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Encefalite psicótica aguda no decurso de infecção dentofocal

Resumos

O Autor estuda a encefalite psicótica no decurso de infecção dento focal. Documenta seu trabalho com um caso pessoal. Frisa que a infecção nada mais foi que a causa desencadeante. Causas outras houve a preparar o terreno - abalo moral, infecção gripal anterior, longo período de trabalho continuado e intensivo. Tudo de par com a carga genotípica existente. O paciente tem um tio paterno psicopata; um dos seus irmãos seria portador de personalidade psicopática, ao passo que outro teria apresentado, ha tempos, perturbações mentais consecutivas a a sinusite frontal. O próprio observado evidenciou, há 12 anos, perturbações parecidas, em seguimento a infecção gripal. O síndromo confusional agudo que se instalou, complicou-se, dias após com hemiplegia direita, total. A abertura de grande abcesso do espaço gengivo-labial superior esquerdo e a remoção do dente comprometido (2.° pré-molar superior esquerdo), acompanhadas de medidas terapêuticas enérgicas visando o estado infeccioso, acarretaram rápido restabelecimento do paciente, com recuperação psíquica praticamente integral. A hemiplegia regrediu de todo, não deixando déficit motor. Aproveitando o assunto, o Autor analisa as infecções focais em geral. Dedica especial cuidado ao capítulo das infecções focais em Neuropsiquiatria, salientando aspectos curiosos do problema.


The author studies the psychotic encephalitis in the course of dentofocal infection. He exemplifies his work with a personal case. He claims that the infection was no more than the precipitating factor. There were other causes which had prepared the ground beforehand: moral shock, previous grippal infection, a long period of continuous and intensive work; besides, there was a genotypic charge. The occurring acute confusional syndrome was complicated with total right hemiplegia a few days later. The opening of a large abscess in the left superior gingivo-labialis space and the removal of the damaged tooth (second left superior premolar) with intensive therapeutic measures against the infectious state brought up rapid improvement of the patient, with practically complete psychical recovery. The hemiplegia has completely disappeared, leaving no motor deficiency. The patient had a psychopathic fatherly uncle; one of his brothers had probaly presented a psychopathic personality and it seems that the other has shown mental disorders following a frontal sinusitis. Even the case reported by the author has presented, twelve years ago, similar disturbances following a grippal infection. Concluding his article, the autor studies the focal infections in general. He devotes especial attention to the question of focal infections in Neuropsychiatry, emphasizing the more interesting points of the problem.


Encefalite psicótica aguda no decurso de infecção dentofocal

Napoleão L. Teixeira

Do Corpo de Saúde do Exército - Livre-Docente de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná

SUMÁRIO

O Autor estuda a encefalite psicótica no decurso de infecção dento focal. Documenta seu trabalho com um caso pessoal. Frisa que a infecção nada mais foi que a causa desencadeante. Causas outras houve a preparar o terreno - abalo moral, infecção gripal anterior, longo período de trabalho continuado e intensivo. Tudo de par com a carga genotípica existente. O paciente tem um tio paterno psicopata; um dos seus irmãos seria portador de personalidade psicopática, ao passo que outro teria apresentado, ha tempos, perturbações mentais consecutivas a a sinusite frontal. O próprio observado evidenciou, há 12 anos, perturbações parecidas, em seguimento a infecção gripal.

O síndromo confusional agudo que se instalou, complicou-se, dias após com hemiplegia direita, total. A abertura de grande abcesso do espaço gengivo-labial superior esquerdo e a remoção do dente comprometido (2.° pré-molar superior esquerdo), acompanhadas de medidas terapêuticas enérgicas visando o estado infeccioso, acarretaram rápido restabelecimento do paciente, com recuperação psíquica praticamente integral. A hemiplegia regrediu de todo, não deixando déficit motor.

Aproveitando o assunto, o Autor analisa as infecções focais em geral. Dedica especial cuidado ao capítulo das infecções focais em Neuropsiquiatria, salientando aspectos curiosos do problema.

SUMMARY

The author studies the psychotic encephalitis in the course of dentofocal infection. He exemplifies his work with a personal case. He claims that the infection was no more than the precipitating factor. There were other causes which had prepared the ground beforehand: moral shock, previous grippal infection, a long period of continuous and intensive work; besides, there was a genotypic charge. The occurring acute confusional syndrome was complicated with total right hemiplegia a few days later. The opening of a large abscess in the left superior gingivo-labialis space and the removal of the damaged tooth (second left superior premolar) with intensive therapeutic measures against the infectious state brought up rapid improvement of the patient, with practically complete psychical recovery. The hemiplegia has completely disappeared, leaving no motor deficiency. The patient had a psychopathic fatherly uncle; one of his brothers had probaly presented a psychopathic personality and it seems that the other has shown mental disorders following a frontal sinusitis. Even the case reported by the author has presented, twelve years ago, similar disturbances following a grippal infection. Concluding his article, the autor studies the focal infections in general. He devotes especial attention to the question of focal infections in Neuropsychiatry, emphasizing the more interesting points of the problem.

Caso clínico: Em 22 de outubro último, fomos notificados de havermos sido designados para acompanhar o tratamento do sargento I. F. S., no Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz, onde sua família o internara, de véspera, "por apresentar sinais de alienação mental". Dirigindo-nos àquele estabelecimento hospitalar, encontramos I. F. S. já sob os cuidados de outro psiquiatra, que providenciara quanto à medicação. Limitámo-nos, por isso, a dar uma vista de olhos no doente, no momento submetido a medidas de segregação e coerção. Apresentava êle um síndromo confusional agudo, com obnubilação da consciência, perda da compreensão, da orientação e da autocrítica. A convite do assistente, passamos a visitar I. F. S., diàriamente, a partir de então. Seu estado agravava-se, ràpidamente. Cada vez mais agitado. Cada vez mais confuso. Um trismo intenso passou a tornar quase impossível, aos enfermeiros, a tarefa de alimentá-lo. Suas condições físicas eram francamente más.

A 6 de novembro, a situação mudara bastante para pior. A agitação costumeira dera logar a coma profundo. O exame neurológico mostrou haver, a mais, hemiplegia direita, total, instalada depois de nossa visita, no dia anterior. Informou o interno ter o atual estado de coisas sido precedido de crises epileptiformes, do tipo bravais-jacksoniano, localizadas no dimidio direito.

Considerado desesperador seu estado, foi sua família autorizada a removê-lo paar. casa. Eram as seguintes suas condições: Temperatura, 39,7°C; pulso 140; pressão arterial mx. 16, mn. 10. A uréia sangüínea: 0,40 centigrs. por mil. O liqüido cefalorraquídio, afora discreta leucocitose (6 elementos), nada mostrou de anormal. Hematimetria evidenciou eritrocitopenia (hemácias hipo-crômicas). Velocidade de sedimentação aumentada. Hemograma: leucocitose, com neutrofilia e intenso desvio para a esquerda. Sôro-reações para lues: Reações de Kahn e Kline negativas.

Instituímos a seguinte terapêutica: 60 cc. diários de sôro glicosado hipertônico, a 50%, divididos em três aplicações: 1000 c.c. diários de sôro glicosado isotônico, em quatro vezes; Tiamina, 1 c.c. diário; Insulina, 10 unidàdes, repetidas quatro vezes ao dia; tonicardíacos, Sonifene, balneoterapia. Em 7 de novembro, contràriamente a nossa espectativa, o doente vivia ainda. Seu estado era o mesmo. Conservamos a medicação. Em 8 de novembro, perduravam as condições anteriores. Ao observar o doente, verificamos a existência de edema malar esquerdo. Informa a espôsa não ser a primeira vez que isso ocorre, tendo surgido idêntico edema pouco antes de o marido adoecer. Procurada a causa, vamos encontrar todo ofundo-de-saco gengivo-labial esquerdo superior tomado por abscesso que, incisado, dásaída a grande quantidade de pus cremoso, côr de chocolate e muito fétido. À medicação anterior acrescentamos: Electrargol (15 c.c. por via intramuscular e 5 c.c. por via intravenosa); Streptollsa (sol. aquosa, a 1%, de para-amino-fenil-sulfamida), 100 c.c. diários, em quatro aplicações (por via intravenosa); princípio antitóxico do fígado. Em 9 de novembro: Discretas melhoras. Mesma medicação. Em 10 de novembro, volta a recair no estado anterior. O edema, de início malar, abrange agora tôda a tace esquerda. O doente executa, repetidas vezes um gesto, sempre o mesmo: leva a mão esquerda ao lado esquerdo da cabeça e, com os dedos, esboça movimentos de querer arrancar alguma coisa, ao mesmo tempo que geme. Foi retirado o segundo pré-molar esquerdo superior, no qual foi encontrado processo cístico apical. Em 11 de novembro, parece melhorar. Abre os olhos. Dá a impressão de reconhecer pessoas da família; de modo fugaz, entretanto, pois não tarda a volver ao marasmo anterior. Mantida a conduta terapêutica. Os dias subseqüentes trazem a I. F. S. progressos nítidos e rápidos, no que tange a melhoras do seu psiquismo. Ao mesmo tempo, readquire, paulatinamente, os movimentos do lado direito: primeiro, do membro inferior, depois do superior e a seguir, da face. A 16 de novembro, reduzimos a dose de electrargol para 10 c.c. (via intramuscular) e para 40 c.c. a de sôro glicosado hipertônico. Suspendemos o sôro isotônico. A 17 o paciente conversa, embora se fatigue rápida e fàcilmente. Queixa-se de cefaléia intensa. Suspendemos a insulina. Substituímos as injeções de electrargol e streptolisa por injeções intravenosas de salicilato de sódio em veículo glicosado. A pouco e pouco, firmam-se as melhoras. Cede a cefaléia. Perdura a fatigabilidade fácil. Muito irritável. Sono inquieto e agitado. Somamos à medicação mencionada acima, Slocort e opo-extrato cerebral. A 24, passeia em volta da casa. Volve a cultivar as flôres do seu jardim. Fala em voltar ao serviço. Alimenta-se regularmente. Sono mais calmo. A 3 de dezembro, julgâmo-lo em condições de receber alta.

No caso atual, tão logo permitiram as condições de I. F. S., procuramos reconstituir-lhe a história. Não foi muito, mas foi o suficiente. Vejamos:

I. F. S. tem, nos seus antecedentes familiares, tio paterno psicopata; um seu irmão "deu em nada", entregando-se a furtos e roubos, desaparecendo sem deixar vestígios; outro irmão apresentou, há tempos, perturbações mentais, "consecutivas a sinusite frontal", das quais se curou depois de três meses. O observado não faz uso de bebidas alcoólicas. Não é tabagista. Não contraiu doenças venéreas. Teve as doenças infantis comuns. Aos três anos, sofreu afecção cutânea difusa, de natureza grave, que durou quatro meses. Bom passado escolar. Estréia sexual aos 19 anos, ao casar-se. De dois filhos, um morreu em baixa idade, de doença ignorada; a filha viva é forte e sadia. Bôa conduta social e familiar. Protestante, leva a sério seus deveres religiosos. Na adolescência, foi sapateiro. A seguir, durante 5 anos, foi telegrafista. Sorteado, ingressou no Exército como radiotelegrafista. Em 1932, na revolução, assustou-se com o combate, fugindo, "sem saber muito bem o que fazia", para a retaguarda. Um camarada levou-o de volta, a tempo de evitar o castigo que a deserção acarretava. Dêsse dia em diante, conduziu-se com louvável bravura, em mais de uma situação difícil. (Detalhe interessante: nos dias anteriores à sua partida para o front, esteve acamado, "com forte gripe", da qual não se achava curado ao embarcar). Há 13 anos serve ao Exército, sem punição alguma. É tido como profissional de valor na sua especialidade.

Histórico, a) relato do paciente: Há cerca de três meses, teve grande desgôsto, por haver sido preterido em promoção, há muito esperada. No mês que antecedeu o aparecimento da doença atual, dedicou-se, a fundo", "emendando dia com noite", no reparo de grande aparêlho radiotransmissor, nisso demorando 15 dias e esgotando-se bastante. Mal terminado o serviço, "calu de cama, com febre alta, supondo ter tido uma congestão pulmonar". Convalescença quando começou a sentir dôres em um dos pré-molares superiores, do lado esquerdo; apareceu, a seguir, edema de tôda a face esquerda, que cedeu mediante aplicação de calor úmido. Como se sentisse nervoso e insone, procurou seu médico, que lhe receitou calmantes, dizendo que "aquilo não era nada". Não melhorou. Continuando a trabalhar, recebeu forte choque elétrico, chegando a desmaiar. Dois dias depois disso, estando de serviço, à meia-noite, sentiu-se tão mal que pediu a um companheiro tomasse seu lugar. Recolheu-se a casa. Parecia-lhe haver, "dentro da cabeça, ruído semelhante ao que produziriam vários violinos, tocando, a um só tempo, a mesma nota aguda". É a última coisa de que se diz recordar com nitidez. Isso ocorreu a 10 de outubro. Sòmente voltou a dar acôrdo de si, a 16 de novembro, quando alguém mandava "se abrissem as janelas!". Lembra-se, contudo, vaga e confusamente, de haver estado em local, onde uma irmã de caridade e um enfermeiro moreno o cuidavam.

b) relato da espôsa do paciente: Na noite de 10 de outubro, seu marido chegou em casa, noite alta, dizendo-se muito doente. Queixava-se de estar "com o cérebro ferido pelo serviço". Nada dormiu, nessa noite, agitando-se na cama e gemendo. Embora sob cuidados médicos, não melhorou. Dizia ouvir vozes de pessoas "que estavam fazendo corrente contra êle". Acreditava fôssem essas pessoas, ora da maçonaria, ora do espiritismo. Umas e outras o perseguiam. Mostrava-se agitado, inquieto, preocupado por morrer, "deixando a filha desamparada". A 18, suas condições eram bastante piores. Na noite de 19, tentou suicidar-se, golpeando-se, por duas vezes, no pescoço, com a fôlha de uma tesoura grande, de costura. Dizia haver assim agido, "em obediência a êles", que tal coisa haviam determinado.

Foi então recolhido ao Hospital Nossa Senhora da Luz.

Exame somático - Leucodermo. Tipo atlético-astênico (Kr.). Mau estado de nutrição. Hipertriquia: distribuição masculina dos pêlos. Na região carotidiana esquerda, a aproximadamente 8 cms. da clavícula, duas cicatrizes hipercrômicas, superpostas, de 3 e 2,5 cms., respectivamente, consecutivas aos ferimentos por tesoura, a que acima, nos referimos.

O exame dos diversos aparelhos nada revelou de anormal. Para o lado do sistema nervoso, observamos tremores das extremidades digitais e ponta da língua, além de vivacidade dos reflexos tendinosos.

Em 2 de dezembro, é natural se observe, no que toca ao psiquismo, apreciável déficit, abrangendo a totalidade das funções psíquicas. A acentuar uma certa dificuldade no fixar fatos novos e reviver coisas passadas, além da irritabilidade fácil, da rápida fatigabilidade da atenção voluntária. Cabe aqui repetida a explicação, inda do agrado de muitos, que se isso ocorre é por estar "enferrujada a máquina".

Não é o nosso dos primeiros casos de encefalite psicótica aguda, por infecção focal dentária que se conhecem. Mais de um registo falam de observações anteriores. Por outro lado, não é êste, o primeiro caso que resolvemos; tivemos outro, absolutamente parecido, há tempos: o doente - um político, abalado por decepção eleitoral - achou, no dente séptico, o pretexto, a causa desencadeante da sua psicose, curada a curto prazo com a remoção do foco.

COMENTÁRIOS SÔBRE A INFECÇÃO FOCAL

"Por infecção focal entende-se a infecção, localizada em algum ponto do corpo, que dissemina bactérias ou toxinas bacterianas, na torrente circulatória e, por êsse meio, causa sintomas mórbidos em qualquer parte do organismo" (Otto Meyer). Dorland1 1 . Dorland, W. A. - The American Illustrated Medical, Dictionary. 19. a ed. W. B. Saunders, London, 1943, pág. 718. assim a define: "Infection in which bacteria exist in circumscribed areas or foci in certain tissues, and from there are sent out into blood stream".

Para Port-Euler2 2 . Port-Euler - Tratado de Odontologia. Tradução brasileira da 5. a edição alemã. Editorial Labor, Rio de Janeiro, 1943, págs. 527-530. , por êsse nome entende-se a "aparição secundária de agêntes de infecção, em uma zona qualquer do organismo, partindo de um fóco primário, geralmente pequeno, situado nas proximidades da porta de entrada". Cecil3 3 . Cecil - Text Book of Medicine. 6. a ed. W. B. Saunders, London, 1944, pág. 159. lembra que é a Billings que se deve a creação do têrmo. A Henry Cotton, coube, entretanto, o mérito de haver fixado a importância do papel dos focos infecciosos na gênese de muitos estados mórbidos, criando, assim, a chamada Focal Infection School. Manda a justiça se reconheça que, há mais de 100 anos, se procurava filiar determinadas afecções reumatismais a alterações dentárias. Na Alemanha, particularmente de 30 anos a esta parte, alguns autores - Pässler, entre êles - vinham insistindo sôbre êste ponto, enquanto Rosenow e Billings faziam o mesmo, nos Estados Unidos.

"A local focus of infection", recordam Osler-Christian4 4 . Osler-Christian - Principles and Practice of Medicine. 14. a ed. Appleton Century C, London, 1942, pág. 79-81. , "may be the source of acute septicemia, but in addition a variety of chronic infections may arise with distant and important manifestations. The resulting infections may be either local or general". Na atualidade, só uma pequena minoria - Schottmüller e Bruggemann, por exemplo - se nega a admitir a importância que se dá às infecções focais como causadoras de muitos estados mórbidos.

Os sítios favoritos de infecção são: amígdalas, dentes, seios faciais, ouvido médio, estômago, vesícula e condutos biliares, duodeno, colo, apêndice, rins, bexiga, próstata, pele, brônquios, útero e salpinge etc. Baseando-se em uma estatística de 500 casos, Billings alinha-os, por ordem de freqüência: amígdalas 336 casos; dentes 136 casos; seios faciais 12 casos; útero e salpinge 12 casos; demais localizações 4 casos.

As amígdalas e os dentes são os pontos onde, habitualmente, se assestam as infecções focais, donde a expressão bucofocal ou dentofocal, bastante usada para designá-las. Pode o foco infeccioso ser aberto (piorreia alveolar), ou fechado (abcesso de raiz dentária). Os germes, amiúde incriminados, são: a. estreptococo (hemolítico e viridans), o primeiro responsável pelas infecções agudas, o segundo pelas subagudas e crônicas, tocando-lhe importante parte na etiologia da endocardite crônica; b. gonococo (normalmente sediado na uretra posterior e próstata) ; além dêstes, o estafilococo, pneumococo, colibacilo, etc.

Assmann fixou três condições para o estabelecimento da relação entre o foco e a afecção à distância: 1) deve haver sucessão cronológica entre o foco infeccioso e a reação que se manifestou; 2) deve haver agravação da afecção à distância, após aumento de atividade do foco infeccioso, provocada por qualquer causa, irritação mecânica, por exemplo; 3) deve haver regressão rápida dos sintomas mórbidos da afecção à distância, após a cura da infecção.

Infecção Focal Dentária - É fato conhecido que os agentes da pulpite supurada, da parodontite apical e da parodontite marginal progressiva supurada, cheguem à via sangüínea e linfática e, além das metástases nas regiões próximas e supuração dos gânglios linfáticos, podem ser arrastados a órgãos distantes, afetando-os gravemente, podendo ainda, pela mesma via, inundar todo o organismo com bactérias e suas toxinas (Port-Euler). Feldmann e Huttner, que estudaram a fundo o assunto, estabeleceram: "Em tôda a parodontite apical, seja qual fôr o estádio da sua evolução, há sempre uma flora microbiana patogênica; os chamados granulomas estéreis não existem". Para Pössler, o ponto perigoso do foco seria o chamado espaço morto, ao qual nem o sangue nem as células vivas do tecido chegam, a êle faltando, por conseguinte, as fôrças defensivas naturais; dada a temperatura ótima aí existente e o constante afluxo de liqüido seroso, criam-se, no território inflamado vizinho, condições ideais à pululação microbiana. Sob a designação espaço morto, aquêle autor engloba as criptas amigdalianas, os condutos das raízes dentárias com polpa morta e as bolsas gengivais da parodontite. As lesões que os focos infecciosos provocam podem assestar-se em qualquer parte. Para Osler-Christian há maior predileção pelo tecido fibroso e pelas articulações. Artrites e fibrosites são comuns. Ao ver dos mesmos AA., a quase totalidade das dôres obscuras, demonimadas vagamente "mialgias", "reumatismos musculares", "reumatismos crônicos", "neurites", etc. - seriam devidas a fibrosites, secundárias a infecções focais. Afirmativa que D. M. Angerine aceita com restrições. Diz êste A. que, examinando 200 casos de artrite reumática, só achou relação indiscutível com focos infecciosos em 20% dos casos.

Grand Claude e Lespe assim dividem as infecções dentofocais crônicas: 1. estreptococoses - anginas, septicemias, endocardite, glomerulo-pulmonares, etc. 2. fusospiriloses - angina de Ludwig, afecções bronco-pulmonares etc. Citron, partidário de orientação mais clínica, propõe a seguinte classificação: 1) processos devidos à influência direta das bactérias, ou suas toxinas: endocardites, miocardites, flebites, bronquiectalites, abscessos perinefréticos, glomerulonefrites, afecções oculares (irite, uveite, queratite, coroidite), neurites, síndromos coréicos agudos, mieli-tes agudas, hemiplegias. 2) estados alérgicos nos quasi se podem incluir algumas afecções reumatismais (miosite reumática, afecções articulares crônicas); 3) manifestações digestivas; 4) ação sôbre o metabolismo: aumento das oxidações, maior produção de ácido lático, fostatúria, retenção de água; 5) manifestações cutâneas; 6) perturbações endocríni-cas; 7) distúrbios psíquicos. Lembra Mathias que, na infecção dentofocal, não se deve apenas contar com a ação, em linha reta, dos focos primo-secundários de infecção, por transporte de bactérias. E isso porque se pode desenvolver uma linha média, indireta, por isso que o foco primário, persistindo, pode desenvolver um estado alérgico.

INFECÇÃO FOCAL EM NEUROPSIQUIATRIA

Sabe-se que não poucos síndromos neurológicos (coréias e mielites agudas, neurites) têm, não raro, origem em infecções focais. Rimbaud5 5 . Rimbaud, L. - Compêndio de Neurologia. Trad, brasileira da 2. a ed. francêsa. Edit. Freitas Bastos, Rio, 1940. assinala que os focos inflamatórios podem "dar aso à exteriorização de manifestações neuróticas, quiçá mercê de sua ação direta sôbre o sistema nervoso". Assim como - relembra o mesmo A. - podem acarretar hemiplegia, "seja provocando placas de meningoencefalite, seja produzindo arterite". Merecem lembrados os experimentos de Orr e Rows: colocaram cápsulas, contendo estreptococos, dentro da cavidade peritoneal de animais, observando, posteriormente, alterações degenerativas na medula cerebrospinal, "possivelmente oriundas de absorção tóxica pelos linfáticos". "El tejido nervioso", dizem Litter e Wexselblat." es invadido exactamente como cualquier otro órgano (hígado, bazo, etc). Estas infecciones producen lesiones meníngeas o bien focos inflamatorios banales, situados tanto en la substancia gris como en la blanca de los centros nerviosos"6 6 . Litter e Wexselblatt - Tratado de Neurologia. 2. a Edição. Edit. El Ateneo, Buenos Aires, 1944, pág. 4. .

Apontadas como causa de tantos estados mórbidos dessemelhantes, não admira acabassem as infecções focais chamadas a explicar alguns distúrbios mentais. Que êstes podem ocorrer na vigência daquelas, não há discutir. Cabe, entretanto, um reparo, antes de prosseguirmos: não seria de todo acertado falarmos em "perturbações mentais por infecção focal", mas "perturbações mentais na infecção focal". Pois para que aquelas tenham lugar, não basta a infecção. É necessário haja a base genotípica, a predisposição, a tara psicopática familiar - condicionando uma verdadeira meiopragia psíquica, que torna o indivíduo que a apresenta, mais sujeito que os demais a apresentar distúrbios psicóticos, quando sujeito à ação do agente toxinfeccioso. Só então poderá ser levado em conta o fator pròpriamente situacional ou paratípico. Cabe ainda recordado que, de acordo com a moderna concepção do dinamismo psicótico, há que considerar a potigenia dos síndromos psiquiátricos, ou seja que um mesmo quadro mental pode originar-se de causas diversas e, ao contrário, que um mesmo agente etiológico pode dar origem a diferentes tipos de alteração mental. "Não há transtôrno que reconheça etiologia unívoca" diz Mira y Lopez - "sendo tôda perturbação mental o resultado da ação, sucessiva ou concomitante, mas sempre complexa, de fatores vários"7 7 . Mira y Lopez, E. - Manual de Psiquiatria. Trad, brasileira. Edit. Científica, Rio, 1944, vol. I, págs. 507-519. . Eis porquê, com Birnbaum, aprendemos a levar em consideração, no estudo de qualquer psicose, causas predisponentes, preparatórias, desencadeantes, complicantes, fatores patogênicos e patoplásticos. E não ignorar que é preciso "interpretar e valorizar dados e elementos sintomáticos, de acôrdo com sua origem e significação, para chegar à formação daquele diagnóstico, a que Kretschmer chamou compreensivo ou polidimensional". Considerando, pois, as perturbações mentais, que aparecem no decurso de um processo infeccioso focal, devem ser levadas em consideração as seguintes causas: fadiga, abalos morais, estados infecciosos prévios, intoxicação (acidentais e voluntárias), diabete, gravidez, aleitamento, etc.

Fechando êste já longo parêntesis, voltemos ao papel das infecções focais na gênese de alguns síndromos psicóticos. Acentuam Henderson e Gillespie8 8 . Henderson e Gillespie - A textbook of Psychiatry, 5. a ed. Oxford Medical Publications, London, 1941, págs. 61-63. que "it is a curious fact that while focal sepsis has leapt into prominence as the aetiological factor "par excellence" in menta! illness, it has been losing much of its prestige as a cause of physical disease". Os dentes e as amígdalas têm sido incriminados em cerca de 70% dos casos. Américo Valério, citado por Henrique Roxo, busca filiar alguns distúrbios psicóticos a "lesões veru-utriculares gonoblenor-rágicas", tendo publicado observações a respeito, números 15, 16, 17, 18 e 19 em "Brasil Médico" (números de 1933) e em "Fôlha Médica" (5 de janeiro 1935).

Autores há que lembram, como fator importante nas encefalites psicóticas, o desequilíbrio do mecanismo cálciopéxico.

Não sabemos até onde erramos, invocando, na patogenia das ence-falites psicóticas agudas, uma das causas que Marchand9 9 . Marchand, L. - Maladies Mentales. Amédée Legrand, Édit., Paris, 1938, págs. 68-69. propõe, para explicar a do síndromo de Korsakoff agudo. Diz êle no capítulo sôbre alcoolismo neuro-psiquiátrico : "On a émis l'hypothèse d'un trouble primordial d'origine gastrique consistant en un défaut d'acide chlohydrique d'où résulterait une carence portant sur les produits de désintegration des protéines. L'achlorhydrie gastrique entraînerait le défaut de nutrition des éléments nerveux et des organes hematopoïtiques". Mais adiante, lembra que também se pode filiar o distúrbio psicótico "à un trouble du metabolisme voisin des états carentiels tels que le scorbut, le béribéri, la pellagre". A psicose, pois, "serait dûe à une déficience des vitamines Bi e C secondaire aux lésions gastro-hépatiques". E isso porqué "les vitamines Bi e C joueraient un rôle important dans l'assimilation des hydrates de carbon et dans l'utilisation du glucose au niveau de la substance nerveuse".

Referindo-se às afecções de ponto de partida otorrinofaríngeo, escreve Porot10 10 . Porot - Les Syndromes Mentaux. G. Doin, Paris, 1928. : pensamos que certo número de psicoses agudas ou subagudas, do tipo infeccioso, cuja origem não aparece à primeira vista, podem ser devidas a infecções latentes de ponto de partida nasofaríngeo, a sinusites desconhecidas, etc., de cujo tipo temos verificado vários casos". O mesmo A. regista dois casos de psicose confusional, devidos, um, a rinite purulenta, e outro a piorréia alveolodentária. Graves afirma que quase todos os doentes mentais apresentam infecções dos seios nasais e paranasais. McCowan, ao contrário, só as encontrou em 31% dos casos. Porot acentua que "o fundo de obstusão confusional, ou a presença de alucinações visuais, devem induzir o psiquiatra a pesquisar algum foco profundo, ou foco infeccioso ignorado".

Não há negar os brilhantes resultados alcançados, no domínio terapêutico da Psiquiatria, depois dos estudos de Cotton e sua Focal Infection School. O mal de Cotton teria sido avançar generalizações perigosas. Uma das quais seria a que "quase a totalidade das doenças mentais teriam origem focal, e que a erradicação dos focos sépticos, nos psicopatas, asseguraria uma recuperação integral de 86% dêles (e não 40%, como a maioria dos AA. admitem)".

Contra os exageros de Cotton, insurgiram-se Logan, Turner, Whitton, Kirby, Kopeloff, e outros11 11 . Kopeloff, N. - Bacteriology in Neuropsychiatry. Ch. Thomas, 1941 . Os dois últimos, tomando 120 psicopatas, dividiram-nos em dois grupos, tão semelhantes quanto possível. Os doentes de um grupo receberam tratamento cirúrgico rigoroso de todos os focos infecciosos, enquanto que o outro - considerado controle - só foi alvo das medidas terapêuticas usuais. A recuperação foi a mesma em ambos os grupos, para os portadores de psicose maníacodepressiva (40%); para os esquizofrênicos, foi menor no primeiro do que no segundo grupo.

Natural visse Cotton seus pontos de vista contrariados, naquilo que têm de exagerado. E' absurdo, entretanto, querer negar-lhe real valor na explicação de não pequeno número de perturbações mentais, do conhecimento de quantos se dedicam à arte psiquiátrica.

Encefalites psicóticas - A moderna escola psiquiátrica francesa, liderada por Claude, Baruk, Marchand, Lhermitte reune, sob a designação acima, as chamadas psicoses infecciosas. "Ao lado das neuro-psico-encefalites", escreve Marchand, "que se traduzem, clinicamente, por sintomas de ordem neurológica e distúrbios mentais, ao lado das encefalites sifilíticas - existem, ainda, encefalites que, por sua sintomatologia, sobretudo mental, e por sua patogenia, se separam das outras encefalites. São as que descrevemos como Encefalites psicóticas". Depois de dividí-las em agudas, subagudas e crônicas, estuda, entre as primeiras, a urêmica, a puerperal, a reumatismal, etc.; entre as segundas, as que aparecem no decurso das febres eruptivas, doenças infecciosas diversas; entre as terceiras, aquilo a que chama "demência precoce" encefalítica.

Para Mira y Lopez, as psicoses infecciosas constituiriam, "na realidade, "psicoses exotóxicas de origem biológica", pois a ação dos microorganismos sôbre o corpo humano é, sempre, de natureza e de tipo tóxico". Aconselha se recorde, na devida valorização dos sintomas dessas psicoses, poderem elas obedecer a distintas patogenias: alterações irritativas e degenerativas produzidas pela presença do agente infeccioso no encéfalo; alterações irritativas e degenerativas provocadas nos centros encefálicos por toxinas, que a êles chegam através da barreira ecto-meso-dérmica (trabalho defensivo dos plexos corióides, microglia, etc.); alterações funcionais devidas ao dismetabolismo encefálico, por deficiente chegada do material sangüíneo, em quantidade ou qualidade; alterações secundárias no funcionamento encefálico, pela perda geral do biotono no curso da infecção; alterações encefálicas consecutivas a deficiência dos hormônios que regulam e excitam a atividade dos seus centros. Acaba por resumir êsses modos de ação, dizendo dependerem as alterações psíquicas de: 1) quantidade e virulência das toxinas que atuam, diretamente, sôbre o encéfalo; 2) perturbações que, sôbre o funcionamento dêste, possam, indiretamente, exercer as ações bacterianas, através do sistema hormonal e neurovegetativo; 3) grau de resistência dos próprios neurônios às ações tóxicas e nociceptivas, não sòmente de ordem química, como também fisicoquímica. De acôrdo com essa concepção tripartida das psicoses endotóxicas, toma em consideração três ordens de fatores: carga endotóxica, capacidade defensiva ou antixênica e modo de resposta psíquica.

A infecção nada mais é, no caso, que a causa desencadeante, vale a pena frisar sempre. Causas outras, há a levar em consideração, a respeito - das quais nos detivemos em algumas das linhas precedentes. O síndromo mental mais comum nas encefalites psicóticas, como se sabe, é o síndromo confusional, sob qualquer das suas formas: confusão mental infecciosa, delírio infeccioso, amência, estupor, agitação motora paroxística.

Recebido para publicação em 5 janeiro 1945.

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  • 1. Dorland, W. A. - The American Illustrated Medical, Dictionary. 19.a ed. W. B. Saunders, London, 1943, pág. 718.
  • 2. Port-Euler - Tratado de Odontologia. Tradução brasileira da 5.a edição alemã. Editorial Labor, Rio de Janeiro, 1943, págs. 527-530.
  • 3. Cecil - Text Book of Medicine. 6.a ed. W. B. Saunders, London, 1944, pág. 159.
  • 4. Osler-Christian - Principles and Practice of Medicine. 14.a ed. Appleton Century C, London, 1942, pág. 79-81.
  • 5. Rimbaud, L. - Compêndio de Neurologia. Trad, brasileira da 2.a ed. francêsa. Edit. Freitas Bastos, Rio, 1940.
  • 6. Litter e Wexselblatt - Tratado de Neurologia. 2.a Edição. Edit. El Ateneo, Buenos Aires, 1944, pág. 4.
  • 7. Mira y Lopez, E. - Manual de Psiquiatria. Trad, brasileira. Edit. Científica, Rio, 1944, vol. I, págs. 507-519.
  • 8. Henderson e Gillespie - A textbook of Psychiatry, 5.a ed. Oxford Medical Publications, London, 1941, págs. 61-63.
  • 9. Marchand, L. - Maladies Mentales. Amédée Legrand, Édit., Paris, 1938, págs. 68-69.
  • 10. Porot - Les Syndromes Mentaux. G. Doin, Paris, 1928.
  • 11. Kopeloff, N. - Bacteriology in Neuropsychiatry. Ch. Thomas, 1941
  • 1
    . Dorland, W. A. - The American Illustrated Medical, Dictionary. 19.
    a ed. W. B. Saunders, London, 1943, pág. 718.
  • 2
    . Port-Euler - Tratado de Odontologia. Tradução brasileira da 5.
    a edição alemã. Editorial Labor, Rio de Janeiro, 1943, págs. 527-530.
  • 3
    . Cecil - Text Book of Medicine. 6.
    a ed. W. B. Saunders, London, 1944, pág. 159.
  • 4
    . Osler-Christian - Principles and Practice of Medicine. 14.
    a ed. Appleton Century C, London, 1942, pág. 79-81.
  • 5
    . Rimbaud, L. - Compêndio de Neurologia. Trad, brasileira da 2.
    a ed. francêsa. Edit. Freitas Bastos, Rio, 1940.
  • 6
    . Litter e Wexselblatt - Tratado de Neurologia. 2.
    a Edição. Edit. El Ateneo, Buenos Aires, 1944, pág. 4.
  • 7
    . Mira y Lopez, E. - Manual de Psiquiatria. Trad, brasileira. Edit. Científica, Rio, 1944, vol. I, págs. 507-519.
  • 8
    . Henderson e Gillespie - A textbook of Psychiatry, 5.
    a ed. Oxford Medical Publications, London, 1941, págs. 61-63.
  • 9
    . Marchand, L. - Maladies Mentales. Amédée Legrand, Édit., Paris, 1938, págs. 68-69.
  • 10
    . Porot - Les Syndromes Mentaux. G. Doin, Paris, 1928.
  • 11
    . Kopeloff, N. - Bacteriology in Neuropsychiatry. Ch. Thomas, 1941
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1945
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