Acessibilidade / Reportar erro

Infecções parasitárias do apêndice cecal e suas relações com apendicite aguda

Parasitic infection of the appendix and its possible relationship to acute appendicitis

Resumos

Investigou-se a prevalência de infecções parasitárias do apêndice cecal e suas relações com a apendicite. Dos 1.600 apêndices estudados 24 (1,5%) apresentaram infecção parasitária. Enterobius vermicularis foi encontrado em 23 casos (95,8%) e Taenia sp em apenas um (4,2%). Dezesseis pacientes (66,7%) eram menores de 10 anos; 15 eram masculinos e 9 femininos. A análise histopatológica demonstrou inflamação aguda supurativa em 12 casos (50%), eosinofilia em 13 (54,2%) e hiperplasia linfóide em 10 (41,7%). Complicações como peritonite ocorreram em 11 e gangrena em 3 casos. As infecções parasitárias do apêndice são causa pouco freqüente de apendicite aguda em crianças e adolescentes.

Apêndice; Doenças do ceco; Doenças parasitárias; Apendicite


From 1,600 surgically removed appendices, 24 (1.5%) were found to have helminths. Enterobius vermicularis was observed in 23 of the 24 specimens (95.8%) and Taenia sp was detected in only 1 (4.2%) case. Sixteen patients (66.7%) were less than 10 year-old; 15 patients were male and 9 female. Pathologic analysis disclosed acute neutrophilic inflammation in 12 cases and lymphoid hyperplasia in 10 of the 24 appendices. Gangrenous appendicitis was diagnosed in 3 cases and peritonitis was found in 11 of the 24 infested appendices. Parasitic infection of the appendix is an uncommon cause of acute appendicitis in children and adolescents.

Appendix; Cecal diseases; Parasitic diseases; Appendicitis


COMUNICAÇÃO BREVE BRIEF COMMUNICATION

Infecções parasitárias do apêndice cecal e suas relações com apendicite aguda

Parasitic infection of the appendix and its possible relationship to acute appendicitis

Danielle Fernandes da SilvaI; Reinaldo José da SilvaI; Márcia Guimarães da SilvaII; Alesso Cervantes SartorelliII; Bonifácio Katsunori TakegawaIII; Maria Aparecida Marchesan RodriguesII

IDepartamento de Parasitologia, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista – UNESP, Botucatu, SP

IIDepartamentos de Patologia, Faculdade de Medicina, UNESP, Botucatu, SP

IIICirurgia e Ortopedia, Faculdade de Medicina, UNESP, Botucatu, SP

Correspondência Correspondência: Dra. Maria Aparecida M. Rodrigues Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP 18618970 – Rubião Júnior, Botucatu, SP E-mail: mariar@fmb.unesp.br

RESUMO

Investigou-se a prevalência de infecções parasitárias do apêndice cecal e suas relações com a apendicite. Dos 1.600 apêndices estudados 24 (1,5%) apresentaram infecção parasitária. Enterobius vermicularis foi encontrado em 23 casos (95,8%) e Taenia sp em apenas um (4,2%). Dezesseis pacientes (66,7%) eram menores de 10 anos; 15 eram masculinos e 9 femininos. A análise histopatológica demonstrou inflamação aguda supurativa em 12 casos (50%), eosinofilia em 13 (54,2%) e hiperplasia linfóide em 10 (41,7%). Complicações como peritonite ocorreram em 11 e gangrena em 3 casos. As infecções parasitárias do apêndice são causa pouco freqüente de apendicite aguda em crianças e adolescentes.

Descritores: Apêndice. Doenças do ceco. Doenças parasitárias. Apendicite.

ABSTRACT

From 1,600 surgically removed appendices, 24 (1.5%) were found to have helminths. Enterobius vermicularis was observed in 23 of the 24 specimens (95.8%) and Taenia sp was detected in only 1 (4.2%) case. Sixteen patients (66.7%) were less than 10 year-old; 15 patients were male and 9 female. Pathologic analysis disclosed acute neutrophilic inflammation in 12 cases and lymphoid hyperplasia in 10 of the 24 appendices. Gangrenous appendicitis was diagnosed in 3 cases and peritonitis was found in 11 of the 24 infested appendices. Parasitic infection of the appendix is an uncommon cause of acute appendicitis in children and adolescents.

Headings: Appendix. Cecal diseases. Parasitic diseases. Appendicitis.

INTRODUÇÃO

As infecções parasitárias intestinais são eventos comuns em nosso meio e ocorrem em todas as faixas etárias e níveis socioeconômicos. Podem se expressar por manifestações clínicas atípicas, simulando quadros de apendicite(1, 3, 4, 5). Enterobius vermicularis, Ascaris sp, Schistosoma sp e, raramente, Taenia sp têm sido identificados em casos de apendicite aguda(2, 4). A presença de helmintos ao exame histopatológico do apêndice cecal tem despertado questionamentos sobre seu possível papel na gênese da apendicite.

Investigou-se no presente estudo a prevalência de infecções parasitárias do apêndice cecal e suas possíveis relações com a apendicite aguda.

MÉTODOS

Foram estudados retrospectivamente 1.600 apêndices cecais removidos cirurgicamente, com diagnóstico clínico de apendicite, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp, Botucatu, SP, entre 1995 e 2005. Todos os apêndices foram submetidos a exame anatomopatológico. Para este procedimento foram fixados em solução de formalina a 10%, seccionados em um corte longitudinal e dois cortes transversais, e processados para obtenção de cortes histológicos, que foram corados pela hematoxilina-eosina e analisados em microscópio de luz, Zeiss. As informações dos pacientes, tais como dados demográficos e quadro clínico, foram obtidas através de revisão dos prontuários.

RESULTADOS

Dos 1.600 apêndices cecais estudados, 24 apresentaram infecção parasitária. O helminto identificado com maior freqüência foi o E. vermicularis, presente em 23 dos 24 casos (95,8%). Proglotes de Taenia sp. foram encontrados na luz do apêndice em único caso (4,2%). Os dados demográficos dos pacientes são apresentados na Tabela 1. Dezesseis pacientes (66,7%) eram menores de 10 anos; 15 eram masculinos e 9 femininos; 21 pacientes eram brancos e 3 não-brancos. Todos referiam alterações do hábito intestinal e apresentavam sintomas de dor abdominal, sendo que em nove casos (37,5%) havia irradiação da dor para a fossa ilíaca direita. O estudo histopatológico dos apêndices com infecção parasitária demonstrou processo inflamatório agudo supurativo, que dissociava as camadas musculares em 11 dos 24 casos (45,8%). Hiperplasia linfóide (Figura 1) foi observada em 10 dos 24 apêndices (41,7%) e eosinofilia em 13 (54,2%). Evidências histológicas de invasão da mucosa do apêndice pelo E. vermicularis foram identificadas em quatro casos. Todos os pacientes receberam tratamento anti-helmíntico após a cirurgia e permaneceram assintomáticos durante o acompanhamento em ambulatório.


DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo demonstraram que parasitas são raramente encontrados no apêndice cecal e sua presença pode associar-se a sinais clínicos de apendicite. Estes dados documentam a eficácia das medidas sanitárias implementadas no Estado de São Paulo para o controle das infecções parasitárias intestinais.

Na presente série o E. vermicularis foi o parasita encontrado com maior freqüência no apêndice cecal. Este dado destaca a distribuição universal e o caráter endêmico da infecção por ele(1, 3, 5). Por outro lado, a proximidade do apêndice ao habitat do Enterobius, que é a região do ceco, pode explicar o predomínio da infestação por este helminto no apêndice cecal.

Na presente casuística, tal infecção ocorreu com maior freqüência em crianças brancas menores de 10 anos, que constitui a faixa etária com maior prevalência de infecção por E. vermicularis(1, 3). Identificaram-se proglotes de Taenia sp. na luz do apêndice somente em uma paciente de 28 anos com quadro clínico de apendicite. O comprometimento do apêndice cecal por Taenia é raro, bem como tal apresentação clínica atípica de cólica apendicular(4).

A associação entre infecção parasitária do apêndice cecal e apendicite aguda tem sido amplamente investigada. STILL(5) foi o primeiro que relatou, em 1899 na Inglaterra, incidência de 19% de infestação do apêndice por E. vermicularis em crianças com apendicite. A partir de então, inúmeros relatos têm apresentado informações contraditórias. A presença do parasita no apêndice pode levar a sinais e sintomas de cólica apendicular, independentemente do achado de inflamação ao exame histopatológico(1, 3).

Identificou-se no presente estudo amplo espectro de alterações patológicas do apêndice cecal em resposta à presença do E. vermicularis ou da Taenia sp. As alterações morfológicas variaram de hiperplasia linfóide, até complicações potencialmente fatais, como gangrena e peritonite. Esta ampla variedade de alterações patológicas pode estar relacionada à evolução temporal da doença até o momento do diagnóstico e da intervenção cirúrgica. A hiperplasia linfóide, reacional aos antígenos do parasita, pode ser a resposta orgânica inicial responsável pelo quadro clínico de cólica apendicular. Por outro lado, os efeitos obstrutivos do tecido linfóide proeminente podem ser o fator desencadeante do processo inflamatório no apêndice cecal(2). A inflamação aguda flegmonosa na muscularis própria, que constitui o atributo padrão-ouro para o diagnóstico histopatológico de apendicite(2) foi encontrada na metade dos pacientes aqui estudados. Os resultados desta casuística compatibilizam-se com os de ARCA et al.(1) que relataram alterações patológicas do apêndice na maioria das crianças com infestação por E. vermicularis. Ausência de inflamação histológica do apêndice na presença do parasita ocorreu somente em dois casos e pode estar relacionada à amostragem restrita do apêndice para o exame histopatológico.

Em síntese, os resultados do presente estudo demonstraram que infecções parasitárias do apêndice cecal são causa incomum de apendicite aguda em crianças e adolescentes. Enterobius vermicularis foi o helminto encontrado com maior freqüência na presente série e sua presença correlacionou-se com alterações patológicas do apêndice cecal, que variaram de inflamação aguda supurativa, hiperplasia linfóide e eosinofilia até complicações, como gangrena e peritonite. A possibilidade de infecção parasitária do apêndice cecal, apesar de ser pouco freqüente, deve ser considerada no diagnóstico diferencial da apendicite aguda, visto que o tratamento anti-helmíntico adequado é mandatório para solucionar o processo patológico básico e evitar complicações potencialmente fatais.

Recebido em 30/4/2007.

Aprovado em 27/9/2007.

  • 1. Arca MJ, Gates RL, Groner JI, Hammond S, Caniano DA. Clinical manifestations of appendiceal pinworms in children: an institutional experience and a review of the literature. Pediatr Surg Int. 2004;20:372-5.
  • 2. Lamps LW. Appendicitis and infections of the appendix. Semin Diagn Pathol. 2004;21:86-97.
  • 3. Mowlavi GH, Massoud J, Mobedi I, Rezaian M, Solaymani MS, Mostoufi NE, Gharaguzlo MJ. Enterobius vermicularis: a controversial cause of appendicitis. Iranian J Publ Health. 2004;33:27-31.
  • 4. Sartorelli AC, da Silva MG, Rodrigues MA, da Silva RJ. Appendiceal taeniasis presenting like acute appendicitis. Parasitol Res. 2005;97:171-2.
  • 5. Still GF. Observation on Oxyuris vermicularis in children. Br Med J. 1899;1:898.
  • Correspondência:
    Dra. Maria Aparecida M. Rodrigues
    Departamento de Patologia, Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP
    18618970 – Rubião Júnior, Botucatu, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      27 Set 2007
    • Recebido
      30 Abr 2007
    Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas de Gastroenterologia e Outras Especialidades - IBEPEGE. Rua Dr. Seng, 320, 01331-020 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 3147-6227 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretariaarqgastr@hospitaligesp.com.br