podem ocorrer vieses devidos a fatores internos ou externos na seleção da população estudada. Este problema pode ser resolvido com a constituição de uma coorte a partir deste estudo transversal, dos indivíduos com as diferentes lesões precursoras, infectados ou não pelo H. pylori.

Apesar das limitações mencionadas, o presente estudo acrescenta informação sobre a prevalência da infecção e das lesões precursoras do câncer gástrico, preenchendo lacunas do conhecimento e propondo novas perspectivas de investigação.

CONCLUSÃO

A prevalência de H. pylori nesta amostra foi de 76% e os indivíduos com infecção apresentaram uma razão de chances 10 vezes maior para a ocorrência de qualquer grau de lesão da mucosa gástrica. As lesões precursoras apresentaram prevalência de 77% para GCNA, 3% para GA e 15% para MI. A infecção pelo H. pylori determinou probabilidade 3 vezes maior para o desenvolvimento de GCNA sem determinar risco para a ocorrência de GA e MI, sugerindo que, possivelmente, outros fatores de risco, além do H. pylori, estejam envolvidos no processo da carcinogênese gástrica.

Recebido em 19/6/2006

Aprovado em 13/11/2006.

  • 1. Archimandritis A, Bitsikas J, Tjivras M, Anastasakou E, Tsavaris N, Kalogeras D, Davaris P, Fertakis A. Non-cardia gastric adenocarcinoma and Helicobacter pylori infection. Ital J Gastroenterol. 1993;25:36871.
  • 2. Brenner H, Arndt V, Sturmer T, Stegmaier C, Ziegler H, Dhom G. Individual and joint contribution of family history and Helicobacter pylori infection to the risk of gastric carcinoma. Cancer. 2000;88:2749.
  • 3. Carrick J, Lee A, Hazell S, Ralston M, Daskaloupolos G. Campylobacter pylori, duodenal ulcer and gastric metaplasia: possible role of functional heterotopic tissue in ulcerogenesis. Gut. 1989;30:790-7
  • 4. Carvalho AST, Queiroz DMM, Mendez EN, Rocha GA, Penna EJ. Diagnosis and distribution of Helicobacter pylori: in the gastric mucosa of symptomatic children. Braz J Med Biol Res. 1991;24:163-6.
  • 5. Coelho LG, Das SS, Karim QN, Walker MM, Queiroz DMM, Mendes EN, Lima Jr GF, Oliveira CA, Baron JH, Castro LP. Campylobacter pyloridis in the upper gastrointestinal tract: a Brazilian study. Arq Gastroenterol. 1987;24:5-9.
  • 6. Coelho LG, Das SS, Payne A, Karin QN, Baron JH, Walker MM. Campylobacter pylori in esophagus, antrum and duodenum. A histological and microbiological study. Dig Dis Sci. 1989;34:445-8.
  • 7. Correa P. Human gastric carcinogenesis: a multistep and multifactorial process - First American Cancer Society Award Lecture on Cancer Epidemiology and Prevention. Cancer Res. 1992;52:673540.
  • 8. Correa P. Helicobacter pylori and gastric carcinogenesis. Am J Surg Pathol. 1995;19 Suppl.1:s37-s43.
  • 9. Correa P, Fontham ETH, Bravo JC. Chemoprevention of gastric dysplasia: randomized trial of antioxidant supplements and anti-Helicobacter pylori therapy. J Natl Cancer Inst. 2000;92:18818.
  • 10. Correa P. The biological model of gastric carcinogenesis. IARC Sci Publ. 2004;157:301-10.
  • 11. Cu PQ, Huyen NX, Luan TT, Hung NQ, Hop TV. Helicobacter pylori and precancerous gastric lesions. Dig Endosc. 2000;12:221.
  • 12. Estevens J, Fidalgo P, Tendeiro T, Chagas C, Ferra A, Nobre Leitão C, Costa Mira F. AntiHelicobacter pylori antibodies prevalence and gastric adenocarcinoma in Portugal: report of a case-control study. Eur J Cancer Prevent. 1993;2:37780.
  • 13. Eurogast Study Group. An international association between Helicobacter pylori infection and gastric cancer. Lancet. 1993;341:1359-62.
  • 14. Forman D, Newell DG, Fullerton F, Yarnell JW, Stacey AR, Wald N, Sitas F. Association between infection with Helicobacter pylori and risk of gastric cancer: evidence from a prospective investigation. BMJ 1991;302:1302-5.
  • 15. Guy DE, Lynette L-YL, Julie EB, Harry H-XX, Nicholas JT. Association of Helicobacter pylori infection with gastric carcinoma: a meta-analysis. Am J Gastroenterol. 1999;94:2372-9.
  • 16. Instituto Nacional do Câncer INCA. Estimativa 2006: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2005.
  • 17. Israel DA, Peek RM. Pathogenesis of Helicobacter pylori-induced gastric inflammation. Aliment Pharmacol Ther. 2001;15:1271-90.
  • 18. Jedrychowski W, Popiela T, Drews M. Effect of Helicobacter pylori infection, smoking and dietary habits on the occurrence of antrum intestinal metaplasia. Clinico-epidemiological study in Poland. Pol J Pathol. 1999;50:289-95.
  • 19. Kato I, Vivas J, Plummer M, Lopez G, Peraza, Castro D, Sanchez V, Cano E, Andrade O, Garcia R, Franceschi S, Oliver W, Munoz N. Environmental factors in Helicobacter pylori-related gastric precancerous lesions in Venezuela. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2004;13:468-76.
  • 20. Kidd M, Lastovica AJ, Atherton JC, Louw JA. Heterogeneity in the Helicobacter pylori vacA and cagA genes: association with gastroduodenal disease in south Africa? Gut. 1999:45;499-502.
  • 21. Kim D, Baek J. The comparison of histologic gastritis in patients with duodenal ulcer, chronic gastritis, gastric ulcer and gastric cancer. Younsei Med J. 1999;40:14-9.
  • 22. Kuipers EJ, Gracia-Casanova M, Pena AS, Pals G, Van Kamp G, Kok A, Kurz-Pohlmann E, Pels NFM, Meuwissen GM. Helicobacter pylori serology in patients with gastric carcinoma. Scand J Gastroenterol. 1993;28:4337.
  • 23. Moss SF, Sordillo EM, Abdalla AM, Makarov V, Hanzely Z, Perez-Perez GI, Blaser MJ, Holt PR. Increased gastric epithelial cell apoptosis associated with colonization with cagA+ Helicobacter pylori strains. Cancer Res. 2001;61:1406-11.
  • 24. Mota CRA. Prevalência de lesões precursoras de câncer gástrico e de Helicobacter pylori em familiares de pacientes com câncer gástrico [dissertação]. Fortaleza: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará; 2004.
  • 25. Nakamura M, Haruma K, Kamada T, Mihara M, Yoshihara M, Sumioka M, Fukuhara T, Chayama K. Cigarette smoking promotes atrophic gastritis in Helicobacter pylori-positive subjects. Dig Dis Sci. 2002;47:675-81.
  • 26. Nogueira C, Figueiredo C, Carneiro F, Gomes AT, Barreira R, Figueira P, Salgado C, Belo L, Peixoto A, Bravo J.C, Bravo L.E, Realpe J.L, Plaisier A.P, Quint W.G, Ruiz B, Correa P, van Doorn L.J. Helicobacter pylori genotypes may determine gastric histopathology. Am J Pathol. 2001;158:647-54.
  • 27. Oliveira AMR, Queiroz DMM, Rocha GA, Mendes EN. Seroprevalence of Helicobacter pylori infection in children of low socioeconomic level in Belo Horizonte, Brazil. Am J Gastroenterol. 1994;89:2201-4.
  • 28. Parkin DM, Bray F, Ferlay, J, Pisani P. Global cancer statistics, 2002. CA Cancer J Clin. 2005;55:74-108.
  • 29. Parsonnet J, Friedmann GD, Vandersteen DP, Chang Y, Vogelman JH, Orentreich N, Sibley RK. Helicobacter pylori infection and the risk of gastric carcinoma. N Engl J Med. 1991;325:1127-31.
  • 30. Parsonnet J, Friedmann GD, Orentreich N, Vogelman JH. Risk for gastric cancer in people with CagA positive or CagA negative Helicobacter pylori infection. Gut. 1997;40:297-301.
  • 31. Peek RM Jr, Blaser MJ, Mays DJ, Forsyth MH, Cover TL, Song SY, Krishna U, Pietenpol JA. Helicobacter pylori strain-specific genotypes and modulation of the gastric epithelial cell cycle. Cancer Res. 1999;59:6124-31.
  • 32. Rocha GA, Queiroz DMM, Mendes EN, Oliveira AM, Moura SB, Silva RJ. Studies in abattoir workers and pigs [letter]. Am J Gastroenterol. 1992;87:1525.
  • 33. Rudi J, Müller M, von Herbay A, Zuna I, Raedsch R, Stremmel W, Räth U. Lack of association of Helicobacter pylori seroprevalence and gastric cancer in a population with low gastric cancer incidence. Scand J Gastroenterol. 1995;30:95863.
  • 34. Sipponen P, Kekki M, Siulara M. The Sydney system: epidemiology and natural history of chronic gastritis. J Gastroenterol Hepatol. 1991;6:244-51.
  • 35. Sipponen P, Hyvarinen H. Role of Helicobacter pylori in the pathogenesis of gastritis, peptic ulcer and gastric cancer. Scand J Gastroenterol. Suppl 1993 Suppl 196:3-6.
  • 36. Stolte M, Meining A. The updated Sydney system: classification and grading of gastritis as the basis of diagnosis and treatment. Can J Gastroenterol. 2001;15:591-8.
  • 37. Talley NJ, Zinsmeister AR, Weaver A, DiMagno EP, Carpenter HA, Pérez-Pérez GI, Blaser MJ. Gastric adenocarcinoma and Helicobacter pylori infection. J Natl Cancer Inst. 1991;83:17349.
  • 38. Testoni PA, Colombo E, Cattani L. Helicobacter pylori serology in chronic gastritis with antral atrophy and negative histology for Helicobacter-like organism. J Clin Gastroenterol. 1996;22:1825.
  • 39. Testoni PA, Bonassi U, Bagnolo F, Colombo E, Scelsi R. In diffuse atrophic gastritis, routine histology underestimates Helicobacter pylori infection. J Clin Gastroenterol. 2002;35:234-9.
  • 40. Tréndaniel J, Boffetta P, Buiatti E, Saracci R, Hirsch A. Tobacco smoking and gastric cancer: review and meta-analysis. Int J Cancer. 1997;72:565-73.
  • 41. Uemura N, Shiro O, Soichiro Y, Nobutoshi M, Shuji Y, Michio Y, Kiyomi Taniyama, Naomi S, Ronald JS. Helicobacter pylori infection and the development of gastric cancer. N Engl J Med. 2001;345:784-9.
  • 42. World Cancer Research Fund: 4.6. Stomach. Food, nutrition and the prevention of cancer: a global perspective. Washington, DC: American Institute for Cancer Research:1997. p.148-75.
  • 43. You W-C, Zheng L, Gail MH. Gastric dysplasia and gastric cancer: Helicobacter pylori, serum vitamin C, and other risk factors. J Natl Cancer Inst. 2000;92:1607-12.
  • 44. Zhang C, Yamada N, Wu Y, Wen M, Matsuhisa T, Matsukura N. Helicobacter pylori infection, glandular atrophy and intestinal metaplasia in superficial gastritis, gastric erosion, erosive gastritis, gastric ulcer and early gastric cancer. World J Gastroenterol. 2005;11:791-6.
  • 45. Zhuang XQ, Lin SR. Research of Helicobacter pylori infection in precancerous gastric lesions. World J Gastroenterol. 2000;6:428-9.
  • Correspondência:
    Dr. Renato Borges Fagundes
    Departamento de Clínica Médica / Centro de Ciências da Saúde – Universidade Federal de Santa Maria – Campus Universitário
    97105-900 – Santa Maria, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      13 Nov 2006
    • Recebido
      19 Jun 2006
    Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas de Gastroenterologia e Outras Especialidades - IBEPEGE. Rua Dr. Seng, 320, 01331-020 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 3147-6227 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretariaarqgastr@hospitaligesp.com.br