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Análises de livros

Análises de livros

ENFERMEDADES DEL MÚSCULO. ESTUDIO PATOLÓGICO. R. D. adams, D. Denny-Brown e C. M. Pearson. Tradução castelhana do original norte-americano feita por José A. Coll. Um volume (18x27) com 514 páginas e 187 figuras. Editorial "La Fragua", Buenos Aires, 1957.

O original norte-americano dêste livro - Disease of Muscle. A Study in Pathology - já fêz praça de seus altos méritos; oriundo de colaboração estreita entre um ramoso neurologista (D. Denny-Brown), um neuropatologista de renome universal (Raymond D. Adams) e um grande especialista em patologia muscular (Carl M. Pearson), êste livro contém tudo o que se possa desejar, em matéria de embriologia, de histologia normal e patológica e de fisiologia neuromuscular para o diagnóstico e interpretação das atecçoes primárias e acometimentos secundários do sistema muscular. Na primeira parte sao estudadas à luz das mais modernas aquisições e mediante os melhores recursos técnicos, a embriologia, a histologia, a ínervação e a vascularização dos músculos esqueléticos, tudo acompanhado de considerações básicas sobre a química e fisiologia da contração muscular. A segunda parte é dedicada ã patologia experimental e ao estudo das reações gerais do músculo humano irente aos agentes nocivos. A última parte compreende oito capítulos nos quais são estudadas as aieccões congênitas, as distrofias miopáticas e neuropáticas, as miosites, os tumores, as enrermiaades traumáticas e inflamatórias, as repercussões das arecçoes toxicas, metabólicas e endócrinas e, por fim, enfermidades várias caracterizadas por distúrbios da excitabilidade e da contratilidade (miastenias, miotonias, paralisias periódicas, espasmos difusos e localizados).

Excelente sob todos os pontos de vista a iniciativa que teve o Dr. José A. Coll de traduzir êste livro que constitui a base de todos os estudos modernos sôbre a patologia muscular. A tradução obedeceu aos mesmos dispositivos do livro original. A versão castelhana está muito bem apresentada, em bom papel, com nítida encheria, o que valoriza o trabalho da Editorial "La Fragua". Excelente índice remissivo final.

O. Lange

L'ELETTROENCEFALOGRAMMA DEL BAMBINO NORMALE. Alberto Fois. Manual (24,5x16,5) com 140 páginas e 101 traçados eletrencefalográficos. Edição "Omnia Medica", Instituto di Ricerche V. Baldacci Editore, Pisa, 1957.

São conhecidas as dificuldades para a interpretação dos resultados da eletrencefalografia em crianças, pois certos achados correspondem não a lesões mas à imaturação de certas constelações neuronais. Daí resultam interpretações ambíguas, quando não coniraditórias, pois os mesmos elementos que alguns consideram como patológicos, para outros são tidos como dentro dos limites da normalidade. O estudo sistemático dos potenciais cerebrais mostra que a atividade elétrica cerebral se inicia na vida intra-uterina e que, mediante variações consistentes em aumento progressivo do ritmo e em maior organização do traçado, evolui até a idade média de 30 anos, momento em que a evolução cessa, dando lugar, anos depois, a modificação em sentido inverso. Assim, a eletrencefalografia, considerada como fruto da atividade síncrona e rítmica de grupos neuronais corticais influenciados pela atividade do sistema centrencefálico, mostra que as diversas áreas e sistemas encefálicos não chegam ao mesmo tempo à plena maturação. Daí a importância, para a perfeita interpretação dos eletrencefalogramas, da padronização dos resultados normais em diferentes idades.

Alberto Fois, ex-colaborador de F. A. Gibbs, recolheu, no Instituto de Clínica Pediátrica da Universidade de Siena, vasto material com o qual procurou sistematizar e padronizar os resultados do eletrencefalograma da criança normal, desde o primeiro mês até o 14º ano de vida. Os 101 traçados apresentados neste livro foram obtidos em crianças normais com idades progressivas de 1 a 12 meses (traçados obtidos de mês em mês) e de 1 a 14 anos (traçados obtidos de ano em ano); para cada idade foram obtidos traçados em vigília, em sono e no acordar. Os traçados foram obtidos em aparelho Galileo de 8 canais, com derivações monopolares com referência biauricular, com velocidade uniforme de 30 mm/seg., com amplificação correspondente a 7 mm para cada 50 mierovolts.

Em suas conclusões o autor sintetiza os resultados quanto aos seguintes agrupamentos etários: a) entre o primeiro e o terceiro mês de vida; b) do 4º ao 12º mês; c) de 2 a 3 anos; d) de 4 a 5 anos; e) de 6 a 7 anos; í) de 7 a 10 anos: g) de 11 a 14 anos. Sem entrar em maiores detalhes, não cabíveis nesta apreciação e que serão valorizados pelos que lerem êste livro, salientaremos que o autor ressalta que, quanto à morfologia dos traçados eletrencefalográficos nos primeiros 14 anos de vida, há grandes variações individuais, o que aconselha grande prudência na interpretação dos dados patológicos.

A leitura dêste pequeno livro, em formato de manual, com texto reduzido ao essencial e com abundante documentação, é recomendável a todos os que devem interpretar eletrencefalogramas em crianças, pois nêle será visto que muitos potenciais irregulares são inerentes à maturação progressiva e não a lesões patológicas.

O. Lange

CISTICERCOSIS CEREBRAL. Fabián Isamat De La Riva. Um volume com 228 páginas e 39 figuras. Edição própria, distribuidora Vergara S.A., Barcelona, 1957.

O sempre atual problema de neurocisticercose mais uma vez pôsto em foco, sendo passados os revista os aspectos fundamentais da afecção, comentados em paralelo com casuística pessoal. Na primeira parte, são passados em revista o histórico, a parasitologia, a epidemiologia, a anatomia patológica, a incidência, a classificação das formas clínicas, a sintomatologia, os dados referentes a exames complementares para o diagnóstico (eletrencefalograma, exames radiográficos, exames de laboratório), o prognóstico e o tratamento. Na segunda parte, são apresentados em detalhe 16 casos de neurocisticercose observados no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Clínico e Provincial da Faculdade de Medicina de Barcelona, nos quais foi possível chegar ao diagnóstico anatômico de certeza.

Entre as conclusões a que chega o autor, salienta-se a classificação proposta, baseada nos aspectos anátomo-patológicos, segundo a qual são cinco as formas fundamentais da doença: cisticercose dos hemisférios cerebrais (forma cortical e forma córtico-subcortical); cisticercose ventricular; cisticercose basilar; cisticercose cerebral rieneralizada; cisticercose espinal. A cisticercose basilar é subdividida em três formas, segundo a predominância da localização do parasita na cisterna magna, na cisterna lateral (ângulo cerebelo-pontino) ou nas fossas anterior e mediana. A revisão de 187 casos de neurocisticercose da literatura, comprovados pelo exame histológico (biopsia ou necropsia), serviu para estudar as sedes mais comuns da localização das vesículas cisticercóticas. Em 37,4% dos casos, cisticercos foram assinalados em diversos pontos do sistema central; em 62,6% dos casos a localização era única, com preponderância nos hemisférios cerebrais, em particular na substância cinzenta dos lobos frontoparietais, seguindo-se, em freqüência, a localização na eisterna magna e no 4º ventrículo. Para a infestação múltipla, predominava o achado de cisticercos no córtex cerebral, na cisterna magna e no 4º ventrículo. Dos 16 casos estudados pelo autor, em 9 havia uma única vesícula cisticercótica; nos restantes a infestação encefálica era múltipla.

A bibliografia da cisticercose do sistema nervoso central fica enriquecida com mais uma publicação cuidadosamente preparada, na qual os neurologistas e os clínicos gerais encontrarão fontes seguras para revisão de seus conhecimentos. Cuidadosa impressão tipográfica, excelentes ilustrações e extensa bibliografia completam a utilidade dêste livro.

A. Spina-França

L'ELETTROENCEFALOGRAFIA CLINICA. Carlo Pbrris. Um volume com 264 páginas e 96 figuras. Instituto di Ricerche V. Baldacci Editore. Edição "Omnia Medica", Pisa, 1957.

Depois de recordar as bases fisiológicas da atividade elétrica cerebral, assim como a técnica e metódica da eletrencefalografia e da corticografia tanto de superfície como profunda, o autor refere as modificações fisiológicas do eletrencefalograma conforme a idade e as condições do paciente (em estado de vigília e em sono) e estuda a ação dos meios mais usados para a ativação dos ritmos elétricos cerebrais: ativadores químicos, sono provocado, estimulação luminosa intermitente, estimulação de nervos periféricos. Como bases para a valorização dos resultados do exame eletrencefalográfico são analisados os característicos das ondas que traduzem a atividade elétrica neuronal, sendo referidos os oito critérios que Grey Walter considera como parâmetros que permitem considerar um traçado como anormal, assim como os elementos que permitem localizar e avaliar a extensão de uma lesão cerebral. A importância dos dados fornecidos pela eletrencefalografia para o diagnóstico da natureza da lesão e para o prognóstico é salientada em vários capítulos, todos com abundantes referências bibliográficas, dedicados ao estudo dos tumores, das afecções vasculares, dos abscessos, das atrofias, das encefalopatías desmielinizantes, das várias formas de epilepsia.

O material utilizado como base para as conclusões do autor e que representa sua contribuição pessoal à eletrencefalografia consta de 80 casos de tumores encefálicos nos quais os achados eletrencefalográficos foram controlados pela intervenção cirúrgica (50), pela necropsia (5) ou sòmente pelo estudo radiológico (25); os dados clínicos e paraclínicos foram reunidos em tabelas de fácil consulta, sendo os casos de maior interêsse expostos detalhadamente; os achados, registrados em eletrencefalógrafo Kaiser de 8 canais, foram analisados em detalhe, e reunidos em tabelas discriminativas percentuais. Pôde, assim, o autor distribuir seus achados em grupos que lhe permitiram concluir pela existência de 6 tipos principais de alterações eletrencefalográficas nos tumores encefálicos.

O. Lange

L'ENFANT INADAPTÉ (Rôle Médico-Social du Médecin). L. Michaux e D. j. Duché. Bibliothèque de Thérapeutique Médicale, G. Doin et Cie. Ed., Paris, 1957.

Trata-se de um livro ambicioso, como se pode depreender do subtítulo, no qual está implícito o papel importantíssimo que o médico deve desempenhar na sociedade, seja realizando a profilaxia da inadaptação infantil, seja propondo recursos para a correção desta desadaptação quando existente. Em suas 309 páginas, entretanto, encontramos exposta, "à vol d'oiseau", toda a Neuro-Psiquiatria, com algumas incursões, também rápidas, pela embriologia, psicologia e outras matérias afins. É bastante lembrar que os autores, pretendendo expor as formas de inadaptação da criança normal ou doente, estudam os agentes morbígenos que poderiam atuar sôbre o sistema nervoso infantil nos períodos pré-natal, natal e pós-natal. Assim sendo, problemas importantíssimos e já amplamente estudados são expostos de maneira sumária, de tal forma que não sabemos que tipo de leitor poderá se interessar pelo livro: o especializado com certeza não será; o não especializado também, pois dificilmente conseguirá retirar alguma noção útil para o desempenho de sua função médico-social. À página 21, por exemplo, encontramos, em três linhas, a exposição de um assunto sôbre o qual "recentemente", segundo afirmam os autores, chamou-se a atenção: trata-se nada menos do que a incompatibilidade sangüínea materno-fetal que, há longos anos, vem sendo estudada, em todos os detalhes, pelas revistas de Hematologia, Pediatria e Neurologia. Ainda no capítulo das influências pré-natais responsáveis por futuros inadaptados, encontramos exposta a influência do álcool no momento da concepção. Somente o amor à anedota e ao pitoresco poderia explicar o fato de que alguém, em pleno ano de 1957, ainda afirme a existência dos "enfants du samedi", "tarés parce que conçus lors de libations".

Vamos correndo o livro acompanhando os seus vários capítulos, em que são estudados a evolução psicomotora da criança normal e as várias formas e graus de distúrbios congênitos ou adquiridos da inteligência. A mesma superficialidade das noções, desta vez mais chocante por se tratar de assunto em que os autores confessam estar trabalhando particularmente. A propósito da poliomielite, em meia página (pág. 109), fazem referência a pesquisas que estão realizando no Centro de Garches, pelas quais demonstraram que o número de retardados intelectuais é sensivelmente superior (?) àquele de uma população escolar comum. Apenas isto. Nenhum dado objetivo, seja no que diz respeito a este "número sensivelmente superior", seja ao tipo de distúrbio intelectual. Não seria este um tema para ser desenvolvido com maiores detalhes por autores que estão efetuando exames em um Centro no qual são tratados pacientes com poliomielite? Poucas doenças como esta são capazes de perturbar a adaptação de uma criança. Não será novidade lembrar que cuidados especiais são necessários para a reapdatação, tantas vezes dificílima, de uma criança tornada paralítica. O que encontramos neste capítulo - sem qualquer explicação aliás - é a simples referência a um número maior de retardados mentais no grupo de pacientes de poliomielite, ficando o leitor menos avisado sem saber se o retardamento mental é uma causa predisponente à poliomielite ou se esta seria responsável por aquêle.

Diga-se, de passagem, que não conseguimos apreender bem o conceito de inadaptação infantil que dá título ao livro. No prefácio de Heuyer pareceu-nos, em certo momento, que a substituição do título "criança anormal" por "criança inadaptada", se deve a motivos de ordem sentimental: "il est cruel à des parents d'entendre dire que leur enfant est anormal". De acôrdo. Não vemos porém porque seja mais cruel a expressão "anormal" do que expressões como "esquizofrênico", "epiléptico" ou "hidrocefálico". As doenças realmente não são agradáveis, mas o que é certo é que expressões eufêmicas não irão reduzir a dor dos pais ou dos enfermos. Poderíamos aceitar o emprêgo da expressão "inadaptado" se a mesma se aplicasse apenas a um grupo limitado de pacientes, com dificuldades de ajustamento condicionadas por fatôres de ordem psicológica ou social. A inclusão, sob esse título de "inadaptado", de crianças com neurodisplasias, sífilis congênita, meningo-encefalites, tumores cerebrais, psicoses em geral, enfim um sem número de doenças neurológicas, psiquiátricas ou endócrinas, desfigura completamente uma expressão.

O curioso é que os autores têm uma tendência invencível para as interpretações simplistas e superficiais, capazes de produzir efeitos desastrosos em leitor não especializado. A enurese noturna, por exemplo, que aflige tantas crianças, chegando a criar problemas graves, vem sendo estudada hoje de maneira bastante objetiva, seja através de certo número de provas neurológicas (exame neurocistométrico) pelas quais se procura verificar a existência de lesões orgânicas, seja utilizando métodos de investigação psicológica. Entretanto, os autores deste livro também neste assunto mostram-se encantados com o lado anedótico de alguns casos clínicos. Citam, por exemplo, o de uma jovem "qui avait tous les agréments de la beauté et de la richesse et dont l'énurésie ne cessa qu'au premier jour d'une grossesse". Ao lado deste caso em que "on voit la maternité triompher de l'énurésie", um outro é citado, referente a um paciente que "au lendemain d'une nuit de noce réussie, guérissait définitivement d'une énurésie" que até então vinha sendo atribuída a uma causa orgânica.

Todos os que ensinam sabem que muitas vêzes o que resta da leitura de um livro ou de uma aula é o episódio incidental, principalmente quando narrado com sabor anedótico. Não deixa, portanto, de ser perigosa a inclusão de exemplos "clínicos" como êstes, capazes de induzir alguns leitores a interpretações igualmente simplistas, ou então determinar em leitores mais exigentes uma reação de descrédito em relação a este setor da Medicina.

Poderíamos esperar que o capítulo em que são estudadas as causas da inadaptação social desfizesse, pelo menos em parte, a má impressão deixada pelos anteriores; vamos encontrar logo um assunto de palpitante interêsse como seja a influência do cinema, da televisão e da imprensa, principalmente a imprensa infantil. Descobrimos então que o cinema e os "comics" são feitos "à la intention d'adultes d'Outre-Atlantique, mais leur caractère infantile s'adapte particulièrement bien aux enfants de chez nous"; não conseguimos, porém, descobrir como é que o cinema ou os "comics" podem atuar como fatores de inadaptação para crianças tão precocemente desenvolvidas. Todos sabem que este é um assunto aberto e controvertido, daqueles que deveriam merecer a maior atenção dos autores de um livro que pretende preparar o médico para uma função médico-social. Aqui também a mesma decepção, pois os autores permanecem no impreciso e no vago que são a nota constante em toda a extensão dêste livro.

Antonio B. Lefèvre

LA DOULEUR ET LES DOULEURS. Vários autores. Publicado sob a direção de Th. Alajouanine. Um volume com 345 páginas, coletânea de 23 trabalhos. Masson et Cie., Paris, 1957.

O termo "dor" se reveste de sentidos os mais variados e o fenômeno desagradável que de modo amplo êle procura designar depende de diferentes mecanismos. Desta forma, a dor, em suas diversas modalidades, pode ser focalizada sob aspectos sociológicos, psicológicos, psiquiátricos e neurológicos. Neste livro - composto de uma série de relatórios apresentados em simpósio realizado na Clínica Neurológica da Salpêtrière - a dor é considerada primordialmente em seus aspectos clínicos, fisiológicos e terapêuticos. Todavia, o estudo desses ângulos essencialmente médicos são precedidos por alguns capítulos de âmbito geral, que registram alguns elementos fundamentais sôbre as vias anatômicas, anátomo-patologia, fisiologia normal e patológica e ontogênese da dor. Esses relatórios iniciais facilitam a leitura dos capítulos subseqüentes.

As dificuldades da conceituação da dor são ressaltadas por René Leriche, que analisa seus paradoxos e a imprecisão de nossos conhecimentos sôbre sua natureza íntima. Não há, na realidade, condição anatômica precisa que redunde necessàriamente em dor; por outro lado, com freqüência, uma mesma lesão anatômica desencadeia dores cruciantes em um indivíduo, sendo, em outro, incapaz de produzir qualquer sensação subjetiva anormal. A dor aparece, muitas vêzes, sem que nada denuncie o que a produz: a seguir, ela se atenua, se exacerba, desaparece e, sem causa tangível, pode retornar. J. Gruner analisou os elementos essenciais que constituem as bases anatômicas do fenômeno doloroso, isto é, as terminações que captam a sensação desagradável, as vias aferentes da sensibilidade, as diversas estruturas da medula e do encéfalo através das quais a dor se manifesta e, finalmente, os sistemas reguladores, ainda pouco conhecidos em seu mecanismo intrínseco, que modifieam o limiar da dor. Os principais aspectos fisiológicos da dor constituem o tema do relatório de J. Scherer, que passou em revisão os elementos eletrofisiológicos dos receptores, a somação de sua atividade, a função das fibras nervosas condutoras da dor e a integração da dor no sistema nervoso central. Sendo a dor um fenômeno de consciência, constitui igualmente um problema psicopatológico, de cujo estudo se incumbiu H. Piéron. Sob o ponto de vista psicopatológico, a própria palavra "dor" encerra uma pluralidade de sistemas específicos de alarme, provocando reflexos locais e, principalmente, um "stress" ao nível do diencéfalo, com repercussão geral provinda da substância reticular e reações particulares de defesa. André-Thomas analisando o comportamento do recém-nascido, tratou do desenvolvimento ontogenético da vida psico-afetiva e da dor no ente humano e a gradual participação do afeto e da afetividade nas reações da criança à dor.

Após essa série de relatórios de natureza geral, Alajouanine estudou o fenômeno dor na Medicina e, mais particularmente, na Neurologia, especialmente do ponto de vista semiológico. Tratando-se de fenômeno essencialmente subjetivo, a semiologia repousa, de modo quase exclusivo, em informações prestadas pelo paciente: o interrogatório deverá precisar a realidade do fenômeno dor e esclarecer quanto a sua topografia, suas características intrínsecas e sua repercussão psico-afetiva. A anamnese deve ser acompanhada do estudo objetivo da sensibilidade e da influência eventual de agentes terapêuticos.

Desde que a dor é o denominador comum do comprometimento dos receptores, das vias aferentes periféricas e centrais e de "centros" encefálicos, estudo particular mereceu, nesse simpósio, a afecção nesses diferentes níveis. G. Boudin analisou os aspectos e os mecanismos da dor no comprometimento do protoneurônio sensitivo. Quando estímulos tácteis ou térmicos de pouca intensidade provocam sensação anormalmente dolorosa fala-se em hiperalgesia; essa condição mórbida, de verificação comum, constituiu tema do relatório de J. Barbizet. J. Haguenau estudou as dôres musculares em cuja gênese podem intervir fatôres neurológicos, vasculares e metabólicos, isolada ou associadamente. As dores vasculares, quer oriundas de isquemias, quer as de origem vasomotora (causalgia, por exemplo), foram revistas por P. Castaigne. François Lhermitte estudou a anatomia e fisiopatologia, as características clínicas e a topografia das dôres viscerais, subdividindo-as em três tipos: a dor visceral propriamente dita, oriunda da distensão das vísceras; a dor projetada sôbre os dermátomos; as dôres parietales, produzidas pela extensão do processo patológico às paredes tóraco-abdominais, determinando estimulação das fibras dolorosas dos nervos raquidianos. A neuralgia constituiu o tema do relatório de R. Thurel, que analisou suas características topográficas e cronológicas. Jean Lapresle analisou as dôres medulares, diferenciando as que caracterizam o acometimento do cordão posterior, daquelas produzidas pelas lesões do corno posterior e do feixe espinotalâmico. Raymond Garcin estudou a dor nas afecções do sistema nervoso central, particularmente em lesões do tálamo e da região bulboprotuberancial. A dor talâmica, por suas características intrínsecas e pelas dificuldades em sua explicação fisiopatológica, constitui um dos problemas mais apaixonantes da Neurologia. Garcin, em minucioso estudo critico, analisou a somatotopia talâmica, a natureza das lesões que condicionam dores e a fisiopatologia de síndromes talâmicas, insistindo na variabilidade da fenomenologia clínica ante idênticas lesões. As dôres talâmicas, assim como as que dependem de afecção bulboprotuberancial, comprovam que o método anátomo-clínico é insuficiente, em sua rigidez, para esclarecer o problema da dor, sensação com grande tonalidade afetiva, que implica questões de psicopatologia emocional.

Jean Nick se encarregou da revisão do problema das cefalalgias, analisando os mecanismos e os principais tipos de cefaléias, sobretudo as que caracterizam a enxaqueca. As algo-alucinoses e as alucinações da dor foram minuciosamente revistas por Jean Lhermitte, que as estudou sob o ponto de vista psicopatológico. Prosseguindo nessa ordem de perturbações psicopatológicas, H. Hecaen se incumbiu do estudo da assimbolia à dor, curiosa modificação da apreciação da dor, em que o indivíduo reage a ela de modo insuficiente ou mesmo não chega a dela tomar conhecimento. Alguns aspectos psiquiátricos da dor somática foram analisados por

Leon Michaux, que incluiu o problema das psicalgias. A série de conferências sôbre a dor, metòdicamente esclarecida segundo a complexidade crescente, prosseguiu com o estudo da dor moral (J. Morlaas), problema de difícil esquematização, pois a dor moral é um atributo especificamente humano e sua análise total escapa às possibilidades de observação estranha.

A farmacologia dos anestésicos e da morfina foi estudada, respectivamente, por R. Hazard e por J. Jacob. A um neurocirurgião - R. Houdart - foi confiado o estudo da neurocirurgia cerebrospinal da dor, sendo revistas as possibilidades c as limitações da mielotomia, da eordotomia, da talamotomia e da psicocirurgia.

O último capítulo deste livro, cuja utilidade e interesse parece-nos ser inútil encarecer, foi reservado para um neurologista britânico - Macdonald Critchley - que se incumbiu de um curioso estudo sôbre a semiologia da dor tabética ilustrada pelo diário de Alphonse Daudet a que ele denominou de "La Doulou" (palavra provinciana significando "a dor"), contendo suas experiências de enfêrmo, na riqueza de seu linguajar em que utiliza as mais pitorescas e irônicas comparações.

R. Melaragno

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Fev 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 1958
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