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Hiperostose frontal interna ou síndrome de Morgagni

Professor suplente da Faculdade de Medicina de Assunción (Paraguai). Assistente voluntário do Ambulatório de Endocrinologia da Santa Casa de Misericórdia de S. Paulo (Serviço do Dr. J. A. Mesquita Sampaio)

RESUMO

Depois de historiar os primeiros trabalhos e achados a respeito da moléstia, o A. passa a estudar a frequência, a sintomatologia clínico-neurológica, as formas radiológicas, a anatomia-patológica e a patogenia da hiperostose frontal interna, síndrome de Morgagni ou de Stewart-Morel. Relata, a seguir os sete casos que teve ocasião de observar, todos em muheres entre 30 a 50 anos, sendo que, em seis delas, a hiperostose frontal interna era acompanhada, entre outros distúrbios endócrinos, de adiposidade de tipo troncular. Em um dos casos, ao contrário, havia acentuada magreza, sendo muito nítidos os sinais de hipertiroidismo. Em três das pacientes coexistiam distúrbos acromegálicos. Em uma delas além da adiposidade, existiam distúrbios de tipo hipófiso-suprarrenal e hiperhirsutismo, como na síndrome de Cushing.

SUMMARY

After going through the history of reports and findings on the disease, the Author discusses the incidence, neurological symptoms, X-ray and pathological findings as well as pathogenesis of internal frontal hyperostosis - Morgagni of Stewart-Morel syndrome. Seven cases are reported, all in females betwen 30 and 50 years of age. In six of these cases, besides various endocrine disturbances, adiposis of the troncular type was observed* One of the cases, on the contrary, showed clear signs of hyperthyroidism and considerable loss of weight. In three of the pacients there were acromegalic disturbances. In one case, besides adiposis, as in Cushing's syndrome, were noted cardio-vascular disturbances and hirsutism.

Esta moléstia ou síndrome, tambem conhecida com os nomes de endocraniose hiperostósica (Pende), síndrome de Stewart-Morel ou hiperostose endocrânica, é relativamente antiga, pois há muito tempo que, na mesa de autópsia, tem sido encontrada hiperostose do frontal combinada com obesidade. Os primeiros casos descritos no vivo, no entanto, datam somente de 1930

E' relativamente rara, como veremos ao estudar algumas estatísticas. Alguns autores como Morel, Moore e Stewart dedicaram-se a um estudo retrospectivo, analisando e revendo radiografias de crânios, protocolos de autópsias e histórias clínicas, o que nos permite, atualmente, saber que a síndrome é de cmonhecimento antigo. Com auxílio do interessante trabalho de Moore2 2 . Moore, S. - Hyperostosis frontalis interna. Prelim, study. Surg. Ginecol. a. Obst. 61: 365 (Setembro) 1935. , publicado em 1935, ordenamos alguns dados históricos.

Em 1765, Morgagni e Santorini relataram o primeiro caso conhecido da moléstia, encontrado na autópsia de uma mulher de 75 anos, muito obesa e de aspeto viril. Em 1924, Naito publicou um trabalho sobre hiperostose do crânio baseado no exame radiológico de 9 crânios com pouca ou nenhuma história clínica Em 1926 foi publicado o trabalho de Casati3 3 . Casati, A. - Die senilen Schaedelveraenderungen in Roentgenbild. Fortsch, a. d. Geb. d. Roentgestrahlen. 34: 335, 1926. sobre os transtornos senis do crânio, com 5 radiografias de crânios encontrados em museus. Este mesmo autor4 4 . Casati, A. - Sopra un caso de hiperostose frontale interna. La Radiologia Medica. 8: 625 (Julho) 1936. , em 1936, descreveu mais um caso de hiperostose frontal interna. Em 1928, Stewart5 5 . Stewart, R .M. - Localized cranial hyperostosis in the insane. J. Neurol, a. Psychopath. 8: 321, 1927-1928. publicou os protocolos de autópsia de 3 casos pessoais com o estudo de alguns especimens de museu. No mesmo ano, Greig6 6 . Greig, D. M. - On intracranial osteophytes. Edinburg. M. J. 35: 165, 1928 e 35: 237, 1928 (citado por Moore). descreveu os osteofitos intracranianos do tipo hiperostose frontal interna, respeitando a porção orbitária do osso frontal, em 32 casos encontrados entre 188 crânios do Museu de Cirurgiões de Edinburgo.

A Morel1 coube a descrição do primeiro caso diagnosticado no vivo, num velho de 81 anos, internado no Asilo de Inválidos de Genebra. Além deste caso, acrescentou os protocolos de 15 autópsias praticadas no mesmo Asilo. No mesmo ano, van Bogaert7 7 . van Bogaert, L. - J. Neurol. et Psychiat. 30: 502, 1930. publicou o segundo caso com diagnóstico em vida, em uma doente de 66 anos que apresentava ainda cegueira psíquica por hemianopsia dupla. Em 1931, Schiff e Trelles8 8 . Schiff, P. e Trelles, O. J. - Hiperostose frontale d'origine traumatique. Encéphale 26: 768, 1932. relataram um caso, num homem de 60 anos, com adiposidade e transtornos mentais; Trelles e Mendez voltaram ao assunto em 1939, relatando 4 casos9 9 . Trelles, O. J. e Mendez, M. - Sobre 4 casos de síndrome de Stewart-Morel. Rev. de Neuro-Psiquiatria (Lima) 2: 343 (Julho) 1939. . Em 1935 Moore2 apresentou o magistral trabalho cem a revisão dos negativos radiográficos do Departamento de Raios X da Escola de Medicina da Universidade de Washington, desde 1911 a 1934, relacionando-os com as histórias clínicas dos 72 casos encontrados entre os 5.955 revisados. Em 1933, Pende10 10 . Pende, N. - Ueber eine wenig bekannte Krankheit: die hyperostosische Endocraniose. Med. Kl. 5: 134, 1940 (citando a publicação feita em 1933 na Academia de Medicina de Genova). também estudou a síndrome. Posteriormente outros a estudaram, tais como Henschen, Bartelheimer e Carr.

Neste histórico é justo lembrar os poucos trabalhos publicados sobre o tema no Brasil, no que respeita à bibliografia que pudemos compulsar. Em 1936, Paulo de Almeida Toledo11 11 . Almeida Toledo, P. - A hiperostose frontal interna. Rev. Neurol. e Psych. S. Paulo 4: 353 (Outubro-Dezembro) 1936. publicou um caso de hiperostose frontal interna, com cefaléia, poliúria, obesidade pronunciada. Em 1940, Alves Correia12 12 . Alves Correia, I. L. - Sobre o quadro clínico radiológico das escleroses ósseas endócrinas. Brasil Médico 13: 223 (Março, 30) 1940. relatou outro, com o quadro clínico das escleroses ósseas endócrinas. No mesmo ano, Aloysio de Castro13 13 . Castro, Aloysio de - Hiperostose frontal interna e acromegalia. Boi. da Acad. Nac. de Med. (Rio de Janeiro) 6: 20, 1940. apresentou um caso com hiperostose frontal interna e acromegalia.* * Nota da redação: Estava o presente trabalho já em vias de publicação quando foi impressa outra comunicação brasileira sobre o assunto - Pereira da Silva, C. e Godoy D'Alambert, J. P. - Síndrome de hiperosose frontal interna. Arq. Assist. Psicopatas Est. S. Paulo 8: 101-141 (Março-Junho) 1943. Neste trabalho os autores estudam 14 casos, todos em pacientes internados por psicopatias variadas, no Hospital de Juqueri: em 6 destes casos poude ser feito exame anatômico.

Dos trabalhos citados analisaremos com minúcia os de Moore que são os melhor documentados. No primeiro, a que já aludimos, ele classificou a calcificação patológica em 3 tipos - sessil, nodular e mixto - podendo confinar-se a alteração à porção escamosa ou orbitária do frontal ou extender-se a ambas. Das 72 histórias clínicas revistas, 97,2% eram de mulheres, com longa evolução da moléstia; 50,8% delas engravidaram de 1 a 21 vezes; em 97,2% dos casos havia sintomas neuro-hipofisários; em 62,7% cefaléia; em 44% obesidade, em 8,5% convulsões; em 5,8% transtornos tiroidianos; em 3,4 a reação de Wassermann era positiva no sangue. Polifagia polidípsia, poliúria e transtornos do sono foram observados em 81,9% dos casos. Quanto à idade, os casos distribuiam-se da seguinte forma: de 0 a 10. nenhum caso; de 10 a 20 (12 casos); de 20 a 30 (11 casos); de 30 a 40 (15 casos); de 40 a 50 (16 casos); de 50 a 60 (20 casos); de 60 a 70 (5 casos) e de 70 a 80 (3 casos).

No segundo trabalho14 resume suas pesquisas sôbre 20.000 radiografias de cabeça, 193 observações clínicas e 660 crânios dissecados. Encontrou 3 casos com acromegalia. Os sintomas, em ordem decrescente de frequência, foram: cefaléia, obesidade, perturbações visuais, epilepsia, falta de memória, vertigens, transtornos do VII par, neuralgia essencial do trigêmio, além de outros sintomas de menor frequência e realce. Neste trabalho, as hiperostoses cranianas são classificadas em 4 tipos: hiperostose frontal interna (nodular ou sessil); nébula frontal (limitada ao díploe); hiperostose calvária difusa (aumento de volume e densidade de toda a abóbada craniana); hiperostose fronto-parietal (aumento de espessura da porção escamosa do frontal e parietal).

SINTOMATOLOGIA E DIAGNÓSTICO

Como vimos, os primeiros casos de hiperostose frontal interna foram achados de autópsia ou de diagnóstico retrospectivo pela revisão de radiografias, históricas clínicas e de protocolos de autópsias. Os primeiros casos descritos no vivo também resultaram de diagnóstico acidental, ao ser praticado o exame radiográfico do crânio em casos de cefaléia intensa e rebelde, de acessos epilépticos, de transtornos nervosos ou mentais ou de acromegalia. Depois da divulgação dos casos e do melhor conhecimento do assunto, já é possível fazer um diagnóstico clínico de síndrome ou pelo menos um diagnóstico de suspeita. Não há um quadro típico que permita o diagnóstico certo antes da radiografia, porém um conjunto de sintomas pode fazer-nos suspeitar da síndrome. Podemos pensar nesse diagnóstico com muita probabilidade, perante um doente com cefaléia, obesidade ou tendência a ela. distúrbios menstruais, nervosos e mentais.

Passemos em revista, agora, os principais sintomas da síndrome que ora nos ocupa.

Em primeiro lugar a hiperostose, sintoma capital que lhe dá o nome. As radiografias devem ser tomadas de frente e perfil para permitirem ajuizar sobre a extensão e forma da hiperostose. Devemos observar cuidadosamente toda a parede craniana cuja espessura normal varia de 3 a 8 mm, segundo a idade, a porção escamosa e a porção orbitária do frontal, o díploe. Trata-se de uma simples aposição óssea sobre a táboa interna, sem rarefação, osteoporose ou descalcificação e sem sinais tumorais ou inflamatórios. A hiperostose pede ser regular ou irregular, simétrica ou assimétrica, em forma nodular difusa ou em placas mais ou menos extensas.

Pende9 distingue tres tipos de hiperostose na parede interna da calota: a) hiperostose frontal interna com aposição óssea papilar ou verrucosa, dispondo-se sobre a porção orbitária do frontal, simetricamente em ambos os lados da linha média, mais acentuada na região frontal e na vizinhança do sulco da meníngea média ou sutura coronária; b) girlandas ou placas na lâmina interna do frontal, na lâmina quadrilátera, nas apófises clinóides, podendo combinar-se com hiperplasia hipofisária e, mesmo, adenoma intraselar, com sintomas acromegálicos ou acromegalóides; c) reação disostósica de tipo lacunar com dilatação do espaço diplóico e alterações do crânio, como pode observar-se na moléstia de Paget. Podemos observar, também, osteofitos do seio esfenoidal e etmoidal, assim como da região da sela e da parede interna do frontal e reações plásticas, sob a forma de tecido ósseo ou calcificações da dura-mater.

Transtornos nervosos e mentais são encontrados em 70% dos casos. A cefaléia é o sintoma mais constante, presente em 62,7% dos casos de Moore, de preferência frontal ou orbitária, podendo ser ainda occipital. Sua intensidade é variável, assumindo, às vezes, o tipo de enxaqueca, com vômitos e enjoo. Geralmente há crises com recrudescência paroxística. A cefaléia geralmente não acalma com os analgésicos comuns.

Frequentemente os doentes se queixam de vertigens e tonturas. Não são raros os casos que se acompanham de acessos epilépticos de intensidade variável. Assinala-se também transtornos visuais, da marcha e do equilíbrio, ataxias, nevralgias, irritabilidade e transtornos neurovegetativos. Os transtornos mentais são frequentes, sendo assinalados em 76% dos casos de Carr, citado por Alves Correia11 11 . Almeida Toledo, P. - A hiperostose frontal interna. Rev. Neurol. e Psych. S. Paulo 4: 353 (Outubro-Dezembro) 1936. ; eles se apresentam com alterações de humor, de carácter e da personalidade, depressão, lentidão intelectual, falta de memória, às vezes, verdadeiras psicoses, como esquizofrenia e manias.

A obesidade é outro sintoma frequente (em 64,7% dos casos de Carr, em 76,7% dos de Henschen, em 55% dos de Moore). É geralmente do tipo hipófiso-genital, troncular e na raiz dos membros, atingindo os seios, o abdomen e as nádegas. Às vezes é de tipo virilóide ou se localiza na metade inferior do corpo como verificamos em uma de nossas observações. A obesidade é geralmente um sinal tardio, aparecendo anos depois de ter iniciado a moléstia. É tambem possível observar magreza de tipo hipofisário (vide observação 7).

Os transtornos menstruais foram observados em 76% dos casos de Carr. Há dismenorréia, oligo, hipo ou amenorréia; frequente insuficiência genital e frieza. No entanto, na estatística de Moore vemos que 50,8% das pacientes engravidaram de 1 a 21 vezes. Dreyfuss encontrou hiperostose em 30% das grávidas por ele examinadas.

Além desses, têm sido observados, mormente nos casos em que a hiperostose se acompanha de acromegalia com ou sem tumor hipofisário, outros distúrbios tais como a polidípsia, poliúria, diabete insípido e, mesmo, diabete verdadeiro de tipo insulinoresistente (hipofisário ?). Distúrbios tiroidianos foram encontrados em 5% dos casos de Moore.

Tomando em consideração a estatística de Moore, que é a mais conhecida, vemos que a frequência varia segundo o serviço ou tipo de assistência hospitalar. Tomando sobre o total de radiografias de crânio temos o índice de 1,2%. Tomando o total de radiografias (96.076) do serviço, temos 0,075%. Morel achou o índice de 1,4% nas autópsias do Asilo de Genebra. A idade de maior frequência vai dos 30 aos 60 anos, na estatística de Moore. Henschen examinou 200 crânios pertencentes às idades de 30 a 95 anos e afirma que a hiperostose aumenta desde 45-50 anos, sendo muito evidente aos 65-80 anos. Carr encontrou maior número de casos entre 35-40 anos. Na quase totalidade dos casos, trata-se de mulheres: 98% na estatística de Carr, 97,2% na de Moore; 87,5% nas de Morel e de Greig.

São muito escassos os dados de laboratório que possuimos acerca desta moléstia. Pode haver hipercalcemia, hiperglicemia, tendência a acidose. Moore encontrou a reação de Wassermann positiva em 3,4% dos seus casos.

A moléstia tem curso longo e lento, aumentando e agravando-se os sintomas com a idade; pode haver períodos de remissão aparente, pelo menos em relação a alguns sintomas.

No que diz respeito à anatomia-patológica, os dados de que dispomos ainda são escassos. Relataremos antes as lesões encontradas concomitantemente com a hiperostose. Num dos casos de Moore havia também tumor da região hipotalâmica; nos quatro casos de Morel havia obesidade generalizada e infiltração gordurosa dos músculos esqueléticos e, nas células da parede do ventrículo, um excesso de pigmento e gordura tão intenso que dava aparência granulosa às células. Nos casos de Stewart havia também obesidade generalizada, infiltração gordurosa dos músculos esqueléticos; além disso, desaparecimento dos elementos celulares da hipófise e invasão pelo tecido fibroso (é necessário frizar que se tratava de velhos com aderência da dura-mater à hiperostose. Em todos os casos de Henschen havia aumento de volume da hipófise com proliferação de células eosinófilas no lobo anterior, quer na sua porção anterior quer na posterior, assumindo aspeto de adenoma. Tem-se descrito ainda meningiomas calcificados e calcificações das meninges. Alguns casos são acompanhados de acromegalia sem lesões hipofisárias.

É interessante frizar que em todos os casos com aderência da dura-mater à hiperostose, não foram encontrados sinais de inflamação ou de neoplasia, quer no osso, quer nas meninges. Trata-se de uma simples aposição periostal na face interna do crânio, sempre na táboa interna, sem sinais de destruição óssea ou descalcificação (somente num caso de Moore se observou porosidade ao nível da hiperostose) nem de inflamação ou de tumor ósseo. O díploe pode estar diminuído ou desaparecido. Nos quatro casos que Morel estudou foram encontradas lesões histológicas celulares na região infundíbulo-hipofisária (lobo posterior).

Muito se tem discutido sobre o mecanismo e a causa da hiperostose frontal interna. Morel pensava que na posição decúbito-dorsal, o peso do cérebro fazia tração pela dura-mater sobre a superfície interna do frontal, provocando a calcificação. Schinz opinava que a hiperostose, elemento primitivo, exercia pressão indireta sobre a região infundíbulo-hipofisária, acarretando os outros sintomas. Bonnamour e Janin, consideravam esta moléstia como uma forma de moléstia de Paget localizada; aliás, Bertelotti já afirmara, em 1929, que a reação disostósica de tipo lacunar com dilatação do espaço diplóico (3.° tipo da classificação de Pende) e alterações da calota, lembravam a doença de Paget. Pende inclui na endocraniose hiperostósica, além dos osteofitos dos seios esfenoidal e etmoidal e da região da sela, as reações plásticas, às vezes em forma de tecido ósseo ou de calcificações da dura-mater; nestes casos pensa-se numa reação inflamatória da vizinhança por sinusites, tomando díploe e dura-mater. Stewart foi o primeiro a pensar em uma causa endócrina para explicar a síndrome, pois ela se instala quase que exclusivamente em mulheres, sendo frequentes os transtornos hipofisários e de outras glândulas endócrinas. A síndrome seria, talvez, devida a uma alteração hipofisária. Henschen pensou da mesma forma pois encontrou hiperostose no decurso da acromegalia e outras alterações endócrinas, com ou sem tumor hipofisário. Em todos os casos verificou aumento de volume da hipófise e proliferação de células eosinófilas no lobo anterior, com aspeto de adenoma. Bartheimer14 14 . Moore, S. - Craniopatia metabolica. An. J. Roentg. 35: 30 (Janeiro) 1936. Moore, S. - Calvarial hyperost. accompan. symptom complex. Arch. Neurol, a. Psych. 35: 975 (Maio) 1936. descreveu um caso com diabete insulinoresistente.

Em suma, a hiperostose frontal interna é frequentemente acompanhada de síndrome de Cushing, de acromegalia com ou sem tumor hipofisário, tudo fazendo pensar em que a origem primária seja hipofisária. Aliás, alguns autores já consideram a hiperostose frontal interna como a terceira síndrome hiperpituitária do adulto. Para reforçar a argumentação a favor da teoria endócrina como causa da síndrome de Morgagni, citamos a interessante experiência de Martimor: este autor injetou extrato hipofisário com hormônio cetógeno em ratos e provocou a formação de lesões ósseas cranianas semelhantes às da hiperostose frontal interna. Outros sinais clínicos fazem pensar numa interferência infundíbulo-hipofisária na patogenia da síndrome; neste mesmo sentido depoem as lesões encontradas por Morel na parede do 3.° ventrículo. Aliás, no seu primeiro trabalho, Moore já relacionava a síndrome com alterações do 3.° ventrículo.

A terapêutica é meramente sintomática. Em certos casos graves, mormente naqueles que se acompanham de repetidos ataques epilépticos ou quando ha transtornos oculares por compressão, é recomendada a intervenção cirúrgica. A radioterapia profunda pode ser empregada com relativo êxito, assim como o tratamento antisifilítico nos casos em que haja indicação. Pende preconizou a cálcio-ionoforese por via transóculo-ocipital e a administração de hormônio paratiroideo, mesmo nos casos com epilepsia. Nos casos de insuficiência hipofisária utiliza-se a hormonoterapia ovariana. Nas obesidades virilóides, hormônio tiroidiano e estrógenos em altas doses.

OBSERVAÇÕES CLÍNICAS RESUMIDAS

Observação 1 - S. C. com 47 anos de idade, italiana, branca, casada, residente em S. Paulo, examinada no Ambulatório de Endocrinologia. F. 36 (Serviço do Dr. J. A. Mesquita Sampaio).

Queixa-se de fortes cefaléias há 4 anos; tais dores aumentam com os movimentos e diminuem com o decúbito. Relata que desde os 22 anos de idade notou o aumento progressivo das mãos, dos pés, do crâneo e da face. Força muscular diminuida, fadiga fácil, apatia, sonolência. Macroglossia com aumento das papilas linguais (fig. 1). Cifose e escoliose com convexidade para a direita. Amenorréia (menopausa?). Hipertrofia difusa da tiróide. Metabolismo basal aumentado de 4%; ação dinâmico-específica com diferença para mais de 18%. Pulsos isócronos batendo 72 vezes por minuto. Pressão arterial: Mx. 15, Mn. 10. Exame neuro-ocular e campimetria normais. Acromegalia, (fig. 2).


Radiografia do crânio (fig. 3). Espessamento da compacta craniana em vários pontos, principalmente nas regiões frontal e occipital. Aumento do massiço frontal e dos seios da face. Sela túrcica aumentada de volume, sem erosão, com abaixamento do assoalho. Depósito calcário na região frontal.


Observação 2 - N. C. com 45 anos de idade, brasileira, branca, residente em S. Paulo.

Queixa-se de cefaléia. Há 3 anos ambliopia. Apresenta obesidade troncular com predominância na cintura pelviana. Amenorréica há 10 anos tendo, desde então, constante sensação de peso na cabeça. Bócio difuso simples. Metabolismo basal aumentado de 13%. Pressão arterial: Mx. 14,5, Mn. 9,5. Negativa a reação de Wassermann no sangue.

Radiografias do crânio (fig. 4). Desproporção entre a face e o crânio com aumento das cavidades acessórias. Sela túrcica normal. Calcificação na região frontal.

Observação 3 - F. P. C. com 36 anos de idade, casada, branca, brasileira, residente em S. Paulo, examinada no Ambulatório de Endocrinologia. F. 402 (Serviço do Dr. J. A. Mesquita Sampaio).

Queixa-se de cefaléia e ataques epiléticos. Menarca aos 12 anos. Aos 22 anos de idade teve uma suspensão menstrual. Teve 2 filhos. Aos 29 anos de idade foi operada de quisto do ovário e, desde então, ficou amenorréica. Obesidade discreta. Tiróide ligeiramente hipertrofiada, de modo difuso. Sinais de hipertiroidismo: sinal de Marañon, tremor dos dedos, pálpebras e língua, ondas de calor no rosto, nervosismo, câimbras frequentes, taquicardia (136) e taquisfigmia. Pressão arterial: Mx. 15, Mn. 9. Metabolismo basal aumentado de 15,7%.

Radiografias do crânio (fig. 5). Séla túrcica normal. Espessamento e calcificação na táboa interna do frontal cuja compata está espessada.


Observação 4 - G. D. D. com 37 anos de idade, casada, branca, paraguaia, residente e examinada em Assunción (Paraguai) em Setembro de 1941.

Sofre de ataques epiléticos desde 1934; antes dos ataques tem tonturas e grande descarga de urina. Obesidade localizada na parte inferior do corpo, em forma de calça de montaria, até os tornozelos. Já chegou a ter 104 quilos de peso corporal. Queixa-se de cefaléia quase contínua com localização frontal à esquerda. A cefaléia apresenta períodos de exacerbação nos quais é precedida de escotomas cintilantes e tonturas. Nervosismo, irritabilidade, palpitações, polaquiúria. Os períodos menstruais sempre se apresentam adiantados sendo regulares no tempo de duração e quantidade. Osteoalgias e artralgias. Frequentes edemas nos pés e mãos. Exame neuro-ocular: visão em AO 2/3; campos visuais normais; nistagmo horizontal no olhar para a direita. Metabolismo basal aumentado de 14,2%. Negativas as reações serológicas para a lues. Fórmula leucocitária sem particularidades dignas de menção. Calcemia de 10,5 mmgrs% (Clark e Collip). Fósforo mineral no soro: 4,64 mmgrs% (Benedict). Glicemia de 92 mmgrs% (Benedict). Uréia no sangue: 0,24 centgrs% (Dell'Aria).

Radiografias do crânio (fig. 6). Hiperostose frontal interna mais acentuada à direita.


Observação 5 - G. O. com 53 anos de idade, casada, branca, paraguaia, residente e examinada em Assunción (Paraguai).

Há dois ou três anos apresenta cefaléia intensa. Artropatia no joelho esquerdo. Coincidindo com o aparecimento da cefaléia notou aumento das mãos e pés. Amenorréica há 5 anos. Sinais clássicos de acromegalia com aumento do massiço facial.

Radiografias do crânio (fig. 7). Além dos sinais de acromegalia, ha hiperostose frontal interna acentuada.


Observação 6 - M. S. com 46 anos de idade, casada, branca, brasileira, residente em S. Paulo.

Queixa-se de obesidade, cefaléia, nervosismo e hipertricose. Começou a engordar após o nascimento do 4.° e último filho. Nestes últimos 8 anos aumentou 30 quilos. A obesidade é predominantemente troncular (fig. 8) com verdadeiro avental gorduroso abdominal. A obesidade, em certas partes, é dolorosa à pressão. Estrias arroxeadas no abdomen. Varizes em ambas as pernas. A cefaléia sobrevem em crises cada 8 a 10 dias, com escotomas cintilantes e amaurose passageira. As menstruações são irregulares, principalmente nestes 3 últimos anos. Palpitações, falta de ar, opressão precordial, tremores nos dedos e palpebra, afrontações, formigamentos nos pés e mãos. Crises de sudorese difusa. Insônia. Hipertricose na face (fig. 9), nos antebraços e coxas. Osteoalgias e artralgias. Exame neuro-ocular: astigmatismo hipermetrópico e presbiopia; nistagmo horizontal; sinal de Graefe. Pressão arterial: Mx. 19, Mn. 11. Peso: 126.5 quilos. Estatura: 158 cms. Metabolismo basal aumentado de 16%. Glicemia de 1,0 grs.%o. Colesterina no sangue: 1,35 grs.°/oo (Grigaut). Calcemia de 22 mmgrs% (Waard). Cloremia de 6,59 grs.%o (Mohr). Uréia no sangue: 0,48 cntgrs.°/oo (Ivon). Negativas as reações serológicas para lues.


Radiografias do crânio (fig. 10). Grande espessamento da compacta craniana. Depósitos calcários e lâminas de calcificação frontal. Hiperostose frontal interna.


Observação 7 - N. C. H. com 43 anos de idade, casada, branca, francesa, residente em S. Paulo.

Queixa-se de cefaléia frontal sobrevinda por crises que duram algumas horas, sendo acompanhadas de enjoo. Tipo longilinio estênico, pesando 65 quilos para uma estatura de 1,70 mts. Ossos grandes. Magresa acentuada. Menopausa ha um ano. Transtornos nervosos do tipo neuro-vegetativo: palpitações, falta de ar, insônia, nervosismo, irritabilidade, ligeiro tremor nos dedos e pálpebras. Sinal de Marañon expontâneo. Pulsos isócronos, batendo 90 vezes por minuto. Pressão arterial: Mx. 15. Mn. 9. Metabolismo basal aumentado de 25%.

Radiografias do crânio (fig. 11). Irregularidade na espessura da calota. Extensa lâmina hiperostótica frontal interna.


Rua Itápolis, 5 - São Paulo.

  • Hiperostose frontal interna ou síndrome de Morgagni

    D. M. Gonzalez Torres
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  • *
    Nota da redação: Estava o presente trabalho já em vias de publicação quando foi impressa outra comunicação brasileira sobre o assunto - Pereira da Silva, C. e Godoy D'Alambert, J. P. - Síndrome de hiperosose frontal interna. Arq. Assist. Psicopatas Est. S. Paulo
    8: 101-141 (Março-Junho) 1943. Neste trabalho os autores estudam 14 casos, todos em pacientes internados por psicopatias variadas, no Hospital de Juqueri: em 6 destes casos poude ser feito exame anatômico.
  • 1.
    Morel, F. - L'hiperostose frontale interne. Tése, G. Doin e Cie. Paris, 1930.
  • 2
    . Moore, S. - Hyperostosis frontalis interna. Prelim, study. Surg. Ginecol. a. Obst.
    61: 365 (Setembro) 1935.
  • 3
    . Casati, A. - Die senilen Schaedelveraenderungen in Roentgenbild. Fortsch, a. d. Geb. d. Roentgestrahlen.
    34: 335, 1926.
  • 4
    . Casati, A. - Sopra un caso de hiperostose frontale interna. La Radiologia Medica.
    8: 625 (Julho) 1936.
  • 5
    . Stewart, R .M. - Localized cranial hyperostosis in the insane. J. Neurol, a. Psychopath.
    8: 321, 1927-1928.
  • 6
    . Greig, D. M. - On intracranial osteophytes. Edinburg. M. J.
    35: 165, 1928 e
    35: 237, 1928 (citado por Moore).
  • 7
    . van Bogaert, L. - J. Neurol. et Psychiat.
    30: 502, 1930.
  • 8
    . Schiff, P. e Trelles, O. J. - Hiperostose frontale d'origine traumatique. Encéphale
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1943
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