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Neurologia ocular. Esteban Adrogué

ANÁLISES DE LIVROS

Neurologia ocular. Esteban Adrogué. 1 vol. com 882 páginas. Ed. El Ateneo, Buenos Aires, 1942

Adrogué aparece no cenário médico sul-americano como precursor, pois, além da vultosa contribuição pessoal, êle é o primeiro autor que organiza e edita um manual de neurologia ocular na América do Sul, estimulando, assim, o gosto pelo estudo da nova especialização que, aos poucos, vai-se tornando independente da oftalmología clássica.

A obra está dividida em quatro partes. Na primeira, o A. estuda a motricidade extrínseca e intrínseca dos olhos sob o ponto de vista embriológico, anatômico, patológico e semiológico, incluindo também um capítulo referente ao aparelho vestibular. Termina com o estudo das síndromes simpáticas. A segunda parte é dedicada ao sistema receptor ocular, compreendendo o estudo da sensibilidade ocular, do aparelho sensorial e suas síndromes. Acham-se integrados nessa parte um capítulo sobre exoftalmias e afecções da órbita e outro sobre encefalografía. Na terceira parte, "afecções hereditárias em relação com a oftalmologia" o A. estuda as degenerações de tipo abiotrófico da retina, tumores e síndromes associadas a tumores primitivos da retina, afecções hereditárias com manifestações oculares, lipoidoses em oftalmología, terminando com um capítulo sobre noções de genética relacionadas com a oftalmologia. A última parte é dedicada às alterações do fundo de olho na arteriosclerose, obstruções da circulação retiniana, sífilis ocular, avitaminoses e afecções alérgicas em oftalmologia. Magníficamente ilustrado e impresso, este livro merece as honras de um tratado de manuseio obrigatório.

Sem desmerecê-lo em sua essência, julgamos de interesse fazer alguns comentários sobre certos pontos palpitantes de "Neurologia ocular".

Ao tratar do nistagmo, embora expondo o assunto com muita clareza, o A. mostrou-se lacônico na parte que se refere aos tumores encefálicos, eventualidades em que esse sintoma se reveste de tanta importância. O estudo do nistagmo congênito e da fôrma adquirida, sem interesse neurocirúrgico, parece ter merecido maior atenção. Com a observação de centenas de casos de hipertensão cerebral (tumores, tuberculomas, aracnoidites), no maior serviço de neurocirurgia da América do Sul (Balado) grande teria sido o proveito, se o A. tivesse projetado mais amplamente o resultado de suas observações. O valor focal do nistagmo provocado nos tumores infratentoriais da fossa posterior é muito grande, sabendo-se que tem caráter localizatório o lado em que o nistagmo bate mais intensamente. Nas lesões cerebelares, o olhar tende a se desviar, passageiramente, para o lado oposto à lesão. Quando solicitados com insistência para o lado da lesão, os olhos tendem a virar lentamente para a posição de repouso (fase lenta), voltando-se rapidamente, em seguida, para a direção solicitada (fase rápida), constituindo as duas componentes do nistagmo provocado pela lateralização do olhar. Em inúmeros tumores operados da fossa posterior, Puusepp1 1 . Puusepp - Los tumores dei cérebro, Salvat S. A., Barcelona, 1931. encontrou quase que invariavelmente nistagmo provocado pela posição lateral do olhar batendo com maior intensidade do lado do tumor. Adrogué cita, de passagem, suas observações sobre o nistagmo espontâneo horizontal, em dois casos de tumor do ângulo pontocerebelar e em vários outros pacientes com meduloblastoma do vermis cerebelar, sem estudar a diferenciação clínica entre os vários grupos de nistagmo espontâneo. O nistagmo labiríntico periférico possui caraterísticas que permitem diferenciá-lo do nistagmo central e ocular.

No estudo do mecanismo do nistagmo, refere-se aos estímulos extra-oculares, às excitações labirínticas e terminações proprioceptivas dos músculos do pescoço, ao tôno cortical e à participação do cerebelo, sem estudar a fisiopatologia do nistagmo em alguns dos seus interessantes detalhes. Em recentes estudos experimentais, Kleyn2 2 . Kleyn - Remarks on vestibular nistagmus. Confinia Neurologica, 2.ª fase 5, Amsterdam, 1939. afirma que o nistagmo pode ser solicitado mesmo após a remoção dos dois hemisférios cerebrais e de todo o cerebelo, indicando que o pequeno arco reflexo é suficiente para a produção do nistagmo vestibular com a fase lenta e a fase rápida. O pequeno arco compõe-se do labirinto periférico, nervo vestibular, núcleos vestibulares, núcleo do abducente, nervo abducente e músculo reto externo. Kleyn refere-se a um monstro anencefálico nascido na Maternidade de Utrecht em 1929 com sobrevida de uma semana. A excitação do labirinto desse monstro produzia nistagmo com as duas fases e nas duas direções. A autópsia mostrou ausência do cérebro, cerebelo, mesencéfalo e dos músculos oculares, exceto os dois retos externos. O labirinto periférico, nervos vestibulares, núcleos e nervos abducentes tinham desenvolvimento normal. Os estudos de Kleyn parecem indicar que, apesar dos diferentes fatores que podem influir na gênese do nistagmo, a essência do mecanismo permanece limitada ao pequeno arco reflexo.

Adrogué não faz referência aos casos de nistagmo nas lesões bulboprotuberanciais, onde o papel do feixe longitudinal posterior assume tanta importância como via de associação entre os vários núcleos motores. Ainda recentemente, Oswaldo Lange3 3 . Trabalho a ser publicado num dos próximos números desta revista. 4. Citado por Scháffer - Le Signe d'Argyll-Robertson. Presse Médicale (Setembro, 12) 1934. apresentou à Secção de Neuropsiquiatria da Associação Paulista de Medicina o estudo anátomo-clínico de um caso com foco de amolecimento protuberancial inferior, em que o doente apresentava nistagmo vertical por lesão do feixe longitudinal posterior, única via capaz de explicar esse tipo de nistagmo por lesão baixa. O estudo das duas componentes não mereceu qualquer explanação que pudesse orientar o leitor na compreensão do seu mecanismo e natureza. Também aqui o feixe longitudinal posterior representa papel de grande preponderância, pois é por seu intermédio que os impulsos corticais e labirínticos atingem os músculos levógiros e dextrógiros.

Abordando o estudo do sinal de Argyll-Robertson, o A. não mencionou o que se deve entender por este sinal, deixando a impressão de que qualquer abolição reflexa da reação pupilar à luz pode ser rotulada de sinal de Argyll-Robertson. Dessa falta de diferença clínica resulta o sentido dúbio do valor semiológico. A afirmação de que o sinal pode ser encontrado fora da neurolues (autores franceses) contrasta com a opinião dos autores anglo-saxões, entre os quais podemos citar Adie, Merritt e Moore, que procuram separar a simples abolição do reflexo, daquela outra abolição bilateral, acompanhada, de miose, estando normal a contração das pupilas à convergência. Muita discussão tem havido entre as duas correntes, sem que até hoje se tenha chegado a acordo definitivo. Parece-nos que a questão é bem definida pelos autores anglo-saxões, que procuram não se afastar da interpretação primitiva a fim de não prejudicar o verdadeiro valor semiológico do sinal. Afirmam que a presença do sinal indica neurolues parenquimatosa, acentuando que não é um sinal frequente, mas que nem por isso deve ser confundido com outras alterações pupilares. Quando a abolição do reflexo fotomotor (uni ou bilateral e sem miose) está presente, o sentido semiológico é variável. Encontramos essa alteração com enorme freqüência na neurolues intersticial, podendo aparecer na encefalite epidêmica (quasi sempre com modificações patológicas da convergência), na pupilotonia, na esclerose em placas, tumores e amolecimentos, traumatismos cranianos, etc. A abolição simples do reflexo é passível de regressão quando a lues não está em jogo, mas o sinal de Argyll-Robertson é irreversível. Os fatos acima referidos explicam porque o sinal é tão frequente em certas estatísticas, mostrando-se tão raro em outras. Tudo depende daquilo que o autor considera como sinal de Argyll-Robertson. Em nossos exames neuroftalmológicos de paralíticos gerais, encontramos apenas 7 casos com sinal de Argyll-Robertson sobre 300 paralíticos. Entretanto, as demais alterações pupilares atingiram a 90% dos pacientes. Observamos também que os doentes com sinal de Argyll-Robertson não aproveitaram com o tratamento, sendo que seis vieram a falecer e o último, malarizado duas vezes, está ainda vivo, mas o estado mental tem piorado.

As considerações que julgamos acertadas fazer, demonstram que essa questão deve ser mais ventilada pelos cultores da neuroftalmologia, a fim de aumentar o interesse pela observação de fatos correntes em clínica, porém, interpretados de modo tão diferente.

Tratando da miose, diz Adrogué que esse sintoma aparece em 90% dos casos, mostrando-se acentuada em 30%. Nossa observação, bem como a do comum dos autores, não concorda com essa alta porcentagem. É exatamente a raridade da miose que torna tão escassa a presença do sinal de Argyll-Robertson. O A. devia também especificar o que se deve considerar como miose. O diâmetro pupilar é extremamente variável segundo os indivíduos, oscilando entre 2 e 5 milímetros. Parece-nos claro que só se deve chamar de mióticas as pupilas com diâmetro inferior a 2 milímetros.

Ao descrever a inervação da íris (pág. 214) o A. diz que a contração unilateral da pupila só se obtém pela excitação do III par. Ranson obteve contração unilateral pela excitação de um pequeno trecho da região pré-tectal, depois do cruzamento das fibras pupilomotoras. Esse achado explica a patogenia da rigidez reflexa unilateral com permanência da contração pupilar à convergência, fato impossível de ser compreendido pelo esquema clássico do arco reflexo luminoso.

Mais adiante, pág. 216, estudando ainda o trajeto das fibras pupilomotoras (aferentes), o A. cita Lindsay Rhea, que acredita que essas fibras penetram no tubérculo quadrigêmeo anterior para depois alcançarem o núcleo do III par. Fulton5 5 . Fulton, J. F. - Fisiología do sistema nervoso. Editora Científica, Rio de Janeiro - 1943. estuda os trabalhos experimeitais de Magoun e afirma que a destruição dos tubérculos quadrigêmeos anteriores não altera o reflexo fotomotor, concluindo que "nenhuma porção dos tubérculos anteriores intervém no reflexo à luz".

O estudo das alterações da convergência (págs. 84 e 177) é omisso quanto ao sentido semiológico mais importante dessa alteração. O A. não se refere à frequência com que sé observam paresias e paralisias da convergência na cncefalite epidêmica, permitindo mesmo, em muitos casos, contribuir para a elucidação do diagnóstico retrospectivo da encefalite. Temos observado vários casos em que o episódio agudo de encefalite passou desapercebido, deixando como seqüelas certas perturbações mentais (perversão dos instintos, desvios da conduta) ou neurológicas. A presença da paresia da convergência, com perturbações pupilares, permitiu orientar o diagnóstico dessas perturbações para a encefalite epidêmica.

Cândido Silva

  • 1 Puusepp - Los tumores dei cérebro, Salvat S. A., Barcelona, 1931.
  • 2. Kleyn - Remarks on vestibular nistagmus. Confinia Neurologica, 2.ª fase 5, Amsterdam, 1939.
  • 5. Fulton, J. F. - Fisiología do sistema nervoso. Editora Científica, Rio de Janeiro - 1943.
  • 1
    . Puusepp - Los tumores dei cérebro, Salvat S. A., Barcelona, 1931.
  • 2
    . Kleyn - Remarks on vestibular nistagmus. Confinia Neurologica, 2.ª fase 5, Amsterdam, 1939.
  • 3
    . Trabalho a ser publicado num dos próximos números desta revista.
    4. Citado por Scháffer - Le Signe d'Argyll-Robertson. Presse Médicale (Setembro, 12) 1934.
  • 5
    . Fulton, J. F. - Fisiología do sistema nervoso. Editora Científica, Rio de Janeiro - 1943.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1944
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