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Estudo de vigilância epidemiológica da profilaxia do tromboembolismo venoso em especialidades cirúrgicas de um hospital universitário de nível terciário

Study of epidemiological surveillance of venous thromboembolism prophylaxis in surgical specialties of a school tertiary referral hospital

Resumos

CONTEXTO: O tromboembolismo venoso pós-operatório é uma entidade frequente e grave, que pode levar à embolia pulmonar e à síndrome pós-trombótica. Apesar dos benefícios comprovados pela profilaxia, nota-se uma inadequação na sua indicação. OBJETIVO: Verificar a indicação de heparina profilática entre pacientes de diferentes clínicas cirúrgicas de um hospital universitário de nível terciário. MÉTODOS: Realizou-se avaliação prospectiva, através de busca ativa, por 10 dias seguidos, em cada mês, no período de setembro a dezembro de 2005, de pacientes operados nas clínicas: cirurgia geral (aparelho digestório e proctologia), ginecologia, neurocirurgia, ortopedia e traumatologia, urologia e angiologia e cirurgia vascular, com identificação dos fatores de risco para tromboembolismo venoso e o uso profilático de heparina, de acordo com as normas da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. RESULTADOS: Foram avaliados 357 pacientes, 24 (6,7%) classificados como de baixo risco para tromboembolismo venoso, 128 (35,9%) de risco moderado, e a maioria, 205 (57,4%) de alto risco. Do total de pacientes, 184 (51,5%) receberam heparina profilática. A heparina foi utilizada em 73,3% dos pacientes da cirurgia geral, em 16,7% da ginecologia, em 50,0% da neurologia, em 32,5% da ortopedia e traumatologia, em 37,3% da urologia e em 97,7% da clínica de angiologia e cirurgia vascular. Das clínicas avaliadas, apenas 38,3% dos pacientes de risco moderado e 64,4% dos de alto risco receberam heparina profilática. Esta foi utilizada de forma adequada em 77,6% dos pacientes de risco moderado e em 63,6% dos de alto risco. Trombocitopenia, sangramento menor e maior, foram identificados em 3 (1,6%), 12 (6,5%) e 2 (1,1%) pacientes que receberam heparina, respectivamente. Foram diagnosticados clinicamente seis (1,7%) episódios de tromboembolismo venoso. CONCLUSÃO:Apesar das indicações bem definidas da heparina na profilaxia do tromboembolismo venoso, verifica-se adesão incompleta por parte dos profissionais médicos da especialidade, expondo os pacientes a complicações graves.

Tromboembolia venosa; Trombose venosa; Complicações pós-operatórias; Heparina; Vigilância epidemiológica


CONTEXT: Postoperative venous thromboembolism is a frequent and severe disease that can lead to pulmonary embolism and post thrombotic syndrome. Although the venous thromboembolism prophylaxis is a proven strategy, an unsuitable indication is observed. OBJECTIVE: To verify the indication of prophylaxis with heparin among patients of several surgical specialties of a School Tertiary Referral Hospital. METHODS: It was accomplished a prospective study during 10 consecutive days in each month, from September to December of 2005, with 360 patients surgically treated in the specialties: General Surgery, Gynecology, Neurosurgery, Ortopedy and Traumatology, Urology and Angiology and Vascular Surgery, identifying risk factors for the development of venous thromboembolism (VTE) and the use of heparin prophylaxis according to the recommendations of the Brazilian Society of Angiology and Vascular Surgery. RESULTS: Three hundred and fifty seven patients were evaluated, 24 (6,7%), 128 (35,9%) and 205 (57,4%) were included in low risk, medium risk and high risk for venous thromboembolism, respectively. One hundred and eighty four patients (51,5%) of the sample received prophylactic heparin. Heparin was used in 73,3% of the patients of General Surgery, 16,7% of Gynecology, 50,0% of Neurosurgery, 32,5% of Ortopedy and Traumatology, 37,3% of Urology and 97,7% of Angiology and Vascular Surgery. Only 38,3% of medium risk and 64,4% of high risk patients received prophylactic heparin. Heparin was suitably used in 77,6% of medium risk and in 63,6% of high risk patients. Thrombocytopenia, minor bleeding and major bleeding occurred in 3 (1,6%), 12 (6,5%) and 2 (1,1%) of the patients, respectively. Thromboembolic complications occurred in 6 (1,7%) cases. CONCLUSION: Although the indications of prophylactic heparin to venous thromboembolism are well known, we verify an incomplete adhesion of medical professionals, exposing patients to severe complications.

Venous thromboembolism; Venous thrombosis; Postoperative complications; Heparin; Epidemiologic surveillance


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Estudo de vigilância epidemiológica da profilaxia do tromboembolismo venoso em especialidades cirúrgicas de um hospital universitário de nível terciário

Study of epidemiological surveillance of venous thromboembolism prophylaxis in surgical specialties of a school tertiary referral hospital

Augusto Diogo-FilhoI; Cíntia Prado MaiaII; Débora Miranda DiogoII; Larissa dos Santos Paula FedrigoII; Priscila Miranda DiogoII; Priscila Meira VasconcelosIII

IDepartamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Uberlândia

IICurso de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia

IIIResidência de Cirurgia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, MG

Correspondência Correspondência: Dr. Augusto Diogo Filho Av. Levindo de Souza, 1775 - Umuarama 38405-322 Uberlândia, MG Email: diogofilho@netsite.com.br

RESUMO

CONTEXTO: O tromboembolismo venoso pós-operatório é uma entidade frequente e grave, que pode levar à embolia pulmonar e à síndrome pós-trombótica. Apesar dos benefícios comprovados pela profilaxia, nota-se uma inadequação na sua indicação.

OBJETIVO: Verificar a indicação de heparina profilática entre pacientes de diferentes clínicas cirúrgicas de um hospital universitário de nível terciário.

MÉTODOS: Realizou-se avaliação prospectiva, através de busca ativa, por 10 dias seguidos, em cada mês, no período de setembro a dezembro de 2005, de pacientes operados nas clínicas: cirurgia geral (aparelho digestório e proctologia), ginecologia, neurocirurgia, ortopedia e traumatologia, urologia e angiologia e cirurgia vascular, com identificação dos fatores de risco para tromboembolismo venoso e o uso profilático de heparina, de acordo com as normas da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular.

RESULTADOS: Foram avaliados 357 pacientes, 24 (6,7%) classificados como de baixo risco para tromboembolismo venoso, 128 (35,9%) de risco moderado, e a maioria, 205 (57,4%) de alto risco. Do total de pacientes, 184 (51,5%) receberam heparina profilática. A heparina foi utilizada em 73,3% dos pacientes da cirurgia geral, em 16,7% da ginecologia, em 50,0% da neurologia, em 32,5% da ortopedia e traumatologia, em 37,3% da urologia e em 97,7% da clínica de angiologia e cirurgia vascular. Das clínicas avaliadas, apenas 38,3% dos pacientes de risco moderado e 64,4% dos de alto risco receberam heparina profilática. Esta foi utilizada de forma adequada em 77,6% dos pacientes de risco moderado e em 63,6% dos de alto risco. Trombocitopenia, sangramento menor e maior, foram identificados em 3 (1,6%), 12 (6,5%) e 2 (1,1%) pacientes que receberam heparina, respectivamente. Foram diagnosticados clinicamente seis (1,7%) episódios de tromboembolismo venoso.

CONCLUSÃO:Apesar das indicações bem definidas da heparina na profilaxia do tromboembolismo venoso, verifica-se adesão incompleta por parte dos profissionais médicos da especialidade, expondo os pacientes a complicações graves.

Descritores: Tromboembolia venosa. Trombose venosa. Complicações pós-operatórias. Heparina. Vigilância epidemiológica.

ABSTRACT

CONTEXT: Postoperative venous thromboembolism is a frequent and severe disease that can lead to pulmonary embolism and post thrombotic syndrome. Although the venous thromboembolism prophylaxis is a proven strategy, an unsuitable indication is observed.

OBJECTIVE: To verify the indication of prophylaxis with heparin among patients of several surgical specialties of a School Tertiary Referral Hospital.

METHODS: It was accomplished a prospective study during 10 consecutive days in each month, from September to December of 2005, with 360 patients surgically treated in the specialties: General Surgery, Gynecology, Neurosurgery, Ortopedy and Traumatology, Urology and Angiology and Vascular Surgery, identifying risk factors for the development of venous thromboembolism (VTE) and the use of heparin prophylaxis according to the recommendations of the Brazilian Society of Angiology and Vascular Surgery.

RESULTS: Three hundred and fifty seven patients were evaluated, 24 (6,7%), 128 (35,9%) and 205 (57,4%) were included in low risk, medium risk and high risk for venous thromboembolism, respectively. One hundred and eighty four patients (51,5%) of the sample received prophylactic heparin. Heparin was used in 73,3% of the patients of General Surgery, 16,7% of Gynecology, 50,0% of Neurosurgery, 32,5% of Ortopedy and Traumatology, 37,3% of Urology and 97,7% of Angiology and Vascular Surgery. Only 38,3% of medium risk and 64,4% of high risk patients received prophylactic heparin. Heparin was suitably used in 77,6% of medium risk and in 63,6% of high risk patients. Thrombocytopenia, minor bleeding and major bleeding occurred in 3 (1,6%), 12 (6,5%) and 2 (1,1%) of the patients, respectively. Thromboembolic complications occurred in 6 (1,7%) cases.

CONCLUSION: Although the indications of prophylactic heparin to venous thromboembolism are well known, we verify an incomplete adhesion of medical professionals, exposing patients to severe complications.

Headings: Venous thromboembolism. Venous thrombosis. Postoperative complications. Heparin. Epidemiologic surveillance.

INTRODUÇÃO

A trombose venosa profunda (TVP) e a embolia pulmonar (EP) são manifestações de um mesmo problema: o tromboembolismo venoso (TEV)(25). Complicação da TVP, menos grave que a EP, é a insuficiência venosa crônica, também chamada síndrome pós-trombótica(14, 15). A dificuldade do diagnóstico da TVP, o retardo na terapêutica e a estreita relação entre TVP e EP determinam altas taxas de morbimortalidade(25).

No Brasil, provavelmente devido à falta de confirmação pela dificuldade de acesso aos serviços médicos e pela subnotificação, acredita-se que haja incidência de 0,6 caso/mil habitantes/ano(10).

Os pacientes politraumatizados ou os submetidos a intervenção cirúrgica de longa duração estão sob risco aumentado de desenvolver TEV. Esse risco aumenta com a idade, obesidade, em doentes com neoplasia, antecedentes cirúrgicos recentes e os estados trombogênicos. Além disso, há interferência de fatores individuais, tais como duração da intervenção, o tipo de anestesia, a imobilização pré e pós-operatória, o grau de hidratação e a presença de uma infecção(22).

Apesar de grandes evidências sobre a eficácia das medidas profiláticas para o TEV e de protocolos de prevenção da TVP estarem à disposição dos profissionais, existe expressiva variabilidade na prática médica, na aplicação dessas medidas. Diversos estudos encontraram flutuações de 28,0% a 100,0% no uso rotineiro dessa profilaxia(18, 26).

Sabe-se que a profilaxia adequada é o método de melhor relação custo/benefício, podendo reduzir significativamente os gastos hospitalares, já que, diminuindo-se a incidência de TVP e EP, diminui-se o tempo de internação e os gastos com tratamento(25). A profilaxia também deve ser incentivada para se evitar a grande morbidade causada pela sequela tardia da TVP com graus variados de incapacidade(23).

O principal objetivo deste trabalho foi verificar a adesão dos profissionais de seis clínicas cirúrgicas quanto à indicação e uso correto da profilaxia medicamentosa do TEV, através do uso da heparina não fracionada. Secundariamente, avaliar as complicações tromboembólicas e as decorrentes do uso da heparina.

MÉTODOS

Foi realizado estudo epidemiológico, prospectivo transversal, com avaliação diária, por período de 10 dias por mês, nos meses de setembro a dezembro de 2005, em pacientes de ambos os sexos operados em seis Clínicas Cirúrgicas do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, MG. Identificaram-se os fatores de risco para o desenvolvimento de TEV, a classificação de categoria de risco e o uso profilático de heparina, de acordo com as normas propostas pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular - SBACV(4).

Uma ficha com dados de identificação, categoria de risco (baixo risco - 0 a 1 ponto; médio - 2 a 4 pontos e alto risco - 5 ou mais pontos), uso de heparina, iniciado imediatamente ao término da cirurgia, e suas complicações, foi preenchida para cada caso (Figura 1).


Avaliaram-se pacientes em pós-operatório, internados nas clínicas de cirurgia geral (aparelho digestório e proctologia), ginecologia, neurocirurgia, ortopedia e traumatologia, urologia e angiologia e cirurgia vascular.

Cada item presente contava uma unidade para pontuação, com exceção feita a algumas situações específicas, que contavam 2 pontos ou outras que configuraram alto risco, independentemente de outras variáveis, conforme demonstrado na Figura 1.

Trinta dias após a alta hospitalar, foi realizada análise retrospectiva dos prontuários dos pacientes para verificação da ocorrência do TEV sintomática, em relação a dados clínicos, medicamentosos e cirúrgicos.

A utilização adequada da profilaxia para TEV foi analisada segundo as normas da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, que recomenda movimentação ativa e passiva no leito e deambulação precoce para pacientes de baixo risco; uso de heparina subcutânea em baixa dose (5000 UI a cada 12 horas) ou heparina de baixo peso molecular subcutânea 1 vez ao dia (enoxaparina na dose de 20 mg), combinadas ou não à compressão com meias graduadas para pacientes de risco moderado; e para pacientes de alto risco, o uso de heparina não fracionada subcutânea em baixa dose (5000 UI a cada 8 horas) ou heparina de baixo peso molecular subcutânea 1 vez ao dia (enoxaparina na dose de 40 mg). Foi considerada dosagem adequada a prescrição de heparina não fracionada de 8/8 h para pacientes de alto risco e de 12/12 h para pacientes de médio risco(18).

Verificou-se também a ocorrência de complicações pelo uso da heparina, como: sangramento menor (pequenos sangramentos, sem alterações hemodinâmicas e hematimétricas), sangramentos maiores (quando foi necessária hemotransfusão e/ou queda de hemoglobina maior que 2 g/L) e trombocitopenia (queda na contagem de plaquetas superior a 50% do nível basal após o início de uso da medicação, ou pela normalização da contagem de plaquetas após a suspensão da heparina)(4).

Por se tratar de estudo epidemiológico e por ser um levantamento do que é feito rotineiramente nas clínicas cirúrgicas, não houve necessidade do consentimento livre e esclarecido dos pacientes envolvidos. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia, protocolado pelo número 66/05.

Considerou-se como padrão-ouro para o uso da heparina na profilaxia de TVP a clínica de angiologia e cirurgia vascular e, para tanto, comparou-se estatisticamente com as demais clínicas cirúrgicas.

A análise estatística foi realizada por meio do teste da Binominal, sendo considerados estatisticamente significantes valores de P <0,05. Utilizou-se o programa estatístico BioEStat 2.0(2).

RESULTADOS

Avaliaram-se 357 pacientes (Tabela 1), dos quais 215 (60,2%) eram do sexo masculino e 142 (39,8%) do feminino. A idade média encontrada foi 52 anos e o índice de massa corporal médio foi 24,23 kg/m2.

Os fatores de risco mais encontrados, por ordem de frequência, podem ser identificados na Tabela 2.

Foram classificados 24 pacientes (6,7%) como de baixo risco para o desenvolvimento de TEV, com risco moderado 128 (35,9%) e com alto risco 205 (57,4%), com variação desta classificação conforme a distribuição dos pacientes por clínica (Tabela 3). Dos 357 pacientes avaliados, 184 (51,5%) receberam heparina profilática. Dentre os pacientes com baixo risco, três (12,5%) receberam profilaxia medicamentosa. Dos 333 pacientes de risco moderado e alto de desenvolver TEV e com indicação para receber profilaxia medicamentosa, 181 (54,4%) a receberam, e destes, 122 (67,4%) receberam em dose adequada. Dos 181 que receberam heparina, 49 (38,3%) eram de médio risco e 132 (64,4%) de alto risco (Tabela 3).

O esquema profilático empregado em todas as clínicas cirúrgicas avaliadas foi com heparina não fracionada via subcutânea. Dos 184 pacientes que receberam profilaxia medicamentosa, 122 (66,3%) a receberam com dose adequada. Quarenta e oito pacientes (36,4%) de alto risco não receberam a dose correta de profilaxia recomendada(9).

Para todos os pacientes analisados estavam prescritos cuidados gerais, mas sem nenhuma especificação quanto às medidas profiláticas físicas, como deambulação precoce e movimentação do paciente no leito.

De todas as especialidades analisadas, a clínica de ginecologia foi a que menos utilizou a heparina profilática, isto é, em quatro pacientes (16,7%). Em contrapartida, a angiologia e cirurgia vascular foi a que mais a utilizou, ou seja, em 97,7% dos pacientes, e adequadamente em 90,7% dos pacientes.

Quando comparado o uso inadequado de heparina profilática por cada clínica cirúrgica com a clínica de angiologia e cirurgia vascular, verificou-se diferença estatisticamente significante (P <0,05).

As complicações decorrentes do uso de heparina foram: 12 (6,5%) episódios de sangramento menor, 2 (1,1%) de sangramento maior e 3 (1,6%) de trombocitopenia (Tabela 4).

Foram observados 6 (1,7%) episódios de TVP do total de 357, sem nenhum episódio de TVP/EP ou EP isoladamente. Dos 205 pacientes de alto risco e 128 de risco moderado, 4 (2,0%) e 2 (1,6%) desenvolveram TEV, respectivamente (Tabela 5). Em relação à profilaxia utilizada, todos os pacientes receberam cuidados gerais e heparina não fracionada e, entre esses, dois pacientes de alto risco (28,6%) receberam dose inferior à recomendada.

DISCUSSÃO

O TEV representa uma situação grave de pós-operatório amplamente documentada na literatura. A profilaxia da TVP é reconhecidamente efetiva em minimizar as complicações em situações definidas de risco(21).

Estudos mostram distribuição de pacientes em relação à categoria de risco numa proporção de 8,0%, 45,0% e 47,0% para alto, moderado e baixo risco, respectivamente(3, 4). Esses estudos englobam pacientes cirúrgicos e clínicos e diferem dos encontrados nos resultados da presente série, em que se avaliaram apenas pacientes cirúrgicos, verificando-se 57,5% de pacientes de alto risco, 35,8% de risco moderado e 6,7% de baixo risco. Resultados semelhantes a estes foram verificados em outro estudo com 47,1% de pacientes de alto risco, 36,7% de risco moderado e 16,2% de baixo risco, entre pacientes cirúrgicos(9).

A profilaxia química do TEV é necessária e fundamental, entre outras medidas, como deambulação precoce, meias elásticas, compressão pneumática intermitente, etc., pois ao diminuir a incidência de TVP e EP, reduz-se a morbimortalidade, tempo de internação e gastos. O presente trabalho objetivou identificar o uso profilático de heparina em hospital de nível terciário e universitário. A profilaxia é comprovadamente efetiva, o que já foi demonstrado em trabalhos prévios(7, 8). Em estudo de pacientes de cirurgia geral, o emprego de heparina não fracionada em baixas doses reduziu a incidência de TEV de 25,0% para 4,0%, representando redução de risco relativo de 86,0%(7). Em cirurgias eletivas de colo de fêmur, o uso de heparina profilática reduziu a incidência de TEV de 50,0% para 11,0%, redução de risco relativo de 77,0%(8).

A utilização de meias elásticas de compressão moderada em cirurgia geral tem se mostrado eficaz na profilaxia da TVP em alguns estudos(11). O uso de meia elástica associada a outros métodos profiláticos (profilaxia medicamentosa), aumenta sua eficácia e, por esta razão, o uso desta associação tem sido sugerido nos casos de alto risco para o desenvolvimento de TEV(8, 32).

Existem várias classificações de risco publicadas, algumas adequadas para pacientes clínicos e outras para pacientes cirúrgicos(5, 12, 24). Neste trabalho utilizou-se a classificação proposta por CAIAFA e BASTOS(4), de acordo com a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular.

Estudos mostram que o uso profilático de heparina em pacientes hospitalizados variou de 20,9 a 65,9%(4, 9, 13). Embora acessível, a profilaxia medicamentosa da TVP ainda não é rotineiramente utilizada, mesmo em hospitais de nível terciário, alcançando apenas 50,0% dos pacientes que têm indicação(21). No presente trabalho, a profilaxia química foi utilizada em 54,8% dos pacientes cirúrgicos com indicação para recebê-la, com uso adequado em 67,9%. Dentre as prováveis justificativas para essa subutilização destacam-se as imprecisões quanto à classificação de grupos de risco e insegurança do profissional.

Neste estudo, as clínicas cirúrgicas geral e vascular foram as que mais utilizaram profilaxia química, como em outro semelhante(1). Em 12,5% dos pacientes de baixo risco, a heparina profilática foi empregada desnecessariamente.

Há divergência na literatura quanto à indicação de heparina de baixo peso molecular ou de heparina não fracionada(17). Estudos demonstram vantagens da heparina de baixo peso molecular sobre a heparina não fracionada: resposta anticoagulante mais previsível, meia-vida plasmática mais longa, maior biodisponibilidade, redução da trombocitopenia induzida pela heparina e menor osteopenia(16, 29, 31) são alguns dos benefícios obtidos com a heparina de baixo peso molecular, mas no hospital onde foi realizado o presente estudo foi utilizada rotineiramente a heparina não fracionada.

O setor de ginecologia usou profilaxia química em apenas 16,7% de seus pacientes. Tal situação é alarmante, visto que a incidência global de complicações tromboembólicas em cirurgia ginecológica é comparável à da cirurgia geral(8), apesar de não ter sido constatada complicação pós-operatória de TEV, talvez pelo número de pacientes amostrados.

Quanto à adequação da dose de heparina não fracionada, pode-se verificar que mesmo com a disponibilidade de vários esquemas preventivos, nem sempre eles são seguidos. A dose foi adequada em 78,0% dos pacientes de médio risco e em 64,2% dos pacientes de alto risco, situação melhor que a demonstrada em estudos anteriores, que encontraram 70,0% de profilaxia adequada para médio risco e 34,6% para alto risco(20).

A possível preocupação com sangramento pós-operatório, pelos profissionais que não indicam rotineiramente a heparina profilática, pode ser uma explicação possível para a falta de indicação plena da heparina. Contudo, dados de meta-análise e estudos randomizados demonstram que não há aumento significativo de sangramento com o uso de heparina não fracionada em baixas doses e, principalmente, da heparina de baixo peso molecular(9). Na presente série, casos de sangramento menor (6,5%) e maior (1,1%) ocorreram em níveis baixos, sem riscos para os pacientes. Isto deverá ter sido ser tanto pelo uso da profilaxia química, como pelo próprio ato cirúrgico. Em relação à trombocitopenia, verificou-se ocorrência reduzida (1,6%), assim como descrito por outros autores(30).

A real incidência de TEV permanece desconhecida. A história natural da doença, que evolui freqüentemente, de maneira insidiosa ou com sinais e sintomas comuns a outras doenças, contribuiu para uma subnotificação. Acresce-se o fato de que a maioria dos estudos epidemiológicos baseia-se no diagnóstico clínico, de sensibilidade inferior a 50,0%(6).

Em estudo sobre a ocorrência de TEV em 175.730 internações em um hospital geral, verificou-se incidência de 400 casos (0,3%)(28). Considerando-se as subpopulações específicas, como as cirúrgicas, a incidência pode ser mais elevada, com 23,0% dos pacientes submetidos a cirurgia geral e 40,0% dos submetidos a artroplastias de quadril(19). Na presente casuística, em que foi utilizada a profilaxia com heparina, ocorreu TEV em 1,7% dos pacientes operados, diagnosticados clinicamente. Deve-se ressaltar que, apesar das recomendações da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular(4) de iniciar a profilaxia química 2 horas e 12 horas antes dos procedimentos cirúrgicos de moderado e alto risco, respectivamente, as clínicas avaliadas nesse estudo iniciaram imediatamente após o procedimento. Os casos oligossintomáticos de TEV podem ter passado clinicamente despercebidos, e costumam ocorrer numa incidência bem mais baixa do que quando não se faz a profilaxia química(7, 8, 15). Para uma real prevalência, há necessidade de exames como, flebografia, "Duplex scan", em pós-operatórios de todos os pacientes, situação pouco prática na rotina cirúrgica diária(4).

A prevalência de TEV se mantém injustificadamente alta, tratando-se de condição evitável. No entanto, verificou-se que nenhum esquema profilático é completamente efetivo na prevenção do TEV em pacientes de riscos alto e muito alto. Assim, a ocorrência de TEV não pode ser automaticamente afastada por estar o paciente recebendo medidas profiláticas em sua plenitude(27).

Programas educacionais(14) sobre a profilaxia do TVP para profissionais da área de saúde são de extrema importância. Aumento do uso de heparina profilática de 29,0% para 52,0% em pacientes com risco de desenvolver trombose foi conseguido após estratégias educacionais junto aos profissionais de saúde(1).

Este estudo demonstra a necessidade da criação de programas de atualização e campanhas educativas para maior conscientização das equipes cirúrgicas quanto à importância e à necessidade da utilização adequada da profilaxia para o TEV.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Ednaldo Carvalho Guimarães, pela ajuda na análise dos dados.

Recebido em 28/1/2008.

Aprovado em 14/5/2008.

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia, MG.

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  • Correspondência:
    Dr. Augusto Diogo Filho
    Av. Levindo de Souza, 1775 - Umuarama
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      14 Maio 2008
    • Recebido
      28 Jan 2008
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