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Tumores paradoxais do encéfalo: A proposito de 5 casos de glioblastomas multiformes operados

Resumos

Estudando a evolução clínica em cinco casos de glioblastomas multiformes, puderam os autores observar particularidades interessantes que caracterisam este tipo de neoplasia. A sintomatologia pode se enquadrar em quatro formas: pseudo-meningo-encefalítica, apoplética, psicótica e propriamente tumoral. Foram aventadas hipóteses para explicar a patogenia destas formas. A ultima é a mais rara de todas e como resultado foi proposto para os glioblastomas multiformes a denominação de tumores paradoxais do encéfalo pois só excepcionalmente tais tumores oferecem ao clínico, peío menos nos periodos iniciais de sua evolução, as características gerais e mesmo locais de um verdadeiro tumor intra-craniano. Todos os doentes foram operados e todos faleceram. Mesmo naqueles em que foi possivel uma extirpação ampla da neoplasia, a sobrevida foi relativamente curta, no máximo de um ano. São tambem discutidos os resultados e a orientação do tratamento quer pela radioterapia profunda quer pela cirurgia, sendo os autores partidarios de uma conduta eclética, adotando a conjugação dos dois métodos.


The Authors, studying the clinical progress in five cases of multiform glioblastomata, observed interesting features peculiar to this type of neoplasm. Symptoms can be classified into four groups: a) pseudomeningo-encephalitic, b) apopletic, c) psychotic, d) tumoral. Several explanations were considered to explain the pathogenesis of these groups. The latter group is the least frequent. As a result, it has been proposed to name the multiform glioblastomata, paradoxal brain tumors, due to the fact that only excepcionally and especially in the early stages, do these tumor offer local and general signs and symptoms of a typical intracranial tumor. All patients were operated but none survived. Even in those in which ample removal was possible, none survived for more than one year. Results following surgical or deep X-ray therapy are discussed. The Authors indicate a compromising procedure, i. e. treatment by both X-ray and surgery.


Tumores paradoxais do encéfalo. A proposito de 5 casos de glioblastomas multiformes operados

Adherbal TolosaI; Carlos GamaII

IProfessor Catedrático de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

IILivre docente e neuro-cirurgião do Serviço de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

RESUMO

Estudando a evolução clínica em cinco casos de glioblastomas multiformes, puderam os autores observar particularidades interessantes que caracterisam este tipo de neoplasia. A sintomatologia pode se enquadrar em quatro formas: pseudo-meningo-encefalítica, apoplética, psicótica e propriamente tumoral.

Foram aventadas hipóteses para explicar a patogenia destas formas. A ultima é a mais rara de todas e como resultado foi proposto para os glioblastomas multiformes a denominação de tumores paradoxais do encéfalo pois só excepcionalmente tais tumores oferecem ao clínico, peío menos nos periodos iniciais de sua evolução, as características gerais e mesmo locais de um verdadeiro tumor intra-craniano.

Todos os doentes foram operados e todos faleceram. Mesmo naqueles em que foi possivel uma extirpação ampla da neoplasia, a sobrevida foi relativamente curta, no máximo de um ano.

São tambem discutidos os resultados e a orientação do tratamento quer pela radioterapia profunda quer pela cirurgia, sendo os autores partidarios de uma conduta eclética, adotando a conjugação dos dois métodos.

SUMMARY

The Authors, studying the clinical progress in five cases of multiform glioblastomata, observed interesting features peculiar to this type of neoplasm. Symptoms can be classified into four groups: a) pseudomeningo-encephalitic, b) apopletic, c) psychotic, d) tumoral.

Several explanations were considered to explain the pathogenesis of these groups. The latter group is the least frequent. As a result, it has been proposed to name the multiform glioblastomata, paradoxal brain tumors, due to the fact that only excepcionally and especially in the early stages, do these tumor offer local and general signs and symptoms of a typical intracranial tumor.

All patients were operated but none survived. Even in those in which ample removal was possible, none survived for more than one year.

Results following surgical or deep X-ray therapy are discussed. The Authors indicate a compromising procedure, i. e. treatment by both X-ray and surgery.

A individualização dos glioblastomas multiformes entre as numerósas variedades de neoplasias cerebrais é obra já indiscutivelmente realizada como resalta da leitura dos tratados mais recentes que estudam a questão. É bastante vasta a bibliografia extrangeira sobre o assunto e, entre nós, alguns trabalhos de valor têm surgido, chamando a atenção, especialmente dos clínicos, sobre a necessidade do conhecimento da conduta bastante particular desse tipo de tumores. Assim, citamos o trabalho de Aluizio Marques e Rita Cardoso (1 (1 ) Marques, A. e Cardoso, R. A. - Glioblastoma multiforme do centro oval. Revista Neurológica de Buenos Aires, 7 - 2:129 (Junho) 1942. ) em. que, a proposito de uma observação anátomo-clínica, fazem uma síntese das caracteristicas principais dos glioblastomas multiformes. De maior vulto, porem, é o trabalho de Jarbas Pernambucano (2 (2 ) Pernambucano, J. - Glioblastoma multiforme. Tumor agudo do cérebro. Tese de Docência, Recife, 1942. ), elaborado no Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, monografia em que são estudados 16 casos anátomo-clínicos com importantes conclusões que interessam ao clínico, tanto quanto ao patologista, e na qual abundante bibliografia é apresentada. Nesse trabalho figuram alguns casos cedidos por nós, do Arquivo do Serviço de Neurologia da Faculdade, em numero de 5 (casos 1, 2, 13, 15 e 16), alem de outro (caso 11) da clínica particular de um de nós.

No presente trabalho contentamo-nos em menciona-los apenas, podendo sua exposição ser apreciada naquela tése. Fazemos todavia excepção para um deles que relataremos mais adiante sob n.° 2, pois este, tendo sido operado, completa o numero de 5 que tantas são as nossas observações neurocirúrgicas.

Os chamados glioblastomas multiformes são tumores de fisionomia particular não só sob o ponto de vista histopatológico como propriamente clínico. Sua denominação foi creada para substituir a de espongioblastoma multiforme, de Globus e Strauss, a qual, por sua vez, viera corrigir a impropria concepção antiga que considerava esses tumores como gliosarcomas A denominação de glioblastoma multiforme, hoje aceita de modo geral, tem a vantagem de evitar confusões com os es-pongioblastomas unipolares que têm um comportamento clínico inteiramente diverso, enquadrando-se entre os tumores de evolução favoravel.

São os glioblastomas multiformes, gliomas de frequencia infelizmente muito grande. Cushing lhes reserva uma percentagem de 30% na sua estatística sobre gliomas, acrescentando que, possivelmente, essa percentagem seria mais alta pois, sendo os glioblastomas multiformes formações muito sugeitas a processos degenerativos, parte dos tumores não classificados em vista do máo estado dos tecidos submetidos a exame, poderia neles ser incluida (3 (3 ) Cushing, H. - Tumeurs Intracraniennes. 1 vol. Masson e Cia. Paris, pag. 33, 1937. ). Para esse autor, bem como para Elwidge, Penfield e Cone, entre os gliomas, os glioblastomas multiformes só são excedidos em frequência pelos astrocitomas que atingiram cerca de 40% (4 (4 ) Elwidge, A., Penfield, W. e Cone, W. - The gliomas of the Central Nervous System - Tumors of the Nervous System, vol. XVI da serie da Ass. for Res. in Nervous and Mental Diseases. Williams and Wilkins, Baltimore, pag. 107, 1934. ). No Brasil, Maffei, do Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, discorda quanto a essa frequência, inclinando-se a afirmar o predominio dos glioblastomas multiformes (5 (5 ) Maffei, W. E. - Aulas de Neuro-patologia. Curso de aperfeiçoamento da Fac. Med. Univer. S. Paulo, 1942 (não impresso). ).

Estatísticas completas englobando o aspécto clínico não podem ser ainda levantadas entre nós, em virtude de varios fatores, entre os quais salientam-se dois: a ainda imperfeita articulação anátomo-clínica e o relativo atrazo de nosso meio que, só agora, sente despertar a mentalidade neuro-cirúrgica, já implantada e vencedora em outras regiões.

Assim, o trabalho que ora apresentamos, baseia-se apenas na oportunidade que tivemos de acompanhar cinco casos até a faze post-cirúrgica. Isso nos permitiu confirmar, em suas linhas gerais, as características que diferentes autores têm assinalado para os referidos tumores. Vejamos pois, em traços rapidos, essas observações, com o destaque dos fatos mais marcantes, para depois sintetisarmos os elementos dominantes dos glioblastomas multiformes, especialmente no que toca a sua feição clínica e a sua reação ao tratamento, quer radioterápico) quer cirúrgico.

OBSERVAÇÕES

OBSERVAÇÃO I - Fio. Mar. - branco, casado, operario, com 37 anos de idade. Internado na Santa Casa de Misericórdia, 1.a enfermaria de Cirurgia, em 27 de Maio 1942.

Ha dois anos fora acometido por um ataque epileptiforme durando 15 minutos, com perda brusca de conciencia, convulsões clônicas e tônicas, mordedura de lingua e salivação abundante. Não houve aura e ao acesso seguiu-se amnésia e o estado de desconforto proprio dessas crises. Isso repetiu-se semanalmente até há cerca de sete meses quando tudo desapareceu. Entretanto, daí por deante, apareceu cefaléia paroxística, localizada inicialmente na região fronto-parietal direita e irradiando-se para todo o cranio; cefaléia intensa, frequentemente acompanhada de vomitos faceis, sobrevindo em períodos extensos de 12 e mesmo 15 horas. Há 5 mezes começou a notar baixa da visão de forma progressiva, ao mesmo tempo que o olho direito foi se desviando para dentro.

Psiquismo integro. Estado geral regular, abatimento notavel. O exame neurológico revelou, apenas, paresia facial tipo central à esquerda, paresia do motor ocular externo direito e reflexos profundos policinéticos. O exame neuro ocular revelou: Visão OD 1/10; OE 1. Leve estrabismo convergente. Discromatopsia para o vermelho e o verde. Percebe mal o azul e o amarelo. Campos visuais normais em AO (branco, 10/333). Senso cromático prejudicado. Campo visual para as cores prejudicado. Fundos: AO bordos pa-pilares desaparecidos em estase e hemorragias peripapilares, zonas esbranquiçadas, veias tortuosas e um pouco dilatadas. Papilas com um mm. de elevação. (A. Rocco).

O exame do liquido céfalo-raquidiano, por punção sub-occiptal em decubito lateral, mostrou: liquor Jimpido e incolor, pressão inicial 30, pressão final 2 após a retirada de 15 cc. de liquor (manometro de Claude). Quocientes de Ayalla: Qr = 0,7 Qrd = 2,8; 3,2 celulas por mm3; 0,20 grs. de albumina por litro. Normais as demais reações. (O. Lange)

Ventriculografias: Este exame foi grandemente prejudicado em sua realisação em vista da extrema dificuldade em atingir os cornos ventriculares, o que só se conseguiu após três tentativas, chegando-se ao corno occipital do ventrículo esquerdo. Revelou a existência de grande tumor fronto-parietal direito com impressão tumoral diréta (Fig. 1).


Resolvida a intervenção, esta foi praticada em 13 de Julho. Foi encontrado, no lobo préfrontal, aflorando à superfície, um tumor em zona modificada por processo de aracnoidite cistica. O referido tumor parecia nitidamente isolado da corticalidade em, todo o seu contorno, mas, profundamente, infiltrava-se pelo centro oval exigindo a lesão do tecido nervoso nas tentativas de retirada total. Foi retirada, com espátula, substancia tumoral pesando cerca de 5 grs. (Fig O exame anatomopatológico, feito pelo Dr. A. James Brandi, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, confirmou o diagnóstico de lioblastoma multiforme.

O periodo post-operatorio foi ótimo e sete dias depois foi-lhe concedida a alta. Continuou, entretanto, em observação, vindo a falecer, fóra de nossas vistas, no começo do ano de 1943.

Em resumo: sintomatologia neurológica relativamente escassa, consistindo principalmente em convulsões epileptiformes. Estas mesmas desapareceram nos últimos períodos. Sobrevida curta, pouco mais de cinco mezes após a operação ou sejam mais ou menos doze mezes após o primeiro sinal tumoral propriamente dito e três anos após o inicio da primeira manifestação (crise epileptiforme).

OBSERVAÇÃO II (* (* ) Esta observação figura na tése de Jarbas Pernambucano (loc. cit.) sob o n.° 15, onde foi estudada sob o ponto de vista anatomo-patológico. ) - Dil. Bas., branco, 24 anos de idade, lavrador. Internado na Santa Casa de Misericórdia, 1.a Enfermaria de Medicina, em 25 de Setembro de 1941.

Estava doente havia seis meses. Após algumas manifestações digestivas atipicas, começara a ter dôr de cabeça parieto-occipital esquerda, com baixa progressiva da visão. Foi obrigado a acamar-se. Acusava diplopia e apresentava-se sempre sonolento.

Obnubilação mental. Diminuição da atenção, desorientação no espaço e no tempo. Sentava se com grande dificuldade e a sua marcha era em pequenos passos e titubeante. Deglutição e respiração normais. Com certa frequencia notava-se repuchamento na hemi-face esquerda que o doente atribuia à dôr que tinha no olho correspondente. O exame clínico-neurológico nada mais revelou, a não ser discreta exaltação dos reflexos, especialmente o aquilêo esquerdo e a componente abdominal do medio-púbiano. O exame neuro-ocular mostrou edema bilateral da papila (D. Prado).

O exame do liquido céfalo-raquidiano, obtido por punção sub-occipital e em decubito lateral, evidenciou um achado bastante estranho que veio mesmo trazer certo desvio na orientação do diagnóstico. Pressão inicial 60. Pressão final 30 após a retirada de 10 cc. de liquido. Quocientes de Ayalla: Qr = 5, Qrd 3 (manometro de Claude); 9,6 células por mm3 (linfo-mono-nucleares); 0,60 grs. de albumina por litro; reações de Pandy e Nonne positivas; reação de Takata-Ara de tipo mixto; reação de benjoin coloidal 00001.22222.10000.0; Wassermann negativa e reação de desvio de complemento para cisticercose positiva. (O Lange).

Em vista deste resultado, repetiu-se a punção para novo exame. O liquido céfalo-raquidiano era xantocromico e o resultado de seu exame foi mais ou menos identico. A reação do desvio de complemento para cisticercose foi fortemente positiva. O exame de sangue revelou estarem negativas as reações de Wassermann e Kahn, porem o desvio de complemento para cisticercose foi fortemente positivo.

Ventriculografias: As primeiras ventriculografias revelaram a existencia de grande tumor fronto-parietal direito com porções calcificadas e provavelmente com cisto anexo. Com efeito, na execução desta prova parece ter sido atingida uma cavidade cística, de onde foi retirado liquido xantocrômico e hiperalbuminoso (fig. 3).


Foi então resolvida a intervenção, sendo praticada craniotomia frontoparietal. Aberta a dura, nada foi encontrado á inspecção e palpação, transformando-se o ato em grande craniotomia descompressiva. O paciente faleceu oito horas e meia após a intervenção. Procedendo-se aos cortes do cerebro verificou-se, logo atrás dos nucleos estriados, uma formação tumoral que, partindo da base do cerebro, alcançava o talamo, destruindo irregularmente sua porção posterior (fig. 4). Para cima e para traz, ia até o corpo caloso ao qual se prendia. Para os lados crescia no interior dos ventriculos laterais não atingindo as paredes laterais dos mesmos. Desses crescimentos laterais, o esquerdo era um pouco maior pela existencia de um fóco hemorragico irregular. A massa total atingia o volume aproximado de uma laranja. O aspécto da superfície de corte do tumor era variado, vendo-se areas necróticas, areas de hemorragia e areas roseo-acinzentadas com tonalidades diversas e brilhantes e infiltradas por derrames sanguineos. À esquerda, o corno occipital do ventriculo achava-se cheio de sangue, já em parte coagulado. Cortes dos pedunculos cerebrais e protuberancia mostraram a continuidade do tumor para baixo, infiltrando e alterando completamente as estruturas da calota. Cerebelo e bulbo normais. O exame microscópico mostrou tecido neoplásico caracterizado por extraordinario polimorfismo celular mas com grande predominancia de celulas gigantes mono e multinucleadas, muitas delas com a forma de espongioblastos mono e bipolares. Diagnóstico: glioblas-toma multiforme (A. J. Brandi).


Em resumo, caso de evolução rapida, cm que o diagnóstico etiológico foi desviado pelos resultados das provas liquóricas, positivas para cisticercose. Destacava-se da observação clínica grande desproporção entre as dimensões e a localização do tumor e o quadro neurológico, pauperrimo em sinais focais.

Observação III - Fra. Gru. com 48 anos de idade, casado, operario, alemão. Internado no Hospital Alemão, em 1 de Fevereiro 1939.

Há seis meses começou a apresentar modificações psíquicas, tornando-se triste. Há três meses tornou-se incapaz de trabalhar por falta progressiva da visão. Dores de cabeça que se agravavam com os aborrecimentos.

Profunda depressão das faculdades intelectuais com integridade da afeti-vidade. O exame neurológico foi pobre, evidenciando apenas pequeno deficit piramidal à direita. O exame neuro-ocular revelou papila de estáse em AO. Aspecto de fundo de olho caracteristico de hipertensão maligna; hemorragias e exsudatos, vasos com paredes esclerosadas. O campo visual não foi possível obter em virtude da fraqueza física e mental do paciente. (M. E. Alvaro). O exame do liquido céfalo-raquidiano mostrou liquor normal sob o ponto de vista cito-químico. Não foi medida a pressão. (M. Ficker).

As ventriculografias mostraram a existência de um tumor frontal direito (Fig. 5).


O paciente foi operado em 6 de Fevereiro. Evidenciou-se um tumor no lobo pré-frontal. Esse tumor só poude ser retirado juntamente com uma parte de substancia cerebral, (Fig. 6). Em correspondencia com o lobo pré-frontal, existiam aderencias do tumor com as meninges. No post-operatório, formou-se grande hematoma na palpebra de OD e na pele do retalho. O doente melhorou muito, tanto no estado mental, como no referente à visão. Novo exame de olhos, feito em 15 de Fevereiro, mostrou diminuição da papila de estáse. Em principios de Maio o doente se apresentava mais orientado, mais alegre, não se queixando de cefaléia. Foram feitas, a seguir, 20 aplicações de radioterapia profunda, num total de 2.000 R. Novo exame neurológico e ocular, em Julho de 1939, mostrou que o doente estava cada vez melhor. Infelizmente, em principios de Setembro do mesmo ano, fomos informados de sua morte.


Os pedaços de tumor retirados na intervenção cirúrgica foram examirados no Departamento de Anatomia Patológica e esse exame mostrou tratar-se de glioblastoma multiforme (A. Couceiro).

Resumindo, trata-se de um caso de evolução rapida, com sintomatologia neurológica excessivamente pobre, predominando os disturbios de ordem psíquica os quais, mesmo assim, se apresentavam discretos. Foi perfeita a localização pela ventriculografia. Ótima sequencia operatória. Sobrevida de 5 meses pelo menos, com cura clínica relativa.

OBSERVAÇÃO IV - Ade. Sca. com 51 anos de idade, casada, italiana. Internada na Casa de Saúde Pedro II, em Fevereiro de 1941.

Há três meses, em plena saúde, teve na rua, subitamente, um acesso em que perdeu a conciencia. Socorrida pela assistência permaneceu varias horas nesse estado. Queixava-se então de dôr de cabeça e nas costas. Passados dois ou três dias começou a ter convulsões no hemicorpo esquerdo. Tendo melhorado, levantou-se mas, 40 dias depois, teve nova crise com os mesmos caracteres convulsivos, porem extendendo-se tambem ao lado direito. Ao lado disso, muita dôr de cabeça e incontinência de urinas. Foi então enviada pelo prof. Paulino Longo para intervenção, com o diagnóstico de tumor cerebral.

Apresentava-se em franca sonolência recusando-se a falar, com o olhar sem expressão. Alguns movimentos involuntarios atipicos, variaveis, predominantemente no braço direito. Impossivel a atitude erecta. Reflexos profundos abolidos. Ausente o sinal de Babinski e suas variantes, assim como os sinais de Mendel-Bechterew e Rossolimo.

O exame ocular mostrou retinite grave de tipo glicosúrico com perturbações peripapilares que mascaravam os limites das papilas. Vasos ecta-siados, com hemorragias recentes e discretas.

O exame do liquido céfalo-raquidiano, colhido por punção sub-occipital em decubito lateral, mostrou: pressão inicial 44; pressão final 11: volume retirado 15 cc: Quocientes de Ayalla: Qr = 3,7 Qrd = 2,2; citologia 29,4 células por mm3, sendo 93% de linfocitos, 2% de médio-mononucleares e 5% de polinucleares-neutrofilos; albumina 1,20 grs por litro; r. de Wassermann negativa; r. de Eagle negativa; glicose 0,61 grs. por litro; Uréa 0,24 grs. por litro (J. B. dos Reis).

O exame radiográfico mostrou, entre outras verificações de menor importancia: "Nítida descalcificação da sela turcica que se apresentava com contornos mal distintos e discreta erosão do dorso e assoalho". (C. Pereira da Silva). As ventriculografias demonstraram a existência de grande tumor fi ontal direito.

A intervenção mostrou, profundamente situada, uma formação neoplásica que apresentava dois aspéctos distintos: parte era cinzento-arroxeada, de consistencia mais firme que a do sistema nervoso, ao passo que, outra parte era friável e de côr amarelo canario. Dificilmente se limitava o tumor cujo caracter infiltrativo era evidente. Seu volume, a julgar pelas porções retiradas era não menor que um ovo de galinha. Penetrava profundamente no hemisferio e era pouco vascularisado. Ao terminar a operação era precario o estado geral do doente, agravando-se tudo com o choque que se seguiu a despeito de todos os cuidados. A paciente faleceu na tarde do mesmo dia. As peças, encaminhadas ao Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina, permitiram o diagnóstico de glioblastoma multiforme, com o seguinte aspécto histológico: " neoplasia constituida por elementos imaturos da glia, apresentando acentuado polimorfismo celular e areas de necrose mais ou menos extensas, muitas delas circundadas por palissadas celulares". (W. E. Maffei).

Em resumo, tratase de um caso de evolução relativamente rápida sem ser todavia galopante, com quasi nula sintomatologia focal, em contraste com o volume c situação do tumor encontrado. Insucesso operatorio explicado pelas precarias condições da doente e pelo caracter infiltrativo do tumor.

Observação V - Ame. Fra. com 52 anos de idade, solteira, brasileira, residente em São Paulo.

Examinada em 22 de Novembro de 1941, apresentava-se em torpor profundo, com vomitos de tipo cerebral. Seus parentes contaram que 5 meses antes, tivera a paciente um ataque epileptiforme com perda de conciència, seguido de torpor e sonolência. Nessa ocasião foram feitos varios exames cujos resultados fizeram pensar em um síndromo urèmico com hipertensão, tendo havido grandes melhoras com a medicação indicada. Entretanto, pessôas de sua familia informam que não recuperou integralmente o estado normal, tendo ficado muito nervosa, impressionavel e sujeita a frequentes e intensas crises de cefaléia. Alguns dias antes de a examinarmos seu estado se agravara novamente e estabelecera-se aquela sonolência quasi permanente que caracterisava o seu estado.

O exame do líquido céfalo-raquidiano feito nessa ocasião mostrou o seguinte resultado: punção sub-occipital em decubito lateral; pressão inicial 40; pressão final 2; volume retirado 18 cc; Quocientes de Ayalla: Qr = 0.5 Qrd = 3,8 (manómetro de Claude); liquor limpido e incolor; cloretos 6,60 grs. por litro; albumina 0,40 grs. por litro; citologia 42,4 celulas por mm3 (linfocitos 66%; médios-mononucleares 15%; grandes mononucleares 13%; polinucleares-neutrófilos 6%); reação do benjoin coloidal 00000.12222.22210.0: reação do ouro coloidal 000.123.454.320; reação de Takata-Ara de tipo meningítico; reação de Wassermann negativa; reação re Meinicke negativa. Foram encontrados alguns diplococos Gram-positivos; pneumococos? (O. Lange). Este ultimo achado não se confirmou com exames de liquor praticados posteriormente.

O exame neuro-ocular, feito em Novembro de 1941, revelou apenas leve grau de anisocoria e certa preguiça nas reações pupilares. (D. Prado). O exame neurológico revelava, alem de sonolência da qual só saía a doente quando muito solicitada e, assim mesmo, por alguns instantes, acentuado grau de hipertonia, especialmente no hemicorpo esquerdo. Sinal de Babinski nesse lado. Observada a paciente por alguns dias, assistimos um surto febril com máximo de 38° e interessante evolução no quadro neurológico. O lado direito modificou-se também, entrando em hipertonia com sinal de Babinski. Ao mesmo tempo, ambos os membros inferiores, passaram a assumir a atitude de tríplice flexão.

Deante do quadro febril, do quadro neurológico, da negatividade do exame do fundo ocular e considerando os resultados do exame liquórico, inclinamo-nos para a hipótese de uma encefalíte e instituímos o tratamento pela Naiodine B e salicilato de sódio endovenosos, sulfamidoterapia e aplicações de radioterapia profunda nos nucleos da base. Comunicaram-se à familía as reservas prognósticas.

Com grande surpresa, ao cabo de duas semanas desse tratamento, o estado geral foi melhorando. O lado direito normalizou-se, a paciente recuperou a lucidez e, apesar da hemi-hipertonia piramido-extrapiramidal que restava à direita, começou a falar e conseguiu, sucessivamente, incorporar e mesmo andar. Nessa ocasião, estando a doente em estado de informar, verificou-se intenso disturbio sensitivo tipo profundo no lado esquerdo, especialmente no membro superior cuja existencia a paciente quasi ignorava. Quando com a mão direita pegava o braço esquerdo parecia-lhe que era o braço de outra pessoa.

Em Dezembro de 1941. novo exame de liquor informou o seguinte: punção sub-occipital em decubito lateral; pressão inicial 25; volume retirado 20 cc.; liquor limpido e xantocromico; citologia 2,2 cel. por mm3; cloretos 6,80 grs. por litro; albumina 0,30 grs. por litro; reação de Pandy positiva ( + ); reação do benjoin coloidal 00000.12221.00000.0; reação de Takata-Ara negativa; reação de Wassermann negativa; reação de Meinicke negativa; exame bacterioscópico negativo, inclusive o exame cultural (O. Lange).

Na mesma época (Dezembro de 1941), o exame de fundo de olho mostrava, em OD, apagamento do limite temporal da papila e, em OE, o mesmo tato mais acentuado aparecendo aí, já, uma fina estria hemorrágica (D. Prado).

Continuamos a observar a paciente que se retirou para a sua residencia procurando, prudentemente, combater o otimismo da familia a respeito das melhoras apresentadas sob o ponto de vista clínico. Com efeito, a paciente embora com estado geral relativamente lisongeiro, começou a ter crises de dôr de cabeça e vomitos que duravam 24 a 48 horas e que cediam com injeções de glicose hipertonica. Preocupados com isso e muito mal satisfeitos com o diagnóstico de encefalite que foramos forçados a fazer, pedimos, em Janeiro de 1942, novo exame de olhos o qual, confirmou nossas suspeitas, evidenciando em AO intenso edema das papilas, com abundantes hemorragias e manchas brancas (D. Prado).

Considerando-se o quadro neurológico que permitia localizar-se o tumor na região parietal direita, possivelmente na corticalidade, afim de poupar à paciente manobras semióticas penosas, foi dispensado o exame ventricnlográico e realisou-se, em 12 de Fevereiro de 1942, a craniotomia na região frontal direita. Encontrou-se grande formação tumoral na região parietal posterior, alta, de côr escura arroxeada, dando a impressão que se introduzia profundamente pelo hemisfério, talvez afastando as circunvoluções. Havia nitida separação entre o tumor e o tecido nervoso da face externa. Mas, ao proceder-se o descolamento, como que se lhe rompeu a capsula, aparecendo clara a estrutura do tumor em cujo centro havia um aspecto semelhante ao caseoso. Para tentar a ablação total do tumor este foi fragmentado, dando um total de 35 grs. De sua retirada ficou uma cavidade irregular com a saída de pequenas porções de tecido nervoso.

O periodo post-operatorio foi ótimo, apirético, sendo que 24 horas depois, a paciente sentava-se no leito e iniciava-se a convalescencia. Com alta, 9 dias depois da operação, retirou-se novamente para a sua residência. Deixando de parte pequenos incidentes relativos à cicatrização da ferida do couro cabeludo, referimos que o estado da paciente melhorou progressivamente e o edema das papilas desapareceu. Continuou submetendo-se à radioterapia profunda complementar, sendo-lhe dada alta clínica. Entretanto, para suprema infelicidade, o resultado do exame anátomo-patológico, feito pelo Dr. A. J. Brandi, indicou tratar-se de um glioblastoma multiforme, com o que muito se comprometeu o futuro da paciente (fig. 7).


O ultimo exame de olhos mostrou: papilas de limites nítidos, niveis fisiológicos de aspecto roseo-claro. Visão: OD = 3 e OE = 0,8. Hemianopsia homónima esquerda (D. Prado). Este ultimo achado é sumamente interessante pois condiz exatamente com a localização do tumor que mergulhava profundamente para a parte posterior do hemisfério. Como o estado da paciente, antes da operação, nunca permitira a medida do campo visual (disturbios na atenção), não podemos afirmar si a hemianopsia já existia antes ou si foi consequencia desta.

A paciente passou muito bem até Julho de 1942 quando começou a sentir-se mais fraca e prostrada, com grande desanimo, queixando-se também de parestesia no braço esquerdo. Em Agosto, teve algumas crises convulsivas no braço esquerdo, frustas, com certa paresia desse braço. Fez nova serie de aplicações radioterápicas profundas e continuou em observação, com prognóstico reservado quanto às possibilidades de nova intervenção. Veio a falecer em fins de 1942, em sua residencia.

Em resumo, destacaremos desta observação o seguinte: Evolução mais ou menos latente de seis mezes, surto pseudo-encefalítico. Grandes melhoras pela terapeutica anti-infecciósa e radioterápica. Aparecimento tardio do edema das papilas, coincidindo com uma fase de aparente melhora clínica. Grande felicidade da sequencia operatória. Evolução com prognóstico reservado, mostrando uma apreciavel sobrevida porem com os sinais que já anunciavam o inelutavel destino dos portadores de um glioblastoma multiforme.

COMENTÁRIOS

Pela leitura das cinco observações que trazemos, pode-se ter ideia da variabilidade do aspecto clínico com que se apresentam os glioblastomas multiformes. Estes merecem o nome de multiformes não só pelo seu aspecto histológico de que não cuidaremos aqui, como pela exteriorização de seus sinais clínicos. Destacamos dessas observações vários fatos dignos de apreço:

a) Evolução em geral rápida, principalmente após o aparecimento dos sinais gerais, propriamente tumorais, do encéfalo. Efetivamente, vimos casos em que as primeiras manifestações neurológicas precederam de muitos mezes o periodo de estado da moléstia, sendo seguidas de uma faze de agravação rapidamente progressiva. Esse fato é explicado pelo caracter especial que tem o glioblastoma de infiltrar-se sem destruir propriamente a fibra nervosa e sem criar, no inicio, um bloco tumoral. Com seu progresso, aparece fatalmente a compressão e, com ela, a destruição de elementos nervosos surgindo, ao mesmo tempo, os sinais gerais de um tumor cerebral. Por essa razão só tardiamente aparecem os vomitos e a estáse papilar, o que dificulta sobremodo o diagnóstico.

b) Faze inicial, (cerca dos dois primeiros terços da evolução) atipica. Nela o diagnóstico pode ser mistificado por sintomas aberrantes de um tumor encefálico. Nossa quinta observação é um exemplo tipico de desvio de diagnóstico. Com fébre, sonolência, convulsões, hipertonia, obnubilação mental e ausencia de sinais de fundo de olho e, mais, um liquor alterado no sentido francamente inflamatorio, impunha-se o diagnóstico de encefalite ou meningo-encefalite. Só a continuidade da observação, com a repetição de exames oftalmoscópicos é que permitiu retomar, em tempo, o fio verdadeiro e orientar a indicação cirúrgica. Esta confusão dos periodos iniciais de um glioblastoma multiforme com um processo infeccioso do sistema nervoso é fato muito frequente, fazendo-se mistérsempre ter-se em vista sua possibilidade. Na maioria dos casos relatados na tésecitada de Jarbas Pernambucano, havia o elemento fébre como perturbador do raciocinio semiótico.

c) Flagrante desproporção entre a extensão do neoplasma e os sinais neurológicos observados. É esse também um fato digno de referencia na variedade de tumor que estudamos. Tumores enormes, avassalando grande porção de um hemisfério e mesmo ultrapassando a linha mediana, apresentam-se, às vezes, com um aspecto confuso, sem sinais verdadeiramente focais. Essa difusão e extensão do tumor podem, facilmente, fazer-nos compreender os distúrbios mentais que se destacam em determinadas formas clínicas.

Embora atendendo à diversidade de aspécto com que se apresentam os casos de glioblastomas multiformes pode-se, no seu conjunto, distinguir um certo numero de elementos que permitem uma classificação clínica de suas formas. Nesse particular achamos perfeitamente satisfatório o agrupamento proposto na tése de Jarbas Pernambucano que abrangeria quatro divisões: a) forma meningoencefalítica; b) forma apoplética; c) forma mental ou psicótica; d) forma propriamente tumoral.

Dessas formas, a primeira que prefeririamos chamar pseudo-meningo-encefalítica e a forma apoplética são, talvez, as mais frequentes, embora isso não se tenha verificado no nosso reduzido número de casos. A forma verdadeiramente tumoral, aquela em que desde o inicio, surgem claros e indiscutiveis os elementos que constituem o síndromo geral de uma néoformação intracraniana, acompanhados de sinais focais de grande importancia localizadora como convulsões, paralisias, etc, é a mais rara de todas, constituindo, no grupo destes tumores, este fato contraditório: raridade de forma tumoral classica. Dai a expressão que usamos no titulo deste trabalho ao nos referirmos aos glioblastomas multiformes como tumores paradoxais do encêfalo. Eles realizam esse paradoxo de se apresentarem, quasi sempre, com aspéctos clínicos não tumoraes. Quando se enquadram desde o inicio na forma clássica de tumor, em geral o clínico se vê tentado a inclui-lo em outra variedade histológica.

Como norma orientadora para o diagnóstico dos glioblastomas multiformes, deveremos nos lembrar sempre que, atraz de um quadro de encefalite em adulto ou de um aparente icto apoplético ou, ainda, de um quadro mental progressivo, pode encontrar-se um glioblastoma multiforme. Realmente, este tipo de neoplasia pode: 1) pela desintegração que acarreta no sistema nervoso ou em sua propria estrutura com eliminação de produtos tóxicos, simular uma inflamação, com fébre, alterando mesmo intensamente o liquido céfalo-raquidiano; 2) pela possibilidade não rara de sofrer, durante uma faze de desenvolvimento latente, em sua intimidade, importante hemorragia, apresentar ao médico um nitido icto apoplético; 3) finalmente, pela difusas alterações da substancia branca, acarretar quadros mentais de caracter progressivo.

É preciso sempre acompanhar com atenção o desenvolvimento evolutivo da doença pois, em determinada ocasião, mais cedo ou mais tarde, surgem os sinais caracteristicos a indicar o crescimento neoplásico, inexoravelmente agudo e de prognóstico fatal. Devem por esse motivo ser repetidos os exames complementares, mormente o oftalmoscópico e as análises liquóricas.

TRATAMENTO E PROGNÓSTICO

Uma vez firmado, com maior ou menor precocidade, o diagnóstico de glioblastoma multiforme, fecham-se para o doente todas as possibilidades de cura definitiva. São esses tumores os mais malignos e infelizmente, entre os imaturos, os mais frequentes do sistema nervoso. Crescem com rapidez impressionante embora, às vezes, obedecendo ao tratamento, possam apresentar periodos de enganadoras melhoras. Vimos na nossa observação V como houve uma quasi ressureição da paciente quando atacada a moléstia pela terapeutica combinada anti-infecciósa, anti-tóxica e radioterápica. Do mesmo modo, sabemos como a exerése cirúrgica pode restituir certos doentes às suas atividades, embora por poucos meses. As estatísticas americanas referem doentes operados varias vezes em consequência de recidivas. Nesses casos, o periodo de aproveitamento diminue cada vez mais com o repetir das intervenções, terminando alguns deles por enriquecer a porcentagem dos insucéssos operatorios imediatos.

Em geral, a sobrevivencia dos pacientes operados é relativamente pequena. No citado estudo de Elwidge, Penfield e Cone (4), vê-se que a média, nos casos de operação radical, foi cerca de cinco meses nos casos menos favoraveis, isto é, nos que viveram menos de doze meses. Em 7 casos mais favoraveis, que ultrapassaram um ano após a operação, a média foi de 18 meses e meio. Trinta e dois por cento dos pacientes que sofreram estirpação radical, viveram 12 ou mais meses. Entre os nossos casos, destaca-se o ultimo, com sobrevivencia de quasi um ano após a operação.

A radioterapia profunda pode prestar excelentes serviços seja agindo em um periodo em que os elementos colhidos não permitiram a invocação da cirurgia seja como terapeutica complementar, de limpeza póst-operatoria, seja ainda na simples trepanação descompressiva. É justamente após a abertura do cranio que a radioterapia pode ser levada ao lato grau de intensidade necessario para algum efeito terapeutico. Alguns clínicos fazem certas reservas à ação da radioterapia nos glioblastomas multiformes, em vista da possibilidade de se facilitarem acidentes hemorrágicos que poderiam ser fatais. Neste particular lembramos aqui que Frazier e Alper (6 (6 ) Frazier, C. H. e Alper, B. J. - The effect of irradiation on the gliomas. Tumors of the nervous sistem. Volume XVI da serie da Ass. for Res. in Nervous and Mental Diseases, 1937, pag. 90. ) realizaram interessantissima investigação sobre o efeito das irradiações sobre os gliomas e, em particular, sobre seus aspéctos histológicos. Em relação aos glioblastomas, concluem que estes tumores são levemente radiosensiveis. Em suas verificações foi quasi impossivel determinar o grau de radio-sensibilidade pois os tumores deste grupo variam largamente em sua estrutura. Alem disso, os proprios fenomenos de multiplicação dessas neoformações podem simular, sobre varios aspéctos, os efeitos da irradiação. Todavia, embora assinalem nítidas alterações vasculares após as irradiações, nenhuma referencia fazem ao perigo das hemorragias radioterápicas. Sugerem irradiações mais intensas com intervalos menores para os glioblastomas pois, embora possuam estes certa radioresistencia, suas celulas mostrariam aparentemente uma resposta mais uniforme às variações na intensidade da irradiação.

Neste final de nossas considerações repetimos que grandes são os tropeços que embaraçam o médico para estabelecer o diagnóstico definitivo dos glioblastomas multiformes. Não será menor, entretanto, sua perplexidade após o diagnóstico. Surge então um problema de maior transcendencia que se refere à indicação terapeutica. Uma vez cientes das restritas possibilidades de nossos atuais meios curativos, como indicar com autoridade uma intervenção? Como dizem Elwidge, Penfield e Cone (4) os glioblastomas constituem para o neuro-cirurgião um problema humano extremamente dificil. Com efeito, é quasi impossível a adopção de um critério constante para indicar ou afastar uma extirpação cirúrgica. Circunstancias materiais, circunstancias sociais e mesmo afetivas combinam-se para tornar profundamente espinhósa a tarefa do neurologista ou do neuro-cirurgião, de indicar ou executar uma tal medida terapeutica. Até que ponto atenderiamos aos interesses do doente, deixando, com tratamento paliativo, evoluir seu mal, ou ao contrario, indicando uma intervenção cujo melhor efeito não passaria de uma dilatação de alguns meses ou mesmo um ano para sua vida, é questão dificil de avaliar. Entretanto, um fato nos auxilia nessa emergencia: somente após o exame histológico pode-se dar como definitivo o diagnóstico específico de glioblastoma. Portanto, fracassada a radioterapia ou mesmo precindindo-se desta, impõe-se a craniotomia: esta não só permite realizar a descompressão preventiva, como é a unica que nos faculta a possibilidade do exame histológico, de tão grande valor para prognóstico.

  • (1) Marques, A. e Cardoso, R. A. - Glioblastoma multiforme do centro oval. Revista Neurológica de Buenos Aires, 7 - 2:129 (Junho) 1942.
  • (2) Pernambucano, J. - Glioblastoma multiforme. Tumor agudo do cérebro. Tese de Docência, Recife, 1942.
  • (3) Cushing, H. - Tumeurs Intracraniennes. 1 vol. Masson e Cia. Paris, pag. 33, 1937.
  • (4) Elwidge, A., Penfield, W. e Cone, W. - The gliomas of the Central Nervous System - Tumors of the Nervous System, vol. XVI da serie da Ass. for Res. in Nervous and Mental Diseases. Williams and Wilkins, Baltimore, pag. 107, 1934.
  • (5) Maffei, W. E. - Aulas de Neuro-patologia. Curso de aperfeiçoamento da Fac. Med. Univer. S. Paulo, 1942 (não impresso).
  • (6) Frazier, C. H. e Alper, B. J. - The effect of irradiation on the gliomas. Tumors of the nervous sistem. Volume XVI da serie da Ass. for Res. in Nervous and Mental Diseases, 1937, pag. 90.
  • (*
    ) Esta observação figura na tése de Jarbas Pernambucano (loc. cit.) sob o n.° 15, onde foi estudada sob o ponto de vista anatomo-patológico.
  • (1
    ) Marques, A. e Cardoso, R. A. - Glioblastoma multiforme do centro oval. Revista Neurológica de Buenos Aires, 7 - 2:129 (Junho) 1942.
  • (2
    ) Pernambucano, J. - Glioblastoma multiforme. Tumor agudo do cérebro. Tese de Docência, Recife, 1942.
  • (3
    ) Cushing, H. - Tumeurs Intracraniennes. 1 vol. Masson e Cia. Paris, pag. 33, 1937.
  • (4
    ) Elwidge, A., Penfield, W. e Cone, W. - The gliomas of the Central Nervous System - Tumors of the Nervous System, vol. XVI da serie da Ass. for Res. in Nervous and Mental Diseases. Williams and Wilkins, Baltimore, pag. 107, 1934.
  • (5
    ) Maffei, W. E. - Aulas de Neuro-patologia. Curso de aperfeiçoamento da Fac. Med. Univer. S. Paulo, 1942 (não impresso).
  • (6
    ) Frazier, C. H. e Alper, B. J. - The effect of irradiation on the gliomas. Tumors of the nervous sistem. Volume XVI da serie da Ass. for Res. in Nervous and Mental Diseases, 1937, pag. 90.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1943
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