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Contribuição para o estudo das psicoses atípicas: esquizofrenias com manifestações maníacas

Psiquiatra do Hospital de Juqueri

Muito longe estamos de encontrar, nos doentes mentais que costumamos examinar, quadros sintomáticos típicos, tais como os descrevem os manuais de psiquiatria. Pelo contrário, freqüentemente, ao mesmo tempo em que notamos a falta de alguns dentre os sintomas característicos de determinado estado mórbido, verificamos manifestações peculiares a outra entidade nosológica, o que vem tornar atípico o quadro mental deparado. Assim, por exemplo, encontram-se, em certos pacientes maníaco-depressivos, fases com acentuado colorido paranóide ou com alucinações auditivas nítidas; alguns epilépticos apresentam estados crepusculares muito semelhantes a um surto esquizofrênico ou, até, a uma fase maníaca; esquizofrenias há que, à primeira vista, dão a impressão de melancolia ansiosa.

No presente trabalho vamos abordar, ràpidamente, o estudo das esquizofrenias com manifestações maníacas, de grau variável.

Costumam os autores considerar quatro formas de esquizofrenia: simples, paranóide, hebefrênica e catatônica. Enquanto que, na primeira (forma simples), a personalidade é atingida em seu conjunto, nas outras, o comprometimento do psiquismo é mais evidente em um determinado setor: intelectual1 1 Mais exato seria restringir o predomínio destes distúrbios à "percepção e interpretação da realidade", pois, quanto ao "curso do pensamento", as alterações (desagregação ideativa) são mais evidentes nas hebefrenias. , nas formas paranoides, afetivo, nas hebefrênicas e conativo, nas catatônicas.

Para Kleist, a verdadeira esquizofrenia (esquizofrenia em sentido estrito) é o "embotamento incoerente" (inkohärentes Verblödung) que leva, mais ou menos rápida e irrevogavelmente, a um embrutecimento global da personalidade. As três formas acima referidas - paranóide, hebefrênica e catatônica - seriam formas marginais da esquizofrenia (entendendo-se por psicose marginal aquela em que a constelação mórbida hereditária sofreu atenuação).

Nas hebefrenias há, como foi dito, predominância dos sintomas no setor afetivo. Particularmente em alguns casos (subforma pueril, "lappisch", já descrita por Kraepelin), encontramos sinais abundantes de liberação afetiva - risos, cantos, exageros, caretas, gestos múltiplos - tudo, porém, executado de maneira inadequada, saltuária, sem nexo, sem conteúdo lógico (o que permite o diagnóstico diferencial com a mania).

Bleuler1 estendeu muito os limites das hebefrenias, nelas incluindo todas as formas clínicas de esquizofrenias não bem enquadráveis nos outros três grupos, principalmente as esquizofrenias atípicas, com manifestações maníacas, depressivas, histéricas, compulsivas, etc.

Entre as diversas formas de esquizofrenia, é, portanto, a hebefrênica a que melhor se presta à possibilidade de confusões com a mania. Num primeiro grau, pelos referidos sintomas de liberação afetiva que a aproximam da psicose maníaco-depressiva, psicose afetiva por excelência ou "timopática" (Bumke) ; num grau mais avançado, pelos sintomas manifestamente maníaco-depressivos que pode apresentar devido à coexistência de elementos heredológicos circulares.

A intensidade das manifestações maníacas nas esquizofrenias depende do grau de intersecção e de atenuação de ambas disposições, esquizofrênica e maníaco-depressiva. O gráfico abaixo mostra como, entre os dois extremos - esquizofrenia pura (ou inkohärentes Verblödung, de Keist) e mania pura - podemos encontrar uma série de quadros intermediários em que os componentes maníacos e esquizofrênicos se distribuem em proporções variáveis, aumentando uns enquanto diminuem os outros.

Afastando-nos do polo esquizofrênico (embotamento incoerente) em direção ao polo maníaco-depressivo, encontramos, em primeiro lugar - ainda dentro das esquizofrenias - a hebefrenia, que já apresenta, com a mania, a semelhança de evoluir, em geral, por surtos e de manifestar sintomas predominantes no campo afetivo (liberação afetiva, cfr. hebefrenia pueril). A seguir, as esquizofrenias (hebefrenias) vão-se tornando cada vez mais atípicas devido à acentuação dos traços maníacos. Quando, para a formação do quadro mental, são responsáveis, tanto os componentes hereditários esquizofrênicos, como os circulares, podemos falar de psicose mista. Finalmente, já para o lado do polo maníaco, encontramos as manias atípicas, no decurso das quais surgem algumas manifestações esquizomórficas (idéias delirantes, alucinações auditivas). Estas se devem a elementos heredológicos parciais esquizofrênicos, os quais, "mobilizados pela fase circular, atingem patoplasticamente o quadro clínico2.

Entre as formas intermediárias e junto às manias atípicas, pode ser situado o grupo paranóide das psicoses degenerativas, de Kleist2 2 Deve ser acentuado que Kleist usa o conceito "degeneração" em sentido oposto ao da antiga escola francesa. Esta se referia à degeneração da raça, agravando-se o estado patológico com as gerações sucessivas. Aquele refere-se à degeneração da tara, dos gens mórbidos; trata-se, portanto, de uma "auto-melhora da herança'', segundo Kleist. . Constituem, as psicoses degenerativas, aqueles distúrbios mentais atípicos e endógenos que apresentam, em comum com a psicose maníaco-depressiva típica, a periodicidade do curso e a curabilidade - espontânea e completa - das fases; mas que a ela se opõem por uma sintomatologia totalmente diversa. Alguns autores confundem as psicoses degenerativas com as manias atípicas; mas estas só devem ser diagnosticadas quando os sintomas básicos maníacos se dão simultaneamente de modo suficientemente pronunciado ou se acusam, por temporadas, de maneira a excluir qualquer dúvida.

Para melhor avaliação dos quadros mistos, intermediários entre a esquizofrenia e a mania, devemos acentuar que estas duas psicoses se diferençam mais ainda pelo decurso que pela sintomatologia e que ambas apresentam valor hierárquico diferente.

A psicose maníaco-depressiva não é doença com tendências progressivas, nem compromete o psiquismo de maneira irreversível, deixando deficits e sinais clínicos ou paraclínicos de alteração cerebral (nos casos em que isto acontece, há outra causa: em geral, arteriosclerose ou psicose involutiva). Já no processo esquizofrênico - que pode decorrer de maneira crônica e contínua ou por surtos - encontramos, sempre, a tendência a uma "peculiar destruição da personalidade" (Bumke), com comprometimento cerebral mais ou menos sério, revelável pelo exame clínico apurado e, principalmente, pelo teste de Rorschach (sinais lesionais, permanentes). Se bem a doença possa estacionar ou, mesmo, regredir, provavelmente jamais dá lugar à restitutio ad integrum1 (cura com defeito, Heilung mit Defekt), apesar de se poder falar em remissões sociais (E. Meyer).

Podemos dizer que a psicose maníaco-depressiva é uma psicose mais "funcional" e a esquizofrenia, mais "lesional". Esta é contínua; aquela, fásica. Quando coexistem as duas, ainda mesmo que a mania dê o colorido principal à fachada sintomática, quem domina e toma o bastão é a esquizofrenia. Por isso, para o critério de classificação, podemos, com Bleuler, incluir nas esquizofrenias (hebefrenias) os casos mistos, cuja evolução é de feitio esquizofrênico, levando a um "defeito"; pois, em relação à gravidade e profundidade da psicose, a esquizofrenia é hierarquicamente superior à mania. Aqueles casos em que os elementos (parciais) esquizofrênicos são mobilizados apenas durante a fase circular, com restitutio ad integrum nos intervalos, são incluídos, não nas esquizofrenias - visto faltarem seus característicos essenciais, tais como a tendência destrutiva e a continuidade - mas nas manias (atípicas) ou no grupo das psicoses degenerativas, segundo existam ou não sintomas básicos maníacos.

Podemos, portanto, esquematizar tôdas as possibilidades estudadas3 3 Deixamos de estudar, no presente trabalho, por terem constituído assunto de outra comunicação, as parafrenins, que, no ver de muitos autores, seriam meros processos esquizofrênicos em personalidades de constituição mais resistente devido à herança circular. Principalmente na parafrenia expansiva, se acentuam os elementos maníacos, tratando-se então, com freqüência, de uma psicose mista. Não abordamos, também aqui, aqueles casos em que a herança circular apenas torna o terreno mais resistente ao processo esquizofrênico, sem produzir sintomas próprios à psicose maníaco-depressiva; tal seria o caso de muitas parafrenias (não expansivas). , entre a esquizofrenia e a mania, do seguinte modo: 1) Esquizofrenias: a - eimbotamento incoerente (Kleist); b - hebefrenia típica (pueril) ; c - hebefrenia com elementos maníacos (hebefrenia atípica); d - hebefrenia com acentuados componentes maníacos (psicose mista). 2) Psicose degenerativa. 3) Manias: a - mania com elementos esquizofrênicos (mania atípica) ; b - mania típica.

Quando e como diagnosticar componentes maníacos nas esquizofrenias? Seria simplificar demasiadamente o problema, tentar, com a clássica bipartição constitucional das psicoses, de Kretschmer, atribuir todos os casos atípicos de esquizofrenia a uma interposição de elementos ciclotímicos, "Parece-nos totalmente impossível" - acentua Kurt Schneider3 - "pretender explicar todas as psicoses atípicas com o método das ligações" e entrecruzamentos destas duas formas básicas. Essa afirmação permanece verdadeira, ainda mesmo depois de se tomarem em consideração as psicoses degenerativas de Kleist, como um grupo à parte.

Quando, pois, em presença de uma esquizofrenia, pensar na interposição de componentes maníacos e fazer o diagnóstico de psicose mista? Devemos - como sempre, no diagnóstico diferencial - levar em conta os seguintes elementos: 1 - sintomatologia (corte transversal da psicose) ; 2 - decurso (corte longitudinal da psicose); 3 - personalidade pré-mórbida; 4 - estudo heredológico. Os dois primeiros itens referem-se às manifestações mórbidas; os dois últimos fornecem os elementos de confirmação da suspeita clínica.

1. Manifestações clínicas - As disposições circulates podem exteriorizar-se, no quadro mórbido, das seguintes maneiras: a) pela periodicidade do decurso; b) pelas remissões mais apreciáveis (melhor prognóstico); c) pela conservação, relativamente boa, da personalidade, mesmo após um período muito longo de doença; d) pela coexistência de sintomas maníacos, no quadro mórbido esquizofrênico. A fachada pode ser maníaca e, por baixo da superfície, desenvolver-se o processo esquizofrênico; e) pela mudança de um grupo sintomático para o outro ["mkzessive Kombination" (Stransky) ; "Erscheinungswechsel" (Hoffmann)], em um determinado ponto do decurso, particularmente a terminação de uma psicose circular por um defeito esquizofrênico.

2. Além destas manifestações mórbidas, que podem ser devidas a uma disposição circular, é preciso, ainda, verificar a existência, ou não, dos seguintes fatores: a) constituição pícnica; b) temperamento pré-psicótico, ciclotímico ou sintônico; c) familiares maníaco-depressivos, indicando a possibilidade de elementos circulares latentes, mobilizáveis pelo processo mórbido (Kahn). A nosso ver, se o primeiro fator (estrutura corporal) tem pouco valor para o diagnóstico de psicose mista, em compensação, o terceiro é de importância tal que, sem a investigação heredológica e a comprovação "de psicoses indiscutíveis de ambos os grupos, na ascendência" (Wilmans4), esse diagnóstico não deve ser feito. "Não havemos de nos conformar com o estudo clínico", acentua Bumke5, "senão que devemos buscar sua origem genealógica".

3. Finalmente, como método auxiliar de grande valor, contamos com o teste de Rorschach. Ao lado dos sinais psicóticos (lesionais), de Piotrowski e das interpretações de tipo esquizofrênico (respostas de posição, auto-referências, etc), podemos encontrar outro conjunto de respostas atribuíveis a elementos ciclotímicos, responsáveis pela melhor sintonização afetiva do paciente. Tais são, por exemplo, as expressões de prazer diante das pranchas coloridas e nítida modificação da produtividade e do tipo das respostas, ao compararmos as pranchas escuras com as policromáticas. "Schizophrenics essentially never display this feeling for color, being quite indifferent to normal affective values" (Beck6).

A título de breve documentação, exporemos, a seguir, de maneira sucinta, um exemplo - escolhido entre as pacientes internadas no corrente ano, em nosso pavilhão, no Hospital Central do Juqueri (7.° Pav. Feminino), - de cada um dos três tipos descritos de hebefrenia: hebefrenia típica (pueril); hebefrenia com elementos maníacos (hebefrenia atípica); hebefrenia com acentuados elementos maníacos (psicose mista).

OBSERVAÇÕES

Caso 1 - M. T. M., 18 anos, branca, brasileira, solteira, examinada em 2-1-1949 (R. G. 42.541). Paciente, ora irriquieta, ora agitada, incapaz de manter contacto adequado conosco e com o meio. Não responde às nossas perguntas ou dá respostas incoerentes. Seus movimentos são numerosos, porém inadequados, sem sintonização afetiva. Risos tolos, inexpressivos, cantos, assobios, gritos, linguagem saltuária, incoerente e momentos de silêncio, alternam-se sucessivamente. Alguns maneirismos. Impulsiva. Prováveis alucinações auditivas. Diagnóstico: Hebefrenia pueril.

Após 20 comas ihsulinicos, as melhoras eram evidentes. Desapareceram as manifestações saltuárias e incoerentes, os risos tolos, a inquietude, a impulsividade.

A paciente estava apreciavelmente bem orientada, tanto auto como alopsiquicamente. Entretanto, havia nítida falta de interesse, com embotamento da iniciativa e da afetividade. Permanecia horas sentada num mesmo lugar e não se havia ocupado na laborterapia. Prolongado o tratamento por mais dois meses, as melhoras foram bastante acentuadas, permitindo a concessão de licença. Remissão social; defeito esquizofrênico presente, porém pouco perceptível a um exame rápido.

O teste de Rorschach4 4 Expomos aqui o significado de alguns dos símbolos usados em nossos protocolos: R = n. 9 total de respostas; T/R - tempo, em média, para cada resposta; P =: pormenor primário (freqüência de seleção até 1:22); M - movimento de figura humana ou antropóide; F+ - forma bem vista; F _ - forma mal vista (freqüência inferior a 5%); A - figura animal; T.P. - tipo de percepção; Rpt - repetição ou perseveração de respostas; Ppl =r Perplexidade; Lib - liberação de respostas; Elab = índice de elaboração (organization activity, de Beck); V - vulgar. forneceu apenas 6 respostas, com um T/R de 3 e 1/2 minutos; %F - 100%; Ppl e Lib, esboçadas.

Caso 2 - F. U., 21 anos, branca, lituana, solteira, examinada em 19-3-1949 (R. G. 42.813). Paciente com alguma agitação psicomotora. Logorréia. Risos freqüentes e comunicativos. Maneirismos. Euforia imotivada. Parcialmente desorientada (tempo e lugar). Autismo. Discreta desagregação do pensamento. Falsos reconhecimentos e falsas interpretações, com idéias delirantes de fundo erótico. Comprometimento da afetividade. Impulsiva. Bom nível intelectual. Diagnóstico: Síndrome esquizofrênica, forma predominantemente hebefrênica.

Com a convulsoterapia pelo eletrochoque e, a seguir, pelo cardiazol, até completar, ao todo, 20 crises, não apresentou melhoras. Submetida à insulinoterapia, após 20 comas mostrou acentuadas melhoras. A pedido do irmão, foi-lhe concedida uma licença de prova (durante nossas férias, motivo por que não pudemos efetuar o exame de seu estado mental, na ocasião), sendo assinalado moderado defeito esquizofrênico.

O teste de Rorschach, feito em 10-7-1949 (quando a paciente já tivera 6 comas insulínicos completos) permite concluir pela existência de uma psicose: T>1 minuto; V = 0; %F+ - 64%; M - 0; Rpt; R = 15 (mínimo considerado normal); comprometimento sério do trabalho intelectual (T.P. - P; Elab. quase nula; V = 0). Interessantes são os resultados fornecidos pela comparação das respostas nas pranchas coloridas e escuras: Coloridas - R 11; F+7; F~3; %F+ 70%; Rejeição 0; %A 27,5%. Escuras -- R 4; F+ 1; F~ 2; %F+ 33%; Rejeição 2; %A 75%.

Fica assim ressaltada, a grande influência positiva da percepção das côres sôbre a produtividade e a qualidade das respostas. Esta diferença, a noso ver, indica um elemento de sintonização afetiva estranho à esquizofrenia, o que viria confirmar a suspeita clínica de tratar-se, no caso, de uma hebefrenia com componentes maníacos. Essa suspeita havia sido levantada pelo fato da excitação psicomotora, com inquietude, logorréia, risos e euforia, ter aspecto um tanto mais sintônico que o das verdadeiras esquizofrenias; particularmente suas risadas eram comunicativas, bastante simpáticas. Afora isso, o quadro mental era hebefrênico.

O estudo heredológico é impraticável em grande percentagem de pacientes, no Hospital do Juqueri. No caso em apreço, pudemos, por uma coincidência relativamente muito pouco freqüente, observar a progenitora da paciente, que se achava internada em outro pavilhão da Secção Feminina:

O. U., 56 anos, branca, lituana, casada (R. G. 35.352). Diagnóstico: Psicose maníaco-depressiva (1947). Entretanto, a paciente adoecera em 1910 e estava internada desde 1946, jamais tendo havido remissão desde o início da moléstia, que era acompanhada de momentos de agitação e outros de depressão. Atualmente, há nítido defeito esquizofrênico, com desagregação acentuada, idéias delirantes e perda da capacidade pragmática. Não obstante, a paciente demonstra afetividade parcialmente conservada e o teste de Rorschach, sob êste ponto de vista, revela nítido aumento da produtividade nas pranchas coloridas e - o que talvez seja ainda mais importante - manifestações de agrado e de prazer, despertadas pelas cores (sintonização afetiva). O diagnóstico seria o de uma psicose mista (esquizofrenia mais psicose maníaco-depressiva), desencadeada na involução.

É de notar que, nos ascendentes de hebefrênicos, não é rara a existência de psicoses mistas. O. U., mãe de F. U., apresenta um quadro misto; na filha os componentes maníacos, se bem perceptíveis clinicamente, estão algo atenuados. Este aspecto psíquico apresenta, no caso, também um equivalente somático, pois a mãe é niarcadamente brevilínea (braquitipo 3, de Viola; braquitipo deficiente, de Bárbara; pícnica, de Kretschmer), enquanto que a filha já é um tipo intermediário, mais próximo aos longilíneos (mistotipo de Viola ou normotipo, hipossômico, hipomélico, deficiente de Bárbara).

Caso 3 - N. de O., 23 anos, parda, brasileira, solteira, examinada em 3-2-1949 (R. G. 42.566). Paciente algo apática, conservando-se numa atitude perplexa, mo-vendo-se com lentidão e respondendo às nossas perguntas em voz baixa e vagarosamente. Às vezes, fecha os olhos ou deixa-os entreabertos e inclina a cabeça, como se quisesse cochilar; outras, dirige o olhar, vagamente, para um ponto, parecendo prestar atenção a alucinações auditivas; às vezes, franze os sobrolhos, a seguir, enxuga umas lágrimas que não são bem justificadas. Quando interrogada, responde; mostra-se regularmente orientada, auto e alopsiquicamente, obedece às nossas ordens e mesmo já tem ajudado em serviços do pavilhão. Tem sido vista em solilóquios cochichados. Confessa alucinações auditivas. Sensação de estranheza; tem impressão de transformação da sua pessoa e do mundo. Às vezes, discreta desagregação do pensamento. Diagnóstico: Esquizofrenia aguda.

Após 10 eletrochoques, a sintomatologia anterior havia desaparecido, porém, a paciente se apresenta em discreta excitação psicomotora: fala demais, não permanece quieta, ri facilmente, diz inconveniências. Certo erotismo em suas atitudes. Diagnóstico: Esquizofrenia hebefrênica. Iniciou a insulinoterapia em 25-4-949. Em 4-5-1949, a paciente voltou a apresentar um estado de perplexidade e depressão semelhante, quase em sua totalidade, ao do momento da internação. Em 15-6-1949, após terminar 20 comas insulínicos (de início associados à cardiazoloterapia até completar 20 crises, incluídas as provocadas pelo eletrochoque), a paciente apresenta-se, de novo, em discreta excitação psicomotora, falando, por vezes, de maneira exagerada e inconveniente, gesticulando demais em seus movimentos, mostrando teimosia e sendo importuna; certo erotismo.

No mês seguinte, levamos a paciente - que, mais uma vez, se apresentava perplexa e deprimida, como no início - a uma das reuniões da Chefia Feminina, como caso de psicose mista (esquizofrenia com manifestações maníacas). Tanto ao corte transversal (sintomatologia), como ao longitudinal (decurso) da psicose, salientam-se, sobre um fundo esquizofrênico, manifestações atribuíveis a fatores maníaco-depressivos: decurso circular (alternância fásica de depressão e excitação) ; sintomatologia parcial maníaco-depressiva (perplexidade - depressão, seguida por hipornania). Quanto à personalidade pré-mórbida e à heredologia, foi impossível obter outros dados, além do tipo constitucional da paciente, o que torna os dados insuficientes para um diagnóstico preciso. Tipo constitucional: braquitipo 2 (Viola), braquitipo com antagonismo (Bárbara) ou pícnico (Kretschmer). Cefalometria: braquitipo deficiente. Apesar do seu valor muito relativo, o tipo constitucional da paciente é favorável à existência de elementos circulares.

Durante nossas férias foi anotado o seguinte, em 9-8-1949, pelo médico encarregado do serviço, Dr. E. M: a paciente tem apresentado fortes crises de agitação e de agressividade; ultimamente, tem rompido a contensão que lhe fazem durante o choque insulínico, tendo investido contra algumas doentes, tornando-se, assim, um elemento perigoso no Pavilhão. Decidimos, por esse motivo, indicar leucotomia cerebral.

BIBLIOGRAFIA

As considerações expendidas neste trabalho foram expostas a propósito de casos apresentados em reuniões da Chefia Feminina do Hospital Central do Juqueri, sob orientação do Dr. Mário Yahn.

Rua Barão de Itapetininga, 273, 6.º andar - São Paulo.

  • 1. Bleuler, E. - Lehrbuch der Psychiatrie, Ed. 3, Julius Springer, Berlim, 1920, pág. 319.
  • 2. Lange, J. e Bostroem, A. - Psiquiatria, Trad, espanhola da 4.ª ed. alemã. Ed. Miguel Servet, 1942, pág. 331.
  • 3. Kurt Schneider - Problemas de Patopsicología y de Psiquiatría Clínica. Trad, espanhola, Ed. Morata, Madrid, 1947, pág. 22-23
  • 4. Wilmans - In Bumke, O. - Handbuch der Geisteskrankheiten, vol. 9. Ed. Julius Springer, Berlim, 1932, pág. 483.
  • 5. Bumke, O. - Nuevo tratado de Enfermedades Mentales, Trad, espanhola da 5.ª ed. alemã. Ed. F. Seix, 1946, pág. 363.
  • 6. Beck, S. J. - Rorschach's Test. A variety of personality pictures. Grune & Stratton, N. Y., 1945, pág. 32.
  • Contribuição para o estudo das psicoses atípicas: esquizofrenias com manifestações maníacas

    Maurício Levy Junior
  • 1
    Mais exato seria restringir o predomínio destes distúrbios à "percepção e interpretação da realidade", pois, quanto ao "curso do pensamento", as alterações (desagregação ideativa) são mais evidentes nas hebefrenias.
  • 2
    Deve ser acentuado que Kleist usa o conceito "degeneração" em sentido oposto ao da antiga escola francesa. Esta se referia à degeneração da raça, agravando-se o estado patológico com as gerações sucessivas. Aquele refere-se à degeneração da tara, dos
    gens mórbidos; trata-se, portanto, de uma "auto-melhora da herança'', segundo Kleist.
  • 3
    Deixamos de estudar, no presente trabalho, por terem constituído assunto de outra comunicação, as
    parafrenins, que, no ver de muitos autores, seriam meros processos esquizofrênicos em personalidades de constituição mais resistente devido à herança circular. Principalmente na parafrenia expansiva, se acentuam os elementos maníacos, tratando-se então, com freqüência, de uma psicose mista. Não abordamos, também aqui, aqueles casos em que a herança circular apenas torna o terreno mais resistente ao processo esquizofrênico, sem produzir sintomas próprios à psicose maníaco-depressiva; tal seria o caso de muitas parafrenias (não expansivas).
  • 4
    Expomos aqui o significado de alguns dos símbolos usados em nossos protocolos: R = n.
    9 total de respostas; T/R - tempo, em média, para cada resposta; P =: pormenor primário (freqüência de seleção até 1:22); M - movimento de figura humana ou antropóide; F+ - forma bem vista; F
    _ - forma mal vista (freqüência inferior a 5%); A - figura animal; T.P. - tipo de percepção; Rpt - repetição ou perseveração de respostas; Ppl =r Perplexidade; Lib - liberação de respostas; Elab = índice de elaboração (organization activity, de Beck); V - vulgar.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Mar 1950
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