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Penicilinoterapia em um caso de meningorradiculite luética

SIMPÓSIO - PENICILINOTERAPIA NA NEUROSSÍFILIS

Penicilinoterapia em um caso de meningorradiculite luética

Adherbal TolosaI; J. A. Caetano da Silva Jr.II

ICatedrático de Neurologia na Fac. Med. Univ. São Paulo

IIAssistente de Neurologia na Fac. Med. Univ. São Paulo

M. G. M., brasileiro, solteiro, com 40 anos de idade. Referia contágio venéreo inicial há cerca de 20 anos. Submeteu-se a tratamento antiluético durante algum tempo, abondonando-o mais tarde. Afora esse incidente, sempre teve boa saúde geral. Há alguns meses está em tratamento de uma colite crônica (sic). Em princípios de junho de 1945, sentiu dor intensa na região lombar esquerda, com irradiação para a frente. Como esse sintoma persistisse, o paciente foi enviado a um de nós para exame neurológico.

Examinâmo-lo em 5 de agosto e, sob o ponto de vista clínico, só encontramos aumento de volume do fígado, que era palpável 2 dedos sob o rebordo costal, duro e doloroso. Sofria de constipação intestinal há muitos anos. O exame dos aparelhos circulatório e respiratório foi normal. Tensão arterial: mx. 12, mn. 7. Sob o ponto de vista neurológico, havia: pupilas rígidas à luz, levemente mióticas e com reação normal à acomodação e convergência; portanto, sinal de Argyll-Robertson. Reflexos superficiais e profundos normais. Nítida hipotonia muscular nos membros inferiores ao nível dos joelhos, à movimentação passiva. Diminuição acentuada da potência sexual. Equilíbrio normal. Coordenação dos movimentos normal. Dores em semicinta, nos territórios cutâneos correspondentes às raízes T12 e L1. Essas dores eram permanentes, intensas, com exacerbações com ou sem esforços, iniciando-se ao nível da coluna vertebral e irradiando-se para a frente até quase a linha média abdominal. Objetivamente, encontramos uma faixa de hiperestesia superficial para as sensibilidades táctil e dolorosa, medindo cerca de 4 cms., correspondendo ao território atingido pela dor. Não havia alterações da sensibilidade profunda.

Exame do líquido cefalorraquídio: punção suboccipital em decúbito lateral direito; pressão inicial 4 (Claude); liquor límpido e incolor; 2,4 células por mm3; 7,20 grs. de cloretos por litro; 0,20 grs. de proteínas por litro; r. Pandy positiva; r. benjoim 01210.12100.000.0; r. Takata-Ara positiva (tipo parenquimatoso); r. Meinicke fortemente positiva; r. Wassermann fortemente positiva com 1 cm3; r. Steinfeld negativa até com 1,5 cm3. (O. Lange).

Este resultado, que confirmava a suspeita que tínhamos de um processo luético, orientou-nos para uma sífilis não parenquimatosa, uma meningorradiculite. Foi feito o tratamento pela penicilina, que julgamos aconselhável no caso por ser uma forma de sintomatologia relativamente escassa mas evidente, o que nos permitia sem dúvida colhermos noções seguras sobre a oportunidade e eficácia desse método de tratamento que se vem mostrando promissor na sífilis. Foi feito um total de 2.000.000 U.Ox. de penicilina de várias procedências, sendo 9 injeções intra-raquídias com intervalo de 24 horas e o restante do medicamento por via intramuscular. A dose foi de 25.000 U.Ox. nas 5 primeiras e 35.000 U.Ox. nas 4 últimas injeções intra-raquídias, sendo que, dessas, só a segunda foi feita por punção lombar, pois as demais o foram por via suboccipital. As injeções intramusculares foram feitas com intervalo de 3 horas, 25.000 U.Ox. de cada vez.

Evolução: A partir da quarta injeção, desapareceram completamente as dores, que não mais o incomodaram. Concomitantemente, começou a ter mais apetite, tornou-se melhor disposto, calmo, animado, referindo que sua potência sexual estava melhor. Houve redução nítida da hepatomegalia, que desapareceu totalmente ao fim do tratamento. Obteve, também, melhoras no funcionamento intestinal. Reexaminado em 14 de setembro, um mês depois de terminado o tratamento, mantinham-se os resultados; o doente engordara 6 Kgrs. e persistiam apenas as alterações do reflexo fotomotor. Em fins de outubro, dois meses depois, ainda se mantinha bem. O exame do liqüido cefalorraquídio, em 20 de outubro, mostrou: punção occipital em decúbito lateral direito; 1 célula por mm3; 0,10 grs. de proteínas totais por litro; r. Pandy, opalescência; r. benjoim 12100.01100.00000.0; r. Takata-Ara positiva (tipo parenquimatoso); r. Meinicke fortemente positiva; r. Wassermann positiva com 1,5 cm3; r. Steinfeld negativa até com 1,5 cm3.

É este, sem dúvida, um caso de sucesso da penicilinoterapia na neurolues, com resultados imediatos, utilizadas as vias aracnóidea e intramuscular simultaneamente. Ao lado das melhoras clínicas, houve melhoras humorais evidentes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1946
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