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Neurofibromatose múltipla com destruição da parede orbitária

REGISTRO DE CASOS

Assistente de Clínica Neurológica na Fac. Med. Univ. S. Paulo (Prof. A. Tolosa)

Nódulos e manchas hipercrômicas, de formas e dimensões variáveis, disseminadas irregularmente pelo corpo, caraterizam a moléstia de Recklinghausen; todavia, esses nódulos e manchas cor "café com leite" constituem apenas dois sinais de malformação congênita que pode atingir um ou mais sistemas do organismo e, embora presentes na maioria dos casos, não são elementos obrigatórios. Espinha bifida, elefantíase, glaucoma, curvaturas anormais da coluna e malformações do crânio são freqüentemente encontrados fazendo parte do quadro de neurofibromatose múltipla. Assim sendo, é sabido que essa doença é de natureza hereditária e que a transmissão através de um caráter dominante é regulada pelas leis da Mendel, o diagnóstico de moléstia de Recklinghausen pode ser viável mesmo na ausência de nódulos ou manchas, desde que o paciente apresente, por exemplo, malformações esqueléticas e pertença a família em que haja casos indiscutíveis da referida moléstia. Do exposto resulta que os elementos atingidos de uma família não apresentam necessariamente as mesmas manifestações, podendo haver, ao lado de casos com manchas e nódulos dos mais típicos, outros que apresentem somente manchas, e outros mesmo, com malformações esqueléticas apenas. Contribui, ainda, para o polimorfismo da moléstia em apreço, a associação, não rara, de tumores de natureza vária às malformações preexistentes.

A coluna vertebral é a sede mais freqüente de malformações na moléstia de Recklinghausen, consistindo em curvaturas anormais, espinha bifida e hiperostoses; menos freqüentemente o atingido é o crânio, podendo exibir exagerado aumento das bocas frontais e parietais, desenhos vasculares anormais, aumento da sela turca, alargamento do buraco óptico e da órbita, com ou sem destruição de suas paredes. As anomalias ósseas podem ser congênitas ou resultar de corrosão produzida por crescimento neoplástico vizinho (neurofibroma ou tumor associado). A destruição das paredes orbitarias constitui achado bastante raro, encontrando-se regstrados na literatura mundial aproximadamente 25 casos, motivo que nos levou a publicar a observação que se segue.

R. I., 17 anos, japonês, internado na Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (Prof. Adherbal Tolosa). Aos 4 anos de idade, o paciente sofreu uma queda, contundindo a região supra-orbitária esquerda; produziu-se equimose que desapareceu em uma semana. Alguns dias depois, nova queda com as mesmas conseqüências e evolução semelhante. Após a terceira queda e contusão da mesma região, a tumefação supra-orbitária, ao invés de regredir, foi progressivamente aumentando e, decorrido um ano, atingiu o volume atual, ficando então estacionaria. Nega moléstia semelhante à sua, bem como nodulos e manchas cutâneas, em qualquer de seus familiares diretos e colaterais, próximos ou remotos.

Ao exame físico geral, chama logo a atenção grande massa tumoral na hemiface esquerda, depressível, elástica e de consistência mole. Apesar de pouco móvel sobre o plano ósseo, em virtude de seu grande volume e fraca consistência, a massa tumoral é facilmente deslocável e, pela ação da gravidade, a maior parte do tumor se acumula na porção mais declive, formando com o plano da face um sulco à maneira de mama (fig. 1). Ambas as pálpebras do lado esquerdo acham-se fortemente espessadas pelo tecido tumoral e, quando afastadas, vê-se o globo ocular recalcado para o lado nasal, sendo impossível dirigi-lo para fora.


À palpação do plano ósseo, verifica-se aumento da órbita e espessamento da metade posterior da arcada zigomática do lado esquerdo. Manchas hipercrômicas, cor de "café com leite", de formas e dimensões várias (fig. 1) e vários nódulos moles e depressíveis acham-se difusamente disseminados na superfície cutânea, destacando-se, entre eles, um situado pouco à esquerda da linha espondílica ao nível de L4 (fig. 2). Não foram encontradas malformações raquidianas e o exame dos diversos aparelhos nada revelou de particular. O exame do sistema nervoso não revelou qualquer distúrbio psíquico, motor ou sensitivo, a não ser impossibilidade de dirigir o olho esquerdo para fora, o que deve ser atribuído à compressão local pelo tumor.


Radiografias do crânio mostraram considerável aumento da órbita esquerda e destruição parcial de sua parede interna (fig. 2). O exame neuroftalmológico (Dr. Mendonça de Barros) revelou: reflexos pupilares normais; compressão do globo ocular esquerdo para dentro (invasão da órbita); impossível o exame do fundo ocular esquerdo, sendo normal o direito; acuidade visual sem correção: OD 0,7; OE 0,1. O exame histológico de um nodulo cutâneo indicou tratar-se de neurinoma. Negativas as reações serológicas para lues no sangue. Líqüido cefalorraquidiano normal. Diagnóstico: Neurofibromatose múltipla com destruição da parede orbitária e neuroma plexiforme das pálpebras.

Comentários

Embora o propósito desta publicação seja apenas o de registrar mais um caso de moléstia de Recklinghausen com destruição de parede orbitária, ocorrência que raramente tem sido observada, julgamos oportuno destacar, além do grande volume da massa tumoral no caso observado, a possível influência dos sucessivos traumatismos anteriores.

Vários autores têm chamado a atenção para a influência de traumatismos no aparecimento dos neurinomas em portadores de neurofibromatose múltipla. A relação de causa e efeito parece bastante evidente em nosso caso; pois, após sucessivas contusões da mesma região, surgiu a massa tumoral que o paciente apresenta na hemiface esquerda.

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  • Neurofibromatose múltipla com destruição da parede orbitária

    José Zaclis
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1947
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