Acessibilidade / Reportar erro

Análises de revistas

Análises de revistas

SÍNDROMES INFECCIOSAS NEUROCULARES (SYNDROMES INFECTIEUX NEURO-OCULARES). J. BABEL. Confinia Neurológica, 8: 238-239, 1947-1948.

O autor crê que as complicações neurológicas observadas no decurso de afecção inflamatória da retina passam muitas vêzes despercebidas pelos clínicos, porém, apesar da relativa raridade, são encontradas e o caso que apresenta é o terceiro que publica. Trata-se de um paciente de 32 anos com neurite óptica aguda e periflebite retiniana em O. D.. A afecção ocular foi súbita, com acuidade visual de 0,3, edema papilar pronunciado e hemorragias retinianas. Todos os exames praticados no período agudo foram normais. Cêrca de 9 meses depois do início da moléstia, surgiu cefaléia paroxística, durando 10 minutos, com freqüência de 3 a 4 por semana, acompanhada de diminuição da visão e sensação de repuxamento da fase direita, aliada a hipotonia do braço direito. O exame neurológico revelou uma síndrome sensitivo-motora direita; havia sinusite maxilar purulenta direita, que regrediu ràpidamente depois de lavagens, o exame vestibular mostrou hipoexcitabilidade global do labirinto esquerdo; ao exame ocular, anisccoria (pupila direita menor), recidiva da neurite óptica e, sobretudo, da periflebite. Os sintomas neurológicos desapareceram após algumas semanas e não se reproduziram. O estado ocular melhorou, a acuidade visual voltou ao normal. Um ano depois, recidivou a periflebite, sem sintomatologia neurológica e sem sinusite.

O autor, pelo estudo desta observação, assim como das anteriores por êle publicadas, explica a sintomatologia retiniana por um estado inflamatório dos vasos da retina, que evolui sob o aspecto de uma periangite. Esta afecção, comumente de origem bacteriana é, porém, também provocada por outras lesões, especialmente as focais, e o substrato anatômico é um exsudati fibrino-celular das bainhas vasculares, sem caracteres específicos. O A. acha que a sintomatologia neurológica não pode ser explicada por um mecanismo exato, mas aventa a hipótese dêstes distúrbios funcionais passageiros serem provocados por lesões reversíveis dos vasos cerebrais, lesões estas do mesmo tipo das periflebites retinianas. Outros autores já assinalaram síndromes neurológicas diversas no decurso de periflebite retiniana. Finalmente, o A. chama a atenção dos clínicos para uma possível etiologia por vírus neurotrópicos.

HARRY B. DINIZ

ENCEFALOMIELITE ALÉRGICA CRÔNICA PRODUZIDA EXPERIMENTALMENTE EM MACACOS (CHRONIC EXPERIMENTAL ALLERGIC ENCEPHALOMYELITIS IN MONKEYS). A. FERRARO E C. L. CAZZULO. J. Neuropathol. a. Exper. Neurol., 7: 235 (julho) 1948.

No início, os AA. fazem um apanhado sôbre o novo campo aberto à Neurologia, pela verificação de reações alérgicas do sistema nervoso, primeiramente aventadas apenas como hipótese e, atualmente, produzidas em animais de laboratório com relativa facilidade. Citam os trabalhos de Freund e McDermott, Kopeloff e Kopeloff, Morgan, Kabat e Wolf, e Bezer que trabalharam com macacos, e de Morrison, Freund, Stern e Pisani, que conseguiram produzir quadros de encefalomielite e radiculite alérgicas em coelhos e cobaias, por injeção de emulsão de cérebro e micobactérias. Essas observações relacionam-se com quadros de encefalomielite aguda, não havendo observações publicadas de reações crônicas com reação glial e esclerose cicatricial, sendo que esta última não é necessàriamente o resultado final de tôdas as moléstias inflamatórias do cérebro.

Do estudo de 19 macacos injetados, os AA. puderam isolar três tipos clínicos de reações: comprometimento das vias ópticas, com cegueira; sintomas predominantes do sistema vestíbulo-cerebelar, com ataxia e tremores; sintomas gerais leves que evoluem para a cura aparente. Quanto às lesões anátomo-patológicas, verificaram: a) desmielinização e desintegração das fibras, a desmielinização foi vista em todas as áreas de substância branca (corona radiata, bulbo). Na medula, a desmielinização produz zonas de rarefação mais freqüentemente do que zonas de cicatrização. Em correspondência a esses processos, os cilindros-eixos são mais ou menos atingidos, até seu completo desaparecimento, b) Quanto à glia, observaram 3 tipos de reações: tendência à hipertrofia de astrócitos e outros componentes da série glial; hipertrofia de células gliais, com hiperplasia de elementos livres no parênquima ou perivasculares; gliose reparadora. Êsses 3 tipos de reação glial são encontrados nas moléstias humanas desmielinizantes. Nas formas agudas, é mais freqüente o primeiro tipo e, nas crônicas (esclerose múltipla e esclerose difusa), encontram-se as segunda e terceira variedades.

Os AA. não conseguiram, entretanto, demonstrar, na medula espinhal dos animais sacrificados, a gliose da esclerose em placas. Além disso, no próprio cérebro, as lesões encontradas no material observado não eram tão intensas como na esclerose em placas humana. Procuram explicar essa diferença pela intensidade e difusão do processo e duração da moléstia.

DANTE GIORGI

COLAPSO HEMISFÉRICO UNILATERAL PRIMITIVO (COLAPSUS HÉMISPHÉRIQUE UNILATÉRAL PRIMITIF). Michel Feld. Rev. Neurol., 80: 132-136 (fevereiro) 1948.

Apresentando a observação de um caso em que foi feito o diagnóstico de colapso primitivo de um hemisfério cerebral, comprovado pela operação, o A. tece considerações a respeito dessa síndrome. Inicialmente, distingue o colapso cerebral primitivo, do colapso da hipotensão ventricular resultante da acrinia corióidea. A patogenia do colapso primitivo é ainda obscura (mecanismo vasomotor? osmótico?).

A observação apresentada refere-se a um paciente de 48 anos de idade, com cefaléias parietoccipitais bilaterais, sobrevindas à noite e rebeldes a todo tratamento. Posteriormente, passou a apresentar náuseas pós-prandiais, lipotímia e emagrecimento. Marcha hesitante, com lateropulsão direita. Perturbações da atenção e da memória de fixação. O exame neurológico revelou apenas os distúrbios da marcha já assinalados. A pneumencefalografia mostrou ventrículos laterais pequenos e deslocados para a esquerda da linha mediana; descolamento cortical de todo o hemisfério direito, mais acentuado ao nível da cissura de Sylvius. Êsse quadro pneumencefalográfico conduziu ao diagnóstico de hidroma septado ao nível do córtex do hemisfério direito. A operação, consistindo em trepanação subtemporal direita, mostrou espaço subdural sem liquor, cérebro distendido e pouco líquor nos espaços subaracnóideos. Nova pneumencefalografia, feita dois meses depois, mostrou quadro pneumencefalográfico inteiramente normal, apresentando-se bem contrastados e em posição normal os ventrículcs laterais e os sulcos intergirais dos dois hemisférios.

O A. assinala o caráter pouco especial dos sinais de sofrimento cerebral no colapso. Recorda que as alterações funcionais são vizinhas daquelas verificadas na hipertensão craniana, podendo mesmo conduzir a terapêuticas intempestivas pelas soluções hipertônicas. Na ausência da estase papilar, recomenda o A. pensar no colapso cerebral primitivo ou secundário.

CELSO PEREIRA DA SILVA

ANEURISMAS ARTERIOVENOSOS DO ENCÉFALO; SEU DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO (ARTERIOVENOUS ANEURYSMS OF THE BRAIN; THEIR DIAGNOSIS AND TREATEMENT). H. OLIVECRONA E J. RIIVES. Arch. Neurol, a. Psychiat., 59: 567-602 (maio) 1948.

Neste artigo, que tem por escopo o estudo do diagnóstico e tratamento dos aneurismas arteriovenosos encefálicos, os AA. fazem uma análise crítica da divisão das malformações angiomatosas do encéfalo adotada por Bergstrand em 1936. Segundo aquêle patologista, essas malformações são divididas em dois grupos: angioma cavernoso e angioma racemoso, compreendendo êste ultimo 5 tipos: telangectasia, moléstia de Sturge-Weber, angioma racemoso arterial, angioma racemoso venoso e aneurisma anteriovenoso. Os dois primeiros constituem entidades bem definidas de malformações de vasos capilares ou pré-capilares. O mesmo já não acontece com os três últimos tipos; no angioma racemoso arterial, tanto os vasos aferentes, como os eferentes, deveriam ser teòricamente artérias, o que, entretanto, não foi demonstrado em caso algum. Pelo contrário, nos casos descritos como tais, os vasos eferentes sempre mostraram características anatômicas de veias. Assim, todos os casos descritos como angiomas racemosos arteriais não passam, provavelmente, de aneurismas arteriovenosos. O angioma racemoso venoso é raro, mas foram descritos alguns casos autênticos, nos quais, tanto os vasos aferentes, como os eferentes, eram veias. Essa malformação, segundo Bergstrand, não é distinguível do aneurisma arteriovenoso senão no vivo: se o sangue nos vasos anormais tiver caracteres de sangue arterial, será um aneurisma arteriovenoso; se de aspecto venoso, então a malformação merecerá o nome de angioma racemoso venoso. Os aneurismas arteriovenosos são as mais comuns e as mais importantes malformações racemosas dos vasos encefálicos. Caracterizam-se pela ausência de rêde capilar entre uma artéria ou grupo de artérias e as veias; a artéria desemboca diretamente na veia, o que pode ocorrer de duas maneiras: ou há comunicação direta entre os vasos, o que é bem raro, ou existe um novêlo de vasos sangüíneos anormais entre artérias e veias. Tanto os vasos de afluxo como os de drenagem são calibrosos, pulsáteis e contêm sangue arterial. Os vasos do novêlo podem ter estrutura de veia ou artéria, mas o que é mais comum é serem indiferenciados, com estrutura patológica.

Na série de 60 casos ocorridos, na Clínica Neurocirúrgica de Estocolmo (2% aproximadamente do total de tumores encefálicos confirmados) os AA. verificaram que a afecção é mais freqüente no sexo masculino. Na maioria das vêzes, a afecção se encontra no sistema da carótida interna, podendo ser também formada à custa de ramos da externa e das vertebrais; em um caso, foi encontrada coexistência de aneurismas arteriovenosos da retina e do encéfalo, combinação descrita por Wyburm-Mason.

Os principais sintomas são convulsões, hemorragias subaracnóideas e hemorragia cerebral com hemiplegia. Sôpro sistólico, quando presente, indica sempre participação da carótida externa. Calcificação característica foi observada em poucos casos. Os primeiros sintomas se manifestam, em geral, na segunda e terceira década. As crises convulsivas constituem, não só o primeiro sinal mais freqüente, como também o mais constante. Hemiplegias ou hemiparesias, não contando aquelas transitórias pós-convulsivas, foram encontradas em cêrca da metade dos casos. A cefaléia, bastante freqüente, nada tem de característico. Hipertensão intracraniana só aparece quando a massa aneurismática é volumosa. Desordens mentais são freqüentes, principalmente nos casos antigos, favorecidos provàvelmente pelos ataques e encefalomalácias de origem hemorrágica. A encefalografia, levada a efeito na maioria dos casos, mostrou ser a atrofia cerebral a ocorrência mais comum. Quando o volume do aneurisma é suficiente para produzir deslocamento, este é em geral moderado e freqüentemente associada a atrofia. Em caso semelhante (desvio ventricular e atrofia) é muito provável tratar-se da aneurisma arteriovenoso. O diagnóstico de certeza é dado pelo estudo arteriográfico. Deve-se notar que, com o advento e aperfeiçoamento da arteriografia cerebral, a ocorrência de aneurisma arteriovenoso encefálico se tornou muito mais freqüente.

Quanto ao tratamento, os AA., de acôrdo com outro que têm experiência no assunto, acham que a ligadura dos vasos accessíveis, visíveis na superfície, não dá resultado algum. A craniotomia descompressiva é poucas vêzes indicada, por ser a hipertensão intracraniana pouco freqüente e constituir a falha óssea fator que pode favorecer a rotura dos vasos anormais. A ligadura da carótida não é aconselhada, por serem os resultados incertos e por ser perigosa, pois as hemiplegias são freqüentes. Nenhum resultado deu a radioterapia. O tratamento de escolha, segundo a experiência dos autores, é a extirpação completa da malformação, quando praticável, em caso contrário, a conduta deve ser a abstenção de qualquer tentativa cirúrgica. Em alguns casos, pode ser tentada a röntgenterapia, embora pouco se possa esperar dela. Com o aperfeiçoamento da técnica cirúrgica, a mortalidade decresceu nos últimos casos.

J. ZACLIS

HEMIPLEGIA ALTERNA OPTICOPIRAMIDAL POR TROMBOSE CAROTÍDEA (HÉMIPLÉGIE ALTERNE OPTICO-PYRAMIDALE PAR THROMBOSE CAROTIDIENNE). A. RADOVICI, E FILASCO. Presse Med., 48: 573-574 (21 agôsto) 1948.

Os AA. descrevem uma nova forma de hemiplegia alterna, até o presente não mencionada como tal no seu conjunto, constituída por atrofia óptica de um lado e hemiplegia do lado oposto, e realizada, na obliteração ou na deficiência circulatória da carótida interna, por isquemia do nervo óptico (artéria oftálmica) e isquemia cortical e capsular (artéria silviana). Sendo fatos já apontados com relativa freqüência isoladamente, nunca foram anteriormente associados numa nova síndrome, seja pela raridade dos primeiros; seja por terem êstes passado despercebidos, seja ainda pela dificuldade e, por vêzes, pela impossibilidade do diagnóstico clínico da trombose carotidana. Neste último sentido, os AA. chamam a atenção sôbre o valor da ausência, ou mesmo, da simples desigualdade do pulso carotídeo ao nível do pescoço, das manifestações sincopais motivadas pela prolongada compressão da carótida não obstruída e, ainda, sôbre o valor da medida da tensão da artéria central da retina (diminuída na sístole, no lado da trombose).

Apresentam em seguida três observações próprias e uma já anteriormente publicada por Danielopolu e Asian e um dos AA. (1932), nas quais foi verificada a coexistência de atrofia óptica de um lado e de hemiplegia contralateral, na presença de trombose carotidiana diagnosticada clínica e cirùrgicamente. Em todos os casos havia permeabilidade dos vasos da retina, apenas estando diminuída a tensão das artérias; o mesmo se daria talvez com relação às artérias silvianas (um dos casos mostrou permeabilidade na arteriografia).

Os AA. concluem dêsse fato, explicando a patogenia de sua síndrome, que a atrofia do nervo óptico, bem como as alterações corticais e capsulares, não dependem da total obstrução vascular - oftálmica e silviana - mas sim do desequilíbrio entre a tensão dessas artérias e a tensão do globo ocular ou a do líqüido cefalorraquidiano. A queda da tensão dos ramos carotidianos além de certo limiar, causaria a atrofia da papila acompanhada de excavação secundária glaucomatosa (glaucoma sem hipertonia de Graefe) e foco de amolecimento cerebral.

O. LEMMI

ENCEFALOPATIA DO REUMÁTICO. FREQUÊNCIA INSUSPEITADA DOS ACIDENTES CEREBRAIS NO CURSO DA FEBRE REUMÁTICA, E SEU PAPEL COMO FATOR DETERMINANTE DA MORTE EM 107 CASOS, COM ESTUDO CORRESPONDENTE DE NECRÓPSIA (ENCEFALOPATIA DEL REUMÁTICO. FRECUENCIA INSOSPECHADA DE LOS ACCIDENTES CEREBRALES EN EL CURSO DE LA FIEBRE REUMÁTICA Y SU PAPEL COMO FACTOR DETERMINANTE DE LA MUERTE EN 107 CASOS CON ESTUDIO CORRESPONDIENTE DE NECROPSIA). A. GORTARI, R. PELLON E I. COSTERO. Arch. Inst. Cardiol. de México, 17: 193-223 (abril) 1947.

ENCEFALOPATIA DO REUMÁTICO. QUADRO HISTOPATOLÓGICO DO ENCÉFALO SUCULENTO (ENCEFALOPATIA DEL REUMÁTICO. CUADRO HISTOPATOLÓGICO DEL ENCÉFALO JUGOSO). I. COSTERO, R. BARROSO-MOGUEL, A. GORTARI E R. PELLON. Arch. Inst. Cardiol. de México, 17: 488-515 (agosto) 1947.

Nestes dois trabalhos, Os AA estudam um quadro clínico-neurológico de localização encefálica que, embora não sistematizado, é de certa forma característico, precedendo em geral a morte, o que lhe dá um importante significado prognóstico. De 151 pacientes falecidos de cardiopatias reumáticas e submetidos a necrópsia, 107 (71%) apresentaram êste quadro; os pacientes, cuja idade variava entre 3 e 65 anos, foram em maior número na segunda década, com uma incidência de 37.3% do total. Interessante de se notar o fato de que tôdas as 32 crianças falecidas de cardiopatias reumáticas apresentavam alterações cerebrais.

A manifestação clínica mais característica foi a aparição de um quadro comatoso estabelecido de forma mais ou menos violenta. Em 14,4% dos casos este quadro foi muito agudo levando rapidamente à morte. Em 60,4% o quadro foi menos dramático, apresentando-se os sintomas sob uma forma sindrômica, caracterizada por hiperexcitação psicomotora. estados de angústia, ansiedade e inquietação, insônia, indiferença, astenia, prostração e obnubilação. Os sinais físicos mais comuns foram a hiperidrose, diminuição ou abolição dos reflexos patelares, hipotonia muscular, disartria, taquipnéia, midríase e anisocoria. Infelizmente, em apenas 2 casos foi realizado o exame de fundos oculares, que nada revelou de anormal. Em 19,6% dos casos não foi observado qualquer quadro clínico encefálico, muito embora anatômicamente fôssem encontradas anormalidades semelhantes aos demais casos.

O elemento mais importante na patogenia dêste quadro foi considerado a anoxia, bem como a hipertensão intracraniana, produzida por edema ou tumefação. O conhecimento destes elementos patogênicos dita a terapêutica racional a se seguir. A causa da morte nos casos agudos foi, sobretudo, o encravavamento das amígdalas cerebelares, com inibição dos centros bulbares. Os AA. discutem as diversas causas que podem ser apontadas para explicar o desencadeamento dêste quadro encefálico, para o qual propõem a denominação de encefalopatia do reumático. As principais hipóteses explicativas da patogenia do edema e da tumefação cerebrais são lembradas e analisadas.

Nos 107 casos foram encontradas 165 perturbações macroscòpicamente verificáveis, sendo as principais as seguintes: cérebro suculento, aumentado de pêso; hiperemia; tumefação; hemorragias, edemas. Todos êstes elementos, bem como outros menos freqüentes, são avaliados de acôrdo com uma legenda e expostos em um quadro geral, que resume os achados clínicos e anátomo-patológicos. Foi estudada também a relação entre êstes quadros de edema e tumefação cerebral com a presença de edemas não cerebrais e presença de líqüido em cavidades serosas. As hemorragias foram estudadas, tanto em extensão, como em sua localização; elas se disseminam principalmente nos núcleos cinzentos centrais, na substância branca do cérebro, no tronco cerebral e mesmo, algumas vêzes, nos ventrículos laterais, encontrando-se, neste último caso, coloração rósea do líquor. Macroscòpicamente, 85% dos cérebros apresentavam alterações cerebrais caracterizadas por edema, tumefação, cérebro suculento e hemorragias punt'formes anulares perivasculares, irregularmente distribuídas na massa encefálica. Os 15% restantes apresentavam hemorragias maciças e amolecimentos por tromboses e embolias antigas, bem como outras lesões não imputáveis ao reumatismo e que foram provàvelmente a causa da morte.

Quanto aos caracteres histopatológicos, observam que a manifestação mais precoce das alterações do endotélio vascular consiste em aumento da permeabilidade dos capilares. Verifica-se dilatação dos espaços linfáticos perivasculares, que costuma ser precedida e acompanhada de congestão. Não se podem estabelecer as relações de causa e efeito entre estes dois elementos. O aumento da permeabilidade capilar é sempre seguido de esclerose ao nível dos vasos alterados, esclerose que se inicia pela elaboração de fibrilas pré-colágenas nos histócitos justaendoteliais. O aumento de permeabilidade do endotélio é suficiente para permitir a saída das hemácias por diapedese ou diabrose, sendo mais comum o primeiro tipo. A diapedese pode propagar-se a uma distância considerável do ponto inicial, podendo assumir uma intensidade capaz de determinar o colapso da luz capilar. Em geral, estas hemorragias pericapilares não são acompanhadas de modificações notáveis na arquitetura do tecido nervoso vizinho. As hemorragias por diabrose se produzem quando o endotélio dos capilares se altera até a destruição. É comum também encontrar hemorragias de extensão considerável, em virtude da desintegração do revestimento endotelial.

Ao nível da necrose pericapilar, rodeadas pelas hemorragias anulares, encontram-se algumas fibras seccionadas. As hemorragias, que determinam um estado de esponjamento reticular, são causa de intensa e imediata mobilização da microglia. A neuróglia genuína se altera, constituindo placas de proliferação difusa com caráter reacional, e também formando pequenas cicatrizes com elementos intensamente hipertrofiados. Êstes fenômenos reacionais da neuróglia são verificados no cérebro suculento dos pacientes reumáticos, particularmente na substância branca dos hemisférios cerebrais. O quadro histopatológico descrito, tal como o quadro macroscópico, não é específico da encefalopatia reumática, nem especificamente ligado à febre reumática.

ANTONIO B. LEFÈVRE

AS SÍNDROMES NEUROLÓGICAS PERIFÉRICAS NAS LEUCEMIAS AGUDAS (LOS SÍNDROMES NEUROLÓGICOS PERIFÉRICOS EN LAS LEUCEMIAS AGUDAS). I. FERNANDEZ, H. DEFFÉMINIS, B. V. STAPFF, L. DÁVILA E W. ESCARÓN. Arch. Urug. d. Med., Cir. y Especial., 32: 99-116 (março) 1948.

Baseados em apreciável revisão bibliográfica, os AA. fizeram rápido apanhado sôbre a patologia das lesões nervosas nas leucemias. Responsabilizaram os infiltrados leucocitários e as hemorragias no parênquima encefálico ou medular, nas meninges e nas bainhas perinervosas, como as causas mais importantes das síndromes neurológicas. Entre os órgãos nervosos mais freqüentemente lesados, colocam, em primeiro lugar, os nervos cranianos, depois, as meninges espinais e, por último, o parênquima nervoso e os nervos raquidianos. O neurônio motor periférico poderia ser afetado em qualquer ponto do seu trajeto, porém, muito mais freqüentemente, nas porções nuclear e radicular. Finalmente, os AA. admitem a possibilidade de acúmulos leucocitários epidural's, paquimeningites hemorrágicas e, até, focos de amolecimentos por trombose ou compressão de pequenos vasos do sistema nervoso, por blocos leucocitários. O nervo facial seria o mais comumente afetado nas leucemias, vindo, a seguir, o 8.° e o 6.° par. Os AA. ilustram o trabalho cem uma observação clínica pessoal, na qual havia leucemia mielóide aguda com paralisia facial direita de tipo periférico, e radiculalgias lombares bilaterais. Infelizmente, este caso não teve confirmação anátomo-patológica.

J. LAMARTINE DE ASSIS

MOLÉSTIA FALCIFORME: REGISTRO DE UM CASO COM MANIFESTAÇÕES CEREBRAIS NA AUSÊNCIA DE ANEMIA (SICKLE CELL DISEASE: REPORT OF CASE WITH CEREBRAL MANIFESTATION IN THE ABSENCE OF ANEMIA). R. K. THOMPSON, J. A. WAGNER E C. M. MACLEOD. Ann. Inst. Med., 29: 924-928 (novembro) 1948.

A moléstia falciforme foi descrita primeiramente por Herrick em 1910, como uma anemia de eritrócitos em forma de foice ou meia-lua. Durante uma crise de falcemia, essas células características se conglomeram nos capilares causando tromboses. Em 1940, Bauer frisou que a assim chamada anemia falciforme, bem como fenômenos de obstrução capilar, podem ocorrer na ausência de anemia.

A observação feita pelos AA. tem grande interêsse, pois é o único caso na literatura de moléstia falciforme sem anemia, em que as manifestações clínicas e anátomo-patológicas são predominantemente cerebrais. Trata-se de um preto, de 20 anos de idade, cujos sintomas iniciais foram uma síndrome clínica vaga, composta apenas de retardo mental, tonturas e febre discreta. O exame físico nada revelou de anormal e o líqüido cefalorraquidiano continha sangue recente. O hemograma demonstrou 4.950.000 eritrócitos e 13.800 leucócitos com 70% de neutrófilos. A síndrome clínica correspondia a uma hemorragia subaracnóidea espontânea. No 3.° dia de hospitalização, surgiram sinais de irritação cortical, representados por crises convulsivas e, posteriormente, sinais clínicos de comprometimento diencefálico. Evidenciava-se, então, a existência de uma encefalite hemorrágica aguda de etiologia obscura. O diagnóstico só foi estabelecido pela necrópsia, quando foram demonstrados eritrócitos falciformes intravasculares, com conseqüentes lesões trombóticas. Jamais houve dados clínicos ou laboratoriais de anemia ou de crises hemolíticas. As maiores lesões limitavam-se às veias corticais, que se achavam repletas de eritrócitos falciformes. Em conseqüência, havia intensa, congestão passiva das veias e capilares corticais com subseqüente rotura ou diapedese de elementos, as quais determinavam hemorragias corticais destrutivas, difusas e confluentes. Êsse caso comprova a necessidade de praticar exames de laboratório rotineiros, com pesquisas de falcemias, nos doentes pretos que apresentam um quadro neurológico obscuro. Por outro lado, demonstra-se que a anemia não é necessàriamente parte da moléstia falciforme, nos casos em que a sintomatologia é predominantemente cerebral.

ROBERTO MARAGNO FILHO

ASPECTOS NEUROLÓGICOS DOLOROSOS DE UMA DISFLASIA MESODÉRMICA: A LEIOMIOMATOSE SISTEMATIZADA NÉVICA (ASPECTS NEUROLOGIQUES DOULOUREUX D'UNE DYSPLASIE MÉSODERMIQUE: LA LÉIOMYOMATOSE SYSTÉMATISÉE NAEVIQUE) J. RADERMECKER E L. VAN BOGAERT. Acta Neurcl. et Psychiat. Belgica, 48: 143-155 (abril) 1948.

Radermecker e van Bogaert estudaram, em 1941, um caso de leiomiomatose dolorosa, de disposição névica, precisando a situação dessa displasia no quadro das demais displasias mesodérmicas conhecidas. No presente trabalho, os AA. apresentam nova e importante contribuição para o conhecimento do assunto, publicando interessante observação, notável pela topografia sistematizada das lesões e pelo seu caráter generalizado, confirmado por biópsias. Tratava-se de um caso de leiomiomatose nodular e difusa da pele do dorso, com disposição metamérica simétrica, em faixas radiculares, assumindo, na face, disposição trigeminada; entre os nódulos tumorais, encentravam-se nevos melânicos. Os AA. fazem descrição pormenorizada do quadro histológico observado e discutem as relações com a neurofibromatose.

A propósito dessa observação, Redermecker e van Bogaert recordam as principais manifestações da moléstia, acentuando especialmente os caracteres das dores, que constituem elementos essenciais para o diagnóstico. Os AA. são de opinião que o caso representa uma forma definida entre as displasias cutâneas do tipo mesenquinal, situando-se, neste grupo, ao lado dos fibromas, angiomas, etc. Nessa displasia mesodérmica, não foram observadas alterações da retina, nem sinais viscerais e neurológicos, que devem, entretanto, ser pesquisados.

Concluem os AA. que, às malformações por excesso ou falta do mesênquima vascular cutâneo (angiomas sistematizados, teleangiectásicos, nevos anêmicos), justapõem-se as moléstias caracterizadas por falta de elastina (pseudo-xantoma) e por hiperplasia das fibras lisas dos músculos erectores (leiomiomatose). Estas malformações estendendo-se certamente ao mesênquima de outros órgãos, sua determinação apresenta interesse para os neurologistas. Daí a necessidade de exames minuciosos, acompanhados de verificação histopatológica, uma vez que o processo pode estender-se a toda a musculatura lisa.

O. F. JULIÃO

HEMANGIOMA FACIAL E CONJUNTIVAL, CALCIFICAÇÕES CEREBRAIS, CRISES DE EPILEPSIA. MOLÉSTIA DE STURGE-WEBER (HÉMANGIOME FACIAL ET CONJUNCTIVAL, CALCIFICATIONS CÉRÉBRALES, CRISES D'EPILEPSIE. MALADIE DE STURGE-WEBER) . F. KELYNTJENS. Acta Neurol, et Psychiat. Belgica, 48: 111-115 (março) 1948.

Neste trabalho é relatada a observação de um caso de moléstia de Sturge-Weber apresentando, como características principais, angioma facial situado no território do ramo superior do trigêmeo esquerdo e dilatação angiomatosa na conjuntiva correspondente, aura visual precedendo as crises convulsivas, e ocorrência destas crises por ocasião de modificações circulatórias conseqüentes a mudanças de posição. O exame radiográfico do crânio revelou a existência de opacidade na região occipital, com o aspecto peculiar ao da moléstia de Sturge-Weber. O exame dos campos visuais evidenciou alterações do tipo hemianópsico, incompletas e irregulares, esboçando uma hemianopsia homônima direita. As crises epilépticas iniclavam-se geralmente por alterações visuais (obscurecimento da visão), seguindo-se sensação epigástrica desagradável, perda de consciência e crise tônico-clônica. As referidas alterações visuais, que parecem corresponder a uma aura do tipo sensorial, eram provocadas por mudanças de posição, jamais assumindo o caráter de fotopsias ou de alucinações organizadas; talvez resultem da acentuação dos distúrbios permanentes do campo visual, conseqüentes a alterações circulatórias ao nível das lesões produzidas por ocasião das modificações de posição.

O. F. JULIÃO

LOCALIZAÇÕES VERTEBRAIS DA FEBRE DE MALTA. DIOGO FURTADO E DOMINGOS MACHADO. Rev. de Clín. Hig. e Hidrol. (Lisboa), julho, 1945. Separata.

Os AA. abordam a questão das localizações vertebrais da febre de Malta, lembrando, inicialmente, que o estudo dêsse assunto não é recente, pois já fôra mencionado por Craig em 1903, mas que, só a partir de 1923, com os trabalhos de Roger e de Martin, adquiriu individualidade clínica. Referem-se às contribuições das escolas francesas, italiana e espanhola, preciosas para o esclarecimento da questão. Acreditam que o desenvolvimento tardio desse capítulo da patologia óssea vertebral seja devido ao emprêgo pouco freqüente dos raios X no estudo dos processos infecciosos. A sintomatologia dolorosa da coluna foi, por muito tempo, interpretada como algia melitocócica, do mesmo modo que as artralgias e as mialgias. Descrevem ràpidamente o quadro clínico da febre de Malta, lembrando que a complicação vertebral se apresenta, freqüentemente, no declínio do período febril, ou mesmo mais tarde. Sua incidência é relativamente elevada, em 25% dos casos. Quanto à localização mais comumente verificada na coluna é na região lombar, seguindo-se a região sacra, sendo raras as localizações dorsal e cervical.

Os autores classificam as localizações vertebrais da melitococcia em 3 grupos anátomo-clínicos: 1) Reumatóide melitocóccico, que surge em pleno período febril, caracterizando-se por dores múltiplas e erráticas; trata-se de um processo alérgico, que tem como substrato uma sinovite congestiva. 2) Reumatismo melitocócocio, que é uma espondilite, espondilartrite ou espondilartrose melitocóccica, caracterizando-se por dôres intensas e dificuldade de movimentação da coluna, dor à compressão das apófises espinhosas das vertebras comprometidas. Sua cura se processa cem relativa rapidez e facilidade. O substrato anatômico dessa entidade é o de tôdas as artrites ou artroses vertebrais, com osteoporose mais ou menos pronunciada, atingindo, por vêzes, todo um segmento vertebral. As vértebras se achatam, assumindo a configuração em ampulheta. É comum a calcificação de ligamentos. O osteófito é a lesão mais freqüente, chegando a formar pontes entre vértebras vizinhas. 3) Osteomielite melitocóccica; é o grupo que possui individualidade clínica e radiológica e onde predominam as lesões do corpo vertebral. Há deformação do corpo vertebral e o disco, que também participa do processo inflamatório, estreita-se. Às vêzes, há formação de abscesso ossifluente, que não se fistuliza e evolui para a cura. Conseqüentes a essas alterações, há deformação da coluna com possível compressão de raízes nervosas ao nível dos buracos de conjugação. O quadro clínico da osteomielite melitocóccica constitui-se de dôres violentas na coluna, que se exacerbam pelo esfôrço e movimentos, anemia ligeira, emagrecimento, suores, astenia, hepato e esplenomegalia. A confirmação diagnóstica é feita pelo laboratório. No início da moléstia não são observadas modificações vertebrais aos raios X, apesar das dôres intensas na coluna. Posteriormente, aparecem os aspectos de espondilite ou de espondilose com osteoporose, formações osteofíticas e o sinal considerado como característico pelos autores espanhois: a epifisite do ângulo ântero-superior do corpo vertebral. Em casos muito avançados pode haver fusão de vértebras contíguas. As perturbações neurológicas observadas são as radiculalgas uni ou bilaterais. A compressão medular não é freqüente. O exame do liquor revela um quadro de hipercitose de tipo linfocitário, hiperalbuminose discreta, curvas coloidais, às vêzes de tipo luético, e exame bacteriológico positivo. O prognóstico é benigno. Evolução para cura. O tratamento consiste, essencialmente, em repouso e imobilização, além do tratamento etiológico, que é feito pela vacinoterapia intravenosa em doses progressivas. As sulfapiridinas têm provado bem. Os AA. ilustram o trabalho com a apresentação de dois casos por êles observados e que evoluíram para a cura.

CELSO PEREIRA DA SILVA

SEMIOLOGIA

HIPOPALESTESIA. DEPRESSÃO DA APRECIAÇÃO VIBRATÓRIA NOS TRAUMAS E OUTRAS CONDÇÕES MÓRBIDAS; NOTA PRÉVIA. (PALLHYPESTHESIA. DEPRESSION OF THE APPRECIATION OF VIBRATION IN TRAUMA AND IN DISEASE; A PRELIMINARY REPORT). S. GOLELATT. Arch. Neurol, a. Psychiat., 59: 292-301 (março) 1948.

Trata-se de mais um trabalho demonstrando a freqüência com que se observa dissociação entre as sensibilidades vibratória e segmentar. O A. examinou 200 doentes com um diapasão igual ao ideado por Roth; trata-se de um aparêlho em que se produzem vibrações padronizadas com 70 decibéis de energia e 128 dv/s, com um tempo de decréscimo uniforme; é estudado o tempo de percepção das vibrações, estabelecendo-se os padrões fisiológicos. Roth verificou nível de percepção patológico nos traumatizados do crânio; nos psiconeuróticos de guerra, entretanto, a palestesia era normal, o que pode servir de critério diferencial. Igualmente, o A. observou hipopalestia em 75% dos casos de trauma craniano seguido de inconsciência, mesmo quando ocorridos vinte anos atrás; a percentagem de hipopalestia alcançou 100% nos doentes expostos a explosões (blast) com otoríno e bucorragias. Além disso, diminuições da sensibilidade vibratória foram verificadas em todos os casos de hipotirecidismo não tratado e no linfogranuloma venéreo. Em relação à sífilis, são interessantes as observações do A.; a hipopalestesia foi encontrada, não só nas formas nervosas, mesmo "assintomáticas", como em casos de lues primária. O A., nestes casos, encontrou sempre normal a sensibilidade segmentar. Por outro lado, as melhoras da palestesia observadas na neuranemia, polineurite alcoólica, hipotireoidismo, após o tratamento, mostram que, nem sempre, são irreversíveis as lesões ocasionadas por essas moléstias, além disso, nelas e na lues, as modificações terapêuticas da sensibilidade vibratória têm valor prognóstico.

A. CANELAS

SÔBRE O REFLEXO DO TENSOR DA FASCIA LATA (ON THE TENSOR FASCIAE LATAE REFLEX). EJNER PEDERSEN. Acta Psychiat. et Neurol. Scandinavica, 23-1/2: 113-138, 1948.

O A. define o reflexo do tensor da fascia lata (RTFL) como sendo a contração involuntária do músculo TFL em resposta a um estímulo cutâneo. Essa resposta também pode ser obtida pela percussão do tendão de inserção ou no periósteo, mas êstes reflexos, do tipo osteotendinoso, não foram estudados, por divergirem da definição original de Brissaud.

O A. estuda, inicialmente, a anatomia do TFL, derivado do grupo glúteo e inervado por L4-L5. Na revisão histórica, após citar o trabalho de Brissaud em 1895, o A. refere que Munch-Petersen já presumia que o TFL cooperava no movimento de defesa e retração do pé do qual o reflexo cutaneoplantar é um dos componentes; segundo Croeq, o RTFL constituia a primeira resposta no estado de automatismo espinal e, como podia ser encontrado mesmo em casos de secção transversa da medula, com arreflexia profunda e superficial e como se exaltava do lado hemiplégico, êsse autor lhe atribuiu um centro medular. Êsses fatos não foram confirmados por outros autores, que verificaram grande varlabilidade do reflexo. Dejerine afirmou que o RTFL não deve modificar-se no caso de existir sinal de Babinski.

O A. examinou 100 indivíduos normais, com idades variando entre recém-nascidos e octagenárior. Refere os cuidados tomados na escolha do material e na técnica semiológica. A zona reflexógena por excelência é a borda interna do pé. De 75 indivíduos com mais de um ano, em 73 o reflexo estava presente. A fadiga do reflexo é discreta e comparável à do patelar. O A. não observou sempre a presença simultânea dos reflexos do TFL e cutaneoplantar, nem conexões entre aquêle e os osteotendinosos. O reflexo estava vivo nas 25 crianças com menos de um ano e se acompanhava do sinal de Babinski.

O A. estuda depois o RTFL em várias condições mórbidas: neuropatias periféricas (nos casos de lesão da via motora ou sensitiva, êle não se manifestou), miopatias (o reflexo variou de acôrdo com o grau de amiotrofa), mielopatias (em casos de compressão medular acima do centro de reflexo, êle está presente, às vêzes com aumento da área reflexógena, mesmo que não existam reflexos osteotendinosos; em casos de mielite transversa, o RTFL é um dos primeiros a reaparecer, precedendo o sinal de Babinski e os reflexos profundos), hemiplegias espásticas (o RTFL estava vivo em 66% e diminuído em 16%, enquanto que os abdominais estavam abolidos em 77%), esclerose em placas (presente nos casos espásticos), parkinsonismo (o RTFL estava vivo e, nos casos de hemiparkinsonismo, era mais nítido do lado da rigidez) e em casos de neuropatias diversas.

Entre as conclusões, destacam-se: o aparecimento do RTFL pela excitação de outras zonas que não a planta do pé indica lesão piramidal e, nesses casos, pode ser provocado nas mesmas regiões que o sinal de Babinski; nos casos de espasticidade, é grande a diferença de comportamento entre o RTFL e os abdominais; em casos de síndrome de secção da medula, o RTFL é o primeiro a retornar, sendo que nunca deixou de ser encontrado nos casos de preservação dos reflexos profundos; o RTFL deve ter um centro medular, e alguns fatos (como a conexão entre sensação e reflexo) falam em favor da existência de outro centro cortical. O A. se propõe a estudar o assunto pela eletromiografia; não faz referência à cronaxia.

H. CANELAS

SÍNDROME CELEBELAR DE ORIGEM FRONTAL. VALOR DAS REGRAS APLICADAS AO DIAGNÓSTICO DE LATERALIZAÇÃO DA LESÃO FRONTAL (SYNDROME CÉRÉBELLEUX D'ORIGINE FRONTALE. VALEUR DES RÈGLES APPLIQUÉES ALT DIAGNOSTIC DE LATÉRALISATION DE LA LESION FRONTALE). C. FERRERO E J. P. DORET. Monatsschr. f. Psychiat. u. Neurol., 116: 364-384, (dezembro) 1948.

Os autores documentam seu trabalho com três quadros nos quais incluem primeiramente as doutrinas e regras estabelecidas por vários estudiosos para precisar o lado da lesão, as quais são geralmente contraditórias. A seguir, relatam os resultados das experiências de fisiologia e, finalmente, apresentam dados anátomaclínicos de 117 observações de lesões frontais, puras ou predominantemente puras, que provocaram sinais cerebelares ou vestibulares; o diagnóstico foi confirmado pela neurocirurgia ou pela anatomia patológica. Detendo-se particularmente nesses últimos 117 casos, já que os dados correspondentes aos outros autores não permitem, pela sua discordância, diversidade de métodos, falta de referência à topografia das lesões, à sua natureza e possíveis suplências, os autores chegam a uma série de conclusões interessantes. Estabelecido que a síndrome cerebelovestibular varia segundo as observações e durante a evolução em um mesmo caso e que os sintomas traduzem um conjunto dependente da topografia da lesão, de sua natureza irritativa ou destrutiva, da repercussão à distância e de fenômenos de suplência, pensam ser impossível estabelecer regras precisas para determinar o lado da lesão frontal, havendo poucos elementos de algum valor diagnóstico. Assim, os sinais de Romberg, dismetria, adiadococinesia, hipotonia, são mais freqüentemente contra laterais, mas podem ser ipsilaterais. A ataxia é freqüente e igualmente ipsi e contra-lateral. Não há dados para avaliar o valor da prova de Delmas-Marsalet - desvio da marcha para o lado da lesão após rotação - nem da discordância do desvio do indicador e da marcha sem contrôle visual, como elementos úteis ao diagnóstico. Acessòriamente, a diminuição da fôrça muscular dos membros e paresia facial supra-nuclear são sintomas contralaterais de certo valor para o diagnóstico da sede da lesão.

J. A. CAETANO DA SILVA JR.

EXAME OBJETIVO DE FUNÇÃO RETINIANA PELA ELETRORRETINOGRAFIA NUM CASO DE ESTREITAMENTO CONCÊNTRICO DO CAMPO VISUAL (EXAMEX OBJECTIF DE LA FUNCTION RÉTINIENE PAR LELETRORETINOGRAPHIE DANS UN CAS DE RÉTRÉCISSEMENT CONCENTRIQUE DU CHAMP VISUEL). M. Monnier e M. Amsler. Confinia Neurológica, 8, fasc. 4, 1947-1948.

Os AA. relatam o caso de uma mulher de 53 anos que, em seguida a um acidente, sem traumatismo direto do crânio, apresentou cefaléia, vertigens, diminuição da memória, excessivo nervosismo e fatigabilidade, insônia, dificuldade em se exprimir, hiperacusia e crises de sudoração. Do ponto de vista ocular, moscas volantes, dificuldade em manter esfôrço na leitura, insuficiência de convergência, "acomodotonia", acuidade visual central instável. O sintoma mais importante era uma retração concêntrica bilateral do campo visual, variável conforme os dias, porém nunca passando 60° da cota temporal e 35° da cota nasal. Objetivaram pela eletrorretinografia a receptividade desta retina, principalmente do campo periférico, "cego" ao exame perimétrico; para isso usaram técnica simplificada, idealizada por Boehm, Sigg e Monnier (1944) nos animais e por Monnier e Boehm (1945) no homem, porém não a descrevem, relatando a análise do traçado feito da paciente, em relação aos traçados de duas testemunhas normais, que foi o seguinte: 1) iluminação do campo periférico da retina nasal direita, na zona considerada subjetivamente "cega", provocou na paciente um ERG de fases positivas mais ampla que a dos indivíduos normais. É o caso de potencial de duração e amplitude semelhante àquele do fenomeno psicogalvânico; 2) a iluminação do campo periférico da retina temporal direita, na zona considerada "cega" subjetivamente, provocou igualmente um ERG mais amplo na paciente que na testemunha, sobretudo no que concerne aos potenciais positivos. 3) a iluminação do campo central da retina direita provocou um ERG de aspecto normal na paciente, porém, na testemunha, provocou reações palpebrais de defêsa, tão violentas que o ERG mostrou um desvio inutilizável.

Pela análise destes traçados, os AA. concluem que a retina que, ao exame perimétrico, apresentava uma retração concêntrica do campo visual, manifestava, ao contrário, pelo ERG, uma receptividade normal, mesmo exagerada, naquelas zonas ditas "cegas"; o desenvolvimento considerável do potencial positivo indica que as excitações retinianas são descarregadas normalmente pelo nervo óptico. Por outro lado, baseando-se neste traçado normal quanto à excitabilidade e receptividade, esperavam encontrar, por parte da paciente, sensação intensa de defêsa, mas obtiveram resultado inverso. Baseados neste último fato - excitabilidade e receptividade normais e ausência de reações de defêsa - crêem que a paciente se comporta como se as excitações retinianas, descarregadas normalmente no nervo óptico, não se propagassem aos centros de percepção visual e nem aos centros motores de defesa. As excitações ópticas seriam bloqueadas em um ponto situado entre o nervo óptico e o centro cortical da visão; tal bloqueio pode ter-se dado ao nível do diencéfalo (corpos geniculados externos, pulvinar) ou ao nível dos neurônios ópticos terminais, no lobo occipital. Um bloqueio ao nível cortical parece, todavia, mais provável, pois o reflexo fotomotor, organizado no mesencéfalo, estava conservado. A diminuição considerável do reflexo de piscamento fala em favor do bloqueio cortical, pois aí tem este reflexo a sua organização, como outros reflexos cutâneos de defesa.

HARRY B. DINIZ

ELETRENCEFALOGRAFIA

TUMOR INTRACRANIANO LOCALIZADO ELETRENCEFALOGRÀFICAMENTE POR UM ESQUEMA TRIDIMENSIONAL (INTRACRANIAL NEOPLASM LOCALIZED ELETROENCEPHALOGRAPHICALLY BY THE USE OF A THREE-DIMENSIONAL SCHEMA). R. C. BASSET E B. BAGCHI. J. Neurosurg., 5: 298-306 (maio) 1948.

Com o intuito de exemplificar em detalhes as suas novas técnicas de localização de tumores intracerebrais pelo esquema tridimensional, os AA. relatam êste caso clínico-cirúrgico. Tratava-se de um homem de 52 anos, que foi internado com história de cefaléia e diminuição progressiva da vivacidade intelectual há 4 meses, tendo tido uma crise convulsiva de tipo GM. Ao exame, mostrava-se confuso, desorientado, com evidentes distúrbios de memória, apresentando períodos de melhora durante os quais se mostrava apreensivo. Não havia distúrbios de tipo afásico. Neurològicamente, edema de papila bilateral e pequeno tremor peribucal; so restante, todo o exame era normal. O exame eletrencefalográfico sozinho - permitiu elementos de diagnóstico de tumor comprimindo o lobo frontal E, com limite na zona pré-motora, limite medial na linha mediana e lateralmente não comprometendo o lobo temporal. Êsse exame foi feito com 8 eletrodos em colocação habitual e 17 outros colocados de acôrdo com as necessidades do exame deste caso, utilizando-se as tomadas de rotina e mais as de eletrodo-vértex ligado em "push-pull" com as mais várias radiais sôbre as zonas suspeitas, as do vetor mediano ao eledrodorsal e as de exame em base de uma e outra orelha separadamente. O comportamento do ritmo delta nessas diversas tomadas, permitindo traçar os vetores em um âmbito tridimensional, permitiu aquela conclusão localizatória. Sem qualquer outro exame subsidiário, foi o paciente operado, sendo retirado. integralmente, um meningioma de 120 gramas, da convexidade frontal, situado justamente sob as áreas delimitadas pelo eletrencefalograma. No dia seguinte, o paciente já se sentava e deixou o hospital 14 dias após, voltando a trabalhar depois de 30 dias. O único elemento neurológico pós-operatório foi afasia de expressão, que regrediu por completo em duas semanas.

O caso assim exposto mostra o futuro do exame eletrencefalográfico, que virá possibilitar, na maioria dos casos, um diagnóstico localizatório preciso por um método inteiramente inofensivo ao paciente. O caso em aprêço é exposto com abundantes detalhes eletroncefalográficos - esquemas, traçados e legendas - o que permite ao leitor compreender perfeitamente a marcha do raciocínio dos examinadores.

P. PINTO PUPO

DISCUSSÃO SÔBRE O ELETRENCEFALOGRAMA NAS MOLÉSTIAS ORGÂNICAS DO ENCÉFALO (DISCUSSION ON TH E ELECTRO-ENCEPHALOGRAM A IN ORGANIC CEREBRAL DISEASE). Proc. Roy. Soe. Med. (Section of Neurology), 41: 238-250 (abril) 1948.

Em reunião especial para se discutir o estado atual da eletrencefalográfia em face das afecções orgânicas cerebrais, falaram W. G"ey Walter, Denis Hill e Denis Williams. W. G. Walter, iniciador da eletrencefalografia no diagnóstico dos tumores cerebrais há 12 anos, fêz um retrospecto dos progressos do método nesse lapso de tempo, dividindo sua preleção em 3 capítulos. No primeiro, abordou os progressos técnicos: o uso de eletrencefalógrafos de 3 canais, de 6 (que reputa o ideal) e, mais recentemente, de 10 e mesmo de 12 canais; o toposcópio, espécie de écran luminoso reproduzindo a topografia cranio-encefálica do paciente, onde, por artifícios de lipação, se projetam de forma luminosa certas descargas elétricas focais, dando ao observador a ilusão de estar olhando diretamente a atividade elétrica cerebral do paciente; o analisador automático, que, não só realiza a dissociação de ondas complexas pondo em evidência componentes não suspeitados à observação direta, como tem a vantagem da análise quantitativa das freqüências; a tendênca atual a incluir no traçado do EEG o registro de outros fatôres fisiológicos, como atividade cardíaca, respiratória, muscular, pressão arterial, resistência da pele, com finalidade de correlação direta entre alterações nervosas e somáticas; finalmente, aborda as limitações impostas pelo exame através do crânio fechado, o que dificulta em muito o conhecimento da atividade elétrica de formações cerebrais profundas, e assinala os resultados satisfatórios com o eletrodo-agulha, em exame intracranial, ou com as tomadas ordinárias nasal e faríngea. No capítulo 2, discorre sôbre as alterações eletrencefalográficas sugestivas de lesão cerebral. São elas: 1) Os ritmos lentes (ondas δ) que analisa, inclusive experimentalmente, como dependentes de sistemas profundos funcionando anormalmente. Clinicamente, tem valor a análise de sua amplitude (tanto maior quando maior a área afetada), freqüência (as mais lentas condizem com lesão mais aguda e mais recente), forma (irregular, polirrítmica, não harmônica, quando próximas ao foco lesional; regular, nas áreas do hemisfério oposto, ou bilateral em lesão profunda), persistência (persistente próximo à lesão, inconstante nas áreas contralaterais) e topografia (difusas nas intoxicações ou na hipertensão intracraniana; focais ou restritas a determinadas áreas, com grande valor no diagnóstico de foco lesional). 2) A atividade θ (freqüências na faixa 5-6 c/s.) Inicialmente, descrita em caso de tumor cerebral profundo, dencefalico, hoje já é relacionada também a certos estados funcionais, sendo estritamente correlacionada a distúrbios das relações entre córtex e núcleos basais (envolvimento de estruturas córtico-tálamo-hipotalâmicas). É particularmente importante o seu estudo em crianças, em exames seriados, assim como em lesões cerebrais agudas (traumas), para se observar a progressão ou regressão dos distúrbios então existentes. 3) As variações do ritmo a, de interpretação por vêzes muito difícil, pois há pessoas normais que não o apresentam, outras em que êle não é bloqueado pelos estímulos normais (visual, atenção, etc), assim como, no extremo oposto, essa ausência pode significar destruição cortical, ou pode aparecer em certos estados psicóticos uma persistência contínua de tais ritmos; intermediárias entre êsses estados extremes, há as variações de freqüência, de simetria, de sincronismo, de resposta aos estímulos, dentro do ritmo a normal. 4) Outras ocorrências anormais são os spikes, focais ou bilaterais, condizendo com irritação cortical (freqüentes nos traumas cerebrais, trauma de parto), os complexos wave and spike (não síncronos e bilaterais como no petit mal), geralmente de valor localizatório focai, muito mais comuns em indivíduos jovens.

Com um material de 144 casos neurológicos, excluindo tôdas as "space-occupying lesions", Denis Hill aborda um problema algo nevo na literatura da cletrencefalografia, e o faz de maneira muito objetiva, quer comparando os tipos de alterações no EEG com o tipo de afecção, quer correlacidnando-as com lesões de determinados sistemas. Em 45% do total de seus casos, o EEG estava alterado e. dêstes, a grande maioria esteve entre os processos inflamatórios e agudos (P. G. P., outras encefalites, disturbios circulatórios cerebrais na fase aguda, e estados senis e pré-sen's em fase aguda, evolutiva), em contraposição ao que se passou nos estados degenerativos. A degeneração do sistemas extrapiramidais, cerebelares ou cordonais medulares não alterou o EEG (parkinson, coreatetose, agenesias cerebelares, enfermidade de Friedreich, tabes). Já 5 entre 6 casos de coréia de Huntigton apresentaram alterações sérias, talvez mais pelas lesões corticais cerebral. Os tipos de alterações encontradas no EEG foram: ondas lentas (ritmo δ ) intensas e generalizadas, nos estados inflamatórios ou hipertensivos, ou focais. nas lesões corticais fecais; ritmo θ nos casos pós-encefalíticos com graves distúrbios de comportamento (lesões diencefálicas); ritmo a lento. nos processos corticais crônicos, ausência de atividade rítmica nas lesões corticais atróficas graves. Analisando em conjunto êsses resultados e comparando-os com cutros clínicos e experimentais. Denis Hill traça um esbôço da fisiopatologia de determinados ritmos eletrencefalográficos, mostrando o grande avanço já conseguido por tais estudos no conhecimento mais profundo da fisiopatologia cerebral.

Indo além dos que o precederam, Denis Williams se propôs a discutir o papel do EEG no diagnóstico da natureza da lesão cerebral. Como preliminar, lembra que as alterações reveladas pelo EEG traduzem a extensão e a intensidade do sofrimento cerebral, sem relação direta com o fator lesional e acentua que o EEG, como qualquer outro exame clínico ou paraclínico, não pode ser apreciado isoladamente, mas sim em conjunto cem os dados clínicos, patológicos, radiológicos, etc., procurando, a seguir, mostrar, em uma série de exemplos muito sugestivos, que, tanto o EEG normal, como o patológico, podem ser diferentemente interpretados, de acordo com o caso clínico. Entre êsses, anotemos alguns. 1) Quando sintomas e sinais algo acentuados persistem após um trauma crânio-encefálico, o EEG normal pode ccorrer em casos com lesões já cicatriciais e, portanto, de prognóstico sombrio, ou quando tais distúrbios não são lesionais, e sim puramente neuróticos, envolvendo, pois, orientação completamente diversa ao caso em questão. 2) Se um EEG normal é encontrado em caso suspeito de lesão em ambos hemisférios cerebrais, o abscesso pode ser definitivamente afastado, assim como os tumores de rápido crescimento, embora esta eventualidade possa coincidir com enfermidade de Alzheimer ou arteriosclerose cerebral de lenta evolução. 3) Em caso suspeito de lesão em um hemisfério, a ausência de atividade elétrica cerebral local pode ocorrer em fase de completa destruição do tecido nervoso ou em ausência de lesão dêsse tecido, respectivamente, por exemplo,, nos cistos porencefálicos ou em meningiomas de crescimento muito lento. 4) Os episódios de ondas rápidas bilaterais podem corresponder a epilepsia, a estados sincopais, a intoxicações, particularmente pelo medinal, ou os de ondas lentas ou podem com determinados estados epilépticos, com distúrbios de consciência, com sono normal ou em certas psicopatias. ou ainda ser resultante de hipertensão intracraniana. Em todas essas eventualidades compete ao clínico, de posse dos dados da anamnese, do exame clínico e dos demais exames paraclínicos, resolver o problema diagnóstico. Denis Williams, como clínico, chama a atenção para se evitar, com a eletrencefalografia, exageros de interpretações diagnósticas que têm sido comuns a muitos outros métodos de exames paraclínicos, fazendo ver que, em todos êles, os resultados só podem ser interpretados em estrita consonância com os dados clínicos.

P. PINTO PUPO

NOVAS TÉCNICAS ELETRENCEFALOGRÁFICAS PARA LOCALIZAÇÃO DE LESÕES INTRACRANIANAS (SOME ADDITONAL ELECTROENCEFHALOGRAPHIC TECHNIQUES FOR THE LOCALIZATION OF INTRACRANIAL LESIONS). B. K. BACCHI E R. C. BASSET. J. Neurosurg., 4: 348-369 (julho) 1947.

Bagchi e Basset (que já têm um acêrvo de 300 casos examinados, dos quais 193 tumores verificados), pesquisando, raciocinando e construindo esquemas tridimensionais, criaram novas técnicas que realmente são um progresso à semiologia. O segredo da localização eletrencefalográfica dos tumores intracranianos - dizem êles - não está no número dos eletrodos a ser colocados no crânio, mas na sua localização. É importante evidenciar as ondas patológicas oriundas dos tecidos lesados e, depois, com combinações adequadas de eletrodos, procurar pô-las em destaque para saber o local de sua maior intensidade, a orientação de sua difusão e a extensão das zonas de origem. O sucesso desta empreitada é um problema exclusivo do cuidado com que se procede ao exame, e das variações de exames procurando os elementos básicos para se construir os esquemas completos de localização. Antes de tudo, têm de ser eliminados ou corrigidos todos os elementos que podem trazer falsa interpretação, sejam os artefatos técnicos e os fisiológicos, sejam os efeitos da distância intereletrodos sôbre a diferença de potencial a ser registrado, ou os efeitos da difusão das ondas de alto potencial a áreas homólogas, vizinhas ou distantes, ou os surtos de ondas tipo δ bilaterais, como elemento epiléptico endógeno, ou ainda os efeitos secundários da hipertensão intracraniana. Essa localização visa, precipuamente, a lateralização do foco, a determinação de sua extensão tridimensional, ou o envolvimento parasagital e o tamanho e natureza da lesão. Para tanto, o examinador, tal como no exame clínico-neurológico, procura comparar de início as áreas homólogas de ambos hemisférios, depois estas com as distantes, depois as lesadas com as não lesadas, intentando construir os planos (frontais, sagitais, horizontais) dentro dos quais se projetará o esquema localizatório. Neste sector é que as técnicas de Bagchi e Basset constituem utilíssima inovação.

Técnica 1 - Após o exame de rotina, com 8 eletrodos, em tomadas uni e bipolares, sendo uma destas em plano frontal bi-auricular, iniciam a primeira técnica especial. Constitui ela, inicialmente, num exame como o de rotina, diferindo em que não estão mais ligadas as duas orelhas em paralelo (fio terra), mas o exame é feito separadamente em relação a cada uma delas. Com êste artifício de exame, os traçados das áreas do hemisfério oposto refletem, não a diferença de potencial entre elas e o eletrodo-base, mas também os potenciais intracerebrais abrangidos na linha vetera que liga essas áreas à orelha do lado oposto. A comparação dos traçados em relação à orelha D e E proporciona elementos sôbre a eletrodinâmica do interior do cérebro. É êste o primeiro método de exame que inclui o raciocínio da terceira dimensão na localização eletrencefalográfica, e que pode ser conseguido com a projeção gráfica de cada um dos planos vetores assim determinados. Por outro lado, a comparação entre os traçados das áreas mais frontais e das mais occipitais, obtidos em relação a cada orelha, permite igualmente uma idéia a respeito da extensão anterior e posterior do foco lesional. Ainda mais, o traçado de áreas cerebrais em relação à orelha ipsilateral permite a eliminação, por vêzes parcial, dos distúrbios eletrencefalográficos bilaterais de certos tumores profundamente situados, em particular nos tumores dos lobos temporais, fato este que constituia, até então, séria dificuldade na prática eletrencefalográfica. Temos, assim, um novo fator de lateralização de certas ondas lentas aparentemente bilaterais. Essa técnica tem particular aplicação nos casos de tumores frontais profundos e tumores temporais. Nos primeiros, permite a lateralização do ritmo δ que, com as demais técnicas, usualmente aparece bilateralmente, pois, só quando os eletrodos ativos estão ligados com exclusividade à orelha do lado oposto ao tumor, êles podem transmitir variações de potencial livres da contaminação dos potenciais anômalos que lhes são impostos pela orelha ipsilateral ao tumor. Nos tumores temporais, igualmente, a orelha ipsilateral deixa de ser um ponto neutro para se tornar um eletrodo ativo devido a sua proximidade a áreas cerebrais lesadas - sede de grandes variações de potencial - e assim só a ligação com a orelha contralateral permite traçados puros das demais áreas.

Técnica 2 - Eletrodo nasal em ligação bipolar (push-pull) com outros eletrodos medianos e eletrodos em ambos hemisférios. O eletrodo nasal, de situação mediana e eqüidistante dos demais simetricamente colocados sôbre os hemisférios, serve de base ideal para comparação de tais áreas, lateralizando a suspeita. As lesões profundas, frontais, parietais ou mesmo na fossa posterior, dão ondas lentas nos eletrodos da linha mediana ligados ao eletrodo nasal. Basta a comparação do traçado entre cada um deles para localização do foco no eixo anteroposterior do crânio. Quando uma lesão é frontal, a ligação simultânea des um eletrodo frontal com o nasal no 1.° canal, com a orelha ipsilateral no 2.° e com um outro em região posterior no 3.° canal, dá elementos gráficos cuja comparação permite ótima conclusão localizatória em relação à proximidade dos pontos de referência, isto é, um raciocínio tridimensional simultâneo. Os tumores parasagitais têm, com êste proceder, o melhor método para um estudo topográfico. A adição de eletrodos zigomáticos ligados ao das orelhas e ao nasal, vem possibilitar a adição de um plano horizontal ao esquema do exame com o eletrodo central mediano, dando ao conjunto um caráter tridimensional direto. O ponto lesional profundo pode ser tomado aí, geomètricamente, como um ponto no centro de uma esfera cujos vetores têm seus pontos de projeção correspondentes na superfície ; bastará a medida dos respectivos ângulos para determiná-los. Se bem que a cabeça não seja uma esfera, serve a figura para base de raciocínio localizatório.

Técnica 3 - Tomada bipolar comum na base de um eletrodo mediano central, interparietal. Contanto que não esteja aí o foco lesional, êsse eletrodo, ligado simultaneamente a tantos outros pontos simétricos no crânio, constitui base ideal para a comparação da atividade elétrica de cada um dêles, assim como para localização mais anterior ou mais posterior, mais mediana ou mais lateral, do foco lesional. Ainda mais, em combinações apropriadas, pode êste método ultrapassar os resultados dos exames bipolares em planos transversais, pois que ele permite um julgamento, não só neste, como simultâneamente nos planos antero-posteriores. Constitui excelente meio auxiliar das demais técnicas, particularmente das técnicas 1 e 2.

Demonstrando o valor prático do que êstes métodos podem proporcionar, Bagchi e Basset terminam êste excelente trabalho com a exposição detalhada de alguns casos pessoais.

P. PINTO PUPO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1949
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org